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Epidemiologia e Serviços de Saúde
Print version ISSN 1679-4974On-line version ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde vol.24 no.4 Brasília Dec. 2015
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742015000400008
ARTIGO ORIGINAL
Estimativa de custos diretos do Programa Municipal de Controle da Dengue de Goiânia-GO*
Costs of the Municipal Dengue Control Program of Goiânia, Brazil
Costos directos del Programa Municipal de Control de Dengue de Goiânia-GO, Brasil
Sandra Maria dos Santos1; Flúvia Amorim2; Izaías de Araújo Ferreira3; Giovanini Evelim Coelho4; Alexander Itria1; João Bosco Siqueira Junior1; Cristiana Maria Toscano1
1Universidade Federal de Goiás, Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública, Goiânia-GO, Brasil
2Secretaria Municipal de Saúde, Diretoria de Vigilância em Saúde, Goiânia-GO, Brasil
3Secretaria Municipal de Saúde, Departamento de Controle de Zoonoses, Goiânia-GO, Brasil
4Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Brasília-DF, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: estimar os custos do Programa Municipal de Controle da Dengue de Goiânia-GO, Brasil.
MÉTODOS: estudo de custo de programa considerando períodos epidêmico (outubro/2009-abril/2010) e endêmico (maio-setembro/2010) de transmissão da doença, na perspectiva do Sistema Único de Saúde (SUS); os componentes de custo analisados foram recursos humanos, capacitação, infraestrutura, equipamentos de escritório, transporte, equipamentos de proteção individual, material de campo, material laboratorial, inseticidas e mobilização social; custos de capital (investimento) e recorrentes foram considerados.
RESULTADOS: a média mensal de custos recorrentes foi de R$1.355.760 (US$814,075) e R$981.100 (US$589,108) nos períodos epidêmico e endêmico respectivamente; o custo de capital anual foi estimado em R$683.315 (US$410,301); cerca de 82%, 15% e 3% do custo total referem-se, respectivamente, às fontes de recurso municipal, federal e estadual.
CONCLUSÃO: o custo adicional resultante das epidemias de dengue fornece subsídios para um melhor planejamento das atividades de prevenção e controle da infecção.
Palavras-chave: Dengue; Custos e Análise de Custo; Economia da Saúde.
ABSTRACT
OBJECTIVE: to estimate the cost of the Municipal Program for Dengue Control in Goiânia, GO, Brazil.
METHODS: Costs of program considering epidemic (October/2009-April/2010) and endemic (May-September/2010) periods of dengue transmission, from the perspective of the National Unified Health System (SUS); cost components considered were human resources, training, infrastructure, office equipment, transportation, personal protective equipment, field equipment, laboratory equipment, insecticides and social mobilization; capital (investment) and recurring costs were considered.
RESULTS: average monthly recurring costs wereR$1,355,760 (US$814,075) and R$981,100 (US$589,108), for the epidemic and endemic periods, respectively; annual capital cost was R$683,315 (US$410,301); approximately 82%, 15% and 3% of the total cost were from municipal, federal and state level funding sources, respectively.
CONCLUSION: estimated incremental costs resulting from dengue epidemics provide information to support planning of dengue prevention and control activities.
Key words: Dengue; Costs and Cost Analysis; Health Economics.
RESUMEN
OBJETIVO: estimar los costos del Programa Municipal de Control de Dengue en el municipio de Goiânia-GO, Brasil.
MÉTODOS: estudio de costos del programa teniendo en cuenta períodos epidémicos (octubre/2009-abril/2010) y endémicos (mayo-septiembre/2010) de la transmisión de dengue; dentro de la perspectiva del Sistema Único de Salud (SUS); los componentes de los costos analizados fueron recursos humanos, capacitación, infraestructura, equipo de oficina, transporte, equipo de protección personal, equipo de campo, materiales de laboratorio, insecticidas y movilización social, teniendo en cuenta los costos de capital (inversión) y recurrentes.
RESULTADOS: el valor mensual de costos recurrentes fue R$1.355.760 (US$814,075) y R$981.100 (US$589,108), en los períodos epidémicos y endémicos, respectivamente; los costos de capital durante el periodo de estudio fueron R$683,315 (US$410,301); alrededor de 82%, 15% y 3% de los costos totales fueron de fuente municipal, federal y estatal, respectivamente.
