Introdução
O agente comunitário da saúde (ACS) é um profissional responsável por fornecer aconselhamento para prevenção e promoção da saúde, orientar sobre serviços de saúde e fortalecer o vínculo entre famílias e equipes de profissionais de saúde. O ACS realiza orientações sobre hábitos de vida saudável, incluindo alimentação saudável, atividade física e controle de peso corporal,1 e assim, pode contribuir para o gerenciamento de doenças crônicas nos cuidados primários de saúde.2
As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) possuem causa multifatorial e são influenciadas pela presença de quatro principais fatores de risco: uso abusivo de álcool, alimentação inadequada, sedentarismo e consumo de tabaco. A retirada e/ou diminuição da exposição a esses fatores é determinante na redução da mortalidade, morbidade e futuras complicações dessas doenças.3
Sabe-se que as longas jornadas de trabalho, o estresse e a ansiedade vivenciados pelo trabalhador da área de Saúde podem afetar diretamente sua qualidade de vida.4 As demandas e desafios no processo de trabalho do ACS podem ter impacto negativo na saúde desses profissionais,5 atuantes na linha de frente da promoção de hábitos adequados. A adoção de práticas não saudáveis em sua própria vida podem influenciar sua competência como agentes de saúde. Os ACS personificam o contato mais próximo e imediato da população com o Sistema Único de Saúde (SUS), e, ao adotarem hábitos saudáveis consigo mesmos, contribuem para a difusão dessas práticas na comunidade por eles atendida. Justamente daí colherão a confiança da população no aconselhamento preventivo e seu trabalho mais amplo, motivando os indivíduos a evitarem comportamentos de risco à saúde.4),(6),(7
Enquanto potenciais multiplicadores dessas informações na sociedade, os ACS tanto podem como devem se empenhar em prol de uma melhor compreensão dos fatores relacionados ao bem-estar e melhoria da qualidade de vida entre a população geral.8 Há evidências de que, se um profissional de saúde é comprometido com a adoção de uma dieta adequada, mais provavelmente efetivo será ao aconselhar a população sobre os benefícios da atividade física e da alimentação saudável.4
O objetivo do estudo foi analisar os hábitos relacionados à saúde dos ACS de Montes Claros, Minas Gerais, Brasil.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal, realizado em Montes Claros/MG, no ano de 2018. Sexto maior município do estado, com uma população residente de 413.487 habitantes, Montes Claros apresenta índice de Gini de 0,53 e 100% de cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF).
A população-alvo da pesquisa constituiu-se dos 797 ACS de Montes Claros, atuantes nas 135 equipes de ESF do município, à época da coleta dos dados que serviram ao estudo. Todos os profissionais ACS de Montes Claros foram convidados a participar da pesquisa, cujo critério de inclusão foi estar no efetivo exercício de sua função. Os critérios de exclusão, portanto, foram estar afastado da função e a condição de gestante no momento da pesquisa. A estimativa de participação da população de ACS prescindiu de cálculo amostral; o poder estatístico do contingente de ACS participantes (erro de tipo β) foi testado a posteriori (teste post hoc), para efeito de comparação entre os grupos relacionados às variáveis analisadas.
A coleta de dados, realizada por profissionais da Saúde e alunos de iniciação científica, aconteceu no Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador (CEREST) de Montes Claros, em dias úteis da semana, no período matutino, entre agosto e outubro de 2018. A aplicação do questionário coube a colaboradores da pesquisa, e o instrumento abordou características sociodemográficas, laborais e de estilo de vida:
a) Sociodemográficas
- Sexo (feminino; masculino);
- Faixa etária (em anos: ≤40; >40);
- Escolaridade (ensino fundamental/ensino médio; ensino superior incompleto; ensino superior completo);
- Renda familiar (em salários mínimos: R$ 954,00 no ano de 2018, posteriormente categorizada em <2, 2 a 3 e >3 salários mínimos);
- Número de pessoas na família (até 3; 4 ou mais);
- Estado civil (com companheiro[a]; sem companheiro[a]);
- Raça/cor da pele (branca; não branca);
- Formação na área da Saúde (sim; não);
- Religiosidade (sim; não).
