Introdução
O ZIKV (ZIKV) é um arbovírus emergente, pertencente à família Flaviviridae, como os vírus da febre amarela, dengue, Nilo Ocidental e encefalite japonesa. Foi isolado pela primeira vez em 1947, de um macaco Rhesus, na floresta Zika, em Uganda, recebendo a denominação do local de origem.1,2 A doença humana causada pelo ZIKV foi reconhecida pela primeira vez na Nigéria em 1953, quando a infecção viral foi confirmada em três pessoas.1,2 O primeiro surto documentado ocorreu em 2007, na ilha de Yap, nos Estados Federados da Micronésia (Pacífico Ocidental). Seguiu-se uma epidemia maior na Polinésia Francesa, Pacífico Sul, em 2013 e 2014.3-5
No Brasil, clusters de uma doença exantemática desconhecida foram observados em vários estados da região Nordeste em julho de 2014, sendo reportados pelas secretarias de estado de saúde em fevereiro de 2015.5-7 Em 29 de abril de 2015, o ZIKV foi identificado pela primeira vez quando ocorreu um surto semelhante no estado da Bahia.8,9
Em outubro de 2015, o Ministério da Saúde confirmou um aumento na prevalência de microcefalia ao nascer no Nordeste, comparado às estimativas registradas anteriormente (cerca de 0,5/10 mil nascidos vivos), com base nas informações obtidas pelo Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc).7,10 Tendo em vista a alteração do padrão de ocorrência de microcefalia no Brasil, o Ministério declarou situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) com a Portaria nº 1813, de 11 de novembro de 2015.11
Com evidências de uma possível associação entre a alteração no padrão de ocorrência de microcefalia e o recente surto de infecção pelo ZIKV,12,13 a disseminação da doença pelo território brasileiro e mundial, bem como a confirmação da circulação do ZIKV pelos exames laboratoriais realizados em várias Unidades da Federação e em outros países, o evento passou a ser classificado como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) pela Organização Mundial da Saúde (OMS).14
O fim da ESPII foi declarado em novembro de 2016. Não obstante o encerramento da situação de emergência, a OMS considerou que o ZIKV continua a ser um desafio para a Saúde Pública. No Brasil, foi mantida Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional até maio de 2017.15
Tradicionalmente, os casos de microcefalia vinham sendo acompanhados apenas pelo Sinasc. A partir de novembro de 2015, implantou-se o monitoramento dos casos pelo Registro de Eventos em Saúde Pública (RESP), formulário eletrônico criado pelo Ministério da Saúde para notificação obrigatória dos casos que preenchem as definições de caso vigentes.16
A partir da divulgação de casos de síndrome congênita em vários estados do país e com a implementação do RESP, observou-se aumento na notificação de casos suspeitos de síndrome congênita associada à infecção pelo ZIKV no estado de São Paulo. Foi realizada uma investigação para verificar se o fato refletia uma sensibilização do sistema de vigilância ou o incremento do número de casos suspeitos de SCZ.
O objetivo do presente estudo foi caracterizar os casos de síndrome congênita associada à infecção pelo ZIKV (SCZ) e outras etiologias infeciosas, residentes no estado de São Paulo, Brasil, no período de 2015 a 2017.
Métodos
Estudo descritivo, incluindo notificações de casos suspeitos de SCZ e outras etiologias infecciosas, residentes no estado de São Paulo. O estado possui 645 municípios, distribuídos em uma área de 248.221,996km², com população estimada de 44.749.699 habitantes em 2016. Os municípios paulistas estão divididos em 27 Grupos de Vigilância Epidemiológica (GVE) cujo papel é orientar as ações de vigilância nos municípios da sua área de abrangência. Como fonte de dados, foi utilizado o Registro de Eventos em Saúde Pública (RESP) para obtenção dos casos suspeitos de SCZ e outras etiologias.
Foram incluídos no estudo todos os casos suspeitos notificados no RESP no período de 30 de outubro de 2015 a 30 de junho de 2017. O download da base de dados utilizada foi realizado no dia 7 de agosto de 2017, sendo considerados apenas os casos notificados até a semana epidemiológica 26 (até 30 de junho de 2017).