CONCLUSIÓN: el conocimiento de los costos adicionales resultantes de las epidemias de dengue puede apoyar a una mejor planificación de las actividades de prevención y control del dengue.
Palabras clave: Dengue; Costos y Análisis de Costo; Economía de la Salud.
Introdução
Atualmente, a dengue é a arbovirose de maior importância no mundo, ocorrendo de maneira endêmica em mais de 100 países, onde vivem aproximados 2,5 bilhões de pessoas em áreas urbanas sob risco de contrair o vírus causador da infecção.1 Estima-se que a cada ano, ocorram 80 a 100 milhões de casos da doença, dos quais 400.000 se classificam como febre hemorrágica da dengue (FHD) e com aproximadamente 22.000 mortes.2,3 No Brasil, entre 2002 e 2010, foram registrados cerca de 4 milhões de casos prováveis de dengue, destacando-se as epidemias dos anos de 2002, 2008 e 2010.4 Hoje, em resposta à elevada morbidade da dengue, sobretudo nos países em desenvolvimento, várias vacinas candidatas são submetidas a ensaios clínicos.5,6
Por se tratar de uma doença de transmissão vetorial, as medidas de prevenção têm como eixo principal o controle do vetor, o mosquito Aedes aegypti.7 Quando a eliminação mecânica dos criadouros não é possível, recorre-se ao controle químico de larvas (larvicidas) e de mosquitos adultos (inseticidas), mediante os seguintes procedimentos:
a) tratamento focal - aplicação de larvicida em depósitos que não possam ser eliminados mecanicamente;
b) tratamento perifocal - aplicação de inseticida de ação residual nas paredes externas dos depósitos; e
c) aspersão aeroespacial de inseticidas em ultra-baixo-volume (UBV) - aplicação de inseticidas impulsionados por um jato de fumigação aérea ("fumacê"), visando eliminar as fêmeas de Aedes aegypti, sobretudo em momentos de surtos ou epidemias.8
A manutenção de programas de controle impõe custos econômicos aos países. Uma revisão sistemática de análises econômicas sobre custos da dengue revelou que os estudos disponíveis eram escassos e seus resultados discordantes, em parte devido à utilização de diferentes metodologias e suposições inconsistentes.9 Evidencia-se a necessidade de novos estudos nesse sentido, capazes de subsidiar o planejamento e a tomada de decisão sobre ações de controle e prevenção da doença mais eficientes.
Estimativas de custo do programa de controle da dengue são importantes para subsidiar a introdução de tecnologias de prevenção e controle, como também para o aprovisionamento de recursos visando reduzir os picos epidêmicos e a carga da doença para a sociedade.
O Brasil é país endêmico de transmissão da dengue. Considerando-se a estrutura do Programa Nacional de Controle da Dengue, a perspectiva do Sistema Único de Saúde (SUS) e os seus princípios, torna-se necessária a realização de análises estimativas de custo de programas locais voltados à prevenção e controle da infecção.
O presente estudo teve por objetivo estimar os custos do Programa Municipal de Controle da Dengue de Goiânia, confrontando os custos entre período epidêmico e período endêmico, diferenciando-se as fontes de recursos e os componentes de custo.
Métodos
Delineamento
Trata-se de um estudo de custo, descritivo, sob a perspectiva do Sistema Único de Saúde (SUS), com foco no município de Goiânia. Foram incluídos custos oriundos de fonte de recurso municipal, estadual e federal, embora executados no nível municipal. O custo da doença não foi incluído neste estudo.
Local do estudo
Goiânia é a capital do estado de Goiás. Em 2010, o município, altamente urbanizado (99%), possuía 1.302.001 habitantes e colocava-se como a 12a cidade brasileira mais populosa.10 No mesmo ano, foram notificados 102.071 casos prováveis de dengue no estado de Goiás, representando um aumento de 135,1% na comparação com os dados do ano anterior (2009) e uma incidência de 1.700,1 casos por 100 mil habitantes, enquanto sua capital apresentava uma incidência de 1.581,8 casos/100 mil hab. No período entre 2002 e 2010, a maior letalidade devida à doença no estado foi registrada no ano de 2010: 81 óbitos/1.013 casos graves = 8%.11
Período do estudo
Definiu-se o período de estudo de 1 ano, de outubro de 2009 a setembro de 2010, considerando-se o período epidêmico de transmissão da dengue de 1o de outubro de 2009 a 30 de abril de 2010, e o período endêmico de 1o de maio de 2010 a 30 de setembro de 2010.