b) Laborais
- Vínculo com a instituição (concursado; efetivo/contratado; celetista; prestador de serviço);
- Possui outro emprego (sim; não);
- Tempo de atuação na área da Saúde (anos de serviço: <1; 1 a 5; >5);
- Tempo de atuação como agente comunitário de saúde (anos de serviços: <1; 1 a 5; >5);
- Carga horária de trabalho semanal na ESF (em horas: ≤40; >40).
c) Estilo de vida
- Consumo de frutas diariamente (sim; não);
- Consumo de verduras e legumes diariamente (sim; não);
- Sal em excesso na comida (sim; não);
- Sobrepeso/obesidade (sim; não);
- Consumo de álcool (não consome bebida alcoólica; consome bebida alcoólica);
- Inatividade física (inativo ou insuficientemente ativo; ativo);
- Tabagismo: (não fuma; fuma).
Foram mensurados, individualmente, os dados antropométricos de peso (kg) e altura (cm), utilizando-se balança portátil mecânica da marca BALMAK 111® com precisão de 100g e estadiômetro portátil da marca SECA 206® com precisão de 0,1cm afixado em parede plana. Para tanto, o participante estava descalço, vestia roupas leves e foi colocado em posição ortostática segundo o plano de Frankfurt. A partir dos valores obtidos da altura e peso, avaliou-se o índice de massa corporal (IMC) para verificação dos casos de sobrepeso e obesidade, mediante a divisão do peso (em kg) pela altura (em metros) elevada ao quadrado. Com base no resultado encontrado, os entrevistados foram classificados de acordo com os valores de referência estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e de acordo com as Diretrizes Brasileiras de Obesidade: considerou-se um indivíduo magro quando seu IMC foi menor que 18,5; normal ou eutrófico, IMC entre 18,5 e 24,9; sobrepeso ou pré-obeso, entre 25,0 e 29,9; obesidade de grau I, entre 30,0 e 34,9; obesidade de grau II, entre 35,0 e 39,9; e o IMC maior ou igual a 40,0 caracterizou o ACS como portador de obesidade grave ou de grau III.9
O consumo de alimentos foi avaliado a partir de perguntas retiradas do questionário do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel),10 referentes à frequência semanal de consumo de frutas, verduras/saladas cruas e legumes cozidos (opções de resposta: nunca/quase nunca; 1 a 2 vezes/semana; 3 a 4 vezes/semana; 5 a 6 vezes/semana; todos os dias da semana) e ao acréscimo de sal às refeições já preparadas (sal em excesso na comida: sim; não). Os participantes também foram questionados sobre o consumo de cigarro (não fuma; fuma) e a ingestão de bebida alcoólica (não consome bebida alcoólica; consome bebida alcoólica).
Para avaliação da prática de atividade física, empregou-se um instrumento de abrangência global, o International Physical Activity Questionnaire (IPAQ), proposto pela OMS e validado no Brasil,11 com o objetivo de estimar a prevalência de atividade/inatividade física em adultos. O nível de atividade física foi classificado levando-se em consideração a duração, intensidade e frequência dessas atividades durante a semana que antecedeu a entrevista, distribuindo-se o indivíduo entre duas categorias: inativo ou insuficientemente ativo (<150 minutos semanais); e ativo (≥150 minutos semanais).
Para os hábitos saudáveis de saúde, foram consideradas as seguintes recomendações: IMC<24,9kg/m2; não fumar; não ingerir bebida alcoólica; consumir frutas diariamente; consumir verduras e legumes diariamente; praticar atividade física regularmente; e não adicionar sal às refeições ou alimentos já preparados. A não adesão a três ou mais desses fatores definiu a medida da variável denominada ‘hábitos inadequados de saúde’.
Para a análise de dados, aplicou-se a estatística descritiva, mediante frequência simples e percentual, cujos resultados são apresentados em tabelas. Realizou-se o teste qui-quadrado de Pearson para verificar a associação entre a variável ‘hábitos inadequados de saúde’ e as variáveis independentes: sexo; idade; escolaridade; renda familiar; número de pessoas na família; estado civil; raça/cor da pele; formação na área da Saúde; religiosidade; vínculo com a instituição; outro emprego; tempo de atuação na área da Saúde; tempo de atuação como ACS; e carga horária de trabalho na ESF.