Foram utilizadas as definições operacionais recomendadas pelo Ministério da Saúde.16 Inicialmente, foi adotada a medida mais sensível de 33cm de perímetro cefálico para ambos os sexos, posteriormente reduzida para 32cm, para crianças a termo de ambos os sexos, após surgirem novas evidências dos estudos de campo. Finalmente, em março de 2016, uma definição do padrão internacional para microcefalia em crianças a termo foi adotada, alinhada às orientações da OMS:17 31,5cm para meninas e 31,9cm para meninos. Em 30 de agosto de 2016, a OMS recomendou aos países que adotassem como referência para as primeiras 24-48h de vida os parâmetros antropométricos definidos pelo estudo INTERGROWTH18 para ambos os sexos.16
Foram utilizadas as seguintes definições16 na notificação e classificação dos casos, de acordo com as orientações integradas de vigilância e atenção à saúde no âmbito da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional:
a) Recém-nascido (primeiras 48 horas de vida) que deve ser notificado como suspeito: todo recém-nascido (termo ou pré-termo) com circunferência craniana menor ou igual a -2 desvios-padrão, segundo a tabela Intergrowth,18 de acordo com a idade gestacional ao nascer e sexo; ou com desproporção craniofacial; ou com malformação articular dos membros (artrogripose); ou que apresentou ultrassom (USG) com padrão alterado durante a gestação.
b) Aborto que deve ser notificado como suspeito: todo aborto espontâneo ocorrido dentro das primeiras 22 semanas de gestação em que a gestante tenha apresentado um ou mais sintomas - exantema e/ou febre sem causa definida; gestante com resultado laboratorial reagente para STORCH (sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes e outros) ou ZIKV; USG com padrão alterado durante a gestação.
c) Óbito fetal ou natimorto que deve ser notificado como suspeito: todo óbito fetal ou natimorto de gestante que tenha apresentado um ou mais sintomas - diâmetro ou circunferência craniana menor ou igual a -2 desvios-padrão para idade gestacional e sexo, de acordo com tabela do INTERGROWTH, obtido durante a gestação por meio de ultrassonografia ou mensurado logo após o parto; desproporção craniofacial; malformação articular dos membros (artrogripose); exantema e/ou febre sem etiologia definida -; com resultado reagente para STORCH ou ZIKV enquanto gestante ou dentro das 48 horas pós-parto.
d) Óbito neonatal precoce que deve ser notificado como suspeito: todo óbito neonatal precoce, ocorrido até o 7º dia de vida, que apresente um ou mais sintomas - mãe com relato de exantema e/ou febre sem causa definida na gestação; com resultado laboratorial positivo ou reagente para STORCH+ZIKV enquanto gestante ou dentro das 48 horas pós-parto.
Os casos notificados como suspeitos, após a investigação epidemiológica e laboratorial, foram classificados em provável, confirmado, descartado ou inconclusivo:
Caso confirmado de infecção congênita sem identificação etiológica: todo caso que possuía exame de imagem com laudo descrevendo dois ou mais sinais e sintomas (em exame de imagem ou clínico)16 COM relato de exantema ou febre sem causa definida durante a gestação E sem resultado laboratorial para STORCH+ZIKV; OU com resultado laboratorial negativo ou inconclusivo para STORCH+ZIKV em amostra da mãe ou do recém-nascido; e como caso provável de infecção congênita sem identificação etiológica, todo caso de mães SEM relato de exantema ou febre sem causa definida durante a gestação.
Caso confirmado de infecção congênita por STORCH: todo caso suspeito com dois ou mais sinais e sintomas (em exames de imagem ou clínico),16 com resultado positivo ou reagente para pelo menos um dos STORCH em amostra do recém-nascido ou da mãe (durante a gestação); e como caso confirmado de infecção congênita pelo ZIKV, todo caso suspeito com resultado positivo ou reagente para o ZIKV em amostra do recém-nascido ou da gestante.
Caso descartado: todo caso que, após a investigação, não se enquadrou nas definições de confirmado, provável ou inconclusivo; e como caso inconclusivo, todo caso que não se enquadrou nas definições e quando não foi mais possível realizar a investigação.