Caracterização do Programa Municipal de Controle da Dengue e componentes de custo
O Programa Nacional de Controle da Dengue no Brasil caracteriza-se, essencialmente, por atividades descentralizadas no nível local. No município de Goiânia, as atividades são executadas pelas seguintes instâncias: Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental (DVSA), responsável pelo controle vetorial mediante tratamentos focal e perifocal; e a Vigilância Epidemiológica (VE), encarregada das atividades de notificação de casos suspeitos e confirmação de casos de dengue. No nível estadual, a responsabilidade cabe à Central de Ultrabaixo Volume (Central UBV), cuja função principal é a aspersão de inseticidas em UBV.
Entre todos os componentes e respectivos itens de custos considerados no Programa Municipal de Controle da Dengue de Goiânia, destacam-se os apresentados na Figura 1.
Os custos foram categorizados em custos de capital e custos recorrentes. Custos de capital são aqueles que incorrem uma única vez, dispendidos para bens que apresentam meia vida superior a 1 ano e são depreciados ao longo do tempo.12 Custos recorrentes são custos operacionais, para manutenção do programa, que incidem anualmente, incluindo todos os bens de vida útil menor que 1 ano e serviços.12
Metodologia de custeio e fontes de dados
Como metodologia de análise de custeio, utilizou-se o micro-custeio, com identificação de recursos de saúde, custo unitário e quantidade de recurso. No componente de mobilização social, foi utilizado o custeio baseado em atividades nas quais os recursos dispendidos foram obtidos e considerados tendo por referência o período do estudo.
Para a estimativa de custos com recursos humanos, foram obtidos o salário bruto, tipo de vínculo empregatício e carga horária de todos os profissionais trabalhando em atividades do programa.
Para a estimativa de custos com infraestrutura física (custos de capital), foi feito o levantamento de todos os edifícios ocupados pelos níveis estadual (UBV) e municipal (DVSA) do programa; de cada edifício, foi obtida sua área total, ano de construção e área ocupada pelas equipes envolvidas no controle da dengue.
Para os profissionais e para infraestruturas que compartilhavam seu tempo ou espaço entre atividades dedicadas ao programa de controle da dengue e outras atividades, foi estimada a fração atribuível de tempo ou espaço dedicado ao programa; logo, a mesma fração foi multiplicada pelo salário ou área total para obtenção dos custos específicos do programa de dengue.
Para a estimativa de custos com equipamentos (de escritório; de laboratório de entomologia; e de pulverização), insumos de laboratório, insumos inseticidas, material de campo, mobilização social municipal (folhetos-impressos) e equipamentos de proteção individual (EPI), foram identificadas as quantidades relativas a cada item utilizado durante o período do estudo, e seu custo unitário, multiplicando-se um pelo outro.
Para a estimativa de custos com transporte, foi levantada a informação sobre os veículos exclusivamente destinados ao programa de controle da dengue - modelo/marca e ano de cada veículo -, assim como o número de quilômetros rodados em atividades de interesse do programa. Os dados de custos recorrentes disponíveis, incluindo consumo de combustível e manutenção, foram obtidos por mês de utilização e por veículo envolvido nas atividades de controle da dengue.
Normalmente o órgão público não dispõe de recursos destinados a campanhas publicitárias locais. Para a estimativa de custos com mobilização social no nível estadual, a fração atribuível às atividades de mobilização direcionadas ao município de Goiânia foi estimada considerando-se a fração entre a estimativa populacional do município de Goiânia (1.302.001 habitantes) e a do conjunto do estado de Goiás (6.003.788 habitantes).
