INTRODUÇÃO
A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma doença crônica que envolve limitação de saída do fluxo aéreo de caráter irreversível e aprisionamento de ar nos pulmões devido a uma reação exacerbada desse órgão a partículas e gases nocivos, interligada principalmente ao tabagismo e caracterizada como prevenível e tratável1,2. A Organização Mundial da Saúde estima que, no mundo, em 2020, a DPOC ocupe a quinta posição em doenças crônicas incapacitantes em anos de vida. No Brasil, segundo dados da Iniciativa Global para Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (GOLD), a DPOC afeta aproximadamente 7 milhões de pessoas3.
A DPOC pode ser classificada em quatro estádios: estádio I, doença leve; estádio II, doença moderada; estádio III, doença grave; e estádio IV, doença muito grave. A DPOC representa uma doença limitante e debilitante, principalmente nos estádios III e IV e, nesses casos, os pacientes afetados podem ter limitações nas suas atividades de vida diária, principalmente associadas a um sintoma muito frequente que é a dispneia2. Da mesma forma, a sarcopenia, que é caracterizada pela diminuição muscular progressiva, tem sido encontrada em pacientes com DPOC, sendo definida pela diminuição da massa muscular no músculo sóleo e pode estar associada ao uso de glicocorticoides4.
Com bastante frequência, o perfil do portador de DPOC é o idoso que possui o hábito do tabagismo, necessitando, para melhor controle deste hábito, um acompanhamento multiprofissional em programas de reabilitação pulmonar que incluem pneumologista, fisioterapeuta, nutricionista, psicólogo, dentre outros profissionais5,6. Uma das atividades mais afetadas é a marcha, pois muitos pacientes relatam cansaço durante poucos minutos de caminhada. Subtende-se que esse cansaço associado à marcha em idosos com DPOC pode cursar com um déficit de equilíbrio, considerando o fato da marcha desses pacientes possuir uma alteração significativa de deambulação7. As quedas podem ser um fator de impacto na vida de idosos, principalmente os que possuem patologia respiratória e têm, dentro de sua sintomatologia, a dispneia de esforço, evidenciando-se, assim, a preocupação em analisar o risco de queda em idosos com DPOC8.
Uma das comorbidades mais comuns em idosos é a perda do controle postural, pois cerca de 30% dos indivíduos com mais de 60 anos de idade sofrem uma queda pelo menos uma vez ao ano, e esse percentual aumenta até 45% em indivíduos com mais de 70 anos de idade. O controle postural é um problema frequente quando o idoso tem uma doença crônica9.
O paciente com DPOC adquire a sarcopenia de forma lenta e progressiva, pois ocorre uma conversão de fibras musculares do tipo I em fibras do tipo II. Devido à falta de atividade física ocasionada pela dispneia de esforço, as fibras do tipo II tornam-se atrofiadas, tendo por consequência a redução da capacidade respiratória, tornando o paciente mais suscetível ao quadro agudo da doença, bem como as internações para assistência ventilatória, aumentando o risco de mortalidade nestes pacientes10.
As quedas são um assunto polêmico, pois existem discussões sobre os fatores intrínsecos a elas, sendo destacadas como uma das maiores causas de morbidades em idosos e suas consequências podem culminar em uma síndrome da fragilidade que influencia na sua perda de autonomia e ainda pode gerar repercussões no estado psicossocial11.
A independência física para o idoso é imprescindível, pois é a evidência de uma boa qualidade de vida, sendo importante a realização de atividades como sentar-se, vestir-se e andar sem o auxílio de terceiros, necessitando, para isso, de um bom equilíbrio estático e dinâmico. Quanto maior o nível de equilíbrio mais fácil será a realização de atividades de vida diária. Para a mensuração deste e de outros aspectos da vida, são utilizados vários testes de avaliação, dentre eles o da marcha e equilíbrio, realizado por meio da escala de Tinetti. Com este teste obtém-se um escore que indica que quanto menor a pontuação do indivíduo, maior é o risco de quedas. Este escore pode decair quando estiver associado diretamente a patologias crônicas, como a DPOC, que gera dificuldade na realização de atividades como caminhar12.
