Introdução
A partir da Constituição de 1988, os brasileiros passaram a ter garantido o direito universal ao atendimento público de saúde pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Estima-se que mais de 150 milhões de pessoas tenham no SUS a única forma de acesso a esses serviços e, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, 95% dos que procuraram algum serviço de saúde foram atendidos.1,2 A atenção integral à saúde é um direito de todos e dever do Estado, desde o nascimento. Grande parte da população procura atendimento público alguma vez na vida, entre os diversos tipos de serviços de saúde disponibilizados.2
A utilização de serviços é uma medida para compreender o acesso à assistência à saúde de maneira geral. Expressão positiva desse acesso, ela pode impactar na saúde das populações, prevenindo a ocorrência de doenças, reduzindo a mortalidade e aumentando as taxas de sobrevivência.2 A utilização de serviços de saúde sofre influência de uma complexa combinação de fatores, que incluem desde as necessidades de saúde, sua percepção pelo indivíduo e pelo profissional, a oferta e organização, e a natureza do financiamento dos serviços. Não obstante, pode variar, de acordo com características individuais dos usuários, o tipo de cobertura e o serviço utilizado.3,4
Estudos dedicados especificamente à população de adultos jovens, entre 20 e 40 anos, são raros no país, apesar de essa população necessitar de atenção integral à saúde com ênfase nas ações preventivas.5 Nessa etapa da vida, o adulto jovem costuma se expor aos mais variados tipos de comportamentos, possivelmente nocivos para a saúde, a exemplo do uso de drogas, má alimentação e situação de risco para infecções sexualmente transmissíveis, as ISTs.6,7 Trata-se de uma parcela da população com menor oferta de programas e ações, em comparação a crianças e idosos, considerados com maior vulnerabilidade.8-10
O estudo teve o objetivo de analisar a utilização de serviços de saúde e seus fatores associados em universitários da Universidade Federal de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.
Métodos
Trata-se de estudo transversal do tipo censo, com estudantes ingressantes na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), município de Pelotas, no primeiro semestre de 2017. O estudo fez parte de um consórcio de pesquisa no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da UFPel.11
O município de Pelotas reúne, aproximadamente, 342 mil habitantes e está localizado no sul do Rio Grande do Sul, a 250 km de sua capital, Porto Alegre.12 A UFPel oferta cursos presenciais e a distância, e atualmente conta com 16 mil estudantes, divididos entre os seis campi da instituição: Campus Capão do Leão, Campus Porto, Campus Centro, Campus Norte, Campus Fragata e Campus Anglo. Do total de seus 96 cursos, 80 são presenciais e também oferecem matrícula no segundo semestre de cada ano.13
Foram considerados elegíveis todos os alunos ingressantes no primeiro semestre de 2017, mas que estivessem matriculados no segundo semestre do mesmo ano, em 80 cursos presenciais, e que tivessem 18 anos ou mais de idade. Para localizá-los, identificaram-se as disciplinas de cada curso com maior número de elegíveis, mediante consulta às listas oficiais cedidas pela reitoria da UFPel.
Em relação às variáveis, considerou-se como desfecho a utilização de serviços de saúde, aferida por meio da seguinte pergunta: Nos últimos 12 meses, você foi atendido em algum serviço de saúde em Pelotas ou em outra cidade?
Considerou-se a utilização de estabelecimentos como unidades básicas de saúde (UBS), ambulatórios, centros de atenção psicossocial (CAPS), prontos-socorros e outros serviços de pronto atendimento, incluindo-se unidade de pronto atendimento (UPA), consultórios, hospitais e serviços de apoio diagnóstico e terapêutico (SADTs).
Em relação às variáveis, a quantidade de contatos com serviços de saúde nos últimos 12 meses, o tipo de serviço - citado na definição do desfecho do estudo - e o tipo de financiamento do último serviço utilizado (SUS; convênio; privado) foram obtidos para quem utilizou serviços de saúde. Neste subgrupo, os motivos para a utilização foram investigados a partir da proposição da seguinte pergunta: Por qual motivo você utilizou este último serviço de saúde?
As opções de resposta foram categorizadas da seguinte forma: prevenção; acompanhamento; acidentes ou lesões; problemas psicológicos; e problemas odontológicos. A categoria ‘prevenção’ incluiu investigação de problemas, vacinação, realização de exames preventivos e atendimento nutricional; ‘acompanhamento’ incluiu reabilitação; e ‘acidentes ou lesões’ considerou tratamentos de trauma e haver-se submetido a cirurgia.