Para todos os bens de capital, os custos foram anualizados para o ano do estudo, considerando-se a taxa de depreciação de cada bem segundo a tabela de depreciação da Receita Federal.13 Assim, edifícios, materiais de escritório, bombas pesadas e equipamentos de laboratório foram depreciados em 4%, 10%, 10% e 20% a cada ano, durante o período de 25, 10, 10 e 5 anos de vida útil, respectivamente. Exceção foi feita aos veículos, para os quais o tempo de vida útil foi estendido até 10 anos, com uma depreciação de 10% nesse período. Assumiu-se o valor anualizado zero para materiais em uso por período de tempo maior que sua vida útil.
Além dos custos de competência e execução sob responsabilidade do nível de gestão municipal, o presente estudo incluiu os custos oriundos dos níveis federal e estadual, distribuídos da seguinte forma:
a) federal - compra de insumos inseticidas utilizados no município de Goiânia; recursos humanos contratados em nível federal e cedidos ao município (Central UBV); e veículos adquiridos pela esfera federal e doados ao nível estadual -;
b) estadual - infraestrutura e serviços para manutenção da Central UBV; custos de EPI e uniformes de profissionais da UBV; e mobilização social -; e
c) municipal - infraestrutura e atividades do programa de controle vetorial executadas pelo Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental - DVSA e Vigilância Epidemiológica - VE.
A Vigilância Epidemiológica - VE - não realiza atividades de controle vetorial e os únicos custos atribuídos à VE foram com recursos humanos, especificamente com as atividades das enfermeiras coordenadoras dos distritos de saúde da capital, responsáveis pela tabulação e análise de dados de vigilância de casos de dengue e compartilhamento desses dados com o DVSA e a Central UBV.
Diversas fontes de dados, portanto, foram consideradas no estudo. Os dados de recursos utilizados no programa foram obtidos junto à Secretaria Municipal e à Secretaria da Saúde do Estado, DVSA, Central UBV e VE, em diversas sessões de entrevistas com os coordenadores ou responsáveis pelas áreas de recursos humanos, transportes, compras e infraestrutura.
A quantificação de bens de capital foi realizada por meio da análise de inventário de bens de capital comprados ou por contagem/metragem dos equipamentos/edifícios em cada instância considerada.
A quantificação de recursos de saúde recorrentes utilizados no programa foi realizada a partir dos dados do controle de saída do almoxarifado ou da contagem/estimativa dos insumos consumidos em cada instância, mediante a análise de documentos de interesse e realização de entrevistas estruturadas com os funcionários-chave citados.
Os valores de custo unitário de bens de capital -como equipamentos de escritório, material laboratorial e bombas inseticidas - foram obtidos a partir da pesquisa de mercado realizada no ano de referência. Custos de infraestrutura predial dos edifícios próprios foram obtidos em sítios eletrônicos de sindicatos da indústria e construção civil de Goiás, com base no preço de mercado do metro quadrado da construção no ano referência. Para prédios alugados, foram considerados os valores de mercado para locação desses imóveis.
Valores de custo unitário de veículos foram obtidos da tabela da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) - de acordo com a categoria, marca/modelo e ano do veículo -, tendo por referência o mês de dezembro de 2010.
Valores de custo unitário dos recursos recorrentes de saúde - suprimentos de escritório, EPI e material de campo, entre outros - foram colhidos da pesquisa de mercado realizada no ano de referência.
O custo de salários de profissionais de saúde foi fornecido pela diretoria da instância ou estimado considerando-se a qualificação, carga horária e função exercida pelo profissional. Para servidores públicos concursados, o valor encontra-se disponível no Portal da Transparência/Controladoria-Geral da União.14
Custos com despesas gerais foram obtidos de faturas ou contratos de serviços registrados por cada instância considerada. O custo do litro de combustível foi estimado considerando-se valores da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Dados de custos de compra de inseticidas, larvicidas e solventes realizados na esfera federal foram conseguidos mediante entrevista com o coordenador do Programa Nacional de Controle da Dengue/Ministério da Saúde.
Análise dos dados
O custo total do Programa Municipal de Controle da Dengue de Goiânia nos anos focados pelo estudo foi estimado e estratificado por período epidêmico e período endêmico, calculando-se custos de capital e custos recorrentes para ambos períodos.
