Introdução
As anomalias congênitas, incluindo as microcefalias, têm etiologia complexa e multifatorial, e podem ser causadas por anomalias cromossômicas, exposições a teratógenos ambientais, doenças metabólicas, bem como por doenças maternas durante a gravidez. Podem ser primárias, se presentes ao nascimento, ou secundárias, quando se desenvolvem após o nascimento. As microcefalias primárias caracterizam-se pelo perímetro cefálico inferior a dois desvios-padrão (DP) da média específica para o sexo e idade gestacional. Embora prática, a definição de microcefalia a partir do perímetro cefálico pode incluir cérebros com desenvolvimento normal.1,2
No Brasil, dados sobre nascidos vivos são coletados, por ocasião do nascimento, a partir da Declaração de Nascido Vivo, e registrados no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) do Ministério da Saúde. A cobertura e a qualidade dos dados do Sinasc têm sido aprimoradas desde sua implantação em 1990.3,4 Para os anos de 2010 e 2013, foram estimadas coberturas de 95% e 96%, respectivamente.5,6 As informações desse sistema são essenciais para o planejamento e a avaliação de ações de saúde direcionadas à gestante, ao parto e ao recém-nascido.7
Na Declaração de Nascido Vivo, devem ser descritas todas as anomalias congênitas diagnosticadas pelo médico, sem hierarquia ou tentativa de agrupá-las em síndromes, e sem preocupação em codificá-las.10 Quanto melhor a descrição das anomalias congênitas, melhor será o trabalho de codificação e produção de informação extremamente útil à vigilância em saúde para o monitoramento das frequências e tendências temporais de diferentes tipos de anomalias. A informação gerada auxilia também na identificação de elementos que participam da cadeia causal das anomalias congênitas e na avaliação dos esforços de prevenção primária durante o pré-natal, como também nos cuidados pré-concepcionais.8,9,10
No âmbito do Sinasc, a microcefalia primária é definida pelo perímetro cefálico abaixo de 3 DP das curvas de desenvolvimento para idade gestacional e sexo.2,10,11 Essa definição corresponde a um perímetro cefálico de 28,85 a 30,99cm para recém-nascidos a termo do sexo feminino (idade gestacional de 259 a 293 dias, ou aproximadamente 37 a 41 semanas) e de 29,12 a 31,52cm para o sexo masculino a termo.12
No Brasil, no período 2000-2014, o número de nascidos vivos com microcefalia apresentou estabilidade. Entretanto, a partir de outubro de 2015, observou-se aumento inesperado de casos, principalmente no Estado de Pernambuco, localizado na região Nordeste do país.13,14 Posteriormente, em 1º de fevereiro de 2016, o Comitê Internacional de Regulação de Emergências em Saúde declarou que o agregado de casos de microcefalia e outras desordens neurológicas notificadas no Brasil, após a ocorrência de quadro semelhante, em 2014, na Polinésia Francesa, constituía uma emergência de saúde pública de importância internacional (ESPII), devido à possível associação ao Zika vírus.15
Essa situação ensejou a realização deste estudo, que tem como objetivo descrever os coeficientes de prevalência e caracterizar os casos de microcefalia ao nascer no Brasil, no período 2000-2015.
Métodos
Este estudo descritivo utilizou dados secundários provenientes do Sinasc, referentes ao período de 2000 a 2015. Os dados de 2015, atualizados em 12/02/2016, ainda eram preliminares, no momento da realização deste estudo.
O Sinasc é alimentado a partir de dados coletados por meio da Declaração de Nascido Vivo, em que há uma seção destinada à descrição de anomalia congênita, única ou múltipla, identificada ao nascimento. Os registros do Sinasc, incluídos neste estudo, foram de nascidos vivos com microcefalia acompanhada ou não de outra(s) anomalia(s) congênita(s).
Essas anomalias estão identificadas de acordo com os seguintes códigos da 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças-CID-1016: do sistema nervoso, Q00 a Q07 (sendo Q02 referente à microcefalia); do olho, do ouvido, da face e do pescoço (Q10 a Q18); do aparelho circulatório (Q20 a Q28); do aparelho respiratório (Q30 a Q34); da fenda labial e da fenda palatina (Q35 a Q37); do aparelho digestivo (Q38 a Q45); dos órgãos genitais (Q50 a Q56); do aparelho urinário (Q60 a Q64); de deformidades do aparelho osteomuscular (Q65 a Q79); outras malformações congênitas (Q80 a Q89); anomalias cromossômicas não classificadas em outra parte (Q90 a Q99); hemangioma e linfangioma de qualquer localização (D18).
