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Epidemiologia e Serviços de Saúde

Print version ISSN 1679-4974On-line version ISSN 2337-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.25 no.2 Brasília Apr./June 2016

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742016000200022 

APLICAÇÕES DA EPIDEMIOLOGIA

Ferramentas para melhorar a qualidade e a transparência dos relatos de pesquisa em saúde: guias de redação científica

Tools to enhance the quality and transparency of health research reports: reporting guidelines

Herramientas para mejorar la calidad y la transparencia de los informes de investigación en salud: guías de redacción y publicación

Taís Freire Galvão1  , Marcus Tolentino Silva2  , Leila Posenato Garcia3 

1Universidade Federal do Amazonas, Hospital Universitário Getúlio Vargas, Manaus-AM, Brasil

2Universidade de Sorocaba, Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, Sorocaba-SP, Brasil

3Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Diretoria de Estudos e Políticas Sociais, Brasília-DF, Brasil

Resumo

A redação científica é fundamental para a divulgação dos resultados de pesquisas. Os guias de redação científica são ferramentas importantes para todos os envolvidos no processo de produção e redação da investigação. Estes documentos detalham o que se espera encontrar em cada seção do relato de determinado desenho de estudo. A rede EQUATOR (Enhancing the QUAlity and Transparency Of health Research) é uma iniciativa internacional que busca melhorar a confiabilidade e o valor da literatura científica em saúde, por meio da promoção de relatos transparentes e precisos das pesquisas. O emprego dos guias de redação científica tem contribuído para melhorar os relatos, bem como incrementar a qualidade metodológica das pesquisas. A divulgação dos guias de relato é necessária para aumentar o conhecimento sobre estas ferramentas essenciais aos pesquisadores da saúde. O incentivo ao seu uso pelos periódicos é fundamental para aprimorar a qualidade das publicações científicas.

Palavras-chave: Redação; Ética na Publicação Científica; Pesquisa

Abstract

Scientific writing is the cornestone for publishing the results of research. Reporting guidelines are important tools for all those involved in the process of research production and report writing. These guidelines detail what is expected to be found in each section of a report for a given study design. The EQUATOR Network (Enhancing the QUAlity and Transparency Of health Research) is an international initiative that seeks to improve the reliability and the value of health research literature by promoting transparent and accurate reporting and wider use of robust reporting guidelines. The use of reporting guidelines has contributed to improved reports as well as increased quality of research methods. Reporting guidelines need to be publicized in order to increase knowledge about these essential tools among health researchers. Encouraging their use by journals is key to enhancing the quality of scientific publications.

Key words: Writing; Scientific Publication Ethics; Research

Resumen:

La redacción científica es fundamental para la divulgación de resultados en investigación. Las guías de redacción son herramientas de apoyo importantes para todos los que participan del proceso de producción, redacción y evaluación de una investigación. Estas guías detallan lo que se espera encontrar en cada sección del relato de determinado diseño de estudio. La red EQUATOR (Enhancing the QUAlity and Transparency Of health Research) es una iniciativa internacional que busca mejorar la confianza y valor de la literatura científica en salud, por medio de la promoción de relatos transparentes y precisos en investigación. El empleo de guías de redacción científica ha contribuido para mejorar los relatos, así como para incrementar la calidad de la metodología de investigación. La divulgación de guías de relato es necesaria para aumentar el conocimiento sobre estas herramientas esenciales para los investigadores en salud. El incentivo del uso por parte de revistas científicas es fundamental para mejorar la calidad de las publicaciones.