Os custos de capital referem-se ao período total do estudo (não desagregado por período epidêmico e endêmico). Os custos recorrentes dos dois períodos (epidêmico e endêmico) foram estimados em função do número de meses que compõe cada período e são apresentados como média mensal para o período. Os dados de custo são apresentados como custo total, por fonte de financiamento, componente de custo, período e valor per capita.
A informação sobre utilização de equipamentos de escritório, manutenção prévia dos veículos, contratação de recursos humanos, material laboratorial e EPI estava disponível apenas por período de contratação, compra ou prestação do serviço. Trata-se de ação executada antecipadamente, de maneira a preparar o programa para uma eventual epidemia. Entretanto, a estimativa por período implicaria uma superestimativa de recursos desses componentes no período endêmico.
Nesse sentido, para se obter uma estimativa de utilização de recursos de saúde por período, foi estimada uma proporção de utilização por período - epidêmico e endêmico -, considerando-se a taxa de utilização de combustível para cada um desses períodos. A taxa de utilização de combustível foi selecionada como parâmetro para essa estimativa por apresentar consumo diretamente proporcional às atividades de prevenção e controle da dengue nos dois períodos.
Como resultado, a taxa de utilização de recursos de saúde pelo DVSA no período epidêmico foi de 58%, e no período endêmico, de 42%. Na Central UBV e na VE, as taxas de utilização de recursos nos períodos epidêmico e endêmico foram de 87% e 13%, respectivamente. Essas taxas foram aplicadas aos componentes de equipamentos de escritório, manutenção prévia dos veículos, material laboratorial, EPI e pessoal, assumindo-se que sua utilização seguiria o mesmo padrão da taxa de utilização de recursos em gastos com combustível. Assim, os valores finais estimados representam a quantidade de recursos utilizados por período. Os dados de consumo de inseticidas estavam disponíveis por mês de utilização, não por mês de compra.
A moeda corrente utilizada para o cálculo dos custos foi a unidade monetária brasileira (Real: R$), com o valor equivalente em dólares segundo a taxa de câmbio de 31 de dezembro de 2010 (R$1,00 = US$1,6654), obtida no endereço eletrônico do Banco Central do Brasil (http://www.bc.gov.br/). Todos os custos são apresentados em Reais, considerando-se o ano de 2010. Custos de anos diferentes foram ajustados pela taxa oficial de inflação do Banco Central do Brasil.
Todos os dados colhidos foram inseridos em planilhas elaboradas pelo aplicativo Microsoft Excel®.
Foi realizada análise de sensibilidade univariada para os seguintes componentes de custo: recursos humanos e infraestrutura. O valor considerado na análise de sensibilidade foi estimado considerando-se 100% de fração atribuível ao Programa Municipal de Controle da Dengue. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas/Universidade Federal de Goiás em 24 de novembro de 2011: Protocolo CEP/HC/UFG n° 154/2011. A coleta dos dados de recursos humanos foi realizada utilizando-se somente o número de matrícula do servidor público, em respeito à Lei n° 12.527, de 18 de novembro de 2011, que regulamenta o acesso e a divulgação de informações salariais de servidores públicos.15
Resultados
O custo anual total do Programa Municipal de Controle da Dengue de Goiânia foi de R$ 15.079.132 (US$ 9.054.361) durante os meses de outubro de 2009 a setembro de 2010, o que representou um custo mensal médio de R$ 1.256.594 (US$ 754.530). Considerando-se o custo total do programa, destacaram-se os componentes de recursos humanos (80%), transporte (9,4%) e insumos inseticidas (3,8%). O custo total do programa representou 0,061% do PIB de Goiânia em 2010 (R$ 24.445.668 mil reais).
Ainda sobre o custo total do programa, aproximadamente R$ 14.395.817 (95,5%) consistiram em custos recorrentes e R$ 683.315 (4,5%) em custos de capital. Dos custos recorrentes, R$ 12.092.486 (84%) estiveram relacionados a recursos humanos.