Os casos de microcefalia ao nascer, em 2015, foram descritos quanto aos seguintes grupos de variáveis: (i) localização geográfica de residência da mãe: Unidade da Federação, região (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul, Centro-Oeste) e porte populacional do município (<20 mil habitantes, 20 a 50 mil, >50 a 100 mil, >100 a 500 mil, >500 mil); (ii) características da mãe: faixa etária (até 19 anos, 20-24, 25-29, 30-34, 35-39, ≥40), escolaridade (0-3 anos de estudo, 4-7, 8-11, ≥12), raça/cor da pele (branca, preta, parda, amarela, indígena), estado civil (solteira, casada, separada judicialmente/divorciada/viúva, união estável); (iii) gravidez e parto: número de consultas de pré-natal (nenhuma, 1-3, 4-5, ≥6), trimestre da primeira consulta de pré-natal (1o, 2º ou 3o), local de realização do parto (estabelecimento de saúde, outro local), tipo de parto (vaginal ou cesáreo), semanas de gestação (<37, prematuros; 37, 38, 39-41, nascidos a termo; ≥42, pós-termo), tipo de gravidez (única ou múltipla); (iv) características do nascido vivo - mês do nascimento, sexo (masculino, feminino), peso ao nascer (<2.500g, baixo peso; ≥2.500g; peso adequado), presença de outras malformações congênitas simultâneas à microcefalia (sim, não), Índice de Apgar no 1o e 5º minutos após o nascimento (0-3, 4-7, 8-10).
Para o período de 2000 a 2015, foram estimados coeficientes anuais de prevalência de microcefalia para o Brasil e regiões, e descritas as séries temporais. O numerador e o denominador dos coeficientes de prevalência de microcefalia ao nascer (por 100 mil nascidos vivos) foram, respectivamente, o número de nascidos vivos com microcefalia e o total de nascidos vivos, segundo as categorias das variáveis previamente mencionadas. Foram também calculadas razões de prevalência (RP) e intervalos de confiança de 95% (IC95%). A categoria de referência para o cálculo da RP foi aquela com menor valor do coeficiente de prevalência. A categoria de valores ignorados foi excluída de todas as variáveis devido à pequena frequência e foi apresentada no rodapé das tabelas.
As análises foram realizadas com auxílio dos pacotes estatísticos IBM SPSS, Statistical Analysis System (SAS), Tableau Public e OpenEpi. Em conformidade com os pressupostos da ética em pesquisa, o banco de dados analisado neste estudo não incluiu qualquer variável que permitisse a identificação dos indivíduos. Além disso, o estudo foi realizado no âmbito das ações de vigilância epidemiológica de modo que foi dispensado de apreciação por Comitê de Ética em Pesquisa.
Resultados
No período de 2000 a 2014, foram registrados 2.464 nascidos vivos com microcefalia no Brasil, com média anual de 164 casos (desvio padrão = 15). No ano de 2015, o número de casos aumentou nove vezes em relação a essa média, totalizando 1.608 casos. Em 2015, 71% dos nascidos vivos com microcefalia (n=1.142) eram filhos de mães residentes na região Nordeste do país (Tabela 1). Essa concentração espaço-temporal refletiu-se também nos coeficientes de prevalência de microcefalia ao nascer para o ano de 2015 (Figuras 1A, 1B e 1C).
A evolução temporal dos coeficientes de prevalência de microcefalia, no Brasil, segundo o mês de nascimento, evidenciou crescimento a partir de outubro de 2015 (Figura 1B). Nesse ano, os maiores coeficientes de prevalência de microcefalia ao nascer foram observados nos seguintes estados da região Nordeste: Pernambuco, Sergipe e Paraíba (Figura 1C). No mês de agosto, observou-se pequeno aumento do coeficiente de prevalência entre NV de mães residentes no Mato Grosso (dados não apresentados).
Em 2015, o coeficiente de prevalência de microcefalia ao nascer no Brasil foi 54,6 casos por 100 mil NV. A região com o maior coeficiente foi o Nordeste (139 casos por 100 mil NV), o que corresponde a 28 vezes a média anual dos coeficientes para essa região no período de 2000 a 2014 (5,0 casos por 100 mil NV). O segundo maior coeficiente de prevalência foi observado na região Centro-Oeste (31,0 casos por 100 mil NV), quase cinco vezes menor que aquele da região Nordeste (Tabela 2).
