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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2337-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.25 n.4 Brasília oct./dic. 2016

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742016000400018 

Artigo de opinião

Por que o Brasil deveria priorizar o tratamento da depressão na alocação dos recursos da Saúde?

¿Por qué Brasil debería priorizar el tratamiento de depresión en la asignación de recursos de salud?

Denise Razzouk1 

1Universidade Federal de São Paulo, Centro de Economia em Saúde Mental, São Paulo-SP, Brasil

Em abril de 2016, durante o evento "Fora das sombras: tornando a saúde mental uma prioridade global para o desenvolvimento" (Out of the Shadows: Making Mental Health a Global Development Priority), o Banco Mundial e a Organização Mundial da Saúde (OMS) enfatizaram a necessidade de priorizar os investimentos em saúde mental nas agendas globais de políticas de saúde, com especial ênfase à depressão, um transtorno mental que acomete 350 milhões de pessoas no mundo.

Não obstante os grandes desafios na alocação dos escassos recursos da Saúde para as inúmeras e urgentes necessidades de tratamento e prevenção, como acontece com as doenças infecciosas, cardiovasculares e neoplasias, entre outras, quais seriam os argumentos para se priorizar o tratamento dos transtornos depressivos na agenda de políticas públicas de saúde no Brasil?

Desde o lançamento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - Sustainable Development Goals (SDG) - pelas Nações Unidas1 em 2015, o novo alinhamento das políticas globais converge para três áreas principais: (i) cuidado com o meio ambiente (clima, saneamento, energia sustentável, cuidados com os oceanos, terra, água e cidades), (ii) cuidado com a vida (pobreza, fome, saúde, educação, acesso a saneamento básico, condições dignas de vida) e (iii) desenvolvimento dos indivíduos e das nações (direitos humanos, cidadania, paz, trabalho produtivo em ambiente sustentável, consumo consciente, produção de conhecimento e inovação).

O desenvolvimento das nações, portanto, alicerça-se no investimento em condições propiciadoras de um maior bem-estar e qualidade de vida para os cidadãos.2 Os transtornos mentais constituem uma das principais causas de pior qualidade de vida, prejuízo no desenvolvimento cognitivo e físico, perda de renda e capacidade produtiva, dificuldade de participação social, entre outras decorrências.3 Quando há prejuízo na saúde mental de um indivíduo, todo seu potencial de desenvolvimento pessoal e de contribuição para a sociedade também fica prejudicado pela perda de capital mental.2 Existe, portanto, um "valor intrínseco" à saúde mental intimamente relacionado a benefícios pessoais, sociais e econômicos.

A Comissão sobre Investimento em Saúde da revista The Lancet (Lancet Commission on Investing in Health)4 tem alertado sobre o fato de o investimento em saúde ser um fator gerador de crescimento econômico, além de produzir benefícios sociais. Sob essa perspectiva, o investimento em saúde mental coaduna-se com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, propiciando um retorno econômico e uma sociedade mais inclusiva. Uma pessoa com boa saúde mental é capaz de produzir, consumir e contribuir para a sociedade, além de alcançar melhor desenvolvimento pessoal e qualidade de vida.5

A depressão destaca-se por sua alta prevalência e alta morbidade, sendo uma das principais causas de carga global das doenças.3,6 Além disso, a depressão constitui uma das principais causas de absenteísmo e presenteísmo no ambiente laboral, sendo a terceira causa de afastamento do trabalho no Brasil.2,7 O país lidera o ranking de prevalência de depressão entre as nações em desenvolvimento, com uma frequência de 10 a 18% no período de doze messes, representando 20 a 36 milhões de pessoas afetadas - o equivalente a 10% das pessoas com depressão no mundo!

Estima-se que a depressão e a ansiedade sejam responsáveis por uma perda anual de produtividade de mais de um trilhão de dólares.8 Diante das necessidades apresentadas pela sociedade, a lacuna de investimento no tratamento de transtornos mentais continua desproporcional, principalmente nos países de baixa e média renda:8 o investimento em saúde mental é menor do que 1% do orçamento da Saúde e apenas 20 a 40% das pessoas recebem tratamento.