As variáveis independentes selecionadas foram:
procedência - onde o estudante morou a maior parte do ano anterior ao ingresso na UFPel (Pelotas; outra cidade do estado; outro estado ou país);
sexo (masculino; feminino);
idade (em anos completos: 18 a 20; 21 a 24; 25 ou mais);
escolaridade materna (até o ensino fundamental incompleto; ensino fundamental completo; ensino médio completo; ensino superior completo; pós-graduação);
raça/cor da pele (branca; preta; parda; outra);
classificação econômica (para o ano de 2017, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [ABEP], adaptada para o estudo: A; B; C; D-E);14
situação de moradia (sozinho[a]; com pais e/ou familiares; com amigos e/ou colegas; com cônjuge ou companheiro[a] ou namorado[a]); e
necessidade de saúde, medida pela questão: Nos últimos 3 meses, você deixou de realizar alguma(s) atividade(s) habitual(is) por algum motivo de saúde? (não; sim); aos que respondiam ‘sim’, era perguntado o principal motivo.
Para este inquérito, foi elaborado um questionário digital pelo aplicativo Research Electronic Data Capture (REDCap),15 preenchido em tablets de forma totalmente anônima. O instrumento se estruturava em dois blocos: o primeiro, constituído de informações gerais, relacionadas ao curso do graduando e a visão da universidade pelo estudante, suas características demográficas e socioeconômicas, prática religiosa, ocupação e benefícios sociais; e o segundo bloco, de perguntas relacionadas à utilização de serviços de saúde. Os questionários, aplicados em meio eletrônico, foram transferidos dos tablets para um banco de dados único, com checagem automática de amplitude e consistência das variáveis. Os 51 questionários aplicados em papel - por opção dos respondentes - foram duplamente digitados na plataforma do aplicativo REDCap, para inclusão no banco de dados final.
A coleta de dados aconteceu entre novembro de 2017 e julho de 2018, respeitado o recesso das atividades acadêmicas de janeiro, e mestrandos foram treinados e padronizados para a explicação do estudo e foram responsáveis pelas entrevistas realizadas em sala de aula. A partir de contato com os colegiados de curso, eram agendados horários com os docentes para liberação dos alunos, por um período de 40 a 50 minutos de sua aula, destinado à aplicação do questionário. Anteriormente a esse processo, realizou-se estudo-piloto na mesma instituição, com uma subamostra, para testar a compreensão do instrumento e sua adequação à população-alvo.
Para medir a prevalência de utilização de serviços de saúde, o tamanho de amostra foi calculado considerando-se uma prevalência de 60%, nível de confiança de 95% (IC95%) e erro aceitável de dois pontos percentuais, com necessidade de 1.304 indivíduos. Para a análise das associações, adotou-se um nível de significância de 5% e poder estatístico de 80%, prevalência do desfecho em quem não teve necessidade de saúde de 8,3%, razão de prevalências mínima de 1,8 e razão de exposição de 1:6. Acrescentou-se 10% para perdas e recusas, obtendo-se como resultado um quantitativo final necessário de 897 indivíduos a serem entrevistados.
Foram considerados como ‘perdas’ os alunos não encontrados durante o período de coleta dos dados, e como ‘recusas’ aqueles que rejeitaram participar do estudo após a apresentação do trabalho em sala de aula. Para minimizar perdas e recusas, realizaram-se, como mínimo, três tentativas de visita às turmas, em horários diferentes, até que se obtivesse 70% de respondentes. E com o cuidado de preservar o anonimato dos participantes, o questionário foi autoaplicado.
O banco completo foi exportado para o pacote estatístico Stata versão 14.2, em cuja plataforma se realizaram as análises. Estruturou-se uma análise descritiva para caracterizar a amostra, e análise bruta e multivariável para investigar as associações. Em todos os testes de hipóteses, foi adotado um nível de significância de 5%. Na análise descritiva, foram realizados cálculos de proporções e IC95% para as variáveis categóricas.
Os testes aplicados nas análises brutas foram (i) o qui-quadrado de Pearson e (ii) a tendência linear, quando sugerido. Na análise multivariável, as variáveis ‘sexo’, ‘idade’ e ‘necessidade de saúde’ foram ajustadas entre si, adotando-se um nível de significância de 20%. As medidas de efeito foram estimadas por regressão de Poisson com variância robusta, obtendo-se as razões de prevalência (RP) ajustadas e respectivos IC95%. Na análise ajustada, o modelo final para contemplar as variáveis de confusão foi criado a partir de uma matriz de associação, em que foram testadas todas as variáveis de exposição com o desfecho e também entre elas, adotando-se p-valor menor que 0,20.
