Contribuições do estudo
Principais resultados
Ao longo da série temporal, notou-se estabilidade nos coeficientes gerais de mortalidade por câncer de colo de útero e de mama. Porém, ao se avaliar os coeficientes segundo idade e escolaridade, diferentes padrões de tendência foram identificados.
INTRODUÇÃO
As neoplasias malignas de mama e de colo uterino apresentam alta incidência e constituem importantes causas de morbimortalidade na população feminina. De acordo com dados disponibilizados pelo Global Cancer Observatory (GCO) da Organização Mundial da Saúde (OMS), referentes ao ano de 2020, ocorreram mais de 2 milhões de casos novos de câncer de mama e mais de 600 mil casos novos de câncer cervical, quantitativo que representa, respectivamente, 24,5% e 6,5% do total de casos novos de câncer na população feminina em todo o mundo. Em relação ao total de óbitos por esses dois tipos de câncer, o GCO/OMS registrou a ocorrência de 684.996 e 341.831 casos, respectivamente para câncer de mama e câncer de colo de útero, representando 15,5% e 7,7% da distribuição proporcional de todos os óbitos por esses dois tipos de câncer em mulheres.1
No Brasil, o câncer de mama é o tipo mais incidente de neoplasia entre mulheres de todas as grandes regiões nacionais, observando-se taxas mais elevadas no Sul e Sudeste. Para 2022, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), a previsão é de que ocorram em torno de 66 mil novos casos de câncer de mama no país, cerca de 30% do total de neoplasias na população feminina - excetuando-se o câncer de pele não melanoma -, o que corresponderia a uma incidência de 43,7 casos novos por 100 mil mulheres.2,3 Quanto à mortalidade por câncer de mama, esta foi de 14,2 óbitos por 100 mil mulheres, em 2019, observando-se coeficientes mais elevados nas regiões Sudeste e Sul.4
O câncer de colo de útero é o terceiro tipo de câncer mais incidente nas mulheres. Em 2021, foram esperados 16.710 novos casos (7,5% entre todas as neoplasias em mulheres), com um risco estimado de 15,4 casos a cada 100 mil mulheres.2,5 A região Sul, com uma taxa de incidência de 12,6/100 mil mulheres, ocupa a quarta posição na análise regional. No ano de 2019, para o país como um todo, a taxa de mortalidade por câncer de colo de útero foi de 5,3 óbitos/100 mil mulheres.6 Quando a análise foi feita por região e Unidade da Federação, o Rio Grande do Sul apresentou uma incidência estimada de mais de 4 mil casos novos de neoplasia maligna de mama, enquanto a incidência de neoplasia maligna de colo uterino encontrava-se acima de 700 casos em um universo de 100 mil mulheres.3,5
A implantação e subsequente expansão das atividades de rastreamento do câncer cervical no Brasil, que proporcionou o diagnóstico e o tratamento em tempo oportuno, principalmente nas regiões mais desenvolvidas do país, constituiu-se de ações efetivas no sentido da redução da incidência, aumento da sobrevida e redução da mortalidade por esse tipo de câncer.7 Uma parcela substancial da incidência e da mortalidade por câncer de colo de útero seria evitada com a adoção de uma série de medidas de prevenção comprovadamente eficazes, como a vacinação para o papilomavírus humano (HPV) na faixa etária de 9 a 45 anos, acesso aos serviços de saúde, controle do tabagismo e uso de exames de detecção precoce.8 Todavia, sabe-se do desafio nos países de renda média e baixa, como o Brasil, para implementar estratégias que incentivem e possibilitem o diagnóstico e tratamento precoce do câncer de colo uterino e de mama, com vistas à redução da morbimortalidade associada a essas neoplasias.7
Devido à magnitude que elas alcançaram e à consequente sobrecarga do sistema de saúde, destaca-se a importância de ações intersetoriais que facilitem o acesso aos serviços de saúde e o aprimoramento da assistência oferecida à população afetada.9 Por conseguinte, pesquisas que analisem a mortalidade das neoplasias no longo prazo, como estudos de tendência temporal de indicadores de mortalidade por câncer de colo de útero e de mama, são oportunos por permitirem explorar mudanças nos padrões de ocorrência e tendências temporais desses eventos,10,11 uma vez que o estudo das taxas de mortalidade representa uma ferramenta útil e eficiente para compreender os determinantes sociais e avaliar a qualidade da atenção e da prestação de serviços de saúde.