Inicialmente, foram descritas as frequências relativas dos casos suspeitos de SCZ e outras etiologias infecciosas (variável quantitativa discreta) segundo sua classificação. Foi feita a distribuição temporal da frequência absoluta dos casos de SCZ de acordo com sua classificação e a distribuição espacial segundo munícipio e GVE de residência (variável qualitativa nominal). Os casos confirmados de SCZ foram descritos por meio da frequência absoluta e relativa, segundo as variáveis: sexo (masculino; feminino), perímetro cefálico (escore Z de acordo com o INTERGROWTH), exantema na gestação (sim; não) e exame de imagem (sim; não).
Foi calculada a proporção de casos de síndrome congênita infecciosa, síndrome congênita associada à infecção pelo ZIKV e síndrome congênita associada a outros agentes infeciosos investigados na gestação (STORCH):
Proporção de síndrome congênita infecciosa: número de casos confirmados para infecção congênita com etiologia infecciosa dividido pelo total de casos suspeitos de síndrome congênita de etiologia infecciosa.
Proporção de síndrome congênita associada à infecção pelo ZIKV: número de casos confirmados laboratorialmente de SCZ dividido pelo total de casos suspeitos de síndrome congênita de etiologia infecciosa.
Proporção de síndrome congênita associada a outros agentes infecciosos: número de casos confirmados de síndrome congênita associada a algum STORCH dividido pelo total de casos suspeitos de síndrome congênita de etiologia infecciosa.
Para armazenamento e análise dos dados, aplicaram-se os softwares Microsoft Excel 2010 e Epi Info 7. Foi utilizado banco de dados secundário, de domínio público, sem o acesso a dados nominais que possibilitassem a identificação dos sujeitos, não sendo necessário o registro e avaliação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)/Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) (Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016).
Resultados
No período de 30 de outubro de 2015 a 30 de junho de 2017, foram notificados no RESP 1.151 casos suspeitos de SCZ e outras etiologias infecciosas. Desses casos suspeitos, 83,4% (960) tiveram investigação finalizada até a semana epidemiológica 26/2017.
Dos 960 casos com investigação completa até a semana epidemiológica 26/2017, 50,6% (486) foram descartados; destes, 29,0% (141) não atendiam às definições de caso vigentes e 71,0% (345) evoluíram com desenvolvimento neurológico e do perímetro cefálico normal para sua idade e sexo.
Dos 474 casos que preenchiam critério para caso suspeito de SCZ e outras etiologias infecciosas, em 51,5% (244) as alterações apresentadas foram confirmadas para causas não infecciosas; 48,5% (230) continuaram como suspeitos de etiologia infecciosa.
Dos 230 casos suspeitos para síndrome congênita infecciosa, 3,5% (8 casos) foram inconclusivos, 33,0% (76 casos) foram classificados como prováveis, 25,7% (59 casos) foram confirmados para infecção congênita sem identificação etiológica por meio de exames de imagens (ultrassom, transfontanela ou tomografia) e 37,8% (87 casos) foram confirmados para infecção congênita com identificação etiológica por meio de exames laboratoriais (reverse transcription-polimerase chain reaction [RT-PCR]). A proporção de síndrome congênita infecciosa foi de 63,5% (146/230) (Tabela 1 e Figura 1).
Classificação dos casos | 2015 | 2016 | 2017 | Total | |
---|---|---|---|---|---|
n | % | ||||
Casos confirmados de infecção congênita sem identificação etiológica | 27 | 29 | 3 | 59 | 25,7 |
Casos confirmados de infecção congênita com identificação etiológica por STORCHa | 3 | 26 | 3 | 32 | 13,9 |
Casos confirmados de infecção congênita com identificação etiológica pelo ZIKV | - | 41 | 14 | 55 | 23,9 |
Casos prováveis de infecção congênita | 7 | 50 | 19 | 76 | 33,0 |
Casos inconclusivos | 1 | 7 | - | 8 | 3,5 |
Total | 38 | 153 | 39 | 230 | 100,0 |
a) STORCH: sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes simples.
Fonte: Registro de Eventos em Saúde Pública (RESP)/Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS)/Centro de Controle de Doenças (CCD)/Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
Data de extração do banco de dados: 07/08/2017.
Fonte: Registro de Eventos em Saúde Pública (RESP)/Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS)/Centro de Controle de Doenças (CCD)/Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
Data de extração do banco de dados: 07/08/2017.
Dos 87 casos confirmados para infecção congênita com identificação etiológica, 55 foram pelo ZIKV (SCZ); os demais 32 foram causados por outros agentes infecciosos: 11 por sífilis, dez por citomegalovírus, oito por toxoplasmose, um por herpes simples, um por vírus de Coxsackie e um por parvovírus.