As variáveis que apresentaram p-valor <0,20 foram selecionadas para análise múltipla. Utilizou-se o modelo de Poisson com variância robusta, para estimar a magnitude das associações pela razão de prevalências (RP) bruta e ajustada, ao nível de significância de 5%. Para avaliar a qualidade do ajuste do modelo, foi utilizado o teste de desvio (teste de deviance). Todas as análises foram feitas pelo aplicativo SPSS versão 20.0.
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (CEP/Unimontes): Parecer nº 2.425.756, emitido em 8 de dezembro de 2017. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelos ACS como condição prévia à coleta dos dados.
Resultados
Dos 797 ACS existentes do município, 122 (15,3%) foram excluídos do estudo por sua condição de desvio de função ou ser gestante ou trabalhar há menos de um ano ou se encontrar em licença-maternidade ou apresentar atestado de licença do trabalho (Figura 1). Foram entrevistados 675 agentes comunitários de saúde de Montes Claros.
A maioria desses profissionais era do sexo feminino (83,9%) e a média de idade foi calculada em 36,7 anos: mínimo de 19 e máximo de 68 anos. Declararam ter cursado até o ensino médio 56,7%; 49,3% contavam com renda familiar de dois a três salários mínimos, 59,7% tinham companheiro(a), 87,1% eram de raça/cor da pele não branca e 84,3% eram religiosos. Quanto às características ocupacionais, a maior parte somava tempo de trabalho na área da Saúde (46,1%) e tempo de atuação como ACS (43,5%) superiores a cinco anos, e carga horária de trabalho na ESF acima de 40 horas semanais (54,7%). Prevaleceram os entrevistados que não apresentavam formação na área da Saúde (64,3%), vinculados à instituição como contratados/celetistas/prestadores de serviço (74,2%) e aqueles que não possuíam outro emprego (90,2%) (Tabela 1).
Entre os ACS, 53,0% apresentaram hábitos inadequados de saúde. A prevalência de cada fator avaliado é apresentada na Tabela 2: o mais frequente na população estudada foi o baixo consumo de frutas (83,0%), enquanto o tabagismo foi o menos comum (7,1%). O consumo de álcool foi referido por 37,6% dos entrevistados, enquanto 26,2% relataram inatividade física. A maioria estava com IMC fora da faixa recomendável (60,8%). O hábito de adicionar sal às preparações prontas revelou-se alto entre esses profissionais, com prevalência de 81,2%. Na Figura 2, encontram-se as distribuições dos participantes segundo o número de comportamentos inadequados que registraram.
A análise de associação bivariada, entre hábitos inadequados de saúde e variáveis independentes, identificou significância estatística até 20% para as variáveis ‘sexo’ (RP=1,30 - IC95% 1,11;1,52), ‘idade’ (RP=1,22 - IC95% 1,04;1,43), ‘ensino superior incompleto’ (RP=1,09 - IC95% 0,92;1,30), ‘ensino superior completo’ (RP=0,90 - IC95% 0,75;1,08), ‘estado civil’ (RP=1,12 - IC95% 0,97;1,29), ‘formação na área da Saúde’ (RP=1,19 - 1,02;1,39) e ‘religiosidade’ (RP=1,26 - 1,07;1,49) (Tabela 3).
No modelo múltiplo, permaneceram associados aos hábitos inadequados de saúde dos ACS as variáveis ‘sexo’ (RP=1,24 - IC95% 1,05;1,45), ‘idade’ (RP=1,19 - IC95% 1,01;1,40) e ‘religiosidade’ (RP=1,23 - IC95% 1,04;1,45). O sexo masculino apresentou maior prevalência de hábitos inadequados de saúde, assim como os ACS até 40 anos de idade e os que se declararam não religiosos (Tabela 3).
As estimativas para análises de associação calculadas aposterioriindicaram que o poder do estudo foi de 83,4%, considerando-se uma prevalência de 53% de hábitos inadequados de saúde, com os 675 indivíduos avaliados e um nível de confiança de 95%.