Palabras clave: Escritura; Ética en la Publicación Científica; Investigación

Redação científica

A redação constitui parte importante da realização de pesquisas científicas. Sem a divulgação dos achados, a pesquisa é considerada incompleta.1 Imaginem-se as etapas usuais para realizar uma investigação: elaboração do projeto, submissão a agências de fomento para financiamento, recrutamento da equipe (geralmente envolvendo alunos de pós-graduação), coleta dos dados, análise e interpretação dos achados, elaboração de relatórios técnicos e financeiros, entre outras. A execução de cada uma dessas fases consome tempo e dinheiro; nada mais justo que os resultados sejam dados ao conhecimento do público interessado. Sob o enfoque da ética, empreender uma investigação e não divulgar os achados é má conduta científica e contribui para o viés de publicação, que é o relato seletivo de pesquisas, geralmente em favor da intervenção em análise (resultados positivos).2

A comunicação científica evoluiu conjuntamente com o método científico. Entre 1600 e 1800, os periódicos científicos eram constituídos por cartas de pesquisadores e intelectuais que cobriam diversos assuntos em um único texto. Essas pessoas - para sobreviver ou para manter o prestígio - tinham que defender ou repetir postulados antigos que estavam em consonância com a ideologia dominante.1 Com a evolução tecnológica e o desenvolvimento do microscópio, cientistas franceses e alemães identificaram a relação entre doenças e microrganismos e comprovaram, mediante aplicação do método científico, que os postulados anteriormente aceitos estavam equivocados.3,4 A partir de então, uma melhor descrição dos processos de pesquisa e dos seus achados passou a nortear a escrita científica.

Ferramentas para redação científica

A despeito da relevância de divulgar os resultados de pesquisas, sabe-se que publicar um artigo é uma atividade laboriosa, que requer destreza e dedicação. Além de dominar os preceitos de comunicação, os autores precisam submeter o artigo ao crivo de periódicos científicos, alguns dos quais possuem taxa de recusa superior a 90%.1

Qual o caminho a se seguir para publicar artigos científicos? A escrita científica, analogamente a qualquer redação, é aprimorada com a prática. O bom autor é também um bom leitor, que consome boa informação para produzir bons textos. Não obstante a subjetividade quanto à avaliação da qualidade da escrita, estão disponíveis ferramentas que auxiliam na empreitada de escrever um artigo científico.

A primeira delas é a conformação do artigo científico, cristalizada na estrutura IMRD: introdução, métodos, resultados e discussão.5 Com a separação do conteúdo da pesquisa nessas quatro seções principais, facilita-se ao leitor encontrar a informação do seu interesse, que pode ser buscada diretamente na seção em que ela deve estar, e assim evitam-se repetições ou redundâncias ao longo do texto. Esse formato tornou-se padrão nos principais periódicos da saúde a partir da década de 1980.5

Uma segunda categoria de ferramentas é composta pelos guias de estilo e as próprias normas ou instruções aos autores do periódico. Entre os guias de estilo empregados na saúde, destacam-se o AMA Manual of Style (da American Medical Association - AMA; http://www.amamanualofstyle.com) e o APA Style (da American Psychological Association - APA; http://www.apastyle.org). As instruções indicam o formato no qual devem ser submetidos os manuscritos, estabelecem os tipos aceitos e suas seções, número de palavras, apresentação de tabelas, figuras e referências, uso de abreviações e siglas, entre outros itens. Por vezes, essas ferramentas são consultadas apenas no momento de se organizarem as referências e as citações no texto já preparado.

Apesar das ferramentas disponíveis, os editores dos periódicos médicos constatavam a necessidade de uniformizar os manuscritos na área da saúde. Em 1978, na cidade de Vancouver, Canadá, reuniu-se pela primeira vez o Comitê Internacional de Editores de Periódicos Médicos (International Committee of Medical Journal Editors - ICMJE), que publicou os requisitos uniformes para manuscritos submetidos a periódicos biomédicos (Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals), também conhecidos como normas de Vancouver. Estas normas foram posteriormente atualizadas nas Recomendações para elaboração, redação, edição e publicação de trabalhos acadêmicos em periódicos médicos (Recommendations for the conduct, reporting, editing, and publication of scholarly work in medical journals).6

