Introdução
A dengue é uma doença causada por um Flavivirus, mundialmente considerada a arbovirose de maior relevância. Os quatro sorotipos do vírus (DENV1-4) são transmitidos por mosquito do gênero Aedes (Stegomya), causando uma doença febril aguda que pode variar desde formas oligossintomáticas até formas graves, capazes de desencadear o óbito.1
Estima-se que ocorram, a cada ano, 390 milhões de infecções por dengue no mundo, 96 milhões delas sintomáticas.2 A expansão geográfica e o aumento explosivo do número de casos da doença, observados nas últimas décadas, têm sido atribuídos a fatores como o crescimento populacional, a aglomeração urbana, a utilização de meios de transporte rápidos, para circulação de pessoas e mercadorias, e certamente, as condições ecológicas favoráveis à proliferação do vetor.3
No Brasil, a partir da reintrodução do vírus em 1986, a dengue se tornou uma doença endêmica e um dos principais problemas de Saúde Pública.4 A doença, de notificação compulsória no país, conta com um sistema de vigilância bem estabelecido e avaliado como representativo, capaz de refletir a real ocorrência e magnitude do evento na população e detectar tendências de mudança no perfil epidemiológico.5 Os casos suspeitos de dengue são notificados por meio de formulários padronizados, utilizados em todo o território nacional, gerando a base de dados do sistema.6
O sistema de vigilância da dengue identificou a circulação contínua dos quatro sorotipos virais, desde o início da década de 2010, e um aumento na frequência e magnitude de epidemias, formas graves e óbitos pela doença. O período entre os anos de 2010 e 2015 marcou o cenário de maior transmissão da infecção no país, com cerca de seis milhões de casos prováveis da doença. Esse cenário de hiperendemicidade também levou a um aumento do número de casos em segmentos populacionais sob maior vulnerabilidade de agravamento da dengue, como crianças, idosos e gestantes.7,8
A infecção por dengue durante a gestação tem sido associada ao desenvolvimento de pré-eclâmpsia, eclâmpsia, hemorragia e óbitos maternos, mas não à ocorrência de malformações congênitas.9-11 Entretanto, diante da introdução do vírus Zika no país e das atuais evidências da relação causal entre a infecção pré-natal pelo vírus e o desenvolvimento de microcefalia e outras anomalias cerebrais graves, além da circulação de novos arbovírus,12 torna-se necessário o monitoramento permanente desses casos em gestantes, não somente para se caracterizar os casos de dengue nesse grupo como também para se estabelecer linhas de base de comparação - e observação - de possíveis novas tendências dessas doenças no Brasil.
Este estudo teve por objetivo caracterizar os casos prováveis de dengue em gestantes notificados no Brasil, no período de 2007 a 2015.
Métodos
Trata-se de um estudo descritivo dos casos prováveis de dengue em gestantes no Brasil, com início de sintomas entre janeiro de 2007 e dezembro de 2015, realizado com dados da base nacional do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde.
O Brasil é o maior país da América do Sul, com área territorial de 8,5 milhões de km2, política e administrativamente organizado em 26 estados e um distrito federal, distribuídos entre cinco grandes regiões (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste), sob um clima predominantemente tropical. Em 2015, a população residente no país foi estimada em 204.482.459 habitantes, na maioria mulheres, predominantemente concentrada em áreas urbanas (51%).13
A dengue é uma doença de notificação compulsória no país. Segundo o critério de definição de caso suspeito, válido até o ano de 2013, todo indivíduo que apresente febre com duração máxima de sete dias, acompanhada de pelo menos dois dos seguintes sintomas - cefaleia, dor retro-orbital, mialgia, artralgia, prostração, exantema - e com exposição à área com transmissão de dengue ou com presença de Aedes aegypti nos últimos 15 dias, deve ser notificado à vigilância epidemiológica. A partir de 2014, houve alteração nessa definição para 14 dias de exposição à área de transmissão, inclusão de náuseas, vômitos, petéquias, prova do laço positiva e leucopenia entre as manifestações sintomáticas, e exclusão da prostração.6,14
Os casos que atendem ao critério de casos suspeitos de dengue são registrados na Ficha Individual de Notificação (FIN), que abrange variáveis relativas à pessoa, tempo e lugar, e na Ficha Individual de Investigação (FII), que apresenta a caracterização da doença, incluindo dados laboratoriais e sua classificação final. Os dados coletados pela vigilância da doença são inseridos no Sinan, que subsidia a análise dos dados de vigilância epidemiológica da dengue.14 No período considerado por este estudo, duas versões desse sistema estiveram em uso: Sinan-Net, de 2007 a 2010; e Sinan Online, a partir de dezembro de 2010.