Características | n | % | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Sexo | |||||||
Feminino | 566 | 83,9 | |||||
Masculino | 109 | 16,1 | |||||
Faixa etária (em anos) | |||||||
≤40 | 444 | 65,8 | |||||
>40 | 231 | 34,2 | |||||
Escolaridade | |||||||
Ensino fundamental/ensino médio | 383 | 56,7 | |||||
Ensino superior incompleto | 126 | 18,7 | |||||
Ensino superior completo | 166 | 24,6 | |||||
Renda familiar (em salários mínimos)a | |||||||
<2 | 205 | 30,4 | |||||
2-3 | 333 | 49,3 | |||||
>3 | 137 | 20,3 | |||||
Número de pessoas na família | |||||||
Até 3 | 331 | 49,0 | |||||
4 ou mais | 344 | 51,0 | |||||
Estado civil | |||||||
Com companheiro(a) | 403 | 59,7 | |||||
Sem companheiro(a) | 272 | 40,3 | |||||
Raça/cor da pele | |||||||
Branca | 87 | 12,9 | |||||
Não branca | 588 | 87,1 | |||||
Formação na área da Saúde | |||||||
Sim | 241 | 35,7 | |||||
Não | 434 | 64,3 | |||||
Religiosidade | |||||||
Sim | 568 | 84,3 | |||||
Não | 106 | 15,7 | |||||
Vínculo com a instituição | |||||||
Concursado/efetivo | 174 | 25,8 | |||||
Contratado/celetista/prestador de serviço | 501 | 74,2 | |||||
Outro emprego | |||||||
Não | 609 | 90,2 | |||||
Sim | 66 | 9,8 | |||||
Tempo de atuação na área da Saúde (em anos) | |||||||
<1 | 167 | 24,7 | |||||
1-5 | 197 | 29,2 | |||||
>5 | 311 | 46,1 | |||||
Tempo de atuação como ACSb (em anos) | |||||||
<1 | 180 | 26,7 | |||||
1-5 | 201 | 29,8 | |||||
>5 | 294 | 43,5 | |||||
Carga horária de trabalho (em horas semanais) na ESFc | |||||||
Até 40h | 306 | 45,3 | |||||
Mais de 40h | 369 | 54,7 |
a) Salário mínimo de R$ 954,00 no ano de 2018; b) ACS: agente comunitário de saúde; c) ESF: Estratégia Saúde da Família.
Componentes para hábitos inadequados de saúde | n | % |
---|---|---|
Baixo consumo de frutas | 560 | 83,0 |
Sal em excesso na comida | 548 | 81,2 |
Sobrepeso/obesidade | 409 | 60,8 |
Baixo consumo de verduras e legumes | 392 | 58,1 |
Consumo de álcool | 254 | 37,6 |
Inatividade física | 177 | 26,2 |
Tabagismo | 48 | 7,1 |
Variáveis | Prevalência (%) | Razão de prevalência bruta | Razão de prevalência ajustada | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
(IC95%)a | p-valorb | (IC95%)a | p-valorc | ||||
Sexo | |||||||
Feminino | 50,5 | 1,00 | 1,00 | ||||
Masculino | 65,7 | 1,30 (1,11;1,52) | 0,001 | 1,24 (1,05;1,45) | 0,011 | ||
Idade (em anos) | |||||||
>40 | 46,3 | 1,00 | 1,00 | ||||
≤40 | 56,5 | 1,22 (1,04;1,43) | 0,016 | 1,19 (1,01;1,40) | 0,038 | ||
Escolaridade | |||||||
Fundamental/ensino médio | 53,4 | 1,00 | 1,00 | ||||
Ensino superior incompleto | 58,4 | 1,09 (0,92;1,30) | 1,02 (0,83;1,20) | ||||
Ensino superior completo | 47,9 | 0,90 (0,75;1,08) | 0,199 | 0,87 (0,72;1,05) | 0,307 | ||
Renda familiar (em salários mínimos)d | |||||||
<2 | 57,4 | 1,00 | - | ||||
2-3 | 52,0 | 0,91 (0,77;1,06) | |||||
>3 | 48,9 | 0,85 (0,69;1,05) | 0,272 | ||||
Número de pessoas na família | |||||||
Até 3 | 52,0 | 1,00 | - | ||||