O objetivo das recomendações do ICMJE é estabelecer padrões de boas práticas e de ética na condução e relato da pesquisa, além de colaborar com a publicação de artigos apropriados, simples e claros. Desde sua publicação, as recomendações são revisadas frequentemente, e atualizações são divulgadas quando necessário. Estas versões estão disponíveis no site do ICMJE (http://www.icmje.org/). A Revista Epidemiologia e Serviços de Saúde (RESS) disponibilizou a tradução das recomendações do ICMJE para o português.7 Tais recomendações são amplamente endossadas e adotadas pelos periódicos da área da saúde, que incorporam muitas das indicações nas suas instruções aos autores ou sugerem a sua consulta antes da submissão.

A Figura 1 aponta, por seção do artigo, diretrizes gerais que norteiam a redação científica, provenientes das normas de Vancouver. Maior detalhamento sobre o conteúdo de cada seção pode ser encontrado na série de artigos sobre comunicação científica, também publicada na RESS.8-12

Figura 1 - Diretrizes gerais para redação de artigos científicos 

A despeito dos progressos no sentido de se utilizar uma escrita clara e concisa, ao final do século XX tornou-se evidente que eram necessárias orientações pormenorizadas para cada tipo de estudo. Na área da saúde, essa demanda tornou-se urgente: aplicar resultados de pesquisas na prática clínica sem se ter clareza de como o experimento foi feito é temerário. Frequentemente, resultados promissores de intervenções médicas estavam baseados em métodos frágeis e sem informações suficientes para a compreensão de como se chegou aos resultados.13 Assim, os guias de relato emergiram a partir da década de 1990, constituindo-se em ferramentas essenciais para a boa escrita científica na área da saúde.

Guias de redação científica

Os guias de redação científica partem do que se espera encontrar em cada seção (IMRD) de um manuscrito de determinado desenho de estudo. Esses guias são elaborados por redes de colaboração ou grupos de pesquisas. Geralmente, é preparada uma lista inicial de itens que é submetida ao julgamento dos membros; após rodadas para a busca de consenso, chega-se ao documento final.

Geralmente, os guias de redação científica apresentam um modelo de gráfico de fluxo, no qual devem ser detalhados os processos de seleção e inclusão dos sujeitos no estudo e uma lista de checagem (checklist) que oriente os itens a serem escritos em cada seção. Além do gráfico de fluxo e da lista de checagem, o guia de relato também apresenta um texto explicativo que pormenoriza e exemplifica a redação.

Principais guias de redação científica

O primeiro guia de redação científica foi disponibilizado para orientação à escrita de ensaios clínicos o Consolidated Standards of Reporting Trials (CONSORT), publicado em 1994 e atualizado em 1996, 2001 e 2010.13 A publicação do CONSORT foi catalisada pela crescente evidência de que os relatos de ensaios clínicos precisavam ser mais completos, a fim de trazer informações essenciais para sua interpretação e aplicação de seus resultados.13

Juntamente com o CONSORT, o guia de redação para estudos observacionais Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) e o guia para revisões sistemáticas e metanálises Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) são os mais recomendados por periódicos da área da epidemiologia.

O STROBE apresenta as recomendações para a escrita de estudos transversais, de caso-controle e de coorte, agregando as semelhanças entre esses delineamentos e especificando por tipo de estudo, quando necessário. A lista de checagem contém 22 itens, dos quais cerca de metade referem-se aos métodos. Uma tradução do STROBE para o português está disponível.14

O PRISMA consiste em uma lista de 27 itens que precisam ser especificados para o relato adequado de revisões sistemáticas. O gráfico de fluxo contempla as etapas de identificação, seleção, elegibilidade e inclusão dos estudos. A RESS empreendeu a tradução oficial do PRISMA para o português, oferecendo também os arquivos editáveis do modelo de gráfico de fluxo e a lista de checagem, para que os autores possam baixar e utilizar.15 Ainda na área de revisões sistemáticas, a RESS publicou uma série de seis artigos sobre a elaboração desses estudos, oferecendo fontes de informação adicionais para aprofundamento no assunto.16-21

Além desses, estão disponíveis guias para redação de relatos de casos, pesquisas qualitativas e estudos de acurácia, entre outros. A Figura 2 apresenta os principais guias de redação, com indicação do tipo de delineamento da investigação e o endereço eletrônico para acesso.