A cidade de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, reconhecida como um polo de saúde de média e alta complexidade, é considerada referência para outros municípios, os quais consolidam a cidade enquanto um dos maiores polos de assistência em saúde do estado gaúcho, bem como um centro de referência no atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Diante desse contexto, o presente estudo de série temporal possibilitará quantificar e comparar os indicadores de saúde relacionados às neoplasias de colo de útero e de mama, mediante uma abordagem locorregional, em diferentes estratos sociodemográficos; e, a partir dessa perspectiva, servir de subsídio ao planejamento de políticas públicas visando direcionar recursos para a prevenção e o tratamento voltados aos grupos de maior risco.
O objetivo deste trabalho foi analisar a tendência temporal de mortalidade por neoplasia maligna de mama e de colo de útero em mulheres residentes no município de Passo Fundo, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, de acordo com a faixa etária e a escolaridade, no período de 1999 a 2019.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo de série temporal, dedicado à análise da tendência da mortalidade por neoplasias malignas de mama e de colo de útero, focado no município de Passo Fundo como unidade de análise. Foram incluídos os óbitos por câncer de mama e câncer de colo de útero, por local de residência, notificados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), no período de 1999 a 2019, cuja causa básica foi codificada como CID-10 - C50 (câncer de mama) e CID-10 - C53 (câncer de colo de útero), conforme a 10ª Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10).
Passo Fundo localiza-se ao norte do Rio Grande do Sul, possui uma população estimada em 203.275 habitantes,12 é considerada capital do Planalto Médio e compõe um dos três principais polos de saúde da região Sul. O município é referência para mais de 66 municípios do norte do estado e de cidades do oeste de Santa Catarina e do Paraná.
A extração dos dados nos sistemas de informações foi realizada entre os meses de abril e setembro de 2021. As variáveis estudadas foram: ano de ocorrência do óbito (entre 1999 e 2019), faixa etária (em anos: 20 a 29; 30 a 39; 40 a 49; 50 a 59; 60 a 69; 70 a 79; 80 ou mais) e escolaridade (em anos de estudo: até 7; 8 ou mais). Os dados ignorados (IGN), referentes aos dados faltantes nas variáveis “idade” e “escolaridade”, foram excluídos das tabulações e, consequentemente, também os respectivos cálculos das taxas específicas de mortalidade nos estratos dessas variáveis.
A correção dos óbitos por neoplasia maligna de mama e de colo de útero foi realizada segundo metodologia proposta pela OMS,13 acrescentando-se aos óbitos brutos notificados 50% dos óbitos cuja causa básica foi classificada como causa “mal definida” [sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte (R00-R99), exceto síndrome da morte súbita na infância (R95)]. Os óbitos por neoplasia maligna do útero foram corrigidos acrescentando-se 50% dos óbitos classificados como neoplasia maligna do útero de porção não especificada (CID-10 - C55).14
Também foi realizada a padronização das taxas de mortalidade por neoplasias de mama e de colo de útero, pelo método direto, corrigidas pelo grupo etário, utilizando-se como referência a população de mulheres residentes em Passo Fundo, em cada ano analisado, a partir das estimativas obtidas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).12 Todas as taxas foram expressas pela unidade de 100 mil mulheres.
Os dados exportados do SIM e as estatísticas populacionais foram organizados em planilhas eletrônicas, e transferidos ao software estatístico Stata versão 12.0 para limpeza e realização da análise de dados. A estatística descritiva baseou-se no cálculo das taxas e proporções. A partir dos elementos extraídos (número de óbitos e população residente, no período), realizou-se o cálculo da taxa de mortalidade específica por neoplasias malignas de mama e de colo de útero, com base no seguinte indicador: nº de óbitos pela causa específica, em determinado local e período/população total do mesmo local e período.
O modelo de regressão linear generalizada de Prais-Winsten foi utilizado para a análise de tendência temporal, sendo construídos modelos em que as variáveis dependentes foram as taxas de mortalidade (β); e a variável independente, os anos de ocorrência. A estatística de Durbin-Watson também foi aplicada com o objetivo de verificar a presença de autocorrelação serial.