O projeto do estudo não apresentou conflito de interesses e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (CEP/FAMED/UFPel): Parecer nº 2.352.451, emitido em 27 de outubro de 2017 (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética [CAAE] nº 79250317.0.0000.5317). A aplicação do questionário foi condicionada à assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos estudantes que concordaram em participar da pesquisa.
Resultados
De 2.708 alunos elegíveis, foram entrevistados 1.865 ingressados na UFPel no primeiro semestre de 2017 (69%) (Figura 1). Perdas e recusas no inquérito representaram 31,1% dos elegíveis. No total de entrevistados (n=1.865), 52,8% eram homens, com idade a partir de 23 anos (46,7%). Quanto aos entrevistados, 45,9% eram naturais de Pelotas; 54,8% eram do sexo feminino; 56,3% tinham entre 18 e 20 anos; 72,0% autodeclararam-se de raça/cor da pele branca; 44,2% enquadravam-se na categoria econômica B e 36,5% na categoria C; 32,1% dos estudantes tinham mãe com escolaridade de nível médio completo; 50,4% moravam com pais ou familiares; e 35,1% relataram ter percebido alguma necessidade de saúde que os impediu de realizar suas atividades habituais em algum momento dos últimos três meses (Tabela 1).
A prevalência de utilização de serviços de saúde nos últimos 12 meses foi de 55,8% (IC95% 53,5;58,1). Na análise bruta, encontrou-se associação entre o desfecho e as variáveis ‘sexo’ e ‘necessidade de saúde’. As universitárias apresentaram uma probabilidade de utilizar serviços de saúde de 1,34 (IC95% 1,23;1,46), quando comparadas aos universitários homens; e os estudantes com alguma necessidade de saúde, uma probabilidade de 1,51 (IC95% 1,40;1,63), comparados aos que não relataram ter necessidade (Tabela 1).
Após ajuste para ‘idade’ e ‘necessidade de saúde’, a utilização de serviços de saúde foi maior entre as mulheres (RP=1,27 - IC95% 1,16;1,38) do que entre os homens. Já a utilização de serviços por universitários com necessidade de saúde também foi maior (de RP=1,47 - IC95% 1,36;1,59) em comparação aos que não relataram ter necessidade de saúde, controlando para “sexo” e “idade” (Tabela 2).
Entre os que utilizaram serviços de saúde, 40,7% tiveram apenas um contato ao longo de 12 meses, e 34,2%, três ou mais contatos. Utilizar serviços de atenção especializada (ambulatórios, consultórios ou CAPS) foi referido por 39,3% dos universitários. Sobre tipo de financiamento, o mais recorrente foi o SUS (45,9%), e o menos utilizado foi o financiamento privado (19,5%). Praticamente metade do percentual de uso do último serviço teve por motivo a prevenção (49,1%), seguida do acompanhamento de algum problema de saúde (37,4%) (Tabela 3).
A análise dos principais motivos para utilizar um serviço nos últimos 12 meses, conforme o tipo de financiamento (Figura 2), apresentou diferença estatisticamente significativa. Para o conjunto dessa subamostra, o SUS foi o tipo de financiamento mais referido, com 45,9% (IC95% 42,8;49,0). Os indivíduos que estavam em acompanhamento utilizaram mais o convênio de saúde, 41,7% (IC95% 36,7;46,9), enquanto o setor privado teve maior participação entre aqueles que utilizaram serviços de atendimento a problemas psicológicos (47,8% - IC95% 33,4;62,6) e odontológicos (44,0% - IC95% 25,2;64,7).
Quando analisados o tipo de serviço utilizado no último atendimento e o tipo de financiamento (Figura 3), também foi encontrada diferença estatística. Novamente a cobertura do serviço pelo SUS foi o tipo de financiamento mais utilizado, 45,9% (IC95% 42,8;49,0). Essa fonte de financiamento teve grande participação nos serviços de UBS (39,9% [IC95% 35,4;44,6]), pronto atendimento (25,4% [IC95% 21,5;29,7]) e pronto-socorro (21,8% [IC95% 18,1;25,9]). Considerando-se o uso de convênios, as maiores proporções corresponderam a serviços de atenção especializada (63,6% [IC95% 58,2;68,7]) e apoio diagnóstico e terapêutico - SADTs (19,8% [IC95% 15,8;24,5]).
