Introdução
O crescimento da população idosa é um fenômeno mundial que tem provocado uma mudança no perfil epidemiológico,1 aumentando os riscos de doenças devido às alterações fisiológicas consequentes da idade.2 Isto faz com que se promova um novo padrão de morbimortalidade na população idosa, em que uma das causas principais são as doenças respiratórias. Estas, em 2001, representaram a segunda causa de internações hospitalares,3 e a terceira causa de óbito em 2007.4 Entre essas doenças está a gripe e suas complicações, que, no ano de 2002, implicaram aproximadamente 10% do total das internações hospitalares, causando óbitos e custos aos serviços de saúde, principalmente pela forma grave da doença que acomete essa população.5,6
A influenza (gripe) é uma doença infecciosa aguda, viral, altamente contagiosa. Ela acomete o trato respiratório e sua ocorrência é observada, com maior intensidade, no outono e inverno. Trata-se de uma doença de rápida disseminação e elevada morbimortalidade, principalmente em grupos de maior vulnerabilidade.2
A vacinação contra influenza, principal ação de Saúde Pública para a prevenção desse problema, consiste em uma ação prioritária do Ministério da Saúde, fazendo parte do calendário nacional desde 1999.7 A vacinação é considerada a melhor estratégia disponível para a prevenção da gripe e suas consequências, e tem trazido bons resultados para o sistema de saúde como um todo.8 Além disso, a imunoprevenção produz uma redução da morbimortalidade, das complicações e internações decorrentes das infecções pelo vírus,9 bem como diminuição dos gastos com medicamentos destinados ao tratamento de infecções secundárias.10
Para que essa medida de prevenção seja efetiva entre os idosos, é necessária a adesão dessa população às campanhas de vacinação, todavia insatisfatória.11-14 No Brasil, apesar da disponibilização gratuita da vacina, as coberturas vacinais de idosos não atingiram, em vários municípios, os 80% esperados para os anos de 2003, 2007 e 2009.11-14 Algumas características, como idade mais avançada, hipertensão e diabetes, prática de atividade física, consulta médica no último ano e recebimento de orientações sobre a vacina estão bastante descritas na literatura como positivamente associadas à vacinação.11-16 Entretanto, não há consenso sobre a associação de variáveis de nível socioeconômico, sexo e tabagismo, entre outras, com a vacinação contra a influenza.11,12,14,16,17
Há carência de estudos sobre a vacinação contra influenza na região Sul, cuja proporção de idosos na população é a maior do país.18 Visto que esses fatores podem ser determinantes da adesão e que o aumento das coberturas vacinais tem impacto importante na Saúde Pública, os resultados desta pesquisa, possivelmente, serão de grande utilidade para a gestão nas três esferas de governo. Os achados do presente estudo poderão fornecer subsídio científico à implantação de projetos capazes de contribuir para a adesão à vacinação pela população idosa, levando em conta suas características.
O objetivo do presente estudo foi descrever a prevalência de vacinados contra influenza e fatores associados à vacinação em idosos, identificar os motivos da não adesão e os eventos adversos pós-vacinação.
Métodos
Trata-se de estudo transversal de base populacional, realizado nos meses de fevereiro a agosto de 2014 na zona urbana do município de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul, para investigar a saúde da população idosa. O estudo resultou de consórcio de pesquisa realizada no âmbito do programa de Mestrado em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas, incluindo os projetos de dezoito alunos que avaliaram diversos desfechos em saúde nessa faixa etária.
Pelotas, uma cidade de médio porte localizada na região Sul do Brasil, em 2010, abrigava 328.275 habitantes, com predomínio da população urbana (93%).18 À altura desta pesquisa, o município possuía 38 unidades básicas de saúde, distribuídas na zona urbana do município.
Foram incluídas pessoas com 60 anos ou mais de idade e excluídos os idosos institucionalizados em casas geriátricas ou presídios. Para aqueles com incapacidade de responder ao questionário, foi utilizada a informação fornecida pelo cuidador (informante-chave).