Neste trabalho objetivou-se avaliar o risco de queda e a sarcopenia em idosos diagnosticados com DPOC atendidos no programa de reabilitação pulmonar do Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB) em Belém, Estado do Pará, Brasil.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo observacional descritivo, desenvolvido durante atividade de estágio supervisionado no HUJBB. Foram incluídos pacientes idosos com DPOC (classificação GOLD III e IV) atendidos no ambulatório de DPOC do HUJBB em nível ambulatorial e que possuíam condições de realizar a avaliação da marcha.
A avaliação foi feita no espaço de espera do ambulatório de reabilitação para pacientes com DPOC, na qual foram coletados dados quanto à idade e gênero, bem como realizada avaliação física para determinação do risco de quedas, sendo assim utilizada a escala de Tinetti, a qual foi validada e adaptada para o Brasil , obtendo um alto grau de confiabilidade. Essa escala avalia o equilíbrio (sentado, levantar-se da cadeira, tentativas para levantar, dar cinco passos, desequilíbrio no esterno, olhos fechados, girar 360°, sentar-se) e a marcha (iniciação da marcha, comprimento e altura do passo, simetria do passo, continuidade do passo, desvio da linha reta, tronco e base de apoio), gerando um escore total que varia entre 0 e 28 e classifica os pacientes em "baixo risco" (escore 25-28), "médio risco" (escore 19-24) e "alto risco" (escore <19)12.
Para avaliar o indicativo de sarcopenia, foi utilizada a medida da circunferência da panturrilha (CP) bilateralmente, obtida utilizando-se uma fita métrica com a qual o avaliador posicionava-se ao lado do idoso e mensurava a CP no ponto mais largo. Os valores normais foram considerados a partir de 31 cm e, abaixo desse valor, o idoso era considerado sarcopênico13.
Os dados foram tabulados e analisados utilizando-se o programa Epi InfoTM v3.5.2 (Centers for Disease Control and Prevention) para obtenção da frequência dos resultados.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HUJBB em 26 de maio de 2015, por meio de apreciação prévia, sob o parecer n° 1.080.517.
RESULTADOS
Participaram do estudo 24 idosos, todos com DPOC, de idades entre 60 e 82 anos e média de 69 ± 7 anos, em sua maioria homens (70,8%). Os dados sobre idade e gênero estão apresentados na tabela 1.
Variáveis | N | % |
---|---|---|
Gênero | ||
Feminino | 7 | 29,2 |
Masculino | 17 | 70,8 |
Faixa etária (anos) | ||
60-67 | 13 | 54,0 |
68-74 | 5 | 20,9 |
75-82 | 6 | 25,1 |
Quanto ao risco de quedas, 21 (87,5%) pacientes possuíam baixo risco, dois (8,3%) possuíam médio risco e apenas um (4,2%) obteve escore de alto risco. Na tabela 2 estão expostos os três domínios da escala de Tinetti que representaram a maior dificuldade de execução pelos participantes da pesquisa.
Domínios | N | % |
---|---|---|
Girar em 360° | ||
Cambalear | - | - |
Passos descontínuos | 18 | 75,0 |
Manter-se estável | 6 | 25,0 |
Desequilíbrio no esterno | ||
Começar a cair | 3 | 12,5 |
Cambalear ou agarrar-se | 9 | 37,5 |
Manter-se estável | 12 | 50,0 |
Desvio da linha reta | ||
Desvio marcado | - | - |
Desvio leve a moderado | 11 | 45,8 |
Caminhar em linha reta | 13 | 54,2 |
Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento.
Em relação ao indicativo de sarcopenia, seis (25%) pacientes tiveram resultado positivo, sendo que cinco (83%) apresentaram baixo risco de quedas e um (17%) apresentou moderado risco de quedas.