A posteriori, os logs dos coeficientes obtidos na regressão, e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), foram utilizados para o cálculo da variação percentual anual (VPA) do período total - geral e para cada grupo de idade e escolaridade, conforme a proposta de Antunes e Cardoso.15 Por fim, a tendência de mortalidade foi interpretada como crescente quando os coeficientes da regressão (β) e IC95% apresentaram valores positivos (p-valor < 0,05); como decrescente, quando os coeficientes e IC95% mostraram direção negativa (p-valor <0,05); e estável, quando não foi observada diferença estatisticamente significativa entre o valor do β e zero (p-valor ≥ 0,05). Todas as análises foram realizadas utilizando-se o Programa Stata versão 12.0.
Por se tratar de um estudo com dados secundários, sem a identificação dos participantes, de acesso irrestrito e domínio público, o projeto do estudo foi dispensado de análise pelo sistema de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs), conforme autorização da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).
RESULTADOS
No período analisado, de 1999 a 2019, foram observados 119 óbitos por neoplasia maligna de colo de útero (CID-10 - C53) e 418 óbitos por neoplasia maligna de mama (CID10 - C50) em mulheres residentes no município de Passo Fundo. O fluxograma da amostra com a descrição dos dados, segundo os parâmetros utilizados para os cálculos das taxas de mortalidade, está detalhado na Figura 1.
Ao longo da série temporal, foi observada uma estabilidade nas taxas gerais de mortalidade por neoplasia maligna de colo de útero (p-valor = 0,153), sendo a maior taxa observada para o ano 2000, com 18,2 óbitos por 100 mil mulheres, e a menor para 2003. Da mesma forma, tendência estacionária foi constatada para as neoplasias malignas de mama (p-valor = 0,445). A maior taxa de mortalidade por câncer de mama foi observada para 2004, com 54,9 óbitos para cada 100 mil mulheres, e o menor para 2007 (24,0/100 mil) (Figura 2).
A tendência das taxas de mortalidade por neoplasias de colo de útero segundo idade e escolaridade, log-transformadas, assim como as variações percentuais anuais (VPAs) e seus respectivos IC95%, estão apresentadas na Tabela 1. A análise das taxas de acordo com a idade mostrou tendência declinante da mortalidade nas faixas etárias de 50 a 59 (VPA = -10,9; IC95% -16,8 ;-6,7) e de 60 a 69 anos (VPA = -25,9; IC95% -33,9;-16,8). Nas demais idades, não foram observadas mudanças estatisticamente significativas ao longo da série temporal, sendo detectada uma tendência estacionária.
Variáveis | Óbitos (1999-2019) | População de referência | Taxa de mortalidade média padronizadaa (1999-2019) | Coeficiente βb (IC95% c) | VPAd % (IC95% c) | p-valore | Tendência |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Geral | 130 | 97.713 | 9,3 | -0,03 (-0,08;0,01) | -6,7 (-16,8;2,3) | 0,153 | Estacionária |
Idade (em anos) | |||||||
20-29 | 6 | 16.461 | 1,8 | 0,00 (-0,01;0,02) | 0,9 (-2,3;4,7) | 0,640 | Estável |
30-39 | 22,5 | 14.940 | 7,3 | -0,02 (-0,07;0,04) | -4,5 (-14,9;9,6) | 0,473 | Estável |
40-49 | 23 | 13.259 | 8,2 | -0,01 (-0,05;0,04) | -1,4 (-10,9;9,6) | 0,784 | Estável |
50-59 | 32 | 10.756 | 15,6 | -0,05 (-0,08;-0,03) | -10,9 (-16,8;-6,7) | 0,001 | Decrescente |
60-69 | 25,5 | 7.068 | 20,3 | -0,13 (-0,18;-0,08) | -25,9 (-33,9;-16,8) | < 0,001 | Decrescente |
70-79 | 15,5 | 4.129 | 16,7 | 0,01 (-0,03;0,05) | 2,1 (-6,7;12,2) | 0,664 | Estável |
≥ 80 | 5,5 | 1.924 | 13,7 | -0,00 (-0,06;0,06) | -0,7 (-12,9;14,8) | 0,900 | Estável |
Escolaridade (em anos de estudo) | |||||||
< 7 | 71 | 20.473 | 21,4 | 0,12 (0,07;0,16) | 31,8 (17,5;44,5) | < 0,001 | Crescente |
≥ 8 | 23 | 47.010 | 2,3 | 0,01 (-0,04;0,06) | 1,9 (-8,8;14,8) | 0,741 | Estável |
a) Número de óbitos por 100 mil mulheres; b) Após transformação logarítmica; c) IC95%: Intervalo de confiança de 95%; d) VPA: Variação percentual anual, tradução do inglês annual percentage change (APC); e) Teste t da regressão linear de Prais-Winsten, nível de significância de 5%.