Características dos participantes | n (%) | Utilização de serviços de saúde (%) | RPa (IC95%)b | p-valorc |
---|---|---|---|---|
Procedênciad | 0,897 | |||
Pelotas | 855 (45,9) | 56,2 | 1,00 | |
Outra cidade do estado | 647 (34,8) | 55,1 | 0,98 (0,89;1,07) | |
Outro estado ou país | 360 (19,3) | 56,2 | 1,00 (0,90;1,11) | |
Sexoe | <0,001 | |||
Masculino | 841 (45,2) | 46,9 | 1,00 | |
Feminino | 1.021 (54,8) | 63,0 | 1,34 (1,23;1,46) | |
Idade (anos)f | 0,195 | |||
18-20 | 1.043 (56,3) | 57,7 | 1,00 | |
21-24 | 491 (26,5) | 53,0 | 0,92 (0,83;1,01) | |
≥25 | 318 (17,2) | 54,6 | 0,95 (0,85;1,06) | |
Escolaridade maternag | 0,275 | |||
Até fundamental incompleto | 415 (22,4) | 59,4 | 1,00 | |
Fundamental completo | 222 (12,0) | 53,0 | 0,89 (0,77;1,03) | |
Médio completo | 595 (32,1) | 53,2 | 0,90 (0,80;1,00) | |
Superior completo | 410 (22,1) | 56,6 | 0,95 (0,85;1,07) | |
Pós-graduação | 212 (11,4) | 58,5 | 0,98 (0,86;1,13) | |
Raça/cor da peleh | 0,214 | |||
Branca | 1.343 (72,0) | 57,2 | 1,00 | |
Preta | 242 (13,0) | 52,3 | 0,91 (0,80;1,04) | |
Parda | 247 (13,3) | 53,0 | 0,93 (0,82;1,05) | |
Outra | 31 (1,7) | 45,2 | 0,79 (0,53;1,17) | |
Classificação econômicai | 0,536 | |||
A | 266 (14,9) | 59,8 | 1,00 | |
B | 787 (44,2) | 54,7 | 0,92 (0,81;1,03) | |
C | 649 (36,5) | 55,5 | 0,93 (0,82;1,05) | |
D-E | 78 (4,4) | 57,7 | 0,96 (0,78;1,20) | |
Situação de moradiaj | 0,524 | |||
Sozinho(a) | 234 (12,6) | 54,7 | 1,00 | |
Com pais e/ou familiares | 937 (50,4) | 54,4 | 0,99 (0,87;1,13) | |
Com amigos e/ou colegas | 480 (25,8) | 57,4 | 1,05 (0,91;1,21) | |
Com o(a) cônjuge ou companheiro(a) ou namorado(a) | 210 (11,3) | 58,9 | 1,08 (0,91;1,27) | |
Necessidade de saúdek | <0,001 | |||
Não | 1.202 (64,9) | 47,3 | 1,00 | |
Sim | 650 (35,1) | 71,4 | 1,51 (1,40;1,63) | |
Total | 1.865 (100,0) | 55,8 |
a) RP: razão de prevalências; b) IC95%: intervalo de confiança de 95%; c) Teste qui-quadrado de Pearson; d) 1.862 informações válidas; 3 não responderam; e) 1.862 informações válidas; 3 não responderam; f) 1.863 informações válidas; 2 não responderam; g) 1.780 informações válidas; 85 não responderam; h) 1.861 informações válidas; 4 não responderam; i) 1.852 informações válidas; 13 não responderam.
Variável | RPb (IC95%)c | p-valord |
---|---|---|
Sexo | <0,001 | |
Masculino | 1,00 | |
Feminino | 1,27 (1,16;1,38) | |
Idade (anos) | 0,106 | |
18-20 | 1,00 | |
21-24 | 0,90 (0,82;0,99) | |
≥25 | 0,96 (0,86;1,08) | |
Necessidade de saúde | <0,001 | |
Não | 1,00 | |
Sim | 1,47 (1,36;1,59) |
a) Análise a partir do modelo hierarquizado de ajuste; b) RP: razão de prevalências; c) IC95%: intervalo de confiança de 95%; d) Regressão de Poisson: teste de heterogeneidade.