Nota: os valores ignorados conforme as categorias são: faixa etária (0,0%); escolaridade (1,8%), raça/cor (4,0%), estado civil (1,2%), região (0,0%) e porte populacional (0,0%).
a) Número de nascidos vivos em 2015 = 2.951.136 (dados parciais atualizados em 12/02/2016)
b) Numerador = nº nascidos vivos com microcefalia; Denominador = total de nascidos vivos; Fator de multiplicação = 100.000
c) IC95%: intervalo de confiança de 95%
d) Junção das categorias de raça-cor preta e parda
De acordo com o porte populacional do município de residência da mãe, observou-se que os coeficientes de prevalência de microcefalia ao nascer foram semelhantes entre municípios com até 500 mil habitantes. Entretanto, verificou-se maior coeficiente nos municípios com mais de 500 mil habitantes (Tabela 2). Esta comparação utilizou como referência a categoria de porte populacional de >100 a 500 mil habitantes.
Quanto às características sociodemográficas maternas (Tabela 2), os coeficientes de prevalência de microcefalia ao nascer foram maiores entre filhos de mães com idade até 24 anos ou com 40 anos e mais, sem curso superior (menos de 11 anos de estudo), pertencentes à raça/cor da pele preta ou parda e que se declararam solteiras ou em união estável. Observou-se tendência de decréscimo do coeficiente de prevalência de microcefalia ao nascer com o aumento da escolaridade materna. As mães com até 3 anos de estudo apresentaram coeficiente de prevalência 2,4 vezes em relação às mães com 12 ou mais anos de estudo. Verificou-se que a maioria das mães de crianças com microcefalia ao nascer não possuíam curso superior (87%), com predomínio de 8 a 11 anos de estudo em todas as faixas etárias.
No que se refere ao pré-natal, 71% das mães de recém-nascidos com microcefalia realizaram seis ou mais consultas e 68% iniciaram o pré-natal no primeiro trimestre gestacional. A razão de prevalência de microcefalia ao nascer foi 2,6 vezes entre mães que não realizaram o pré-natal em relação àquelas com seis ou mais consultas. Os coeficientes de prevalência de microcefalia foram menores entre nascidos de mães com maior número de consultas de pré-natal. Quanto ao parto, 99% foram realizados em estabelecimentos de saúde e 57% foram do tipo vaginal (Tabela 3).
Nota: os valores ignorados conforme as categorias são: consulta pré-natal (4,0%); trimestre da primeira consulta de pré-natal (9,3%); tipo de gravidez (0,2%); tipo de parto (0,5%) e local do parto (0,0%).
a) Número de nascidos vivos em 2015 = 2.951.136 (dados parciais atualizados em 12/02/2016)
b) Numerador = nº nascidos vivos com microcefalia; Denominador = total de nascidos vivos; Fator de multiplicação = 100.000
c) IC95%: intervalo de confiança de 95%
Quando analisadas as informações sobre os nascidos vivos, observou-se predomínio das seguintes características: nascidos a termo (76%), peso ao nascer adequado (63%) e Índice de Apgar 8 a 10 no 1º (76%) e no 5º (89%) minutos após o nascimento (Tabela 4).
Nota: os valores ignorados conforme as categorias são: semanas de gestação (3,5%); sexo (0,6%), Apgar 1º minuto (2,0%), Apgar 5º minuto (2,0%), peso ao nascer (0,1%).
a) Número de nascidos vivos em 2015 = 2.951.136 (dados parciais atualizados em 12/02/2016)
b) Numerador = nº nascidos vivos com microcefalia; Denominador = total de nascidos vivos; Fator de multiplicação = 100.000
c) IC95%: intervalo de confiança de 95%
O maior coeficiente de prevalência de microcefalia (81,7 por 100 mil) foi observado entre os recém-nascidos prematuros, correspondendo a 1,82 vez o coeficiente observado nos nascidos entre 39 e 41 semanas (44,8 por 100 mil). Observou-se tendência de decréscimo dos coeficientes de prevalência de microcefalia com o aumento da idade gestacional até a 41ª semana. Em seguida, houve aumento do coeficiente entre os nascidos vivos pós-termo (72,8 por 100 mil) (Tabela 4).