O encerramento dos casos notificados pode ser realizado pelo critério laboratorial, com a realização dos exames específicos que incluem sorologia (IgM), detecção do antígeno NS1, isolamento viral, detecção de genoma viral (RT-PCR) ou imuno-histoquímica, e histopatologia em situações de óbito. Em situações de epidemia, os casos podem ser confirmados pelo critério clínico-epidemiológico, após a confirmação laboratorial dos primeiros casos da área, embora seja preconizada a manutenção de confirmação por laboratório de 10% dos casos nesses períodos.15 São considerados casos descartados aqueles que, após a investigação laboratorial, apresentem exame negativo para dengue ou positivo para outra patologia ou critérios clínico-epidemiológicos incompatíveis com dengue.6,14,15
Até 2013, o Ministério da Saúde do Brasil adotou a classificação de casos de dengue proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1997, classificando os casos em dengue clássica (DC), febre hemorrágica da dengue (FHD), síndrome do choque da dengue (SCD) e, adicionalmente, uma classificação intermediária denominada ‘dengue com complicações’ (DCC), que inclui todo caso não enquadrado nos critérios de diagnóstico de FHD e em que a classificação de DC é insatisfatória, dada a gravidade do quadro clínico-laboratorial apresentado. A partir do ano de 2014, o sistema de vigilância nacional adotou o critério da OMS definido em 2009, classificando os casos da doença como (i) dengue, (ii) dengue com sinais de alarme e (iii) dengue grave.6,14,16
Em períodos não epidêmicos, todo caso suspeito de dengue deve ser notificado e investigado, mediante formulários específicos, FIN e FII respectivamente; em períodos epidêmicos, devem ser investigados os casos suspeitos de dengue grave, FHD, SCD, DCC, óbitos, gestantes e menores de 15 anos de idade, e casos com manifestação clínica não usual. A condição de ser gestante e o trimestre da gestação são variáveis abordadas nos dois instrumentos, FIN e FII.15
Inicialmente, o banco de dados das gestantes notificadas com dengue no país foi submetido à análise exploratória das variáveis, sendo excluídos nove registros inconsistentes para ‘sexo’. Para a análise, foram selecionadas apenas as gestantes com idade entre 10 e 49 anos, uma vez que o Ministério da Saúde considera essa faixa etária a idade fértil entre as mulheres, e os ‘casos prováveis’; ou seja, as notificações encerradas como caso descartado foram excluídas.
As participantes do estudo foram descritas de acordo com suas características sociodemográficas, epidemiológicas, clínicas e laboratoriais. Das variáveis sociodemográficas, foram extraídas do banco de dados:
- data dos primeiros sintomas;
- Unidade da Federação e município de residência;
- idade (em anos: 10 a 14, 15 a 19, 20 a 29, 30 a 39, 40 a 49);
- raça/cor da pele (branca, preta, amarela, parda, indígena, ignorada);
- escolaridade (em anos de estudo: 0, 1 a 3, 4 a 7, 8 a 11, ≥12, ignorada); e
- trimestre da gestação (1º, 2º, 3º, ignorado).
Os dados epidemiológicos, clínicos e laboratoriais pesquisados foram:
- critério de confirmação (laboratorial, clínico-epidemiológico, em investigação, ignorado);
- classificação final utilizada pelo Ministério da Saúde até 2013 (dengue clássica, dengue com complicações, febre hemorrágica da dengue, síndrome do choque da dengue, em investigação, ignorada);
- classificação final utilizada pelo Ministério da Saúde a partir de 2014 (dengue, dengue com sinais de alarme, dengue grave, ignorada);
- hospitalização (sim, não, ignorada);
- evolução (cura, óbito por dengue, óbito por outras causas, ignorada);
- teste sorológico-IgM (reagente, não reagente, inconclusivo, não realizado);
- teste de detecção do antígeno NS1 (positivo, negativo, inconclusivo, não realizado);
- isolamento viral (positivo, negativo, inconclusivo, não realizado);
- RT-PCR (positivo, negativo, inconclusivo, não realizado); e
- sorotipo (DENV 1, DENV 2, DENV 3, DENV 4).