Variável | n | % | |
---|---|---|---|
Quantidade de contatosa | |||
1 | 412 | 40,7 | |
2 | 254 | 25,1 | |
3-11 | 346 | 34,2 | |
Serviços utilizadosb | |||
Atenção especializada | 383 | 39,3 | |
Unidade básica de saúde | 220 | 22,6 | |
Pronto atendimento | 134 | 13,8 | |
Pronto-socorro | 122 | 12,5 | |
Serviço de apoio diagnóstico e terapêutico | 115 | 11,8 | |
Tipo de financiamentoc | |||
Sistema Único de Saúde | 456 | 45,9 | |
Convênio | 344 | 34,6 | |
Privado | 194 | 19,5 | |
Motivosd | |||
Prevenção | 491 | 49,1 | |
Acompanhamento | 374 | 37,4 | |
Acidentes ou lesões | 62 | 6,2 | |
Problemas psicológicos | 48 | 4,8 | |
Problemas odontológicos | 25 | 2,5 |
a) 1.012 informações válidas; 21 não responderam; b) 974 informações válidas; 59 não responderam; c) 994 informações válidas; 39 não responderam; d) 1.000 informações válidas; 33 não responderam.
Discussão
O presente estudo mostrou que pouco mais metade dos universitários da UFPel entrevistados foram atendidos em serviços de saúde nos últimos 12 meses, uma demanda frequente desse público portanto. Mulheres, comparadas a homens, utilizaram-se mais desses serviços, e, sobre a maior procura entre pessoas com necessidades de saúde, é possível supor que se elas se dirigissem, principalmente, a serviços de prevenção. Esta conclusão é reforçada pelo fato de aproximadamente um em cada dois estudantes ter relatado utilizar os serviços de saúde por motivos preventivos. O SUS foi o financiamento mais citado entre os universitários da instituição de ensino que se utilizaram de serviços de saúde.
O estudo se encontrou com alta proporção de perdas, sendo possível considerar que esses estudantes pudessem apresentar maiores necessidades e, por conseguinte, maior procura por serviços de saúde, motivo pelo qual sua frequência às aulas seria menor. Nesse sentido, a da pesquisa a universitários em sala de aula pode não refletir, de forma mais abrangente, a demanda e o perfil de utilização de serviços de saúde da população-alvo, adultos jovens (viés de seleção). Outra limitação do estudo reside no formato de entrevista com questionário autoaplicável, pela razão de propor questões cujas respostas implicam anonimato e, portanto, são passíveis de induzir análises e conclusões influenciadas pelo viés de respondente. Houve alguma dificuldade para uma composição precisa das categorias de resposta dependentes do período recordatório de 12 meses, ademais da possibilidade de incompreensão pelo entrevistado - mesmo após realização de estudo-piloto -, acarretando eventuais problemas de aferição. Não obstante, o formato de algumas categorias foi mantido, visando a sua comparação com outros estudos.
Quanto à utilização de serviços de saúde, o resultado foi inferior ao encontrado em pesquisa realizada. no ano de 2011, também em Pelotas, em que, para adultos jovens da coorte de nascimentos de 1982, observou-se uma prevalência de consultas com profissionais de saúde de 72%.8 Entretanto, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2013 traz uma prevalência de procura e utilização de serviços próxima de 11% para as duas semanas anteriores à entrevista.1 Um dos motivos para essa diferença na prevalência encontrada pelo trabalho em tela, frente ao estudo da PNS 2013, está nos distintos períodos recordatórios. Outrossim, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009, o Brasil convive com importantes diferenças no acesso ao ensino superior, de acordo com a renda familiar: cerca de 5% dos mais pobres e 60% dos mais ricos ingressam em universidades.16 Esta realidade pode explicar o perfil de utilização encontrado na amostra.
