Introdução
O planejamento tem lugar de destaque na agenda da gestão do sistema de saúde de forma ascendente, contínua e articulada, entre todas as esferas de governo - federal, estadual e municipal. As intervenções locais, regionais e nacionais devem ser baseadas nas necessidades de saúde da população, conforme critérios epidemiológicos, socioeconômicos e demográficos. Além disso, as intervenções prioritárias nos territórios devem ser expressas em diretrizes, objetivos e metas, na programação anual da Saúde e na conformação de suas redes de atenção.1
Entende-se a necessidade de construir e utilizar indicadores de monitoramento e avaliação, com o desafio de realizar ações de saúde mais efetivas para atender aos usuários.1 Para que os gestores possam cumprir com sua responsabilidade de planejamento na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), faz-se mister a permanente disponibilidade de informações que os auxiliem na concepção e operacionalização das atividades de planejamento, no subsídio à tomada de decisões e na busca de soluções para as questões levantadas pela sociedade.2 Os indicadores de saúde, quando gerados de forma regular em um sistema dinâmico, podem ser instrumentos valiosos para a gestão e avaliação da situação da saúde e das ações em todos os níveis da Saúde Pública.3
Diferentes sistemas de informações encontram-se disponíveis aos gestores, sejam esses sistemas voltados à operação de estabelecimentos assistenciais, gerência de serviços, investigação ou controle de diversasdoenças, e sua utilização tem sido preconizada para o planejamento de intervenções sobre a realidade sanitária.4 Todavia, é escasso o uso das informações em saúde disponíveis, as quais, muitas vezes, contam com dados duplicados e dificuldades de acesso e análise.
Para contribuir com essa lacuna, objetivou-se relatar o desenvolvimento de uma ferramenta informatizada para monitoramento de indicadores de gestão regional de saúde.
Métodos
Para o desenvolvimento da ferramenta, foram utilizados os dados do Rio Grande do Sul. O estado está dividido em 19 Coordenadorias Regionais de Saúde (CRS). A 4ª CRS é responsável, administrativamente, por 32 municípios de sua área de abrangência e é composta por duas regiões de saúde: a Região Entre Rios, com 11 municípios, e a Região Verdes Campos, com 21 municípios.5
No âmbito deste trabalho, construíram-se os Indicadores para a Gestão Regional de Saúde (IGRES). Foram selecionados 40 indicadores dos 32 municípios da 4ª CRS, distribuídos em sete categorias: demográficos; socioeconômicos; cobertura; morbidade; mortalidade; recursos; e índice de desempenho do Sistema Único de Saúde (IDSUS) (Figura 1). No caso de os IGRES serem utilizados por outra Região de Saúde do estado, bastaria substituir os municípios e coletar os dados correspondentes.
Entre maio e novembro de 2013, foram realizadas buscas por informações sobre os indicadores selecionados, para cada um dos 32 municípios, nos diferentes sistemas de informações disponíveis no sítio eletrônico da Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul (www.saude.rs.gov.br) e do Departamento de Informática do SUS (Datasus) (www.datasus.gov.br); além de recorrer à Sala de Apoio à Gestão Estratégica (Sage), disponível no sítio eletrônico http://dab.saude.gov.br/portaldab/sala_apoio_gestao_estrategica.php. O período de tempo de referência para a extração de dados foi o de 2010 a 2012, o último disponível em cada sistema de informações: Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), Sistemade Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (SIA/SUS), Sistema de Informação de Orçamento Público em Saúde (Siops), Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES), Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI) e Sistema deInformação de Agravos de Notificação (Sinan).
Para a organização dos dados, utilizou-se o aplicativo Microsoft(r) Office Excel(r), dada sua funcionalidade na geração de gráficos e manuseio das informações. Cada indicador de cada município foi coletado e digitado diretamente na planilha. Utilizando-se de fórmulas e recursos do aplicativo, foram construídos os gráficos demonstrativos dos resultados do estudo. Sobre uma primeira versão, foi realizada uma oficina de trabalho com a participação de técnicos da 4ª CRS, tendo por objetivo apresentar a ferramenta, testá-la em condições reais e reunir sugestões e críticas.
