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Revista Paraense de Medicina
Print version ISSN 0101-5907
Rev. Para. Med. vol.21 no.3 Belém Sept. 2007
Acidente por cascavel (Crotalus sp) em Ponta de Pedras, Ilha do Marajó, Pará - Relato de caso1
Snakebite by the rattlesnake (Crotalus sp) in Ponta de Pedra, Marajó Island, Pará - A Case report¹
Pedro Pereira de Oliveira PardalI; Carla Luciana Queiroz da SilvaII; Silvana do Socorro Nascimento HoshinoII; Maria de Fátima Rebelo PinheiroIII
IMestre e Docente da Disciplina Doenças Infecciosas e Parasitárias/CCS/UFPA
IIDiscente do Curso de Graduação em Enfermagem da UFPA
IIIMédica do Hospital do Pronto Socorro Municipal Humberto Maradei, Belém-Pará
RESUMO
OBJETIVO: relatar um caso de envenenamento por Crotalus sp, atendido no Hospital Pronto Socorro Municipal (HPSM) Humberto Maradei em Belém-Pará, ocorrido no ano de 2007.
RELATO DO CASO: paciente do sexo masculino, 19 anos, picado em membro inferior direito quando caçava com seu pai em um campo aberto. Apresentou manifestações clinicas após 12 horas do acidente. Na presença dos sintomas como ptose bipalpebral, oftalmoplegia, artralgia e mialgia é que a vítima procurou atendimento médico no Hospital de Ponta-de-Pedras, Ilha-do-Marajó e logo depois foi transferida para o HPSM de Belém. O acidente foi classificado como moderado e complementado a soroterapia específica. Os exames apresentaram os seguintes resultado: CPK: 9.616 U/L; LDH: 3.578 U/L; AST: 729 UI/ml; ALT: 340 UI/ml; uréia, creatinina e tempo de coagulação dentro dos valores de referência. Após a soroterapia e medidas sintomáticas o paciente evolui com melhora clinica, recebendo alta curado, após alguns dias.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: alertar aos profissionais da área de saúde sobre a importância do envenenamento e da conduta a ser tomada em caso de acidente ofídico em especial por cascavel.
Descritores: crotalus, envenenamento, soroterapia.
SUMMARY
OBJECTIVE: report a case of snake envenomation by Crotalus sp, taken care of in the Hospital Pronto Socorro Municipal (HPSM) Humberto Maradei in Belém-Pará, occurred in the year of 2007.
CASE REPORT: man, 19 years old, was bitten in the right inferior member when he was hunting with his father in an open field. He presented clinical manifestations after 12 hours of the accident. In the presence of the symptoms such as ptosis bipalpebral, ophthalmoplegia, arthralgia and myalgia that the victim looked for medical attendance in the Hospital de Ponta-de-Pedras, Ilha-do-Marajó and soon was transferred to the HPSM of Belém. The accident was classified as moderate and complemented with the specific serumtherapy. The examinations presented the following results: CPK: 9,616 U/L; LDH: 3,578 U/L; AST: 729 UI/ml; ALT: 340 UI/ml; urea, creatinine and coagulation time inside the values of reference. After the serumtherapy and symptomatic procedures the patient evolved with clinical improvement, receiving, discharge cured after some days.
FINAL CONSIDERATIONS: to alert professionals of the health area about the importance of the poisoning and the conduction that have to be taken in case of ofídico accident, specially for rattlesnake.
Key-words: envenomation, crotalus, serumtherapy.
INTRODUÇÃO
Os acidentes ofídicos têm importância médica em virtude de sua freqüência e gravidade. Os envenenamentos por serpentes peçonhentas no Brasil são causados pelos gêneros Crotalus, Lachesis, Bothrops, Micrurus. Anualmente são registrados cerca de 20.000 acidentes, com uma letalidade em torno de 0,45%. Os acidentes por Crotalus são responsáveis por cerca de 7,7% dos casos registrados no País, com uma letalidade de 1,87%, principalmente, devido à freqüência com que evolui para insuficiência renal aguda1.
As serpentes Crotalus são popularmente conhecidas por cascavel, cascavel-quatro-ventas, boicininga, maracambóia, maracá e são representados no Brasil por uma única espécie, Crotalus durissus, que tem uma ampla distribuição geográfica. Habitam serrados, campos abertos, áreas secas, arenosas e pedregosas e raramente na faixa litorânea. Não se localizam em florestas e no Pantanal. Na Amazônia são encontradas em algumas regiões do Estado do Pará nos municípios da Ilha do-Marajó, Santarém e Sul do Pará, Estado do Amapá e Roraima. São de fácil identificação, pois além de apresentarem fosseta loreal, possuem na cauda um chocalho ou guizo1,2,3.