O cálculo de tamanho de amostra para o estudo de prevalência foi feito considerando-se como parâmetros uma prevalência de vacinados de 65%, nível de confiança de 95% e margem de erro de quatro pontos percentuais. Com um acréscimo de 10% para perdas e recusas, seriam necessários 1.202 indivíduos, já contabilizado um efeito de delineamento de 2, selecionado arbitrariamente.
Para a análise das associações, utilizou-se um erro alfa de 5%, poder de 80%, razão de não expostos para expostos de 85/15 e razões de prevalência variando de 1,2 a 1,4, acréscimo de 10% para perdas e recusas e 15% para controle de fatores de confusão, resultando em um total de 1.039 indivíduos.
O processo de amostragem foi feito em dois estágios. De acordo com a malha do Censo Demográfico de 2010,18 todos os 469 setores censitários foram colocados em ordem crescente segundo a renda média do domicílio, o que garantiu a participação de indivíduos de diferentes situações socioeconômicas. Sendo 107.152 o total de domicílios do município, com base no Censo,18 esperou-se encontrar média de aproximadamente 0,4 idoso por domicílio e de 12 idosos por setor. Sendo assim, 133 setores foram sorteados e 31 domicílios selecionados sistematicamente. Em cada domicílio, todos os idosos foram convidados a participar do estudo. Os sujeitos sorteados que não foram encontrados após três tentativas em horários diferentes foram considerados como perda, e aqueles elegíveis que não aceitaram participar da pesquisa foram considerados como recusa.
O desfecho em estudo, vacinação contra influenza autorreferida, foi aferido a partir da seguinte pergunta: "O(a) senhor(a) tomou a vacina da gripe em 2013? (sim; não)". Além disso, foi perguntado se o idoso possuía carteira de vacinação; caso respondesse que sim, foi verificada a presença do registro da vacina em 2013. Também foram feitas perguntas específicas para o grupo de idosos vacinados - tipo de serviço, se pagou pela vacina, se foi vacinado durante a campanha e se teve algum evento adverso nos primeiros dois dias após a vacinação - e para o grupo de não vacinados no último ano - se foi vacinado alguma vez na vida e o principal motivo para não ter sido vacinado no último ano.
As variáveis independentes coletadas foram:
a) Demográficas
Sexo (masculino; feminino); idade, em anos (60-69; 70-79; 80 ou mais); cor da pele (branca; preta/parda/amarela/indígena); e situação conjugal (com companheiro; sem companheiro).
b)Socioeconômicas
Escolaridade, em anos completos (0-3; 4-7; 8-11; ≥12); classificação econômica de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa19 (A/B; C; D/E); e trabalho atual (sim; não).
c) Comportamentais
Atividade física no lazer, medida pelo International Physical Activity Questionnaire (IPAQ), instrumento validado no Brasil e utilizado internacionalmente em pesquisas sobre atividade física, com o ponto de corte de 150 minutos por semana recomendado pela Organização Mundial da Saúde20 (ativo; insuficientemente ativo); uso de qualquer quantidade de bebida alcoólica no último mês (sim; não); e tabagismo (fumante; ex-fumante; nunca fumou), sendo considerado fumante aquele que fumou ao menos um cigarro no último mês.
d) Problemas de saúde
Verificou-se o histórico de hipertensão, diabetes, problema de coração, artrite/reumatismo/artrose e asma/enfisema/bronquite do entrevistado na forma de escore (nenhum; um; dois ou mais), aferido a partir da pergunta "Algum médico ou profissional de saúde já disse que o sr.(a) tem <doença>". Também foi calculado o excesso de peso, com base no índice de massa corporal (IMC), utilizando-se o ponto de corte de 27kg/m² (sim; não):21 a altura foi estimada a partir da aferição da altura do joelho22 e o peso mensurado em balança eletrônica da marca TANITA(r), modelo UM-080, com capacidade máxima de 150 quilogramas e precisão de 100 gramas. Para as limitações de locomoção, foram considerados aqueles idosos que, pela observação da entrevistadora, foram identificados como cadeirantes ou acamados (sim; não).
e) Utilização de serviços de saúde no último ano
Foi mensurada pela seguinte pergunta: "Desde <mês do ano passado> até agora, o(a) sr(a). consultou com algum profissional de saúde?"(sim; não).