Em relação à escolaridade, não houve mudança estatisticamente significante na tendência da mortalidade por neoplasia maligna de colo de útero em mulheres com mais de 8 anos de estudo (VPA = 1,9; IC95% -8,8;14,8), no período, enquanto para a população com até 7 anos de escolaridade observou-se incremento nessa tendência, com percentual de aumento anual de 31,8% (IC95% 17,5;44,5).
A Tabela 2 apresenta os coeficientes log-transformados de mortalidade por neoplasias maligna de mama e as VPAs, com seus respectivos IC95%, de acordo com a faixa etária e o nível de escolaridade. A análise das taxas segundo grupo etário mostrou tendência de declínio da mortalidade nas idades de 40 a 49 (VPA = -8,8; IC95% -14,9;-2,3) e 50 a 59 anos (VPA = -4,5; IC95% -8,8;-0,1); e naquelas com 80 anos de idade ou mais, para as quais se observou tendência anual de diminuição de 14,9% (IC95% -20,6;-6,7); nas demais categorias etárias, a tendência foi estacionária.
Variáveis | Óbitos (1999-2019) | População de referência | Taxa média padronizadaa (1999-2019) | Coeficiente βb (IC95% c) | VPAd % (IC95% c) | p-valore | Tendência |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Geral | 562,5 | 97.713 | 39,5 | -0,01 (-0,02;0,01) | -1,4 (-4,5;14,8) | 0,445 | Estável |
Idade (em anos) | |||||||
20-29 | 5,5 | 16.461 | 1,6 | -0,01 (-0,07;0,05) | -1,4 (-14,9;12,2) | 0,682 | Estável |
30-39 | 17,5 | 14.940 | 5,9 | -0,03 (-0,05;0,00) | -6,7 (-10,9;0,7) | 0,074 | Estável |
40-49 | 65,5 | 13.259 | 23,9 | -0,04 (-0,07;-0,01) | -8,8 (-14,9;-2,3) | 0,021 | Decrescente |
50-59 | 136,5 | 10.756 | 62,6 | -0,02 (-0,04;-0,00) | -4,50 (-8,8;-0,1) | 0,049 | Decrescente |
60-69 | 101,5 | 7.068 | 20,3 | -0,03 (-0,07;0,02) | -6,7 (-14,9;4,7) | 0,225 | Estável |
70-79 | 96,5 | 4.129 | 113,3 | 0,01 (-0,03;0,04) | 2,3 (-6,7;9,6) | 0,607 | Estável |
≥ 80 | 138,5 | 1.924 | 404,5 | -0,07 (-0,10;-0,03) | -14,9 (-20,6;-6,7) | < 0,001 | Decrescente |
Escolaridade (em anos de estudo) | |||||||
< 7 | 280 | 20.473 | 90,9 | 0,14 (0,08;0,20) | 38,0 (20,2;58,5) | < 0,001 | Crescente |
≥ 8 | 133 | 47.010 | 12,7 | 0,11 (0,04;0,17) | 28,8 (9,6;47,9) | 0,003 | Crescente |
a) Número de óbitos por 100 mil mulheres; b) Após transformação logarítmica; c) IC95%: Intervalo de confiança de 95%; d) VPA: Variação percentual anual, tradução do inglês annual percentage change (APC); e) Teste t da regressão linear de Prais-Winsten, nível de significância de 5%.
Para a escolaridade, observou-se que, independentemente do número de anos de estudo, houve uma tendência crescente de óbitos por neoplasia de mama, com aumento mais expressivo entre as mulheres com até 7 anos de estudo (Tabela 2).
DISCUSSÃO
O estudo mostrou estabilidade nas taxas gerais de câncer de colo de útero e de mama na cidade de Passo Fundo, ao longo do período analisado. A presente avaliação, segundo faixas etárias e anos de estudo, mostrou que mulheres em idades mais avançadas apresentaram a maior carga de mortalidade por essas neoplasias, sendo as de baixa escolaridade aquelas com o pior prognóstico da doença.
A mortalidade geral por neoplasias malignas de colo de útero apresentou estabilidade no período de 1999 a 2019. Entretanto, ao se analisarem as taxas segundo os estratos etários, observou-se tendência declinante em duas das sete faixas etárias avaliadas. Este resultado é similar ao observado em estudo ecológico realizado nos anos 2000-2016, em 456 áreas de abrangência das unidades básicas de saúde (UBS) no munícipio de São Paulo.11 Semelhantemente, estudo ecológico,16 realizado sobre o período de 2003 a 2012, por regiões e grupos etários no Brasil, observou uma tendência decrescente na mortalidade por câncer de colo de útero em nível nacional, exceto para a região Norte.