Dois em cada cinco universitários da UFPel utilizaram pelo menos um serviço de saúde nos últimos 12 meses, enquanto estudo realizado na Universidade de Pretória, África do Sul, no ano de 2007, encontrou prevalência média de 12,5% de utilização desses serviços pela população universitária daquela instituição sul-africana, ao longo de cinco anos.17 São resultados a indicar que adultos jovens, não só do Brasil, pouco buscam e utilizam os serviços de saúde, ainda que estes representem uma oportunidade-chave para a educação e adoção - ou manutenção - de estilos de vida saudáveis, proporcionados por um atendimento multiprofissional qualificado. Mesmo em se tratando da utilização de qualquer tipo de serviço de saúde, e não apenas da UBS, o achado concorda com o apresentado na segunda edição da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2012: nas capitais brasileiras, 52,9% de escolares procuraram por uma UBS, uma a duas vezes, nos últimos 12 meses.18
Entre os fatores sociodemográficos e de saúde investigados, sexo e necessidade de saúde estiveram associados à utilização de serviços. Com relação ao sexo, em um estudo de 2011, no Brasil, as mulheres se destacaram como maiores usuárias dos serviços.3,8-10 Neste inquérito de Pelotas, à parte os motivos exclusivamente femininos, ginecológicos e reprodutivos - investigação ou rastreio para câncer de colo de útero e infecção pelo papiloma vírus humano (HPV) - e de acompanhamento pré-natal, do parto e puerpério, as mulheres apresentaram mais necessidades de saúde. Elas também referiram maior utilização de serviços relacionados a problemas de saúde mental, comparadas com os homens, possivelmente, dada sua maior facilidade para perceber e expressar suas dificuldades emocionais. Comparados às mulheres, os homens responderam pela maior utilização de serviços de saúde por conta de acidentes e lesões, ocorrências para as quais poder-se-ia traçar um paralelismo com as mortes por causas externas no Brasil: segundo dados do Ministério da Saúde relativos ao período de 1996 a 2018, as mortes por causas externas são, em média, 4,9 vezes maiores entre os homens, quando comparados às mulheres.19
Aproximadamente dois em cada cinco universitários utilizaram serviços especializados, e cerca de um quarto deles teve as UBS como local de seu último atendimento nos 12 meses anteriores à pesquisa. Na relação desse achado com o de outra variável - a utilização de serviços de prevenção, o motivo mais prevalente -, pode estar a explicação dessa procura pela atenção especializada. Segundo o estudo realizado por Dias-da-Costa et al., o motivo principal de utilização dos serviços de saúde por adultos jovens foi a presença de doenças, embora seus autores não tenham coletado dados de utilização de serviços preventivos.8 Mais um estudo realizado em Pelotas, este no ano de 2012 e com uma população adolescente, encontrou uma prevalência de uso de consultórios e UBS semelhante à do presente estudo.10 Estes resultados sugerem que os universitários utilizam mais os serviços de atenção primária e secundária em saúde.
Os achados deste estudo concordam com os de outras pesquisas, ao revelarem o SUS como principal fonte de financiamento dos serviços de saúde, seguido dos convênios com a Saúde Suplementar.3,8,10 Após investigar a associação entre tipo de financiamento e as variáveis ‘serviços utilizados’ e ‘motivo’ da mais recente utilização de um serviço de saúde, encontrou-se maior participação do SUS nos resultados de ambas as análises. Mesmo com a precarização e o subfinanciamento dos serviços públicos de saúde, estes ainda foram os principais responsáveis pelo atendimento primário em saúde, justamente a porta de entrada do SUS.20 As diferenças encontradas no tipo ou natureza do financiamento do serviço utilizado podem-se atribuir ao perfil da oferta. Serviços privados estariam mais focados em problemas de saúde, ao passo que os convênios, mais direcionados a consultas gerais em determinadas especialidades.
O SUS disponibiliza uma atenção à saúde que inclui desde medidas preventivas até assistenciais de maior complexidade, pautadas na integralidade do cuidado, inclusive entre diferentes níveis de atendimento, a despeito de haver problemas no acesso ao sistema em nível regional e/ou local.
A participação da Saúde Pública é maior não apenas entre adultos jovens. O estudo com adolescentes da cidade de Pelotas, de 2012, encontrou uma prevalência de utilização de serviços do SUS de 52,1%.10 Outro estudo realizado no Brasil, de 2014, com residentes da zona urbana de municípios das cinco grandes regiões brasileiras, identificou que 53,6% dos indivíduos atendidos por médicos nos últimos três meses haviam utilizado serviços financiados pelo SUS.21
Conclui-se que esta pesquisa, realizada com uma população de estudantes da UFPel, identificou a utilização de serviços de saúde associada ao sexo feminino e às pessoas com necessidades de saúde. Aqueles que utilizaram esses serviços nos últimos 12 meses mencionaram, em sua maioria, ter procurado atendimento por motivos preventivos, majoritariamente serviços de atenção especializada, financiados pelo SUS. Dessa maneira, considera-se importante a adoção de estratégias e ações específicas para a prevenção de doenças entre a população universitária.