4 ou mais | 54,0 | 1,04(0,90;1,20) | 0,610 | ||||
Estado civil | |||||||
Com companheiro(a) | 50,5 | 1,00 | 1,00 | ||||
Sem companheiro(a) | 56,7 | 1,12 (0,97;1,29) | 0,113 | 1,07 (0,93; 1,25) | 0,309 | ||
Raça/cor da pele | |||||||
Branca | 52,9 | 1,00 | - | ||||
Não branca | 53,0 | 1,00 (0,81;1,24) | 0,981 | ||||
Formação na área da Saúde | |||||||
Sim | 47,3 | 1,00 | - | ||||
Não | 56,2 | 1,19 (1,02;1,39) | 0,032 | ||||
Religiosidade | |||||||
Sim | 50,8 | 1,00 | 1,00 | ||||
Não | 64,2 | 1,26 (1,07;1,49) | 0,005 | 1,23 (1,04;1,45) | 0,017 | ||
Vínculo com a instituição | |||||||
Concursado/efetivo | 56,0 | 1,00 | - | ||||
Contratado/celetista/prestador de serviço | 51,7 | 0,91 (0,78;1,07) | 0,252 | ||||
Outro emprego | |||||||
Não | 52,8 | 1,00 | - | ||||
Sim | 54,5 | 1,03 (0,82;1,30) | 0,787 | ||||
Tempo de atuação na área da Saúde (em anos) | |||||||
<1 | 50,0 | 1,00 | - | ||||
1-5 | 53,9 | 1,08 (0,88;1,32) | |||||
>5 | 54,0 | 1,08 (0,90;1,30) | 0,672 | ||||
Tempo de atuação como ACSe (em anos) | |||||||
<1 | 49,2 | 1,00 | - | ||||
1-5 | 53,3 | 1,01 (0,89;1,32) | |||||
>5 | 55,1 | 1,12 (0,94;1,35) | 0,449 | ||||
Carga horária de trabalho (em horas semanais) na ESFf | |||||||
Até 40h | 51,5 | 1,00 | - | ||||
Mais de 40h | 54,2 | 1,05 (0,91;1,22) | 0,484 |
a) IC95%: intervalo de confiança de 95%; b) Valor de p: probabilidade de significância - teste qui-quadrado de Pearson; c) Valor de p: probabilidade de significância - modelo final da análise múltipla (método backward), ajustado pelas variáveis: ‘sexo’, ‘idade’, ‘escolaridade’, ‘estado civil’, ‘formação na área da Saúde’ e ‘religiosidade’ (teste de deviance [valor de p = 0,665]); d) Salário mínimo de R$ 954,00 no ano de 2018; e) ACS: agente comunitário de saúde; f) ESF: Estratégia Saúde da Família.
Discussão
Entre os profissionais ACS estudados, aproximadamente metade apresentou hábitos inadequados de saúde. A maioria dos pesquisados estavam com IMC inadequado, referiam baixo consumo de frutas, verduras e legumes, e tinham como hábito adicionar sal a preparações de alimentos prontas. Aproximadamente um terço dos ACS fazia consumo de álcool e cerca de um quarto apresentava inatividade física. O hábito de fumar foi relatado pela minoria dos pesquisados. A presença de hábitos inadequados de saúde associou-se ao sexo masculino, à idade menor de 40 anos e ao fato de se declarar não religioso. Tais hábitos podem interferir negativamente na qualidade de vida desses profissionais de saúde.12
O estudo tem como limitação o uso de questionários respondidos a partir de autoavaliação dos ACS. Tratando-se de indivíduos atuantes na área da Saúde, é passível de questionamento se, em algum momento, houve omissão de hábitos reconhecidos pela Saúde Pública como prejudiciais. O autorrelato do ACS pode subestimar a real prevalência dos hábitos inadequados de saúde e, portanto, representar uma fonte de viés na interpretação dos resultados do inquérito.