Em relação ao Índice de Apgar, destacam-se os elevados coeficientes de prevalência de microcefalia entre aqueles com Índice de Apgar <4 (258,9 por 100 mil no 1º minuto e 598,5 por 100 mil no 5º minuto após o nascimento), cujas razões de prevalência foram 5,35 e 11,78, respectivamente, em relação aos nascidos vivos com Índice de Apgar entre 8 e 10 (Tabela 4).
Observou-se predomínio do sexo feminino (58%) entre os recém-nascidos com microcefalia (Tabela 4), cujo coeficiente de prevalência (65,0 por 100 mil) foi maior do que para o sexo masculino (43,8 por 100 mil).
O coeficiente de prevalência de microcefalia no grupo de nascidos vivos com baixo peso (235,1 por 100 mil) foi maior do que no grupo com peso adequado ao nascer, cuja razão de prevalência foi de 6,22 (Tabela 4). Entre as crianças com microcefalia e baixo peso ao nascer, 65% nasceram a termo.
Entre os nascidos vivos com microcefalia, foram registradas 456 anomalias múltiplas em 259 crianças. Os órgãos/sistemas com as maiores frequências de envolvimento foram: osteomuscular (41%; n=186/456), nervoso (12%; n=55/456), olho, ouvido, face e pescoço (11%; n=49/456) (dados não apresentados em tabela).
Discussão
No presente estudo, destaca-se o inesperado aumento no coeficiente de prevalência de nascidos vivos com microcefalia, principalmente na região Nordeste do país, a partir de outubro de 2015. Esse aumento tem sido atribuído à provável exposição intrauterina ao vírus Zika.14,17
Os coeficientes de prevalência de microcefalia foram maiores entre nascidos vivos de mães com as seguintes características: idade até 24 ou 40 anos e mais, pretas ou pardas, sem curso superior, residentes na região Nordeste do país, e que se declararam solteiras ou em união estável. Apesar de o presente estudo não incluir a variável "renda", por esta não estar contemplada no Sinasc, esses resultados reúnem variáveis proxy que possibilitam considerar que a maioria das mães de nascidos vivos com microcefalia estão inseridas em um contexto socioeconômico desfavorável. Gross e colaboradores18 também descreveram associação entre microcefalia ao nascer e baixo nível socioeconômico. Além disso, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),19 o rendimento médio mensal das pessoas de 14 anos ou mais de idade, na região Nordeste, foi o menor entre as regiões brasileiras, e correspondeu a 67% da média do país em 2015.
A população da região Nordeste, segundo o censo demográfico de 2010, é predominantemente negra (69,2%), sendo 59,8% pardos e 9,4% pretos.20 Tendo em vista que esta região concentrou o maior número de casos, a composição de sua população segundo raça-cor da pele pode explicar, em parte, o fato de os maiores coeficientes de prevalência de microcefalia ao nascer, no Nordeste, terem sido observados entre filhos de mulheres negras.
Neste estudo, os maiores coeficientes de prevalência de microcefalia no Brasil foram observados, em 2015, nos seguintes estados da região Nordeste: Pernambuco, Paraíba e Sergipe. Em outro estudo, realizado no Brasil, os estados de Pernambuco, Paraíba e Bahia foram descritos com maior aumento de casos, em 2015, a partir das respectivas médias anuais do período de 2000 a 2014.14 As diferentes abordagens desses estudos, para se medir a frequência do agravo, provavelmente contribuíram para as diferenças observadas.
Verificou-se maior coeficiente de prevalência de microcefalia ao nascer em municípios com mais de 500 mil habitantes, o que pode ser explicado, em parte, pelo fato de a densidade demográfica dos municípios populosos favorecer a transmissão de doenças de origem vetorial.21,22,23 Além disso, esses municípios, geralmente, possuem melhor estrutura e gestão da rede de serviços de saúde e, portanto, teriam mais condições de detectar e notificar casos de microcefalia do que municípios de menor porte populacional.9,10
Os maiores coeficientes de prevalência de microcefalia foram observados entre recém-nascidos com condição geral insatisfatória: prematuros, com baixo peso ao nascer e Índice de Apgar <4 no 1º e 5º minutos após o nascimento. Resultados semelhantes foram obtidos por Gross e colaboradores,18 que descreveram a associação entre microcefalia ao nascer, retardo do crescimento intrauterino, Índice de Apgar insatisfatório e baixo nível socioeconômico. A partir do estudo de crianças coreanas, observou-se associação entre malformações congênitas, elevada proporção de baixo peso ao nascimento, prematuridade, múltiplos nascimentos e idade materna avançada.24 Em estudo de coorte, realizado no Sul do Brasil, a idade materna entre16 e 19 anos foi associada ao maior risco de baixo peso ao nascer e de parto prematuro. Mas esse aumento do risco entre mães adolescentes seria explicado mais por suas condições socioeconômicas do que por características biológicas.25
No Brasil, devido ao surto de microcefalia e à possibilidade de associação com o vírus Zika,11,14,26 houve elevada sensibilização dos profissionais de saúde para a vigilância epidemiológica de casos suspeitos, o que contribuiu para melhoria da notificação ao Sinasc.
