Servicios Personalizados
Revista
Articulo
Indicadores
- Citado por SciELO
Links relacionados
- Similares en SciELO
Compartir
Epidemiologia e Serviços de Saúde
versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.13 n.3 Brasília sep. 2004
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742004000300004
Tratamento da tuberculose pulmonar em Cuiabá, Mato Grosso, Brasil (1998-2000): distribuição espacial
Treatment of bacilliferous pulmonary tuberculosis in Cuiabá, Mato Grosso State, Brazil (1998-2000): spatial distribution
Silvana Margarida Benevides FerreiraI; Ageo Mário Cândido da SilvaII; Clóvis BotelhoIII
ICoordenadoria de Atenção Básica da Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá, Cuiabá-MT Universidade de Cuiabá
IICoordenação de Pesquisa e Pós-graduação da Escola de Saúde Pública/Secretaria de Estado da Saúde de Mato Grosso, Cuiabá-MT Universidade de Cuiabá
Univag – Centro Universitário, Várzea Grande-MT
IIIUniversidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá-MT
RESUMO
O objetivo deste estudo é avaliar a distribuição espacial dos indivíduos que abandonaram o tratamento da tuberculose pulmonar. Foi realizado estudo de coorte histórica a partir da análise de 481 pacientes bacilíferos inscritos no Programa de Controle de Tuberculose (PCT), no Município de Cuiabá, Estado de Mato Grosso, Brasil, no período de 1998 a 2000, com dados obtidos do livro de registro do programa e dos prontuários médicos. Foi calculada a densidade de incidência e outras análises estatísticas foram utilizadas (Mantel-Haenszel) com p-valor<0,05. Os resultados mostram que a incidência foi de 5,1 abandonos por 100 pessoas-mês (27,3%), com maior freqüência entre o segundo e o terceiro mês de tratamento. Foram observadas crescentes incidências de abandono por 100 pessoas-mês, a partir do grupo de referência do Distrito Sanitário Oeste (DS Oeste = 4,0; Leste = 4,1; Norte = 7,2; Sul = 7,5), com maior abandono entre os DS Norte e Sul (p<0,001). Conclui-se que é elevada a incidência de abandono do tratamento da tuberculose em Cuiabá, especialmente nos distritos sanitários Norte e Sul, responsáveis pelas maiores incidências de abandono, também caracterizados por precária situação socioeconômica e baixa cobertura por unidades de tratamento.
Palavras-chave: tuberculose; abandono; distribuição espacial.
SUMMARY
The objective of this study is to evaluate the spatial distribution of patients who abandoned treatment for pulmonary tuberculosis (TB). A historical cohort study was performed with the analysis of 481 bacilliferous patients with confirmed TB, registered in the Program of Tuberculosis Control (PCT) in the municipality of Cuiabá, Mato Grosso State, during the period of 1998 to 2000. Data were obtained from the PCT program registry book and medical records. The density of incidence was calculated and other statistical analyses were utilized (Mantel-Haenszel) with a pvalue< 0.05. The results showed an incidence of 5.1 courses of treatment abandoned per 100 individuals-month, with a greater frequency occurring between the second and the third month of treatment. Increasing incidences of abandonment were observed per 100 individuals-month, compared to the reference group of the Western Sanitary District (DS Western = 4.0; Eastern = 4.1: Northern = 7.2; Southern = 7.5), with greater abandonment in the DS Northern and Southern (p<0.001). In conclusion, the incidence of abandoning treatment of TB is high, and the Northern and Southern sanitary districts were responsible for the greatest incidences of abandonment. The same districts are characterized by a precarious socio-economical situation and lower coverage per treatment units.
Key words: tuberculosis; abandonment; spatial distribution.
Introdução
O perfil epidemiológico da tuberculose no Estado de Mato Grosso não é diferente no restante do Brasil.1 Em 1998, a incidência de indivíduos bacilíferos notificados foi de 27,9/100.000 habitantes, dos quais 72,6% apresentaram cura, 16,6% abandonaram o tratamento e 5,7% foram a óbito, com diferenças mareantes nas diversas regiões do Estado.2 Entre os fatores associados à manutenção da endemia, destaca-se o abandono do tratamento instituído.