Há algumas hipóteses para o declínio observado nos últimos anos. A primeira pode estar relacionada à ampliação do acesso ao exame de rastreamento, o que possibilita o diagnóstico de lesões precursoras e a introdução do tratamento precoce.7 A segunda hipótese pode refletir as estratégias adotadas em cada território, como a busca ativa para o exame citopatológico. É sabido que a aderência a esse procedimento se configura como um pilar importante na prevenção do câncer de colo de útero.17 Ambas as abordagens podem impactar no declínio da morbimortalidade por essa neoplasia. A diminuição nas taxas de mortalidade pode, também, refletir a melhora dos indicadores socioeconômicos na população, constatado nas últimas décadas, como a renda e a escolaridade.18
Estudo realizado em Aracaju, ao analisar a incidência e mortalidade por lesões cervicais entre os anos de 1996 e 2015, ratifica essa hipótese ao demonstrar uma redução de 3,8%, a cada ano, naquele período.19 Apesar desses avanços, o cenário permanece desafiador para o controle dessa neoplasia, considerando-se que, em determinadas faixas etárias, a taxa média bruta de mortalidade mostra-se superior a 20 óbitos para cada 100 mil mulheres. Além disso, estudo publicado em 2020,20 sobre a mortalidade prematura atribuída ao câncer de colo de útero no Brasil, revelou que 75% dos óbitos nas mulheres ocorreram entre os 30 e os 69 anos, sinalizando que a prevenção desse tipo de neoplasia adquiriu uma prioridade mundial.
Resultado similar, a respeito da tendência estacionária nas taxas, foi observado para as neoplasias malignas de mama ao longo do período analisado. Uma das hipóteses para essa estabilidade pode ser a oferta de tratamentos menos agressivos, que proporcionam maior segurança e efetividade no curso da doença.21 Ainda, cabe ressaltar que fatores favoráveis, como o rastreamento e diagnóstico oportuno, desempenham papel importante nesse cenário, assim como a dinâmica da gestão em saúde durante todo o processo de rastreamento, diagnóstico, tratamento e seguimento das mulheres com neoplasias malignas de mama.21 O município de Passo Fundo é referência regional em saúde para o norte do Rio Grande do Sul e municípios do oeste de Santa Catarina e Paraná. No cuidado oncológico, Passo Fundo dispõe de uma Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON) e um Instituto do Câncer, o qual apresenta um modelo inovador de gestão em saúde no tratamento onco-hematológico, caracterizado pelo pioneirismo, capacitação tecnológica e multiprofissional, já consolidado junto ao SUS como referência oncológica para o Sul do Brasil.
A implementação desses centros pode ter refletido na estabilidade das taxas gerais, considerando-se que esta não é a realidade observada em vários outros cenários, os quais apontam para um aumento da mortalidade por neoplasia maligna de mama nos últimos anos.22,23 Tal aumento tem sido atribuído a diagnósticos tardios e a falhas no acesso ao tratamento, especialmente nas regiões de baixo desenvolvimento socioeconômico.22,23
Ao se analisarem as taxas segundo a idade, diferentes padrões foram observados. A mortalidade por câncer de mama demonstrou tendência declinante nas faixas etárias de 40 a 49, 50 a 59, e no grupo com 80 anos ou mais. Os resultados indicam que essas diferenças podem estar diretamente influenciadas por características sociodemográficas e de saúde, como presença de comorbidades, status socioeconômico, disponibilidade e qualidade dos cuidados em saúde. Somado a isso, o estágio da doença no momento do diagnóstico atua como um fator preditor de prognóstico e sobrevida.24,25 Pode haver, ainda, uma associação entre a maior cobertura do rastreamento mamográfico e o aumento da mortalidade por neoplasia de mama, relacionada a aspectos como sobrediagnóstico e sobretratamento.26,27
Essa etiologia multifatorial tornou-se evidente à medida que importantes iniquidades foram observadas, ao se analisar a mortalidade por neoplasia de mama segundo os estratos de escolaridade. Independentemente da quantidade de anos de estudo, há uma tendência crescente nos óbitos ao longo dos anos. No entanto, o número de óbitos em mulheres com até 7 anos de estudo é quase oito vezes superior quando comparado aos óbitos entre aquelas com maios escolaridade, 8 anos ou mais.