A proposta dos IGRES inclui, ademais, uma relação de cada indicador, o endereço eletrônico da fonte dos dados e observações sobre a sua coleta, e está disponível na seguinte página eletrônica: https://dms.ufpel.edu.br/aquares/instrumento-de-acompanhamento-de-indicadores-para-a-gestao-regional-da-saude-igres/
Resultados
Foram criados dois conjuntos de informações: no primeiro, está o perfil de cada município, e no segundo, os indicadores selecionados para cada Região de Saúde. No perfil de cada município encontra-se a pirâmide etária da população, uma seleção de denominadores populacionais, uma lista das cinco principais causas de morte e de internação hospitalar. Essas listas são apresentadas na forma de gráficos, com espera para a constituição de séries históricas até o ano de 2016. Para os períodos posteriores a 2016, novas séries poderão ser construídas conforme a necessidade das equipes. Quanto à pirâmide etária, deverá ser atualizada anualmente, de acordo com as projeções oficiais de crescimento populacional da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Uma vez alterada a pirâmide, um conjunto de denominadores serão automaticamente atualizados: mulheres em idade fértil (10-49 anos); mulheres de 25 a 64 anos; mulheres de 50 a 69 anos; estimativa de gestantes; menores de um ano; menores de cinco anos; pessoas com 60 anos ou mais; pessoas com 20 anos ou mais; e estimativa de pessoas na idade de 20 anos ou mais com hipertensão e com diabetes. Esses números podem subsidiar as equipes de planejamento, nos cálculos de cobertura e dimensionamento de recursos envolvidos nas diferentes ações programáticas - por exemplo, pré-natal, controle dos cânceres de mama e do colo do útero e atenção à saúde do idoso.
Sobre os indicadores selecionados para a construção dos IGRES, foram gerados gráficos que permitem a comparação de cada indicadorentre os diferentes municípios componentes de cada Região de Saúde. Todos os indicadores podem ser atualizados a cada ano, conforme a disponibilização dos resultados nos sistemas de informações do Ministério da Saúde.
Na tela de seleção de municípios, são visualizadas as duas Regiões de Saúde da 4ª CRS e seus respectivos municípios, possibilitando a escolha do município para acesso das informações demográficas, de internações e de mortalidade (Figura 2 a).
A título de ilustração, a Figura 2 b exibe as informações demográficas e de morbimortalidade do município de Santiago: (i) distribuição por idade e sexo da população do município, pirâmide etária e denominadores (quando essa estrutura etária é atualizada, automaticamente são atualizados os denominadores); e (ii) dois gráficos, que ilustram as cinco principais causas de internação hospitalar e de mortalidade. Como se pode observar, já existe uma previsão para a inserção dessas informações nos próximos anos, para a geração de uma série histórica desses indicadores.
Os indicadores selecionados são divididos por categorias, conforme está exemplificado pelos indicadores do IDSUS apresentados na Figura 3 a. Tomando-se, como ilustração, um indicador do IDSUS selecionado da Figura 3 a, é possível visualizar a situação da 'Razão de procedimentos ambulatoriais de alta complexidade e população residente' em cada município das duas Regiões de Saúde da 4ª CRS, permitindo uma comparação do comportamento do indicador entre municípios e regiões (Figura 3 b).
Na aba 'Fonte dos dados', são apresentados os passos a seguir para a obtenção dos dados de cada indicador, disponibilizado o atalho para acesso direto às fontes de dados originais e fornecidos detalhes sobre a forma da coleta (Figura 3 b ).