DISCUSSÃO
Em relação às características de idade e gênero, os resultados foram semelhantes aos retratados na literatura2,5, afetando em sua maioria indivíduos do sexo masculino, principalmente na faixa etária de 60 a 67 anos. Quanto à gravidade da DPOC, o estado dos pacientes foi considerado, em sua maioria, de moderado a grave (de acordo com a classificação da GOLD), achado semelhante encontrado por Yaksic et al5, justificado pelo fato de sua pesquisa ocorrer com indivíduos atendidos por serviços de alta complexidade. No entanto, no presente estudo, foram selecionados apenas pacientes atendidos em nível ambulatorial, demonstrando que o perfil quanto à gravidade da DPOC é o mesmo na média complexidade, considerando o fato dos pacientes serem acompanhados em um programa de reabilitação voltado à promoção e manutenção em saúde.
Sibley et al14, ao estudarem uma população de idosos comunitários canadenses, verificaram uma prevalência significativa de idosos com DPOC que apresentou um histórico de quedas, considerando, em suas conclusões, a DPOC como a doença crônica forte preditora desse problema. Apesar desses achados, os participantes do presente estudo não apresentaram alto risco, ao contrário, em sua maioria foram classificados em baixo risco de quedas de acordo com o instrumento utilizado.
Oliveira et al8 afirmaram que são poucos os estudos prospectivos relacionados a quedas ou risco de quedas em pacientes com DPOC e realizaram um estudo prospectivo, no qual verificou-se uma maior prevalência de risco de quedas em pacientes comunitários com DPOC, quando comparados a idosos saudáveis8. Existe, portanto, a possibilidade de que a realização de um estudo prospectivo revele um maior risco de quedas, pois, na presente pesquisa, a amostra foi relativamente pequena e grande parte dos participantes possuía idade inferior a 70 anos.
Neste estudo, 25% da população de pacientes com DPOC apresentaram um preditor de sarcopenia, que se refere à medida de circunferência da panturrilha inferior a 31 cm, quantidade semelhante a encontrada na literatura, visto que, na maioria das pesquisas, foram relatados de 20 a 40% da população de pacientes com DPOC com presença de sarcopenia. Costa et al15, ao estudarem sobre possíveis correlações de sarcopenia e DPOC, não encontraram correlação significativa entre o grau de gravidade da DPOC e nem correlação significativa com o tabagismo em pacientes com a doença. É frequente a redução da atividade física nestes pacientes, gerando uma intolerância ao exercício, o que provoca a perda da massa corpórea e leva a um pior prognóstico, pois contribui para aumentar a fragilidade no idoso. Uma vez alcançando a inatividade física, crescem os déficits de equilíbrio e marcha que comprometem o controle da postura, aumentam a sarcopenia e elevam o risco de quedas15,16.
Ao verificar a presença de sarcopenia em pacientes com DPOC, inferiu-se uma possível relação com déficit na marcha e equilíbrio destes indivíduos, mas além dessa possível relação é sempre interessante verificar esta característica clínica, pois na literatura ela também tem sido associada à piora da função pulmonar levando, portanto, a repercussões sistemáticas na qualidade de vida do paciente portador de DPOC16.
CONCLUSÃO
Verificou-se, nesta amostra, que a frequência do risco de queda avaliada pelo teste de Tinetti foi pequena em idosos com DPOC inseridos no programa de reabilitação pulmonar, mas existem pequenos déficits de equilíbrio, os quais possivelmente podem ser tratados.
Observou-se também que o indicativo de sarcopenia foi relevante, porém observa-se baixo risco de quedas na maioria dos indivíduos sarcopênicos. Contudo, acredita-se que métodos com maior acurácia que avaliem a distribuição de massa magra por segmento corporal e com análise de um maior número de paciente possam melhor verificar esta prevalência em idosos com DPOC.