Quanto à fonte de recurso, dos R$ 683.315 (US$ 410,300) de custos de capital executados/ano, R$ 553.846 (81%) foram de fonte municipal, R$ 103.395 (15%) de fonte estadual e R$ 26.074 (4%) de fonte federal. Entre os custos de capital por componente de custo, destacaram-se transporte (80%), seguido de infraestrutura (13%) e inseticidas (6%).
Sobre os custos recorrentes, dos R$ 14.395.817 (US$ 8,644,060) gastos durante o ano, os custos do período epidêmico foram estimados em R$ 9.490.318 (US$ 5,698,521), e os do período endêmico, estimados em R$ 4.905.499 (US$ 2,945,538). A média mensal foi de R$ 1.355.760 (US$ 814,075) no período epidêmico e de R$ 981.100 (US$ 589,108) no período endêmico.
Em relação à fonte de recurso dos custos recorrentes durante o ano, R$ 11.791.404 (US$ 7,080,223)(82%) foram de fonte municipal, R$ 383.527 (US$ 230,291) (3%) de fonte estadual e R$ 2.220.887 (US$ 1,333,345) (15%) de fonte federal (Tabelas 1 e 2).
Relacionando-se os custos recorrentes por componente de custo e por período, destacaram-se os custos com recursos humanos (82%), seguidos de transporte (6%) e insumos inseticidas (5%) no período epidêmico. No período endêmico, os componentes de custos mais importantes foram recursos humanos (87%) e transporte (7%).
A estimativa de custo per capita do programa foi de R$ 11,05 (US$ 6.63), considerando-se o custo total anual. O custo mensal per capita, considerando-se apenas os custos recorrentes, foi de R$ 1,04 (US$0.63) para o período epidêmico e de R$ 0,75 (US$ 0.45) para o período endêmico.
O DVSA, a Central UBV e a VE contavam, em 2010, com 631 e 28 funcionários no período epidêmico e 715 e 30 no período endêmico, respectivamente.
O custo de capacitação foi considerado zero por já estar incluído nos demais componentes, como recursos humanos, infraestrutura e equipamentos, e suprimentos de escritório. O custo de capital de material laboratorial foi considerado zero por exceder o tempo de vida útil previsto para materiais dessa natureza.
Na análise de sensibilidade, caso a totalidade dos recursos humanos se dedicasse exclusivamente às atividades do Programa Municipal de Controle da Dengue, o custo total do programa aumentaria em R$ 761.066 (US$ 456,987). Se a mesma premissa fosse considerada para o componente de infraestrutura, o custo total do programa aumentaria em R$ 63.490 (US$ 38,123).
Discussão
No presente estudo, do custo total do Programa de Controle da Dengue de Goiânia, 84%, 11,5%, 4,5% dos recursos foram utilizados, respectivamente, em custos com pessoal (recursos humanos), custeio e capital. A contratação de funcionários pelo DVSA durante o período endêmico funciona como uma ação preventiva pré-epidemia e por esse motivo, foi aplicada a proporção atribuída à aquisição antecipada de recursos.
A abordagem utilizada neste estudo é inédita. Até o momento da conclusão deste trabalho, não se havia publicado qualquer análise sobre custo da dengue no Brasil que houvesse considerado a diferença de custos entre períodos epidêmico e endêmico. Da mesma forma, não foram encontrados artigos que identificassem o excedente de custo que a epidemia gera para o sistema público e que, sem esse dispêndio, pudesse ser alocado em outros programas e serviços de saúde. É importante destacar que, nas últimas duas décadas, a incidência de dengue nas Américas tem apresentado picos epidêmicos a se repetir com intervalos de 3-5 anos, quase de maneira regular.
No presente estudo, a estimativa de custo mensal per capita do Programa de Goiânia foi de R$ 1,04 (US$ 0.62) no período epidêmico e de R$ 0,75 (US$ 0.45) no período endêmico. Uma pesquisa sobre o programa de controle da dengue de Cuba,16 entretanto, revelou custos para o período epidêmico de US$ 6.05 por habitante/mês, e para o período endêmico, de US$ 2.76 por habitante/mês.