Com o objetivo de proporcionar a melhor qualidade das informações e minimização de vieses, a coleta de dados foi realizada no domicílio, por entrevistadoras treinadas, utilizando questionário eletrônico armazenado em computadores portáteis programados com o software PENDRAGON(r). O controle de qualidade das informações foi feito mediante revisita a 10% dos entrevistados, selecionados aleatoriamente; neste grupo, reaplicou-se uma versão resumida do instrumento, para avaliação da concordância dos dados por meio da estatística Kappa. Para a variável 'vacina da gripe alguma vez na vida', o valor encontrado foi de 0,83, o que representou um excelente grau de concordância.
As análises foram feitas pelo programa estatístico Stata(r) 12.1, utilizando-se o comando svy devido ao processo de amostragem. O efeito de delineamento encontrado foi de 1,13. Inicialmente, descreveu-se a amostra segundo as variáveis coletadas, estimando-se as prevalências de vacinação contra influenza em 2013 e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) de acordo com essas características. Também foram calculadas razões de prevalência brutas e ajustadas e respectivos IC95%, utilizando-se a regressão de Poisson com ajuste robusto da variância.
A análise ajustada baseou-se em modelo conceitual hierarquizado: no primeiro nível, situaram-se as variáveis demográficas e socioeconômicas; e no segundo, as comportamentais, problemas de saúde e utilização de serviços de saúde. Essas variáveis foram inseridas por nível, inicialmente todas do primeiro e posteriormente, todas do segundo; aquelas que em seu nível apresentaram um valor de p<0,2 foram mantidas no modelo, para controle de possíveis confundidores do mesmo nível e de níveis superiores.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas: Protocolo no 201324538513.1.0000.5317, de 28 de novembro de 2013. As informações foram obtidas após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
Nos 3.799 domicílios visitados, foram encontrados 1.844 indivíduos idosos considerados elegíveis para a amostra, dos quais 1.451 foram entrevistados; houve 179 perdas ( 9,7%) e 214 recusas (11,6%) (Figura 1).
Com relação às variáveis demográficas, 63% eram do sexo feminino, 52% tinham entre 60 e 69 anos, 84% referiram ser de cor branca e 53% viviam com companheiro. Mais de um terço da amostra (37%) tinha até três anos de escolaridade, mais da metade encontrava-se na classificação econômica C (53%) e a maioria não estava trabalhando (80%). No que se refere ao comportamento, 82% foram classificados como insuficientemente ativos no lazer, 13% eram tabagistas e 21% haviam consumido bebida alcoólica no último mês. O excesso de peso foi registrado para 56% dos entrevistados e 56% referiram dois ou mais problemas de saúde. Apenas 3% apresentavam limitações de locomoção e a maior parte dos entrevistados utilizou o serviço de saúde no último ano (88%) (Tabela 1).
a) IC95%: intervalo de confiança de 95%
b) Valor-p do teste de Wald de tendência linear para as variáveis ordinais: idade, classificação econômica, escolaridade e problemas de saúde; e teste de Wald de heterogeneidade para as demais variáveis, por meio de regressão de Poisson tanto na análise bruta como na ajustada.
c) Análise hierarquizada ajustada para todas as variáveis do mesmo nível e acima, com p<0,2.
d) Primeiro nível hierárquico
e) Segundo nível hierárquico
A prevalência de vacinação contra influenza alguma vez na vida foi de 81% (IC95% 79;83), sendo que em 2013 foi de 71% (IC95% 68;74), e em outros anos, de 9,8% (IC95% 8;11).
Na análise bruta as variáveis independentes - situação conjugal, classificação econômica, trabalho, atividade física no lazer, tabagismo, consulta com profissional de saúde no último ano e número de problemas de saúde estiveram associadas com a vacinação em 2013 (p<0,05). Os indivíduos com companheiro, da classe econômica A/B, que não estavam trabalhando, fisicamente ativos, ex-fumantes, que consultaram com profissional de saúde no último ano e que possuíam dois ou mais problemas de saúde apresentaram as maiores prevalências de vacinação (Tabela 1).