Mulheres com baixa escolaridade e menor renda estão sujeitas a limitações no acesso aos serviços de saúde e, consequentemente, têm seu diagnóstico postergado, fato este que pode resultar em maior exposição ao óbito e a um risco aumentado de morte prematura.28 Confirmando essa hipótese, estudo realizado no estado de Sergipe, com mulheres em tratamento quimioterápico para câncer de mama, mostrou que o acesso aos serviços de saúde apresenta disparidades importantes.24 A demora em receber resultados de exames, as barreiras geográficas e as dificuldades de acesso ao transporte para realização de exames e tratamentos são alguns fatores que podem explicar essas disparidades na mortalidade por câncer de mama.
Cabe salientar, ademais, a relação observada de tendência de aumento dos óbitos por neoplasia maligna em mulheres com alta escolaridade. Possíveis hipóteses podem estar relacionadas a uma maior exposição a fatores de risco carcinógeno, pelo fato de estarem mais expostas a contracepção hormonal, terapia de reposição hormonal no período da menopausa e maior exposição a radiação, em virtude da maior realização de mamografias, bem como menores fatores de proteção, como longa história menstrual e nuliparidade.26,28
A diversidade e a complexidade dos territórios, dos determinantes sociais, assim como a estrutura da rede de atenção à saúde, são fatores importantes a serem considerados na análise dos indicadores de morbimortalidade na população feminina. O munícipio de Passo Fundo, além de contar com 35 UBS e hospitais de referência,29 conta com o Centro de Referência de Saúde da Mulher, inaugurado em 2015, o qual oferece, entre vários serviços, o acompanhamento multiprofissional para mulheres que tiveram alta após tratamento de câncer, grupos terapêuticos pré e pós-quimioterapia, além do acompanhamento de familiares e orientações às famílias.29
Este é um dos primeiros estudos a tratar dessas estimativas em um intervalo temporal de 21 anos, em um município tido como referência na assistência à saúde da população de 66 municípios do Rio Grande do Sul e diversas cidades do oeste de Santa Catarina e Paraná. Ainda, cabe destacar que a maior parte dos estudos publicados na literatura leva em consideração análises no âmbito nacional e/ou regional, fato este que pode ocultar as diferenças locorregionais e limitar a extrapolação de seus resultados e conclusões para municípios com diferentes portes e realidades, na rede de assistência à saúde.
Contudo, algumas limitações devem ser consideradas. A utilização de dados secundários está sujeita a variações na completude e qualidade das informações. Ressalta-se que o baixo número de óbitos por câncer de colo de útero (CID 10 - C53) em mulheres residentes em Passo Fundo pode ser um reflexo de subnotificações e, por este motivo, não condizer com a realidade da doença e sim com uma falha na definição da causa de óbito, além dos problemas identificados na qualidade dos registros.8
Outro fator limitante deve-se à natureza multifatorial das neoplasias malignas de mama e de colo de útero, que apresentam características distintas. Uma proporção maior de cânceres mais agressivos pode resultar em aglomerados de mortalidade, ao passo que o acesso a um melhor tratamento, consequentemente, reflete-se em menores indicadores de morbimortalidade.30 Destaca-se, ainda, que a mortalidade pode sofrer influência da concentração geográfica de grupos étnicos com maior probabilidade de predisposição genética para o câncer, além de informações faltantes sobre o estágio do diagnóstico.30
Mesmo diante de possíveis limitações, o estudo permitiu observar uma estabilidade nas taxas de mortalidade por neoplasia maligna de colo de útero e de mama em um município considerado polo regional de saúde no Sul do Brasil. Importantes iniquidades sociodemográficas foram identificadas ao se estratificar a mortalidade conforme idade e escolaridade.
O conhecimento dos padrões temporais possibilita elucidar possíveis razões para o comportamento dessas neoplasias, ensejando um melhor planejamento e direcionamento efetivo de ações de promoção e prevenção de saúde, pois, a partir de estatísticas de mortalidade, é possível conhecer o estado de saúde de uma população e as características dos grupos expostos a maior risco. Conclui-se que as evidências apresentadas poderão servir como subsídio para as políticas de prevenção e de assistência oncológica em um município situado fora dos grandes centros e caracterizado como polo de atenção à saúde no Sul do Brasil.