A peçonha crotálica é uma mistura complexa de proteínas e polipeptídeos, responsáveis pelas ações neurotóxica, miotóxica e coagulante. A ação neurotóxica é produzida pela crotoxina, crotamina, giroxina e convulxina. A crotoxina é a responsável pela maior toxidade do veneno. É uma neurotoxina pré-sináptica que atua nas terminações nervosas motoras inibindo a liberação de acetilcolina pelos impulsos nervosos. Essa inibição é responsável pelos sintomas de paralisias motoras e respiratórias apresentadas pelas vítimas. A ação miotóxica é atribuída a crotoxina e mesmo a crotamina que produz lesão nos tecidos musculares. A ação coagulante é atribuída a componente tipo trombina, capaz de alterar a coagulação sanguínea1,4.
O envenenamento por Crotalus no Brasil, pode apresentar apenas parestesia local sem edema, eritema e dor, quando presentes são discretos. Os sintomas sistêmicos são mal-estares, náuseas, vômitos, cefaléia, prostração e sonolência. As manifestações neurológicas apresentam-se nas primeiras 6 horas após a picada. A vítima apresenta uma fácies neurotóxica, onde se observa ptose bipalpebral e flacidez da musculatura da fácies que leva a boca ficar entreaberta. Apresenta ainda oftalmoplegia e queixas de visão escura e diplopia. As manifestações clínicas resultantes da ação miotóxica são as mialgias, urina escura, oligúria e insuficiência renal aguda. A ação coagulante pode produzir aumento do tempo de coagulação e sangramentos1,4.
O tratamento específico é realizado de acordo com a gravidade do acidente, utilizando o soro anticrotálico por via endovenosa, incluindo solicitação de exames como hemograma, urina rotina, tempo de coagulação (TC), uréia, creatinina, creatinofosfoquinase (CPK), aspartase-alaninotransferase (ALT) e desidrogenase lática (DHL)1,4.
OBJETIVO
Relatar um caso de envenenamento por Crotalus sp, atendido no Hospital do Pronto Socorro Municipal (HPSM) Humberto Maradei, de Belém- Pará, atendido no ano de 2007.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo masculino, de 19 anos de idade, residente na Comunidade Mauá do Município de Ponta-de-Pedras, da Ilha-do-Marajó no Estado do Pará, foi picado por uma cobra Crotalus sp na face lateral da perna direita, quando caçava em campo aberto com seu pai, cerca de 15:00 h do dia 21 de Fevereiro de 2007, inicialmente não apresentou nenhuma sintomatologia.
Procurou atendimento médico após 12 horas do acidente no Hospital do Município, por estar apresentando ptose bipalpebral, oftalmoplegia, artralgias, mialgias e referindo ser o animal agressor uma cascavel. Foi realizado a aplicação de 4 ampolas de soro anticrotálico. Logo após, foi transferido ao Hospital do Pronto Socorro Municipal (HPSM) Humberto Maradei de Belém-Pará, onde o acidente foi considerado de gravidade moderado, pois se apresentava com as seguintes manifestações clínicas: parestesia no local da picada, sem dor ou edema, sonolento, com fácies neurotóxicas (Figura 1), ptosebipalpebral, oftalmoplegia, visão escura, mialgias, artralgias e sem alteração do volume e cor da urina. Foram administradas 10 ampolas de soro anticrotálico e realizado exames laboratoriais, cujos valores encontram-se no Quadro I.
Paciente evoluiu bem no decorrer dos dias, e recebeu alta curada no dia 26 de Fevereiro de 2007.
DISCUSSÃO
A apresentação do caso se deve a pouca freqüência do envenenamento no Estado. A primeira descrição na literatura de acidentes por cascavel no Pará ocorreu em 2003, de casos provenientes dos municípios de Muaná, Cachoeira-do-Arari e Pontade- Pedras, localizados na Ilha do Marajó, e na cidade de Santarém, no período de 1996 a 20005.
Segundo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN)6 do Ministério da Saúde, foram registrados respectivamente 61, 54 e 43 casos de envenenamento por Crotalus nos anos de 2004, 2005 e 2006 no Estado do Pará, porém, os atendidos em Belém capital do Estado, onde migra grande parte das vítimas, principalmente da Ilha-do-Marajó, foram somente dois casos em 2006, mostrando a pouca freqüência dos acidentes por este animal e demonstrando a importância da descrição do caso. Nos outros Estados da federação a freqüência da ocorrência é em Goiás (20,8%)7, Ceará (10,6%)8 e Bahia (1%)9.