Na análise ajustada, com exceção da situação conjugal, todas as demais variáveis mantiveram-se associadas com a vacinação. Com relação à situação econômica, observou-se gradiente de aumento da prevalência de vacinação conforme melhora a posição na classificação (p=0,003). Os indivíduos que não estavam trabalhando apresentaram maior frequência de vacinação, em comparação aos que estavam trabalhando (RP=1,19; IC95% 1,07;1,32); os fisicamente ativos mostraram uma prevalência 9% maior (RP=1,09; IC95% 1,01;1,19), comparados com os insuficientemente ativos; os ex-fumantes mostraram uma frequência de vacinação 27% maior (RP=1,27; IC95% 1,10;1,47), em comparação aos fumantes atuais; os que consultaram com profissional de saúde no último ano se vacinaram 1,22 vezes mais (RP=1,22; IC95% 1,05;1,42), em relação aos que não consultaram; e conforme o aumento no número de problemas de saúde, houve um crescimento na prevalência de vacinação (p<0,001) (Tabela 1).
Entre os idosos que se vacinaram em 2013, 98% o fizeram durante a campanha, 98% não pagaram pela vacina e 8% referiram ter tido algum evento adverso em até 48 horas pós-vacinação. Do total de entrevistados, 72% relataram ter carteira de vacinação; destes, foi possível ver o documento de 64%. O registro da vacina de 2013 esteve presente em 86% das carteiras dos indivíduos entrevistados (Figura 2).
A Figura 3 descreve os motivos de não adesão à vacina (n=414), dos quais os mais relatados foram 'não quis/não gosta' (45%), 'não se gripa' (17%) e 'tem medo' (10%). Os motivos menos citados foram: 'teve reação outras vezes', 'esqueceu/perdeu a campanha', 'estava doente/é alérgico', "médico falou para não fazer' e 'outro'.
Entre os 83 idosos que referiram eventos adversos causados pela vacina, 49 sofreram mal-estar, 30 dor muscular e 22 dor/inchaço local. Já o desconforto respiratório, febre e outro sintoma foram menos relatados (Figura 4).
Discussão
A prevalência de vacinados contra influenza em 2013 encontrada no presente estudo foi de 71%. Embora essa prevalência tenha sido mais alta que as prevalências encontradas em outros estudos de base populacional realizados no Brasil,11,13,15 a vacinação contra influenza ainda não atingiu os idosos de maneira universal. Segundo dados do Programa Nacional de Imunizações (PNI), a cobertura vacinal da gripe em idosos de Pelotas no mesmo ano (2013) foi de 87%.23 Essa diferença pode ser atribuída, inicialmente, ao fato de esse dado levar em conta a população urbana e rural, considerando também idosos institucionalizados. Outra possibilidade seria a inclusão de moradores de outros municípios da região no numerador, enquanto o denominador é calculado com base na população-alvo do município local.23
Tanto na análise bruta como na ajustada, o sexo não se mostrou associado à realização da vacinação, como também ficou evidenciado em outros estudos,13,14,17 apesar de as mulheres serem mais atentas ao aparecimento de sinais e sintomas, possuírem maior conhecimento sobre doenças e utilizarem mais os serviços de saúde do que os homens.24
A falta de associação com a idade encontrada diferiu dos relatos de outros pesquisadores,11,15,16 para os quais a prevalência foi maior entre os mais velhos. No presente estudo, é possível que a maior cobertura de vacinação houvesse sido responsável pela distribuição mais homogênea do desfecho.
Também não foi encontrada diferença significativa na prevalência de vacinados segundo a cor da pele, resultado consistente com os de outros estudos brasileiros,12-14 indicando um provável aumento no acesso aos serviços de saúde e redução nas desigualdades relacionadas à cor da pele.25
Na análise bruta, a situação conjugal esteve associada à vacinação contra a gripe, cuja prevalência foi maior entre os que tinham companheiro. Após o ajuste para a classificação econômica, essa associação foi perdida, significando que, possivelmente, estava sendo confundida. A maioria das pessoas das classes A e B viviam com companheiro e também foram as que mais se vacinaram (dados não apresentados). A classificação econômica mostrou-se um fator determinante da adesão à vacina. Tanto na análise bruta como na ajustada, comprovou-se uma relação direta com o desfecho: idosos com melhor posição econômica (A e B) apresentaram maiores prevalências de vacinados contra influenza. Nota-se que as campanhas de vacinação, a despeito de seu propósito de acesso universal, não superam as desigualdades presentes no sistema de saúde brasileiro,25 e, uma vez destacada a existência dessas iniquidades, o idoso com renda mais baixa e mais vulnerável carece que lhe seja dada maior atenção.24,25
Embora o nível de educação escolar possa ser considerado um proxy para a situação socioeconômica, sua associação, entre idosos, pode apresentar limitações. A escolaridade, determinada em fases mais iniciais da vida, tende a não mudar ao longo do tempo,24 reduzindo seu efeito sobre desfechos recentes, como é o caso da vacinação contra influenza. Este pode ter sido o motivo da não associação entre escolaridade e situação econômica, na amostra estudada.