Os custos dos transtornos depressivos advém de sua alta prevalência, excesso de mortalidade, perda de produtividade, a que se somam as externalidades provocadas em vários setores da sociedade. Os benefícios do tratamento traduzem-se na melhora do estado clínico e da funcionalidade do indivíduo, em sua qualidade de vida e produtividade no trabalho, e na diminuição das externalidades.9 O tratamento dos transtornos mentais beneficia terceiros: por exemplo, a assistência à saúde mental de uma mãe com depressão puerperal impacta positivamente o desenvolvimento motor, cognitivo e afetivo da criança. Embora não exista uma cura definitiva para os transtornos mentais, o tratamento das depressões é eficaz, de baixo custo e custo-efetivo.

Em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, Chisholm et al8 publicaram o primeiro estudo econômico de modelagem sobre o retorno econômico do investimento no tratamento da depressão, demonstrando que em 36 países, incluído o Brasil, para cada 1 dólar investido na expansão do tratamento desses transtornos no período de 2016 a 2030, haveria um retorno econômico de 4 dólares.

Há pelo menos cinco aspectos metodológicos a serem observados neste estudo: o método de análise econômica, a perspectiva do estudo, a abrangência dos desfechos, a estimativa dos custos e a intervenção.

Os estudos econômicos de modelagem apresentam várias limitações metodológicas, principalmente porque os valores arbitrados no modelo nem sempre representam o custo real e o tamanho do efeito nos desfechos. Contudo, esses estudos têm a vantagem de utilizar dados populacionais e realizar previsões de investimentos custo-efetivos em múltiplos contextos.10

Os estudos de custo-benefício adotam uma perspectiva da sociedade, ao estimarem todos os benefícios e custos para os diferentes setores da sociedade. Em seu estudo, a perspectiva adotada por Chisholm et al focou nas políticas públicas das nações, com destaque para o crescimento econômico e a produtividade; não foi considerado, por exemplo, o cômputo dos custos para os indivíduos e famílias (out-of-pocket expenditures).11 O retorno econômico foi considerado apenas para os indivíduos entre 18 e 65 anos de idade. Porém, os cidadãos ditos "não produtivos economicamente" (idosos e crianças) que tenham problemas mentais também contribuem para a sociedade, direta ou indiretamente, e merecem o mesmo cuidado de saúde que outros segmentos "produtivos".9

A abrangência dos desfechos ou benefícios é outro ponto polêmico da área da Saúde Mental.12 Os autores consideraram como desfecho o retorno econômico gerado pela expansão do tratamento da depressão e da ansiedade, calculado sobre os valores econômicos gerados pelos ganhos na saúde e pelo aumento na capacidade produtiva do paciente. Cada ano de vida saudável ganho pela remissão da depressão foi estimado em 0,3 a 0,5 do valor do PIB per capita. Um ponto que chama a atenção é a diminuição da prevalência da depressão considerada como um desfecho neste estudo. A depressão é uma doença crônica, recorrente, e até o momento da conclusão deste artigo, não tem cura definitiva; portanto, considerar a diminuição na taxa de prevalência dos transtornos depressivos não traduz a realidade. O tratamento do agravo proporciona maior quantidade de dias saudáveis, sem episódios depressivos, sendo o caso - talvez - de considerar indicadores de ganho de saúde como o QALY ou de redução do número de incapacidade pelo DALY.3

Os custos com a perda de dias de trabalhos (absenteísmo e presenteísmo) basearam-se no Inquérito Mundial sobre Saúde Mental (World Mental Health Survey) e o ganho de produtividade foi arbitrado em um incremento de 5% de dias trabalhados e uma redução de 5% do presenteísmo em relação à linha de base. É possível que o retorno, em termos de produtividade, tenha sido subestimado, seja porque os autores foram conservadores nesse aspecto, seja porque há poucos dados na literatura a respeito.

A expansão do tratamento foi baseada na intervenção recomendada pelo Programa de Ação para o Hiato na Saúde Mental (Mental Health Gap Action Programme - mhGAP) da OMS:13 uso contínuo de antidepressivos por seis meses e tratamento psicossocial, com 14 a 18 consultas anuais para os casos moderados e graves e quatro consultas por ano no caso de intervenção psicossocial para os casos leves. A fluoxetina foi considerada a referência de medicação antidepressiva desse pacote de tratamento; porém, o custo e a efetividade desse medicamento variam bastante entre os países. Os estudos de custo-efetividade para determinar qual seria a melhor medicação de referência a ser incluída no pacote de tratamento são escassos ou inexistentes na maioria dos países.14 Seis meses são insuficientes para o tratamento das depressões mais graves e, considerando-se a alta prevalência de comorbidades clínicas, esses pacientes podem apresentar custos adicionais no tratamento. Assim, é possível que os custos tenham sido subestimados. Além disso, é necessário saber dos custos do uso de serviços de saúde, o que não foi possível computar nesses casos.