A incorporação de hábitos inadequados de saúde pelos ACS estudados está de acordo com pesquisas anteriores sobre o cenário brasileiro, onde os ACS não seguiam adequadamente as diretrizes de promoção da saúde em seus próprios comportamentos.8),(13 É essencial que os profissionais de saúde adotem comportamentos saudáveis, de maneira a convencer seus atendidos sobre o risco de DCNT, reduzi-lo e promover o bem-estar entre eles.13 Os gestores de saúde, por sua vez, também podem contribuir para a adoção dessas práticas, ao propiciar momentos de reflexão e conhecimento sobre o autocuidado e hábitos de vida saudáveis, como a realização de atividades fisicas e o estímulo à alimentação saúdável no ambiente de trabalho de sua unidade ou órgão administrativo.
Neste estudo, a prevalência de IMC inadequado correspondeu a mais da metade dos ACS. Resultado semelhante foi encontrado em pesquisa anterior, de 2011, realizada com ACS de todo o país: 48,5% desses profissionais apresentavam sobrepeso, e 14,2%, obesidade.4 Conforme dados coletados pela Vigitel10 em 2016, 53,8% dos adultos das 27 capitais das Unidades da Federação brasileira apresentaram excesso de peso.
A frequência de fumantes entre os pesquisados - 9,3% - esteve abaixo da média nacional identificada pela Vigitel em 2018, embora fosse semelhante à verificada em pesquisa de alcance nacional, ao encontrar 7,4% de ACS fumantes.13 Tal achado é importante, pois o tabagismo é o principal fator determinante de câncer de pulmão, entre outras doenças e agravos,14 e o Brasil é referência mundial quando se trata de políticas de combate a essa prática.15
O uso de bebidas alcoólicas foi referido por mais de um terço dos ACS pesquisados. Em todo o mundo, são estimados 2,3 bilhões de consumidores de álcool atualmente.16 Apesar de a bebida alcoólica ser legalizada e aceita na sociedade, é grande o potencial de dependência psicológica e física da substância, motivo de grandes prejuízos nos planos pessoal e social. Seu uso nocivo é um fator contributivo para diversas doenças e lesões, fortemente associado a transtornos mentais e comportamentais, além de DCNT.16
O consumo de frutas diário foi baixo entre os ACS. Resultado semelhante foi apresentado por um estudo realizado em unidades básicas de saúde (UBS) do Brasil, em 2011: de 798 profissionais de saúde de UBS pesquisados, dos quais 269 ACS, apenas 26,2% ingeriam cinco ou mais porções de frutas e/ou vegetais por semana;13 também se encontrou baixo consumo diário de verduras e legumes em mais da metade dos participantes. A OMS recomenda o consumo de cinco ou mais porções de frutas e vegetais diariamente, implicando maior suprimento de micronutrientes e fibras.17
O hábito de acrescentar sal às preparações de alimentos já prontas foi relatado pela maioria dos ACS. A recomendação da OMS, novamente, é de um consumo diário de até 5g/dia de sal; logo, adicionar sal à preparação pronta aumenta as chances de, ao exceder o quantitativo máximo indicado para o sal, transformá-lo em um fator de risco para doenças crônicas não transmissíveis.17 Um levantamento nacional observou que a população consome sal em quantidades excessivas. Considerando-se os riscos do alto consumo de sal para hipertensão arterial e comprometimento da função renal, faz-se necessária a adoção de políticas públicas amplas com o propósito de diminuir a ingestão desse ingrediente.18
Entre os ACS, cerca de um quarto apresentava inatividade física, predominando aqueles que relataram praticar atividade física moderada. Investigação realizada no país, em 2011,4 observou que 64,9% dos ACS praticavam atividade física regular. Este dado pode estar relacionado ao fato de algumas das atividades laborais dos ACS, dependentes do deslocamento físico indispensável às visitas domiciliares sobre a extensão de seu território de trabalho, serem consideradas como práticas de atividade física, de acordo com o Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ) que serviu de referência a esse estudo.11
Os hábitos inadequados de saúde foram associados ao sexo masculino. Segundo pesquisa realizada entre os meses de maio e julho de 2012, ao se avaliar o perfil de profissionais de saúde do SUS no município de Pelotas, RS, concluiu-se que o segmento feminino apresenta melhores resultados quanto aos cuidados com a própria saúde.8 Nesse sentido, estudo realizado na região Sul do país, nos meses de janeiro a julho de 2013, exclusivamente com homens na faixa etária de 40 a 50 anos, observou altas prevalências de alguns comportamentos de risco à saúde entre eles.19 Um dos estereótipos relacionados à masculinidade define o sexo masculino como ‘mais forte e invulnerável’ comparado ao feminino, o que pode dificultar, de parte dos homens, a adoção de medidas de autocuidado e a procura por serviços de saúde.