Os idosos que não estavam trabalhando mostraram maior prevalência de vacinados, o que pode ser explicado pela ampliação de seu tempo livre e consequentemente, de seus cuidados com a saúde. Vilarino e colaboradores26 identificaram que os idosos mais jovens, geralmente mais ativos e sem grandes problemas de saúde, atendem menos ao chamado para vacinação contra a gripe.
Alguns autores vêm encontrando associações entre variáveis comportamentais e vacinação contra influenza.13,14 É possível que pessoas com um estilo de vida mais saudável se previnam mais e, por conseguinte, se vacinem mais. Neste estudo, a prática de atividade física no lazer mostrou-se associada à vacinação, de forma consistente com a literatura,12-14 sugerindo que os cuidados com a saúde estão interligados. Reforçando essa postura de autocuidado, ou de preservação da própria saúde, os achados de Vilarino e cols.26 identificaram que, entre idosos vacinados a proporção de sedentários é menor do que entre idosos não vacinados.
Não foram observadas diferenças significativas em relação ao uso de álcool e excesso de peso, indo ao encontro dos achados apontados na literatura.11,13,14,16 No presente estudo, a falta de detalhamento da informação coletada sobre o uso de bebida alcoólica pode explicar o resultado encontrado. Quanto às relações entre excesso de peso e vacinação, estas precisam ser melhor estudadas, pois seria esperado que os não obesos, a exemplo dos fisicamente ativos e dos não fumantes, também incluíssem a vacina como um dos itens do cuidado com a saúde. O excesso de peso, enquanto um fator prevalente na amostra, é uma variável que pode não estar sendo um bom proxy de comportamento.
As limitações de locomoção não estiveram estatisticamente associadas com a vacinação. Porém, idosos nessa condição vacinaram-se menos do que não acamados. A diferença estatística, provavelmente, não foi encontrada devido ao número insuficiente de entrevistados com essa característica, aumentando os intervalos de confiança com decorrente diminuição na precisão da estimativa.
A presença de doenças crônicas tem sido considerada um importante elemento na adesão à vacina da gripe.13,15 Os achados da análise bruta e da ajustada mostraram que, quanto maior o número de problemas de saúde, maior a prevalência de vacinados. Isto pode acontecer porque os portadores dessas doenças pertencem a grupos prioritários para vacinação, não somente pela idade de 60 anos ou mais, senão também por sua condição de saúde que faz com que lhes seja oferecida maior atenção, já que constituem um grupo mais vulnerável.2
Nesse sentido, a consulta com profissional de saúde no último ano esteve associada com a vacinação, possivelmente devido ao fato de o idoso, mais habituado a frequentar o serviço de saúde, ter maior probabilidade de receber orientação e estar mais atento às recomendações educacionais e ações preventivas, comparecendo com maior assiduidade às campanhas vacinais e aderindo mais a essa forma de prevenção.14 Também corrobora essa associação o fato de que quanto maior o número de doenças relatadas, maior a prevalência de consulta com profissional de saúde (dados não apresentados).
Ao se questionar os motivos da não adesão à vacina, o mais citado foi 'não quis/não gosta', mesmo resultado descrito por Dip e cols.,11 segundo os quais, entre os não vacinados, 83% recusaram-se a receber a vacina da gripe, talvez em razão dos mitos e inseguranças ainda existentes a respeito da vacina, provavelmente resultantes da baixa qualidade da atenção dispensada pelo sistema de saúde. É possível que os profissionais de saúde estejam a perder oportunidades de orientar adequadamente os usuários dos serviços. De acordo com Francisco e cols.,13 o recebimento de orientação por profissional de saúde foi o fator mais fortemente associado à vacinação contra a gripe.