A cobertura de tratamento para depressão e ansiedade entre 2016 e 2030 foi arbitrada de 7 para 33% em países de baixa renda e de 28 para 50% em países de média renda. No Brasil, hipoteticamente, isso significaria aumentar a cobertura de tratamento de depressão de 5,6 para 10 milhões de pessoas. Entretanto, seria necessário saber se a cobertura atual oferece um tratamento efetivo e qual a taxa de remissão no país.

Chisholm et al concluíram que 73 milhões de casos de depressão e 43 milhões de casos de ansiedade seriam evitados ao longo desse período de expansão de tratamento, se houvesse um investimento anual por pessoa para o tratamento de depressão de U$0,08, U$0.34, U$1.12 e U$3,89 para países de baixa renda, baixa renda média, alta média renda e alta renda, respectivamente. Os autores concluem que um investimento de 147 bilhões de dólares em quinze anos, nos 36 países, resultaria em um retorno econômico de 169 e 250 bilhões de dólares, respectivamente para os casos da ansiedade e depressão.

No Brasil, os custos unitários por comprimido com antidepressivos, segundo o Banco de Preço de Medicamentos do Ministério da Saúde (BPS/MS), variaram, em 2011, de R$ 0,018 (amitriptilina 25mg) a R$0,025 (imipramina 25mg) e R$0,029 (fluoxetina 20mg). Considerando-se o pacote proposto pela OMS, o custo do uso de 20mg de fluoxetina/dia por 180 dias seria de aproximadamente R$5,29 por pessoa, de 12 consultas médicas anuais (ao custo real de R$36,00 por consulta de vinte minutos), R$432,00 por pessoa, e de quatro sessões (de 40 minutos) de tratamento psicossocial com psicólogo em atenção primária, R$65,00 por pessoa (valores obtidos com gestores municipais na cidade de São Paulo, em 2011). Como resultado, o custo anual do pacote proposto - sem considerar exames, aumentos de doses e do número de sessões - seria de R$65,00 para os casos leves e de aproximadamente R$502,00 para os casos moderados e graves, por pessoa. Considerando-se que a prevalência e o burden causado pela depressão sejam iguais ou superiores aos do diabetes, o custo mínimo do pacote de tratamento para depressão não difere muito do pacote proposto para o diabetes: o custo do comprimido da metformina 850mg pra diabetes no BPS/MS foi de R$0,20. Obviamente, não estão computados na comparação dos pacotes de tratamento dessas duas doenças os custos referentes às demais necessidades clínicas e complicações que os pacientes possam apresentar.

Em resumo, os custos com o tratamento da depressão são inferiores aos custos sociais e econômicos por ela gerados. O Brasil já sofre o impacto da perda de produtividade e do aumento dos afastamentos do trabalho pela depressão. Apesar da disponibilidade de antidepressivos no Sistema Único de Saúde, faz-se mister um treinamento intensivo no reconhecimento precoce e tratamento adequado da depressão, implementação de protocolos clínicos e monitorização dos desfechos e padrões de qualidade da assistência a ser prestada aos pacientes.

Referências

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2. Razzouk D. Capital mental, custos indiretos e saúde mental. In: Razzouk D, Lima M, Quirino C, editores. Saúde mental e trabalho. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; 2016. p. 61-70. [ Links ]

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7. Razzouk D, Alvarez C, Mari J. O impacto econômico e o custo social da depressão. In: Lacerda A, Quarantini L, Miranda-Scrippa A, DelPorto J, editors. Depressão: do neurônio ao funcionamento social. Porto Alegre: Artmed; 2009. p. 27-37. [ Links ]

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Correspondência: Denise Razzouk - Rua Borges Lagoa, no 570, 1o andar, Vila Clementino, São Paulo-SP, Brasil. CEP: 04038-000 E-mail: drazzouk@gmail.com

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