Embora o Sinasc não contemple o registro do perímetro cefálico (PC), a definição de caso de microcefalia adotada pelo Ministério da Saúde, no âmbito deste sistema, orienta a notificação de nascidos vivos com PC menor ou igual a três desvios-padrão abaixo da média para a idade e sexo.10 Portanto, a ausência de registro do PC não permite validar a informação da microcefalia, bem como o critério utilizado para notificação. Todavia, o critério usado no Sinasc é mais específico que o do sistema de vigilância para microcefalia e/ou alterações do sistema nervoso central sugestivas de infecção congênita, implementado pelo Ministério da Saúde.11 Nesse sistema, a definição de caso suspeito incluía, inicialmente, nascidos vivos a termo de ambos os sexos com PC menor ou igual a 33cm14,27 e, posteriormente, menor ou igual a 32cm.11 A partir de 13 de março de 2016, a nova definição de caso suspeito passou a incluir os nascidos vivos a termo com PC inferior a 31,5 e 31,9cm, respectivamente, para os sexos feminino e masculino.11 Ressalta-se que os dados analisados, neste estudo, são anteriores a essa mais recente definição.
No âmbito da emergência em saúde pública, a simultaneidade das definições de caso de microcefalia utilizadas no Sinasc e na vigilância, além da mudança, ao longo do tempo, da definição de caso suspeito para fins de vigilância, podem ter contribuído para a superestimação de casos no Sinasc. Nesse contexto, ressaltam-se as possibilidades de notificação de casos ao Sinasc a partir do PC adotado para a vigilância e de diagnósticos falso-positivos devido à elevada sensibilidade das definições de caso suspeito.13,28,29 Esses fatos podem explicar também o aumento isolado na prevalência observada no mês de agosto, entre nascidos vivos de mães residentes em Mato Grosso (resultados não apresentados).
Durante a coleta dos dados analisados neste estudo, as medidas de PC adotadas pelo sistema de vigilância foram as mesmas para ambos os sexos, o que pode explicar, em parte, a maior prevalência de casos em recém-nascidos do sexo feminino, como descrito nos nossos resultados.
Devido à situação de emergência em saúde pública, pode ter havido uma tendência a priorizar a entrada (digitação) de casos de microcefalia no Sinasc em detrimento dos nascidos vivos com PC normal. Isso pode ter colaborado também para superestimação do número de casos de microcefalia no Sinasc de 2015.
Este estudo apresenta uma análise univariada que não contempla as múltiplas relações entre variáveis e a possibilidade de confundimento. Entretanto, contribui para o conhecimento e a discussão sobre a microcefalia ao nascer no Brasil que, em 2015, foi caracterizada como emergência de saúde pública de importância internacional (ESPII).15
Tal fenômeno, devido à sua complexidade, tem sido amplamente estudado para obtenção de mais evidências científicas sobre sua etiologia. Estudo de revisão concluiu que existe uma associação causal entre exposição intrauterina ao vírus Zika e microcefalia ao nascer, embora ainda existam questões a serem investigadas.30
Diante do exposto, sugere-se a revisão do formulário da Declaração de Nascido Vivo, para o registro de PC e outras medidas antropométricas, já realizadas rotineiramente, mas sem local específico para registro no modelo atual desse formulário. Outra medida importante seria o desenvolvimento de um modelo de vigilância de todas as anomalias congênitas que contemplasse, entre outras ações, o aprimoramento das definições de casos, o estabelecimento da lista de anomalias prioritárias para investigação epidemiológica, bem como a formação e instrumentalização dos recursos necessários. Além disso, ações coordenadas entre as vigilâncias e atenção à saúde precisam ser fortalecidas para prevenção de novos casos e promoção da saúde, como também para o acompanhamento das crianças com microcefalia e suas famílias.