Entre os casos de etiologia infecciosa, a proporção de confirmações de SCZ foi de 23,9% (55/230); e de síndrome congênita associada à infecção por algum STORCH, 13,9% (32/230).
Dos 55 casos confirmados para ZIKV por critério laboratorial, 23 foram em recém-nascidos/crianças, 22 em abortos, cinco em fetos com alteração do sistema nervoso central, três em óbitos neonatais precoces, e dois casos ocorreram em natimortos (Tabela 2).
Variáveis | n |
---|---|
Sexo do recém-nascido | |
Feminino | 12 |
Masculino | 11 |
Classificação do perímetro cefálico - INTERGROWTH | |
Sem microcefalia (-1 desvio-padrão)a | 6 |
Microcefalia (-2 desvios-padrão) | 9 |
Microcefalia grave (-3 desvios-padrão) | 8 |
Exantema na gestação | |
Sim | 18 |
1º trimestre | 12 |
2º trimestre | 4 |
3º trimestre | 2 |
Não | 5 |
Alterações de imagem | |
Sem exame de imagem | 4 |
Exame de imagem sem alteração | 4 |
Calcificação | 11 |
Ventriculomegalia | 9 |
Lisencefalia | 4 |
Artrogripose | 3 |
Hidrocefalia | 2 |
Disgenesia de corpo caloso | 1 |
a) Todos os casos sem microcefalia apresentavam alterações no exame de imagem.
Fonte: Registro de Eventos em Saúde Pública (RESP)/Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS)/Centro de Controle de Doenças (CCD)/Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
Data de extração do banco de dados: 07/08/2017.
Dos 23 casos de recém-nascidos/crianças com SCZ, nove tinham microcefalia ao nascimento e oito apresentavam microcefalia grave. O exantema foi o sinal relatado com maior frequência durante a gestação, em 18 das 23 gestantes confirmadas laboratorialmente para ZIKV, 12 delas durante o primeiro trimestre. As principais alterações nos exames de imagens dos casos confirmados de SCZ foram calcificações (11 de 23) e ventriculomegalia (9 de 23) (Tabela 2).
Os casos confirmados para SCZ que não apresentaram alteração nos exames de imagem foram confirmados pela presença de algum sintoma clínico (exantema e/ou febre) e resultado laboratorial reagente no PCR para ZIKV, na gestante e/ou recém-nascido.
Em todos os casos confirmados de SCZ em que a criança não apresentou microcefalia ao nascimento, foi verificada alguma alteração nos exames de imagem compatível com ZIKV, além do resultado laboratorial reagente na gestante e/ou criança.
Foi observado um incremento no número de notificações de casos suspeitos de SCZ e outras etiologias infecciosas, após a declaração da Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional; e um decréscimo, em 2017 (Figura 2).
Fonte: Registro de Eventos em Saúde Pública (RESP)/Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS)/Centro de Controle de Doenças (CCD)/Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
Data de extração do banco de dados: 07/08/2017.
Os casos confirmados se concentraram nas regiões sudeste e nordeste do estado (Figura 3).
Discussão
De 30 outubro de 2015 a 30 de junho de 2017, o estado de São Paulo investigou 960 casos suspeitos de SCZ, dos quais 230 preenchiam critério para relação com doença infecciosa durante a gestação e 87 foram confirmados para infecção congênita com identificação etiológica, demonstrando a circulação do ZIKV no estado. Após a declaração da Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional, houve um incremento no número de notificações, como pode ser observado aqui e em estudos nacionais.7,19
Neste estudo, encontrou-se uma proporção de 63,5% (146/230) de casos de síndrome congênita infecciosa, incluídos os casos confirmados de SCZ, casos confirmados sem identificação etiológica e casos confirmados de síndrome congênita associada a algum STORCH. Estes dados são compatíveis com achados nacionais da literatura dedicada ao período de epidemia de Zika com casos de SCZ.7
A proporção de casos confirmados de síndrome congênita associada à infecção por algum STORCH foi de 13,9%, sendo identificados sífilis, toxoplasmose, citomegalovírus, herpes, Coxsackie e parvovírus, achado compatível com o de estudo nacional.7
A proporção de casos confirmados de SCZ no estado de São Paulo foi de 23,9% entre os suspeitos de etiologia infecciosa. Caso se acrescentassem aos casos confirmados de ZIKV os casos confirmados sem identificação etiológica, essa proporção seria de 49,5% (114/230). Pode-se inferir que se tratava de ZIKV, porque as demais causas infecciosas foram afastadas e o quadro clinico e radiológico foi compatível com ZIKV.
