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Revista Pan-Amazônica de Saúde
Print version ISSN 2176-6215On-line version ISSN 2176-6223
Rev Pan-Amaz Saude vol.9 no.4 Ananindeua Dec. 2018
http://dx.doi.org/10.5123/s2176-62232018000400007
COMUNICAÇÃO
Moluscos do gênero Biomphalaria Preston, 1910 na Região Amazônica: primeiro relato de Biomphalaria occidentalis Paraense, 1981 no estado do Pará, Brasil
1Instituto Evandro Chagas, Seção de Parasitologia, Laboratório de Parasitoses Intestinais, Esquistossomose e Malacologia, Ananindeua, Pará, Brasil
2Universidade do Estado do Pará, Programa de Pós-Graduação em Biologia Parasitária na Amazônia, Belém, Pará, Brasil
3Fundação Oswaldo Cruz, Instituto René Rachou, Grupo de Pesquisa em Helmintologia e Malacologia Médica, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
4Instituto Evandro Chagas, Centro de Inovações Tecnológicas, Ananindeua, Pará, Brasil
INTRODUÇÃO:
No estado do Pará, Região Norte do Brasil, há relatos da existência de Biomphalaria glabrata, Biomphalaria straminea, Biomphalaria schrammi e Biomphalaria kuhniana.
MATERIAIS E MÉTODOS:
Cinco moluscos foram coletados, examinados quanto à presença de cercárias de Schistosoma mansoni e as taxonomias morfológica e molecular foram realizadas.
RESULTADOS:
Nenhum espécime parasitado por larva de trematódeo foi detectado. Foi identificada a espécie Biomphalaria occidentalis, sendo o primeiro registro no Pará.
CONCLUSÃO:
O resultado obtido contribuiu para melhorar o conhecimento sobre a dispersão e a diversidade de moluscos Biomphalaria na Região Amazônica.
Palavras-chave: Biomphalaria; Moluscos; Reação em Cadeia da Polimerase; Polimorfismo de Fragmento de Restrição; Esquistossomose; Taxonomia
INTRODUÇÃO
O gênero Biomphalaria Preston, 1910 inclui moluscos que podem transmitir Schistosoma mansoni, o agente etiológico da esquistossomose no Brasil. Entre as 11 espécies e uma subespécie do gênero Biomphalaria que ocorrem no país, três são consideradas hospedeiras intermediárias de S. mansoni: Biomphalaria glabrata (Say, 1818), Biomphalaria tenagophila (d'Orbigny, 1835) e Biomphalaria straminea (Dunker 1848). No Estado do Pará, as espécies B. glabrata, B. straminea, Biomphalaria schrammi (Crosse, 1864) e Biomphalaria kuhniana (Clessin, 1883) já foram relatadas1.
A determinação de espécies do gênero Biomphalaria é baseada na comparação de caracteres morfológicos de conchas, do sistema excretor e de órgãos reprodutivos2; no entanto, há dificuldades na determinação, devido ao tamanho das amostras, processos de fixação inadequados e semelhanças interespecíficas3. Essas semelhanças culminaram no agrupamento de algumas espécies do gênero Biomphalaria em dois complexos: 1) B. straminea composto por B. straminea, Biomphalaria intermedia (Paraense & Deslandes, 1962) e B. kuhniana; e 2) B. tenagophila contendo B. tenagophila, Biomphalaria tenagophila guaibensis Paraense, 1984, e Biomphalaria occidentalis Paraense, 19814,5,6,7. As espécies do complexo B. tenagophila são indistinguíveis da morfologia da concha e da maioria dos órgãos do sistema genital. E apenas B. tenagophila é suscetível à infecção por S. mansoni; portanto, a identificação dessas espécies é importante para estudos epidemiológicos da esquistossomose7, e o conhecimento da distribuição geográfica dessas espécies permite melhor distribuição de recursos e políticas adequadas para o controle do molusco8. A taxonomia molecular tem sido utilizada como ferramenta auxiliar para a morfologia quando não é suficiente para a identificação das espécies.
O presente trabalho teve como objetivo relatar a primeira ocorrência de B. occidentalis no estado do Pará, região norte do Brasil.
MATERIAIS E MÉTODOS
Levantamentos malacológicos foram realizados em maio de 2017, no município de Afuá, Mesorregião Marajó, no Estado do Pará, latitude 00º09'20,1"S e longitude 50º23'02,9"W.
Cinco espécimes foram coletados, utilizando-se pinças e redes em fossas de esgoto no perímetro urbano com período de coleta de 30 min. Nenhuma outra espécie de molusco ou vegetação foi observada nas valas de esgoto durante esse período. As características do ambiente, onde os espécimes foram coletados, foram favoráveis à ocorrência e dispersão de moluscos. Um receptor do Sistema de Posicionamento Global (GPS) GPSMAP® 76CS da Garmin foi usado para registrar as leituras das coordenadas geográficas e todos os pontos de coleta foram anotados e georreferenciados.
Os moluscos obtidos foram acondicionados em gaze embebida em água, inseridos em sacos plásticos devidamente identificados, armazenados e transportados para o Laboratório de Parasitas Intestinais, Esquistossomose e Malacologia (LPIEM) da Seção de Parasitologia (SAPAR) do Instituto Evandro Chagas (IEC). Os cinco espécimes foram medidos e embalados individualmente em recipientes de vidro com 20 mL de água declorada, expostos à luz artificial (lâmpada incandescente de 60 W) por 30 min e, em seguida, examinados sob um estereomicroscópio para verificar a presença de cercárias de S. mansoni9. Posteriormente, os moluscos foram sacrificados, fixados10,11 e o pé de cada espécime foi removido para extração de DNA pelo Kit de Purificação de DNA Wizard Genomic modificado (Promega).