Entre os idosos que realizaram a vacina, 8% relataram pelo menos um evento adverso nos primeiros dois dias após a vacinação, proporção inferior à encontrada por outros autores,11,27 provavelmente porque o período a que se referem os eventos adversos do presente estudo é de 48 horas pós-vacinação enquanto outros consideraram um tempo maior. Outrossim, os achados de Donalisio e cols.27 referem-se a estudo realizado com amostra de conveniência (idosos que se vacinaram em um centro de saúde) e não de base populacional. Os eventos mais citados foram mal-estar, dor muscular e dor/inchaço local, também encontrados em outras pesquisas.27,28
Sobre os aspectos positivos do presente estudo, destaca-se o delineamento transversal, de base populacional, recomendado para estudos de prevalência: seu rigor amostral permite a extrapolação dos dados para idosos não institucionalizados da zona urbana, tornando a amostra representativa da população-alvo.
Em contrapartida, dificuldades no trabalho de campo foram registradas. O inquérito foi feito no domicílio onde, atualmente, por desconfiança e medo, os indivíduos elegíveis podem se recusar a receber um entrevistador. Além disso, boa parte dos idosos têm mostrado autonomia para realizar suas atividades, o que pode ter resultado na dificuldade de encontrá-los em casa. Esses fatores, possivelmente, explicam o alto percentual de perdas e recusas (21,3%).
Uma das possíveis limitações do estudo é o viés recordatório. Como a pergunta do desfecho fez referência ao ano anterior, os idosos poderiam apresentar certa dificuldade de lembrar eventos passados. Não obstante, um estudo de validação mostrou que o autorrelato de vacinação contra influenza nesse grupo é altamente sensível,29 podendo-se supor que a estimativa do desfecho esteja adequada. Embora tenha sido possível visualizar a carteira de vacinação de 64% dos entrevistados, foram observadas algumas diferenças entre as características dos idosos que apresentaram e dos que não apresentaram carteira de vacinação. Assim, optou-se por utilizar o dado do autorrelato, que foi validado e ofereceu dados para amostra total.
Apesar das evidências acerca dos benefícios da vacina e da existência das campanhas anuais para idosos desde 1999, nota-se, no Brasil, a persistência de barreiras a impedir para que a vacinação atinja a população idosa universalmente. Um importante achado deste estudo é o de que 19% dos idosos nunca se vacinaram contra gripe. Ao extrapolar essa proporção para a população-alvo, temos no município um total de 8.759 idosos residentes na zona urbana não beneficiados com essa importante estratégia de imunoprevenção.
Diante dos resultados apresentados, conclui-se que a vacina contra influenza ainda não atingiu os idosos de maneira universal. Desigualdades socioeconômicas, características de utilização de serviço e fatores comportamentais são determinantes para a adesão à vacinação. É possível que a educação em saúde não atinja toda essa população, haja vista os motivos alegados pelos idosos para não vacinação como o medo e o fato de não quererem ou não gostarem da vacina. Portanto, os profissionais de saúde têm um papel fundamental na recomendação da vacina, dirimindo equívocos e esclarecendo questões controversas sobre sua eficácia e eventos adversos, e divulgando os benefícios à saúde do idoso proporcionados pela vacinação contra influenza.
Recomenda-se a realização de futuros estudos de abordagem qualitativa, dedicados à investigação de fatores contextuais capazes de influenciar a não adesão ao imunobiológico, fornecendo subsídios e orientação à gestão no planejamento de ações e incentivo à vacinação da população idosa, com o devido reforço do papel do Sistema Único de Saúde, responsável pela vacinação gratuita de 98% dos idosos brasileiros. Acredita-se que o controle das doenças imunopreveníveis só será obtido quando as coberturas vacinais alcançarem índices homogêneos para todos os subgrupos da população, em níveis considerados suficientes para reduzir a morbimortalidade por essas doenças.30