As principais alterações nos exames de imagens encontradas foram calcificações e ventriculomegalia. Os achados apresentados foram consistentes com a série de casos publicada por Aragão et al., ao descreverem os achados de exames de imagem pós-natal em 23 crianças com infecção presumida por ZIKV. Guillemette-Artur et al. relataram achados muito semelhantes em uma série de três pacientes, usando imagem por ressonância magnética fetal.20-22
Os casos confirmados se concentraram no sudeste e no nordeste do estado de São Paulo, onde houve maior número de infecções pelo ZIKV no ano de 2016.23
Dos 55 casos de SCZ, a maior parte foi de recém-nascidos/crianças, seguido de casos de aborto. A maioria das publicações sobre infecções prévias de ZIKV tem focado nas alterações do sistema nervoso central e em outras malformações congênitas causadas pelo vírus no feto ou no recém-nascido.24 Poucos artigos discutem possíveis resultados obstétricos adversos associados à infecção pelo ZIKV. Chibueze et al.25 realizaram uma revisão sistemática e concluíram: dos 142 artigos elegíveis, 18 tinham critérios para inclusão (13 estudos de série de casos e cinco estudos observacionais), e poucos foram os estudos relatando casos de abortos e natimortos em gestantes infectadas pelo ZIKV. Impõe-se a necessidade, urgente, de estudos de coorte com o propósito de esclarecer se a infecção por ZIKV aumenta o risco de aborto espontâneo.26
Conforme observado em outros estudos sobre microcefalia realizados no Brasil,19,27 a maior parte das mães relataram exantema no primeiro trimestre da gravidez, semelhantemente ao resultado encontrado neste estudo. Sabe-se que o período embrionário é o de maior risco para múltiplas complicações decorrentes de processo infeccioso.28-30
Estudo realizado por Johansson et al.29 demonstrou que diferentes taxas de infecção pelo ZIKV na população, taxas de subnotificação de microcefalia e trimestre de gestação da infecção pelo vírus são fatores que determinam diferentes prevalências da microcefalia, entre 2 e 12 casos por 10 mil nascimentos.
A prevalência de microcefalia no estado de São Paulo, segundo dados do Sinasc, aumentou três vezes no período 2015-2016, passando de 3,46 casos por 10 mil nascidos vivos (NV) em 2015 para 9,52 casos por 10 mil NV em 2016, como demonstrado em outros estudos.30 Este aumento foi mais evidente em alguns municípios do estado, a exemplo de Campinas (8,02 casos/10 mil NV em 2015; 50,01 casos/10 mil NV em 2016), Ribeirão Preto (5,65 casos/10 mil NV em 2015; 44,14 casos/10 mil NV em 2016), Jundiaí (0,00 caso/10 mil NV em 2015; 41,22 casos/10 mil NV em 2016) e São José dos Campos (0,00 caso/10 mil NV em 2015; 14,27 casos/10 mil NV em 2016). Os dados corroboram o fato de o maior número de casos confirmados localizarem-se nos municípios de Ribeirão Preto e Campinas.
Entre as limitações metodológicas do presente estudo, podem-se citar: (i) o registro de informações incompletas inerente à rotina de sistemas de vigilância; (ii) a ausência de coleta de amostras clínicas em tempo oportuno para identificação do ZIKV nas mães e nas crianças; (iii) a alta especificidade laboratorial utilizando-se apenas o RT-PCR para o diagnóstico de ZIKV nas gestantes, por não haver disponibilidade da sorologia no momento da investigação; e (iv) a ausência de investigação completa do STORCH para todos os casos.
Os resultados apresentados neste relato demonstraram sensibilidade não apenas do sistema de notificação, senão também dos profissionais de saúde, após a declaração de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional, além da identificação de casos de SCZ no estado de São Paulo. Faz-se necessária a realização de outros estudos no estado, com delineamento prospectivo, para melhor entender a circulação do ZIKV e sua associação com a síndrome congênita.