A incidência de dengue em gestantes foi calculada pela razão entre o número absoluto de casos prováveis de dengue em gestantes e a população de nascidos vivos registrados no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc). Na análise comparativa com a população geral e com mulheres em idade fértil não gestantes, foi utilizado o mesmo critério de definição dos casos prováveis de gestantes.
O percentual de casos investigados foi obtido da proporção de casos com a variável ‘classificação final’ preenchida entre todos os casos prováveis, vezes 100.
A letalidade por dengue em gestantes foi calculada como a proporção de óbitos por dengue entre os casos prováveis, vezes 1.000 (‰).
A análise de dados foi realizada com os aplicativos SPSS® (Statistical Package for the Social Sciences) versão 23, Microsoft Office® Excel® 2010, TabWin® versão 3.2 e Epi Info 7® versão 7.1.5.2.
Embora ao presente estudo tenha sido caracterizado como descritivo, por ter como objetivo principal caracterizar dengue em gestantes de acordo com a distribuição de variáveis relacionadas à pessoa, tempo e lugar, houve a comparação do grupo estudado (gestantes) com um grupo externo (mulheres em idade fértil não gestantes). Para isso, foi calculada a razão entre a letalidade por dengue em gestantes, de acordo com o trimestre de gestação, e a letalidade por dengue entre mulheres em idade fértil não gestantes. O teste de qui-quadrado foi utilizado para comparação entre grupos, com nível de significância estatística de 5%.
O projeto do estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (CEP/HC/UFG) - Parecer nº 615.256/14 - em 14 de abril de 2014, e desenvolvido segundo os princípios éticos estabelecidos pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012.
Resultados
Os 43.772 casos prováveis de dengue em gestantes no Brasil, entre 2007 e 2015, eram residentes de 3.218 municípios distribuídos nas cinco grandes regiões do país, com maior concentração de casos na região Sudeste (44,3%), seguida pelas regiões Nordeste (24,8%), Centro-Oeste (17,1%), Norte (10,0%) e Sul (3,8%).
De modo geral, a incidência de dengue em gestantes, em cada região do país, acompanhou a ocorrência de casos observada na população geral dessas áreas (Figura 1). Os anos com maior número de casos de dengue na população apresentaram maior incidência de dengue em gestantes (variando por região): de 3,3 em 2009 para 816,6 casos por 100 mil nascidos vivos em 2010.
Na Tabela 1, são apresentadas as características sociodemográficas das gestantes com dengue no Brasil. Houve distribuição similar ao longo dos anos, com maior frequência de gestantes entre 20 e 29 anos (44,1%), de raça/cor da pele branca e parda (74,2%), com 8 a 11 anos de estudo (34,1%). A proporção de casos por trimestre de gestação apresentou distribuição semelhante, com freqüência ligeiramente maior no segundo trimestre da gravidez (32,6%). O percentual de casos investigados foi de 81,6% e 34,1% dos casos foram confirmados por critério laboratorial. Segundo a classificação final, 1,7% dos registros foram caracterizados como formas graves da doença (DCC, FHD, SCD e dengue grave), e as taxas de hospitalização e letalidade por dengue foram de 5,4% e 1,6‰, respectivamente. O ano de 2015 concentrou o maior número de casos registrados da doença (18,4%), seguido de 2013 (18,2%) e 2010 (16,4%), o ano de 2014 foi (6,1%) o de menor ocorrência.
a) A letalidade foi estimada mediante a divisão do número de óbitos por dengue pelo número de casos prováveis da doença, vezes 1.000.
Das gestantes com confirmação laboratorial, 84,2% realizaram o exame de sorologia e 10,7% realizaram teste para o antígeno NS1. Entre as 150 gestantes nas quais se realizou a identificação do sorotipo viral, foi encontrado DENV1 em 62,7%, DENV4 em 20,0%, DENV2 em 11,3% e DENV3 em 6,0%.