A previsibilidade de abandono do tratamento está relacionada a diversos fatores referentes ao indivíduo doente, ao seu tratamento e ao serviço.3-5 Os fatores relacionados ao doente são: ausência de trabalho fixo; desemprego; falta de moradia; baixo nível de escolaridade; alcoolismo; dependência a drogas; e estados psiquiátricos.5-9 Os principais fatores relacionados ao tratamento são: reações colaterais; tratamento passado de tuberculose; abandono prévio; recidiva; baciloscopia negativa no diagnóstico; hospitalização; não-relato de melhora clínica; e alívio apresentado durante as primeiras semanas de terapia e tratamento não supervisionado.10-14 São fatores relacionados ao serviço de saúde: falta de atendimento/orientação; falha do agendamento; não-seguimento do doente durante o tratamento; impossibilidade de retirada das drogas específicas por perda do cartão de matrícula ou por visita à unidade de saúde no dia errado; e demora no atendimento.4,5,15
Outros fatores, como aqueles relacionados ao baixo nível socioeconômico, também influenciam no abandono, destacando-se a localidade de moradia do paciente e a distância que ela deve percorrer até a unidade de saúde mais próxima.16,17 Por outro lado, existem alguns fatores determinantes da melhor adesão ao tratamento: características do esquema terapêutico, compreensão da racionalidade e dos detalhes do tratamento, relação serviço de saúde-paciente e supervisão aproximada do uso de medicamento.18
O diagnóstico precoce e o correto tratamento do paciente bacilífero são considerados como as medidas de maior impacto na luta contra a tuberculose. Considerando que o abandono ao tratamento implica persistência da fonte de infecção na população, verifica-se que, para controlar os problemas relativos ao fenômeno estudado, faz-se necessário o reconhecimento dos fatores determinantes que envolvam questões ligadas ao doente, à doença e ao tratamento como premissa para redução das taxas de abandono. O objetivo deste estudo é avaliar a distribuição espacial dos indivíduos que abandonaram o tratamento da tuberculose pulmonar, facilitando a implementação de medidas para a melhor monitoração do Programa de Controle da Tuberculose (PCT).
Metodologia
Estudo de coorte histórico aberto realizado a partir da análise de 481 pacientes bacilíferos inscritos no Programa de Controle de Tuberculose no Município de Cuiabá, Estado de Mato Grosso, Brasil, no período de 1998 a 2000. Os dados foram obtidos do livro de registro do programa, normatizado pelo Ministério da Saúde, e dos arquivos que continham os prontuários médicos de cada paciente atendido pelas unidades de tratamento para tuberculose.
A investigação foi realizada em 18 unidades de tratamento de tuberculose: dez centros de saúde; um centro de saúde regional/Estado; cinco policlínicas e um serviço ambulatorial especializado (SAE) para tratamento de tuberculose associada a aids (TB/aids); e uma unidade de tratamento anexa ao Hospital Universitário Júlio Müller (HUJM). Participam do estudo todos os pacientes inscritos no PCT e diagnosticados com tuberculose pulmonar bacilífera, de idade igual ou superior a 15 anos, no período de janeiro a dezembro de 1998, 1999 e 2000, tratados com esquema de curta duração (EI-2RHZ/4RH e EIR- 2RHZE/4RHE) e classificados segundo a modalidade de tratamento, perfazendo um total de 529 casos. Desse total, foram excluídos 48 casos por falência de tratamento (n=14), transferência (n=12) e ocorrência de óbitos no período do estudo (n=22), restando 481 pacientes participantes.
Considerou-se caso de tuberculose pulmonar bacilífera todo paciente com lesão pulmonar confirmada pela baciloscopia do escarro: duas baciloscopias diretas positivas; uma baciloscopia direta positiva e cultura positiva; uma baciloscopia direta positiva e imagem radiológica sugestiva de tuberculose; ou duas ou mais baciloscopias negativas e cultura positiva. Como abandono do tratamento, foi considerado todo caso de paciente que deixou de tomar os medicamentos antituberculose por mais de 30 dias consecutivos.19 Os dados de abandono foram descritos conforme o distrito sanitário de residência dos pacientes estudados.
Para a coleta dos dados, utilizou-se formulário individual padronizado e armazenado em arquivo eletrônico, em banco de dados específico criado no programa Epi-Info versão 6.0.20 Foi realizada digitação dupla e, em seguida, utilizado o aplicativo Validate para a checagem da consistência dos dados e eliminação dos erros de digitação.