Figura 2  - Guias selecionados de redação científica disponíveis na colaboração EQUATORa 

A rede EQUATOR

A Rede EQUATOR (Enhancing the QUAlity and Transparency Of health Research) é uma iniciativa internacional que busca melhorar a confiabilidade e o valor da literatura científica em saúde, por meio da promoção de relatos transparentes e precisos das pesquisas, o que implica o desenvolvimento e a utilização de guias de redação robustos. Seu trabalho contribui para incrementar o valor da pesquisa e ajuda a minimizar o desperdício evitável de investimentos financeiros e humanos nos projetos de pesquisa em saúde.22, 23 Os principais objetivos da Rede EQUATOR estão descritos na Figura 3.

Figura 3  - Principais objetivos da Rede EQUATORa 

A iniciativa nasceu em 2006, a partir do trabalho de um grupo que contou com a participação dos pesquisadores que desenvolveram o CONSORT e outros guias de redação existentes à época.13 Um dos primeiros trabalhos realizados pelo grupo foi o mapeamento dos guias existentes e uma pesquisa com os autores destes. O levantamento evidenciou a necessidade da harmonização dos métodos usados no desenvolvimento dos guias de relato, bem como a importância de se concentrarem mais esforços para a promoção de seu uso, sua implementação e avaliação de seu possível impacto.24

O lançamento oficial da Rede EQUATOR ocorreu em 200813 e, desde então, esta iniciativa teve grande desenvolvimento. Seu principal instrumento é o site na internet (http://www.equator-network.org/), no qual estão disponíveis, em acesso aberto, mais de 280 guias de redação e listas de checagem. O site também disponibiliza uma ampla e atualizada biblioteca digital de publicações relacionadas a guias de redação e publicação científica, além de ferramentas específicas para autores, editores e revisores de periódicos, bibliotecários, estudantes, professores e pesquisadores interessados no desenvolvimento de guias. O público desta iniciativa também inclui tomadores de decisão e outros produtores e usuários da pesquisa em saúde.

Os membros da equipe da Rede EQUATOR trabalham para promover a rede, suas iniciativas e recursos. Em 2014, foi anunciada a criação de centros que deverão contribuir para a expansão de suas atividades. Os três primeiros estão localizados no Reino Unido, na França e no Canadá. Os novos centros irão desenvolver atividades nacionais para aumentar a visibilidade e apoiar a adoção de boas práticas no relato de pesquisas, além de contribuírem para o trabalho da Rede EQUATOR como um todo.

Em fevereiro de 2016, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a Rede EQUATOR lançaram um projeto que visa à produção e à manutenção de uma interface em português do site da rede. O projeto promoverá a tradução de materiais-chave sobre boas práticas no relato de pesquisas, e objetiva também agrupar as versões dos guias de redação já existentes em português. A interface está disponível, em acesso aberto, no endereço eletrônico: www.equator-network.org/library/resources-in-portuguese-recursos-em-portugues/ (Figura 4).

Figura 4  - Página da interface em português do site da Rede EQUATOR 

Essa página, juntamente com a página em espanhol, resultante da parceria entre a Rede EQUATOR e a OPAS, existente desde 2010, tem grande potencial para promover a adesão aos padrões internacionais sobre relato de pesquisa nas Américas, o que também deve contribuir para incrementar a qualidade das publicações científicas na região.

Entre os recursos em português, está disponível uma biblioteca para relatos de pesquisa em saúde, que inclui, além do material relacionado aos guias, outras orientações e diretrizes sobre ética na pesquisa e publicação, pesquisas financiadas pela indústria, links para livros, cursos, apresentações, além de outros recursos. Também estão disponíveis outras ferramentas de apoio a autores, editores, bibliotecários e professores.