Os moluscos foram identificados morfologicamente por comparação dos caracteres da concha e dos órgãos reprodutores masculino e feminino, de acordo com Paraense2,4,5.
A identificação molecular foi realizada pelo Laboratório de Helmintologia e Malacologia Médica, Instituto René Rachou/Fiocruz, usando reação em cadeia da polimerase e polimorfismo do comprimento do fragmento de restrição (PCR-RFLP) da região do espaçador interno transcrito (ITS) dos genes ribossômicos do RNA, onde todo ITS foi amplificado com os primers ETTS2 (5 'TAACAAGGTTTCCGTAGGTGAA 3') e ETTS1 (5 'TGCTTAAGTTCAGCGGGGT 3') ancorados, respectivamente, nas extremidades conservadas dos genes ribossômicos 18S e 28S12. Em seguida, foi realizada a clivagem desse fragmento com as enzimas de restrição Ddel e Alul7,13.
RESULTADOS
Todas as amostras examinadas quanto à presença de cercárias de S. mansoni foram negativas para o parasita e para outras larvas de trematódeos.
Todos os moluscos foram identificados morfologicamente como B. occidentalis (Figura 1).
Os resultados moleculares que mostram os perfis de restrição obtidos pela digestão da região ITS do DNA ribossômico com Ddel foram comparados com o padrão de perfis de DNA obtidos no tecido dos moluscos Biomphalaria e Helisoma da Coleção de Malacologia Médica (Fiocruz/CMM) (Figura 2).
Coluna 1: Biomphalaria sp. de Afuá, Pará; Coluna 2: B. occidentalis de Belo Horizonte, Minas Gerais; Coluna 3 e 4: Helisoma sp. de Três Lagoas, Mato Grosso do Sul; Coluna 5: B. glabrata de Belo Horizonte, Minas Gerais; Coluna 6: B. tenagophila de Sabará, Minas Gerais; Coluna 7: Biomphalaria peregrina de Coromandel, Minas Gerais. Os números à esquerda do gel são o valor em pares de bases (bp) dos marcadores de tamanho molecular Phi X 174/HaeIII.
Para diferenciar as espécies, o âmplicon, previamente obtido de aproximadamente 1.200 pares de bases, foi submetido a uma nova RFLP utilizando a enzima de restrição Alul7, sendo possível definir a espécie como B. occidentalis por técnica molecular (Figura 3).
Coluna 1: B. tenagophila de Sabará, Minas Gerais; Colunas 2 e 3: B. t. guaibensis de Santa Vitória do Palmar, Rio Grande do Sul; Coluna 4: Biomphalaria sp. de Afuá, Pará; Colunas 5 e 6: B. occidentalis de Belo Horizonte, Minas Gerais. Os números à esquerda do gel são o valor em pares de bases (bp) dos marcadores de tamanho molecular Phi X 174/HaeIII.
DISCUSSÃO
A distribuição geográfica dos moluscos planórbidos no Brasil não é devidamente conhecida, em razão da grande extensão territorial e da falta de recursos humanos e econômicos; no entanto, o número de estudos com o objetivo de conhecer melhor a fauna malacológica em algumas regiões aumentou14,15.
O presente estudo é o primeiro relato de B. occidentalis no Estado do Pará. No Brasil, essa espécie já foi encontrada nos estados do Acre, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo, e existem relatos de conchas no Amazonas1,4,16.
Os moluscos de água doce B. occidentalis, B. tenagophila e B. t. guaibensis são morfologicamente semelhantes, agrupados no complexo B. tenagophila. Apesar da semelhança morfológica entre as espécies do complexo, apenas B. tenagophila é suscetível a S. mansoni, vários estudos reforçaram B. occidentalis como espécies refratárias17,18,19; portanto, a distinção dessas espécies é importante para estabelecer áreas vulneráveis ao risco de ocorrência da esquistossomose.
Estudos sobre a fauna planorbídica, em todas as áreas do Brasil, principalmente em regiões menos investigadas, devem ser motivados pelo objetivo de se conhecer a distribuição geográfica dos moluscos Biomphalaria, visando melhor distribuição de recursos e vigilância adequada para seu controle.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a Carlos Faria, Carlos Júnior, Edilson Silva, Fernando Siqueira e Fabíola Cardoso do LPIEM/SAPAR/IEC; e Amanda Araújo, do CMM, do Instituto René Rachou/Fiocruz, pelo apoio técnico
REFERÊNCIAS
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APOIO FINANCEIRO Instituto Evandro Chagas, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde (IEC/SVS/MS).
Se refere ao doi: 10.5123/S2176-62232018000400007, publicado originalmente em inglês. Traduzido por: Patrícia Campelo Haick
Como citar este artigo / How to cite this article: Goveia CO, Caldeira RL, Nunes MRT, Enk MJ. Moluscos do gênero Biomphalaria Preston, 1910 na Região Amazônica: primeiro relato de Biomphalaria occidentalis Paraense, 1981 no estado do Pará, Brasil. Rev Pan-Amaz Saude. 2018 out-dez;9(4):1-5. Doi: http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232018000400007
Recebido: 26 de Outubro de 2018; Aceito: 06 de Dezembro de 2018