Para a estimação das taxas de incidência, optou-se pela realização do método de densidade de incidência,21 calculando-se, primeiramente, o número de pessoas/tempo de exposição a partir do momento em que ocorreu o evento de interesse (abandono). O período de observação de cada indivíduo foi calculado levando-se em conta a data de início do tratamento, estendendo-se até a confirmação do caso de abandono ou de final de tratamento – neste caso, de adesão do paciente durante os seis meses considerados como de tratamento completo de tuberculose. Para a estimação dessas incidências, foram incluídos todos os indivíduos diagnosticados com tuberculose bacilífera no início do tratamento, totalizando 132 casos de abandono, durante o período de acompanhamento da coorte, entre 1998 e 2000.
Inicialmente, foi realizada análise bivariada centrada nos testes de associação entre a(s) variável(eis) independentes e a variável resposta (abandono ou não-abandono), para a identificação das principais variáveis associadas ao abandono de tratamento. Em seguida, verificou-se a presença de confundimento (confounding) mediante a aplicação de modelos estratificados, comparando-se razões de taxas brutas com razões de taxas ajustadas, segundo a metodologia de Mantel-Haenszel, utilizando-se o teste de qui-quadrado para razões de taxas de abandono (risco relativo, RR) com intervalo de confiança de 95% pelo método de Cornfield (IC95%); ou o Exato de Fisher, quando indicado. Foram consideradas, como critério para presença de confundimento, diferenças superiores a 20% entre análise bivariada e análise estratificada.
O nível de significância crítico adotado para o tratamento estatístico de todas as fases da análise, admitido para a rejeição da hipótese nula, foi de uma probabilidade de erro de 5% (p-valor<0,05).
Resultados
Entre as quatro regiões de residência, 19,8% (95/ 481) dos participantes eram procedentes das unidades de registro pertencentes à Região Norte, 22,2% (107/ 481) da Região Sul, 31,0% (149/481) da Região Leste e 27,0% (130/481) da Região Oeste (Tabela 1).
O total de pessoas-mês analisado durante o período do estudo foi de 2.456, das quais 362 pessoas-mês abandonaram e 2.094 não abandonaram o tratamento de tuberculose (Tabela 2). A maior freqüência do abandono ocorreu entre o segundo e o terceiro mês de tratamento, com percentual acumulado de 75,8 %, média de duração de seguimento entre os abandonos de 2,7 meses, mediana e moda de 3,0 meses.
Dos 481 pacientes estudados, 64% (308/481) eram do sexo masculino e 36,0% (173/481) do sexo feminino. Ao comparar densidades de incidência de abandono, estas foram maiores para homens do que para mulheres, observando-se uma diferença estatisticamente significante (RR=1,47 e p=0,047) (Tabela 3).
A idade média dos pacientes foi de 39,9 anos para o sexo masculino e de 37,5 anos para o sexo feminino. Utilizando-se a faixa etária de 60 anos ou mais como referência, verificou-se que os percentuais de abandono de tratamento mantiveram-se proporcionalmente distribuídos para todas as categorias, não demonstrando qualquer diferença estatisticamente significante (Tabela 3).Entretanto, a densidade de incidência de abandono foi maior entre os pacientes com menor escolaridade (reagrupamento Ensino médio ou mais/Analfabeto e ensino fundamental), evidenciando uma diferença estatisticamente significante (RR=1,56; p=0,043) (Tabela 3).
A distribuição dos casos de tuberculose pulmonar bacilífera por densidade de incidência de abandono, segundo o distrito sanitário (DS) de residência, está apresentada na Tabela 4. Foram observadas incidências crescentes de abandono por 100 pessoas-mês no grupo de referência do Distrito Sanitário Oeste (DS Oeste=4,0; Leste=4,1; Norte=7,2; Sul=7,5). Ao agrupar os distritos sanitários Oeste e Leste, cujas incidências de abandono foram menores, e utilizando esse novo grupo como referência, comparando-o aos distritos sanitários Norte e Sul (agrupados devido à semelhança de incidências), o abandono verificado foi maior entre estes últimos, com diferença estatisticamente significante (RR=1,81; p<0,001).