Na Figura 2, é apresentada a distribuição da taxa de letalidade por dengue entre as mulheres em idade fértil não gestantes, com variação de 0,2 a 0,6 por 1.000 casos, sendo inferior às observadas nas gestantes do estudo. Destacaram-se as gestantes com infecção no terceiro trimestre, que atingiram a taxa de letalidade de 11,7 por 1.000 casos em 2008.
O resultado da associação entre a taxa de letalidade por dengue, a gestação, e o trimestre de ocorrência da doença é apresentado na Tabela 2. O risco do óbito por dengue foi maior na população de gestantes do estudo (razão=3,95; IC95%=3,07;5,08; p<0,001), se comparado ao mesmo risco na população de mulheres em idade fértil não gestantes. Quando estratificado por trimestre de gestação, o risco foi superior no terceiro trimestre (razão=8,55; IC95%=6,08;12,02; p<0,001); e estatisticamente significativo no primeiro trimestre, porém não no segundo.
Discussão
O presente estudo apresenta uma caracterização detalhada dos casos prováveis de dengue em gestantes, no período de 2007 a 2015. A ocorrência de mais de 40 mil gestantes com dengue no Brasil, nesse período, evidencia a carga que a doença apresenta para um dos grupos que requer atenção especial dos serviços de saúde. Como esperado, a incidência de dengue em gestantes acompanhou a ocorrência de casos na população geral, em todas as regiões do país, tendo-se observado elevada proporção de casos investigados pelo sistema de vigilância. A letalidade por dengue entre as gestantes foi superior à da população de mulheres em idade fértil não gestantes, com maior risco de óbito no terceiro trimestre de gestação.
O sistema de vigilância da dengue no Brasil foi estabelecido desde a introdução do vírus no país, e avaliado como consistente, oportuno e representativo para a notificação dos casos, com valor preditivo positivo adequado.5 Na comparação com dados da população geral disponíveis no Sinan (dados não publicados), o percentual de casos investigados no mesmo período foi de 62,8% (IC95%=62,8;62,9) e a confirmação laboratorial de 30,4% (IC95%=30,4;30,5), valores inferiores aos percentuais verificados entre gestantes no presente estudo. Embora os atributos do sistema de vigilância da dengue para grupos especiais da população não tenham sido avaliados anteriormente, os resultados deste trabalho reforçam a qualidade da vigilância para o grupo de gestantes.
A rotina de vigilância preconiza investigação de todos os casos nesse grupo, com prioridade pela confirmação laboratorial.15 A caracterização das gestantes no presente estudo verificou alto percentual de casos investigados, refletindo a atenção do sistema de vigilância a esse grupo. Entretanto, menos de um terço das gestantes foi confirmado pelo critério laboratorial, havendo necessidade de maior priorização para o encerramento por critérios laboratoriais específicos, uma vez que as gestantes são consideradas grupo especial no atendimento.
A incidência de dengue em gestantes acompanhou a tendência de ocorrência da doença na população geral, ou seja, maior número de casos prováveis nos anos com epidemias registradas. A incidência de dengue nas gestantes é superior à incidência na população geral, em todas as regiões e anos avaliados. Essa maior incidência pode estar associada à maior procura das gestantes aos serviços de saúde, quando da ocorrência de sintomas da doença, e à maior atenção desses serviços às gestantes, já que são consideradas grupo especial para atendimento.7,17 Nesse cenário, a subnotificação de casos pode ser menor, e os dados mais fidedignos da ocorrência da doença, comparados aos dados de dengue entre a população geral.
Na região Nordeste, houve um aumento no número de casos de dengue em gestantes, principalmente nos primeiros meses do ano de 2015. Tal incremento não foi observado de forma expressiva em outros anos, tampouco nas demais regiões do país. Esse período coincide com a ocorrência de casos com sintomatologia similar à da dengue, ainda sem a confirmação laboratorial da circulação do vírus Zika, realizada apenas em abril daquele ano.18 Considerando-se a semelhança das manifestações clínicas entre a dengue e a doença aguda por vírus Zika, os resultados sugerem que o pico de notificações de dengue em gestantes observado seja reflexo da identificação precoce - pelo sistema de vigilância da dengue - da epidemia pelo vírus Zika naquela região.