A idade até 40 anos foi associada à variável de desfecho. Da mesma forma, estudo prévio com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, sobre os perfis multidimensionais de fatores de risco relacionados ao estilo de vida em indivíduos adultos, observou associação entre os fatores relacionados ao estilo de vida e as características sociodemográficas nacionais. A prática de comportamentos saudáveis varia conforme a ‘faixa etária’, sendo maior entre os mais velhos.20
Notou-se que a população mais afetada se identifica com as categorias normalmente associadas a poucos cuidados com a própria saúde, apesar de a mídia e outros meios de comunicação, nos últimos tempos, enfatizarem os cuidados com a saúde como uma tendência na sociedade geral.21 O desafio de mudar comportamentos é universal, cumprindo destacar, especialmente para os profissionais de saúde, seu papel de modelo e exemplo a ser seguido, compartilhando responsabilidades com as pessoas por eles assistidas e orientadas.
Os hábitos inadequados de saúde dos ACS foram mais prevalentes entre os autodeclarados não religiosos. Estudo realizado em Israel,22 publicado no ano de 2016, concluiu: os indivíduos com maior espiritualidade/religiosidade apresentaram menor prevalência para o acometimento de doenças, por apresentarem maiores cuidados com a saúde. Em pesquisa com usuários de unidades de Atenção Primária à Saúde (APS) de Ribeirão Preto, SP, publicado em 2019, detectou-se baixos níveis de ingestão de álcool entre indivíduos religiosos e/ou praticantes de uma religião.23 Não obstante estudos recentes abordarem a influência da religiosidade e da espiritualidade nos cuidados de saúde, o tema ainda carece de mais investigações.
Neste estudo, a presença dos hábitos não saudáveis entre os ACS indica a necessidade de valorizar esses profissionais sob uma perspectiva holística. Uma das medidas nesse sentido seria a implementação de ações de promoção e proteção a sua saúde, contribuindo com o menor acometimento de doenças e afastamento de seu contexto laboral. Por conseguinte, melhora-se o serviço prestado à comunidade, pois, com índices adequados de saúde, é possível atuar de forma mais efetiva e precoce na identificação de problemas, apoiando o monitoramento de doenças crônicas e reduzindo o uso de serviços de cuidados agudos e secundários pela comunidade, o que também impacta na redução da carga desnecessária de trabalho para a equipe de saúde.
Outra forma de tratar a questão é reconhecer o papel do ACS na equipe de saúde, destacando a relevância de suas atividades junto à comunidade e criando oportunidades para o aprimoramento e crescimento profissional. O incentivo à capacitação do ACS, com enfoque nos princípios do SUS, é importante para que ele possa executar seu trabalho de acordo com as diretrizes do SUS e colaborar com sua consolidação,24 reestruturação dos modelos vigentes nos serviços de saúde e fortalecimento da APS como coordenadora da rede de atenção à saúde.25
Finalmente, vale destacar o papel exemplar do ACS como facilitador da comunicação entre a Saúde, o indivíduo e a comunidade. Portador de uma identidade comunitária, suas tarefas não se restringem aos limites da instituição, mas se estendem pelo território de moradia e trabalho do cidadão a quem cabe atender. Eis a força e a riqueza da presença desse ator social em uma equipe de Saúde da Família.26
Hábitos inadequados de saúde foram comuns entre os ACS de Montes Claros, mais prevalentes em homens, nos mais jovens e entre não religiosos. Portanto, é mister enfatizar a importância de medidas que visem promover mudanças no estilo de vida, principalmente entre esses grupos, com o objetivo de diminuir a incidência de doenças não transmissíveis e complicações decorrentes.