Ainda em relação à Tabela 4, na análise quanto à residência dos indivíduos em estudo e a modalidade de tratamento [tratamento supervisionado (TS); não supervisionado (NS)], chama a atenção o fato de que a associação entre abandono e tratamento não supervisionado foi mais forte entre os indivíduos residentes dos distritos sanitários Leste e Oeste, em relação aos residentes dos DS Norte e Sul (RR=2,39 e RR=1,91, respectivamente), embora o risco de abandono tenha sido mais elevado nestes últimos.
Discussão
Diversas pesquisas clínicas foram realizadas nas últimas décadas, para determinar a eficácia e/ou efetividade do esquema terapêutico do tratamento da tuberculose. Detectou-se que os resultados da efetividade do esquema de curta duração dependiam, diretamente, da regularidade do cumprimento do tratamento feito pelo paciente. Embora a eficácia dos esquemas preconizados permaneça indiscutível, a sua efetividade continua comprometida diante dos aumentos crescentes nas taxas de abandono.5,7,12,16,22,23
Outros estudos revelam maior aumento nas taxas de abandono com esquemas de retratamento, que apresentam um desfecho desfavorável, em torno de 52%, diante do observado nos pacientes novos de tratamento 17%.18,24-26
Esquemas terapêuticos inadequados podem levar à resistência secundária ou à resistência adquirida, traduzida como resultado da seleção de mutantes do Mycobacterium tuberculosis resistentes a uma ou mais drogas, haja vista a sua utilização incorreta, pela má operacionalização do PCT. No Brasil, o problema dessa resistência já é preocupante e confirma a gravidade do reingresso de casos ao tratamento. Segundo dados recentes, a taxa de resistência isolada à isoniazida (INH) encontra-se em 5%, índice superior aos 4% considerados fatores de risco para a resistência primária, ou seja, presença de bacilos resistentes em doentes que nunca receberam tratamento.27
A discussão a respeito do abandono do tratamento da tuberculose implica uma reflexão sobre o risco da transmissão dos casos bacilíferos detectados e não tratados adequadamente e sobre o resíduo decorrente do insucesso do tratamento. São fatos que apontam para o risco de proliferação de novos doentes resistentes aos quimioterápicos e o agravo da situação epidemiológica, de conseqüências desastrosas, tanto econômicas como sociais.
A investigação do abandono do tratamento da tuberculose no Município de Cuiabá abrange não apenas o direcionamento do PCT – que deve ser entendido como um conjunto de atividades organizadas, coordenadas e integradas em todos os níveis do sistema de saúde –, mas também os meios para ao alcance dos seus objetivos programáticos. É importante analisar os fatores associados a esse abandono. Falhas no tratamento podem resultar na persistência da fonte de infecção na população, retratamento, piora do prognóstico, aumento do sofrimento e mortalidade por tuberculose, além de elevar os custos do tratamento.
A incidência global de abandono foi de 5,1 abandonos por 100 pessoas-mês, o que equivale a 27,4% de abandono entre todos aqueles que fizeram tratamento nos anos de 1998, 1999 e 2000. Esse resultado é concordante com outros estudos, cujos percentuais encontrados, até o momento da conclusão deste trabalho, variam entre 6,8% a 33,8%.22-27
Entretanto, para o Município de Cuiabá, segundo registros de avaliação do programa de tuberculose em nível central para o ano de 1998, o abandono (maiores de 15 anos) foi menor, representando 16,1%, com declínio acentuado em 1999 e 2000 (7,7% e 4,9% respectivamente).2
Diante dessas diferenças, uma das justificativas para o elevado percentual de abandono constatado no presente estudo poderia estar relacionada com a definição do caso de abandono adotada pelos autores, diferentemente das referências tomadas pelos serviços de saúde, que consideram os casos de abandono como "casos encerrados", ou seja, quando os pacientes não mais procuram o atendimento para o tratamento, e/ou exigindo um longo período para categorizar um caso de abandono.5,28
Assim, é de se supor que a qualidade de um programa não se reflita, necessariamente, apenas na utilização de um regime terapêutico, mas também em medidas de vigilância, tanto na monitoração das doses medicamentosas e no entendimento dos indicadores de avaliação dos resultados, quanto nos dispositivos essenciais de condução efetiva do programa. "Diante de programas ruins, poderia haver danos epidemiológicos levando à reversão do declínio natural da tuberculose."6