A ocorrência de formas graves da dengue está associada a fatores de risco virais, como a circulação contínua de quatro sorotipos, fatores do hospedeiro, como estado imunológico, além da idade, da presença de comorbidades, sem se esquecer da predisposição genética.2,3,19 A proporção de casos graves verificada nas gestantes foi superior à variação de 0,1 a 0,5% identificada na revisão sistemática com dados da população geral do Brasil (2000 a 2010).7 A infecção por dengue durante a gestação tem sido associada a desfechos maternos desfavoráveis, como hemorragias e morte materna.9,20-24 Estudos realizados com gestantes na cidade do Rio de Janeiro, em 2007-2008, e nos continentes Africano e Asiático, nos anos de 2008 e 2009, verificaram taxas de letalidade variando de 30 a 220‰,10,21,25 superiores às encontradas nesta pesquisa. Contudo, os referidos estudos foram conduzidos entre populações de gestantes de cenários distintos, como gestantes hospitalizadas ou em países localizados na Ásia, onde se observam maiores taxas de casos graves e mortalidade por dengue, ou ainda, em locais com predomínio da circulação do sorotipo viral DENV2, o qual pode estar associado a maior virulência, com eficiente replicação e alta carga viral, causando efeitos inflamatórios e tóxicos.26
A ocorrência do óbito materno nas gestantes com infecção por dengue tem sido associada, principalmente, à hemorragia relacionada à trombocitopenia e disfunção endotelial durante a infecção aguda e, também, às complicações decorrentes de dano direto à placenta no primeiro trimestre da gravidez, levando a anomalias anatômicas e funcionais.9,22 A letalidade encontrada nas gestantes investigadas foi similar às encontradas para a população geral no Brasil, inferiores a 3‰.7,27 Entretanto, uma comparação mais adequada seria com o grupo de mulheres em idade fértil, que, geralmente, não apresenta outros fatores associados ao óbito por dengue, como ser maior de 45 anos de idade ou apresentar comorbidade.27-29
Na comparação da letalidade em gestantes com a letalidade da população de mulheres em idade fértil, no período do estudo, observou-se um risco de óbito por dengue cerca de quatro vezes maior, risco este mais acentuado no terceiro trimestre de gestação. De forma semelhante, outro estudo, realizado no estado do Rio de Janeiro em 2007-2008, identificou maior risco para as gestantes desenvolverem formas graves e óbitos pela doença, principalmente no terceiro trimestre da gravidez.10
O presente estudo encontra limitações inerentes ao uso de fonte de dados secundários do sistema de vigilância passivo da doença. A subnotificação de casos e a existência de registros incompletos podem comprometer a análise de algumas variáveis. Não obstante a ocorrência de sub-registro, uma avaliação prévia do sistema de vigilância da dengue caracterizou as atividades como consistentes, o que torna esse sistema capaz de identificar tendências.5
A presente caracterização de dengue entre as gestantes foi realizada no período de maior transmissão da doença no Brasil, com a avaliação de mais de 40 mil casos provenientes das cinco grandes regiões do país. Dada a importância do Brasil no cenário mundial de transmissão da dengue, os achados reforçam o reconhecimento das gestantes como grupo vulnerável, seja para o agravamento, seja para a ocorrência de óbito materno pela doença. Outrossim, o grande contingente de gestantes com dengue expressa a magnitude do potencial risco das gestantes para infecção por outras arboviroses, que podem levar a infecção grave e óbito neonatal. É o caso de mães virêmicas no parto, na infecção pela febre chikungunya; e da microcefalia e outras anomalias congênitas, nos nascidos vivos de gestantes infectadas pelo vírus Zika.12,30 Medidas específicas, como a priorização no atendimento, na investigação de casos e coleta de exames específicos, já adotadas pelo Ministério da Saúde, devem ser mantidas e reforçadas. Também devem ser ampliadas as avaliações de novas tecnologias de prevenção direcionadas às gestantes, e sua implementação, com o objetivo de reduzir o risco de infecção por dengue e outras arboviroses nesse segmento da população.