Outros estudos avaliaram o custo do controle vetorial da dengue. Porém, a comparação desse tipo de análise é dificultada pelas diferentes formas de agregação dos itens de custo.17
Um trabalho do México18 estimou o custo geral, a carga da doença e o custo do programa de controle vetorial no período de 2010 a 2011, obtendo um custo total de US$ 170,0 milhões, dos quais US$ 82,9 milhões (48%) foram destinados às atividades de controle vetorial. O estudo mexicano considerou somente o nível federal de gestão e o custo do programa foi estimado a partir de informações de repasses (macrocusteio) às atividades de controle vetorial e vigilância daquele país.
No Brasil, estudo que estimou o custo direto do Programa Municipal de Controle da Dengue de São Paulo, referente ao ano de 2005, verificou um custo total de R$ 21.774.282 - US$ 12,486,941, considerando-se a taxa de câmbio dólar/real de 2009. Desse total, 59,4%, 38,3% e 2,2% foram utilizados, respectivamente, em custos com pessoal, custeio e capital.19 Excluindo-se o custo do diagnóstico da doença e do sistema de informações, não incluídos no presente estudo, os componentes que mais se destacariam no estudo do município de São Paulo seriam recursos humanos (61,4%) e veículos (32,4%).
Em Goiânia, o período epidêmico excedeu os custos de controle da doença em R$ 2.622.620 (US$ 1,574,768), relativamente ao período endêmico. Dessa forma, o excedente de custo proveniente dos picos epidêmicos seria suficiente para a prevenção e controle de aproximadamente mais 3 meses endêmicos. As atividades de controle e prevenção da dengue são pautadas no nível de transmissão da doença local, razão porque os resultados deste trabalho não são aplicáveis a outros municípios. Estudos econômicos da doença e de controle vetorial servem para incentivar campanhas de conscientização de coleta de lixo nas cidades, divulgar as medidas preventivas de proliferação do Aedes aegypti nas escolas e no ambiente privado e comunitário mais amplo, entre outros desdobramentos.
Todavia, esta investigação apresenta limitações inerentes ao uso de dados secundários. Outra dificuldade encontra-se na utilização de alguns pressupostos não comprovados para o cálculo das estimativas, além de potenciais vieses decorrentes da falta de transparência no acesso a alguns itens de custo.
Não obstante, o presente estudo possibilitou verificar o excedente de custo decorrente das epidemias, possível de ser investido no período endêmico, em atividades com o objetivo de diminuir os focos de transmissão do vetor da dengue, minimizando o efeito das epidemias em seu comportamento cíclico. Ademais, novas tecnologias sob avaliação, tão logo estejam disponíveis, terão impacto significativo na redução da morbimortalidade associada à dengue e na redução dos picos epidêmicos da doença.
Sugere-se a realização de mais estudos econômicos do programa da dengue e de controle do vetor, e análises de custo-efetividade sobre a incorporação de uma vacina contra dengue que possam orientar gestores na implantação de programas nacionais de vacinação. Nesse sentido, o presente estudo busca preencher, em alguma medida, uma lacuna importante no conhecimento de custos do Programa Nacional de Controle da Dengue.
Agradecimentos
À Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia, representada, no momento da realização do estudo, pelo Secretário Dr. Elias Rassi Neto.
Aos técnicos do serviço, pelo empenho no fornecimento dos dados analisados.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)/Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MICT), pela concessão de bolsa de pesquisa durante todo o período deste estudo, permitindo sua realização.
Contribuição dos autores
Amorim F, Ferreira IA, Coelho GE contribuíram na concepção e delineamento do estudo, redação do artigo e revisão crítica do manuscrito.
Itria A contribuiu na análise e interpretação dos dados e revisão crítica.
Santos SM, Siqueira Junior JB e Toscano CM contribuíram na concepção e delineamento do estudo e revisão crítica do conteúdo intelectual.
Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.
Referências
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Endereço para correspondência:
Sandra Maria dos Santos -
Universidade Federal de Goiás,
Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública,
Departamento de Saúde Coletiva,
Rua 235 esq. c/ 1a Avenida, s/n, Setor Universitário,
Goiânia-GO, Brasil. CEP: 74605-050
E-mail: sandrafarma@hotmail.com
Recebido em 07/04/2015
Aprovado em 18/09/2015
* Estudo financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)/Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MICT): Processo no 134397/2011-8.