Foi importante o grau de escolaridade na incidência de abandono. Indivíduos de baixo nível de escolaridade (analfabetos e com referência de educação fundamental) foram responsáveis por um maior abandono, comparativamente aos demais. Outros estudos indicam, também, a existência de baixa escolarização – analfabetos funcionais – como preditiva de abandono.17,18,29
Resultados diferentes são descritos por Jordan e colaboradores. (2000),4 que, em revisão de literatura sobre adesão em doenças crônicas, afirmam ser baixo o poder de predição de status econômico, como renda e/ou escolaridade e/ou condições de habitação e/ou emprego, exceto nos casos de extrema pobreza. Infelizmente, este trabalho não pode avaliar a associação entre nível socioeconômico e abandono pela ausência dessas informações nos prontuários. É importante lembrar que a adesão se relaciona à forma como é processada a assistência prestada ao indivíduo, que compreende desde a adequação da linguagem até o claro entendimento das suas necessidades, transcendendo a dimensão biológica e constituindo a base que determinará o êxito do tratamento.5,30
Em relação à localização geográfica dos distritos sanitários de residência dos pacientes estudados (Norte, Sul, Leste e Oeste), verificou-se que, nos DS Norte e Sul, ocorreram as maiores incidências de abandono (7,35/100 pessoas-mês), em comparação com os achados referentes aos DS Leste e Oeste (4,06/ 100 pessoas-mês). Esse resultado pode ser justificado pela diferenciação encontrada nas unidades pertencentes a cada distrito sanitário, observadas a capacidade instalada, distância da residência ao serviço de saúde, relação serviço-paciente, além das diferenças socioeconômicas entre os DS. Constatações semelhantes sobre associação entre o abandono e a residência dos pacientes encontram-se em estudo de Córdova & Pacheco Díaz (1996).31
A organização espacial de busca e tratamento dos casos de tuberculose tem-se mostrado pouco satisfatória, onde a existência de áreas com cobertura populacional de serviços de saúde suficiente contrasta com outras, em que a cobertura é insuficiente e a diferença socioeconômica faz-se evidente.5
Corrobora a afirmativa acima citada, o fato verificado de que 19,8% e 22,2% da distribuição dos pacientes bacilíferos estudados serem provenientes, respectivamente, dos distritos sanitários Norte e Sul, que abrigam populações de precária situação socioeconômica e são responsáveis por maiores incidências de abandono, com baixa cobertura por unidades de tratamento. Oliveira (1991),32 em estudo do tratamento da tuberculose na rede pública do Município de Campinas, Estado de São Paulo, constatou que os pacientes inscritos procediam, principalmente, de áreas com grande aglomeração habitacional, bem como de áreas ocupadas por favelas. Outro estudo, realizado por Ignotti e colaboradores.. (2001),28 sobre a adesão ao tratamento de hanseníase no Município de Duque de Caxias, Estado do Rio de Janeiro, indica a influência da desigualdade de acesso aos serviços de saúde como fator de abandono do tratamento.
Ao estratificar a variável estudada, distribuição espacial, controlando a escolaridade, observou-se maior chance de abandono em pacientes mais escolarizados residentes nos distritos Norte e Sul, quando comparada à de pacientes dos distritos Leste e Oeste. Essa diferença decorre de uma menor efetividade no acompanhamento de indivíduos com maior escolaridade pelos distritos Norte e Sul, possivelmente resultante da concentração de esforços no acompanhamento daqueles com menor escolaridade. Não se deve preterir o fato de que os residentes com menor escolaridade desses distritos foram responsáveis pelo maior abandono dos diferentes tipos de tratamento, quando os comparamos aos dados similares dos distritos Leste e Oeste.
Ratificando esses mesmos dados, a análise dos autores, ao estratificar a modalidade do tratamento por distrito sanitário de residência, indicou um maior risco relativo para abandono entre os tratamentos supervisionados e não supervisionados nos distritos sanitários Leste e Oeste, distritos estes centrais ao município. De igual maneira, é de se supor que os serviços dos distritos Norte e Sul utilizaram melhores critérios de seleção ao indicar o usuário para este ou aquele tipo de tratamento.