Em 2016, a Rede EQUATOR celebra 10 anos de existência. No blog da rede,25 Douglas Altman recorda alguns eventos que levaram à sua criação. Um fato marcante foi a inquietação causada por um artigo publicado na revista The Lancet, em 1975, no qual foi relatado que "Trezentos e vinte e um pacientes consecutivos que satisfaziam aos critérios de inclusão foram mais ou menos aleatoriamente alocados a grupos tratados com glibenclamida ou clorpropamida e divididos em subgrupos de acordo com o tipo de dieta" (tradução livre, grifo nosso). Douglas Altman e seu colega Martin Bland escreveram ao editor da revista, o qual sugeriu que entrassem em contato com os autores. Insatisfeito, Altman passou a estudar erros metodológicos e estatísticos em estudos publicados, e acabou por publicar um artigo na mesma revista, contendo uma revisão de 80 ECR.26 Neste artigo, Altman e Doré afirmam que, "a não ser que os métodos estejam descritos, as conclusões devem ser consideradas suspeitas" (tradução livre), e recomendam a criação de uma lista de itens obrigatórios, cujas recomendações os autores deveriam seguir para o relato de estudos. Segundo eles, isto encorajaria a elaboração de relatos de melhor qualidade e ajudaria na avaliação dos artigos pelos editores e revisores, aumentando assim a qualidade dos ensaios clínicos publicados.26 Sua previsão estava correta.

Efeitos da utilização de guias de redação

Para a autora ou autor, é de grande valia contar com um roteiro que contenha orientação sobre o que deve ser relatado. Ao relacionar na folha em branco os itens que devem ser desenvolvidos, fica mais fácil discorrer sobre os tópicos, organizando as ideias e evitando que pontos importantes sejam esquecidos. O ideal é que o guia de redação seja utilizado desde a elaboração do projeto de pesquisa, já sendo previstos nos métodos os itens que precisam ser relatados. Deste modo, quando a pesquisa é concluída, procede-se à redação dos resultados e demais seções, apenas se modificando o tempo verbal empregado nos métodos. Por outro lado, caso a pesquisa não tenha sido adequadamente planejada, os autores podem fabricar dados para preencher os requisitos do guia de redação, o que se pode considerar uma desvantagem de tais guias.27

O emprego dos guias de redação científica tem melhorado a qualidade metodológica das pesquisas. Uma revisão sistemática comparou artigos publicados em revistas que endossam o CONSORT com aqueles em revistas que não indicam o guia em suas instruções aos autores, e observou que o escore de qualidade metodológica foi significativamente maior nos artigos publicados em revistas que recomendavam seguir o CONSORT.28 Além disso, os artigos de revistas que endossam o guia apresentaram completude significativamente maior no relato dos itens "racional científico e antecedentes" (introdução),"tamanho de amostra", "ocultação da alocação", e "geração da sequência" (métodos).28

Resultados semelhantes foram observados em revistas que recomendam o PRISMA para redação de revisões sistemáticas: artigos de tais revistas apresentaram maior qualidade metodológica e transparência do relato quando comparados a revisões sistemáticas publicadas em revistas que não endossam o PRISMA.29

A melhora da qualidade das pesquisas é esperada a partir da utilização dos guias de redação. Muitas vezes, detalhes importantes são negligenciados pelo simples fato de os autores não reconhecerem sua relevância para compor o manuscrito. Utilizando-se tais guias, o artigo fica mais completo e pode ser mais bem avaliado.