Discussão
A premissa básica de um sistema de informações em saúde é contribuir para a melhoria da qualidade da saúde da população, subsidiando os profissionais da área com as informações necessárias para desempenharem suas atividades com eficiência e eficácia.6 Ouso dessas informações tem sido uma prática relatada e recomendada por diversos autores mundo afora, como também no Brasil.7-12
De modo geral, no país, o processo de busca de informações nos sistemas ainda é fragmentado e trabalhoso, com escassas iniciativas de capacitação das equipes responsáveis lotadas nos diferentes espaços de gestão.
As equipes de saúde e os gestores devem estar atentos à análise dos indicadores de saúde; estes, quando avaliados adequadamente, revelam um potencial bastante grande para qualificar as ações de saúde, notadamente pelo cálculo da cobertura dessas ações.
Na prática, observam-se importantes faltas no que diz respeito ao uso das informações geradas pela vigilância em saúde e sua aplicação na assistência à saúde. Os indicadores de fatores de risco, por exemplo, não podem ficar restritos à notificação, precisam ser analisados e assim, servir para subsidiar ações estratégicas de promoção da saúde, prevenção e cuidado dos agravos. Poder-se-ia preencher essa lacuna com uma adequada utilização das informações, promovendo a integração da atenção básica com os setores da vigilância em saúde.
É necessário levar em consideração os desafios epidemiológicos de cada região, além da situação sociodemográfica e econômica de cada município e, a partir dessa base, elencar indicadores capazes demedir o acesso da população a um sistema de saúde efetivo. Também é preciso rever o método de cálculo de alguns indicadores, para que possam apresentar especificidade e validade externa.
A ferramenta aqui construída possibilita a inclusão e exclusão de indicadores. A substituição de indicadores é uma prática bastante frequente nas pactuações do Ministério da Saúde com estados e municípios, e a ferramenta foi concebida de forma a permitir tais flexibilizações.
Outro motivo de destaque é a possibilidade de atualização anual dos dados. Os indicadores de morbidade e mortalidade poderão construir uma série histórica. Além disso, os IGRES dispõem a informação sobre o método de cálculo dos indicadores e o acesso às fontes de dados.
A ferramenta também permite aos trabalhadores analisarem a situação dos indicadores de cada município na Região de Saúde, de maneira a aproveitar essa oportunidade de reflexão para o desencadeamento de ações necessárias ao enfrentamento das situações encontradas. Entende-se, com isso, que os IGRES apresentam potencial de disseminação para outras Coordenadorias de Saúde.
Ao longo deste trabalho, foram identificados dois grandes desafios para o pleno uso deste instrumento pelas Coordenadorias Regionais de Saúde: (i) disponibilidade de infraestruturade tecnologias de informação; e (ii) capacitação dos gestores e trabalhadores. A implantação das tecnologias de informação pode-se realizar mediante dotação orçamentária específica do SUS. O envolvimento das universidades no processo de educação permanente poderá contribuir com a capacitação dos gestores e trabalhadores, via estratégia de educação adistância (EaD), para a utilização do sistema de indicadores, sua análise e aplicação à gestão, aqui proposta.
Os Indicadores para a Gestão Regional de Saúde - IGRES - poderão ser úteis na tomada de decisões por planejadores e gestores em saúde. Longe de ser a solução para todos os problemas, acredita-se que poderiam desencadear um processo de educação em saúde, a ser estendido a outras instâncias do sistema de saúde, fortalecendo o manejo de bases de dados, a construção, a interpretação e a utilização concreta de indicadores de saúde.
Destaca-se, por fim, a oportunidade e a relevância do desenvolvimento desse instrumento no âmbito de um Mestrado Profissional, cujo propósito primordial é o de qualificar o trabalhador e aprimorar seu ambiente de trabalho pelo engajamento científico, o que representa um avanço, rumo à superação da dicotomia serviço-academia e o cumprimento do artigo 14 da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, que determina a integração ensino-serviço na formação e educação continuada dos profissionais do Sistema Único do Saúde, o SUS.13