O caso descrito teve gravidade moderada, porém a literatura mostra que os casos podem ser de moderado a grave. No Estado do Pará5 e em Goiás7 os envenenamentos de moderada gravidade prevaleceram, enquanto os graves tiveram maior freqüência em crianças atendidas em Campinas (SP)10 e em Ribeirão Preto (SP)11.
A manifestação de neurotoxidade esteve presente no caso, semelhante o que se observa na literatura nacional1,4,5,10,12.
As manifestações locais do caso foram discretas, porém a literatura descreve que o uso da ressonância magnética em pacientes acidentados por Crotalus e sem manifestações clinica visível, mostra que o efeito local do veneno do animal produz edema e hemorragia nos tecidos musculares e em áreas perivasculares13.
De acordo AZEVEDO-MARQUES, HERING & CUPO (2003)4 o escurecimento da urina e o dano renal se deve a mioglobinúria, decorrente da rabdomiólise. Quando a urina estiver clara, mas se for realizado um processo de concentração, a mioglobina será identificada. No caso, foi realizado exame de urina de rotina, sem pesquisa de mioglobinúria, isto pode explicar a não alteração do volume e cor da urina. No caso, alterações renais não foram observadas pela dosagem da creatinina e uréia, apesar de ter o CPK, DHL e TGO com níveis bastantes elevados.
A evolução do caso foi bastante favorável, pois, a vítima recebeu alta médica curado em poucos dias.
No Brasil1, a serpente que mais ocasiona óbito é a Crotalus, em 1,87%, sendo que no Estado da Bahia9 é de 1,4% e em Goiás 1%. A literatura mostra que as principais causas de óbito em Goiás7, foi a insuficiência renal, São Paulo14 a insuficiência respiratória e em Ribeirão-Preto (SP)11, a hemorragia digestiva e insuficiência respiratória aguda.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dentre as serpentes peçonhentas da Amazônia, as do gênero Crotalus, tem poucos casos descritos na literatura regional. Esta descrição serve como alerta para os profissionais da área de saúde, sobre a importância de como proceder a respeito de acidentes ofídicos, em especial o crotálico.
REFERÊNCIAS
1. BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, FNS. Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos. Brasília. 2001, 131p.
2. PARDAL, PEDRO PEREIRA DE OLIVEIRA, YUKI, RUBENS NOBUO. Acidentes por Animais Peçonhentos. Manual de Rotinas. Belém-Pará, Editora universitária. 2000, 40p.
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4. AZEVEDO-MARQUES, MM; HERING, SE; CUPO, P. IN: CARDOSO, JL, FRANÇA, FOS, WEN, FH, MÁLAQUE, CMSA, JÚNIOR, VH. Animais Peçonhentos no Brasil. Biologia, Clínica e Terapêutica dos Acidentes. São Paulo: Sarvier. 2003, p: 91- 98.
5. PARDAL, PEDRO PEREIRA DE OLIVEIRA; PARDAL, JOSEANA SILVA DE OLIVEIRA; CASTRO, LÍVIA CORRÊA; CARDOSO, BERNARDO DA SILVA; SOUSA, ADRIANA MARIA BRITO DE; WOSNY, VIVIANE. Acidentes por Cascavel (Crotalus durissus) no Estado do Pará. Revista Pará Médico. 2003, 17(3):27-31.
6. MINISTÉRIO DA SAÚDE- SISTEMA DE INFORMAÇÃO DE AGRAVOS DE NOTIFICAÇÃO (SINAN). Disponível em: <http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/index.php?name=Tnet> Acessado em: 01/5/2007.
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8. FEITOSA, REGINA FÁTIMA GONÇALVES, MELO, IVA MARIA LIMA ARAÚJO E MONTEIRO, HELENA SERRA AZUL. Epidemiologia dos acidentes por serpentes peçonhentas no Estado do Ceará - Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 1997, 30(4):295-301.
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14. RIBEIRO, L. A.; ALBUQUERQUE, M.J.; PIRES DE CAMPOS, V. A.F.; KATZ, G.; TAKAOKA, N.Y.; LEBRÃO, M.L.; JORGE, M.T. Óbitos por serpentes peçonhentas no Estado de São Paulo: avaliação de 43 casos, 1988/93. Revista da Associação Médica Brasileira. 1998, 44(4):312-318.
Endereço para correspondência:
Pedro Pereira de Oliveira Pardal
Hospital Universitário João de Barros Barreto
Centro de Informações Toxicológicas
Rua: Mundurucus, 4487. Guamá
CEP: 66073.000.
Belém-Pará-Brasil.
e-mail:pepardal@ufpa.br
Recebido em 18.05.2007
Aprovado em 22.08.2007
1-Hospital do Pronto Socorro Municipal Humberto Maradei, Belém-Pará.