É importante ressaltar que os guias de redação não servem para avaliar a qualidade metodológica de pesquisas. Por exemplo, um estudo de coorte pode preencher o requisito do STROBE com o relato de que não realizou ajuste para confundimento na análise estatística. Para ter maior qualidade metodológica, entretanto, a análise estatística desse tipo delineamento deveria considerar o efeito de possíveis fatores de confusão.30 O papel dos guias de relato é garantir que a informação sobre realização ou não do ajuste para confundimento na análise estatística esteja presente no artigo, para que os editores, revisores e leitores possam avaliar a qualidade metodológica do estudo.

A adesão aos guias de redação pelas revistas é importante para o aumento de sua utilização. Um inquérito realizado em 2013 com 11% das revistas indexadas na base Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) revelou que 40% dos editores não conheciam guias de relato e mais de 70% das revistas não indicavam seu uso.31

Outras ferramentas de apoio à redação científica

É importante que as revistas orientem sobre a utilização dos guias de redação em suas instruções aos autores e que os autores efetivamente os utilizem. Entretanto, os guias de redação científica e de estilo, isoladamente, não resolvem os problemas de redação científica.

Desenvolver o raciocínio crítico e imparcial requer ambientes que valorizem o rigor e o debate metodológico. Entre as alternativas institucionais disponíveis, cabe destacar a criação de escritórios de publicação, além das iniciativas de capacitação continuada. Os escritórios de publicação podem ser constituídos por profissionais com experiência em educação, epidemiologia, estatística, redação científica e ética em pesquisa.

Outra ferramenta disponível para apoiar a redação científica é a série sobre comunicação científica, publicada na RESS, referida anteriormente.8-12

Ademais, diversas iniciativas de capacitação continuada à distância estão disponíveis, entre as quais se destacam os cursos gratuitos: Aprendendo a aprender: ferramentas mentais poderosas para ajudá-lo a dominar assuntos difíceis (http://www.coursera.org) e o Writing in the sciences (https://lagunita.stanford.edu).

Considerações finais

A publicação científica está passando por profundas transformações, que envolvem tanto o crescimento da área, como o desenvolvimento de novas tecnologias. Essas transformações têm sido acompanhadas por uma maior preocupação com a ética na publicação. A transparência e a qualidade do relato são requisitos éticos para a publicação, tanto por contribuírem para que os artigos contenham todos os elementos necessários para permitirem uma avaliação bem fundamentada por parte dos revisores e editores, quanto por minimizarem o desperdício dos esforços em pesquisa, que envolve recursos financeiros, tempo e, algumas vezes, riscos para os participantes.32

Entre os fatores que contribuem para o desperdício em pesquisa, destacam-se o limitado conhecimento dos guias de redação por autores e editores e seu parco uso.32,33 É necessário que os relatos tragam a indicação do que foi realizado e do que foi encontrado no estudo de maneira clara, acurada e suficientemente detalhada. Existem evidências de que a utilização das diretrizes de relato contribui de forma importante para melhorar a qualidade da pesquisa científica e de seu relato,28,29 e consequentemente para reduzir o desperdício em pesquisa.

A RESS recomenda a utilização de guias de relato em suas instruções aos autores, indica os links para acesso ao site da Rede EQUATOR, bem como para as páginas específicas das principais diretrizes. Além disso, a revista publicou o guia PRISMA em versão traduzida para o português.

A divulgação dos guias de relato é necessária para aumentar o conhecimento sobre estas ferramentas essenciais aos pesquisadores da saúde. O incentivo ao seu uso pelos periódicos é fundamental para aprimorar a qualidade das publicações científicas. Os editores são considerados os "guardiões da qualidade",24 mas também é importante o comprometimento dos jovens pesquisadores, estudantes, revisores e todos os demais envolvidos em pesquisa e publicação científica, de modo que as boas práticas sejam cada vez mais cultivadas por toda a comunidade científica.

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Correspondência: Taís Freire Galvão - Setor de Vigilância em Saúde e Segurança do Paciente, Hospital Universitário Getúlio Vargas, Av. Apurinã, nº 4, Centro, Manaus-AM, Brasil. CEP: 69020-170. E-mail: taisgalvao@gmail.com

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