O estudo de Pinho (2000)33 demonstrou que o desempenho do programa estava relacionado, intrinsecamente, com o maior número de pacientes em tratamento supervisionado existentes em uma única unidade, registrando-se piores resultados com o tratamento não-supervisionado.
Sabe-se que a efetividade do programa de tuberculose deve-se garantir independentemente do tipo de estratégia adotada, sendo imprescindível a ação da equipe de saúde na orientação e mantenimento da vigilância sobre todos os pacientes em tratamento. A informação contínua e esclarecedora é fator essencial do sucesso do programa de controle da tuberculose. Porém, há que se moldar estratégias alternativas de tratamento supervisionado para cada região, oferecendo oportunidade de escolha, ao contrário de experiências mais controversas, como o encarceramento dos pacientes com o objetivo de diminuir os riscos da doença para a coletividade.34,35
Apesar do conhecimento, por parte de todos os envolvidos, dos passos necessários para atingir o sucesso do programa de controle da tuberculose, existem variáveis de difícil controle e que extrapolam os limites da ação dos agentes de saúde na ponta do sistema, os problemas do seu dia-a-dia. É mister que se realize, urgentemente, uma implementação mais rigorosa das medidas de Saúde Pública, onde o envolvimento entre os profissionais dos serviços de saúde e a comunidade possa contribuir para uma melhor qualidade no tratamento da tuberculose no Brasil.
Referências bibliográficas
1. Ruffino-Netto A. Programa de Controle de Tuberculose no Brasil: situação atual e novas perspectivas. Informe Epidemiológico do SUS 2001; 10: 129-138.
2. Secretaria do Estado de Saúde de Mato Grosso/SES. Coordenadoria técnica. Divisão de programas e projetos em saúde. Área técnica de controle da tuberculose: Dados dos anos – (1998, 1999, 2000), 2000.
3. Oliveira HB. Estudo do reingressante no sistema de notificação. Recidivas em tuberculose e seus fatores de risco (1993-1994). Campinas, 1996. Tese (Doutorado) – Unicamp.
4. Jordan MS, Lopes JF, Okazaki E, Komatsu CL, Nemes MIB. Aderência ao tratamento anti-retroviral em AIDS: Revisão de literatura. In:Teixeira, Paiva, Shima. Tá difícil de engolir? Experiências de adesão ao tratamento anti-retroviral em São Paulo. Nepaids – DST/Aids, 2000.
5. Natal S, Valente J, Gerhardt G, Penna ML. Situação bacteriológica dos doentes de tuberculose que abandonaram o tratamento. Boletim de Pneumologia Sanitária 1999; 7: 65-78.
6. Oliveira HC, Moreira Filho DC. Abandono de tratamento e recidiva da tuberculose: aspectos de episódios prévios, Campinas, SP, Brasil, 1993-1994. Revista de Saúde Pública 2000; 34: 437-43.
7. Belluomini M, Tagusaga HK. Seqüência do tratamento de curta duração da tuberculose pulmonar em unidades sanitárias do Vale do Paraíba, 1980-1981, São Paulo, Brasil. Revista de Saúde Pública 1984; 18: 466-75.
8. Ortega FP, Rivera JMPS, García JG, Pérez-Herro JRC, Rodrígues JV, Pérez-Medel AP. Factores predictivos del abandono del tratamiento antituberculoso en pacientes infectados por el vírus de la inmunodeficiencia humana. Revista Clínica Española 1996; 197: 163-6.
9. Pablos-Mendéz A, Knirsch, CA, Barr G, Lener BH., Frieden TR. Nonadherence in tuberculosis treatment: predictors and consequences in NewYork City. American Journal Medicine 1997; 102: 165-70.
10. Natal S. A retomada da importância da tuberculose como prioridade para ações de Saúde Pública. Boletim de Pneumologia Sanitária 1998; 6: 140-8.
11. Friz HP, Kremer L, Acosta H, Abdala O, Canova S, Rojo S, Roca G, Daín A. Terapeutica con tuberculostáticos: cumprimiento en un hospital general. Revista Facultad de Ciencias Medicas (Córdoba) 1997; 55: 21-5.
12. Morrone, N, Solha, MSS, Cruvinel M.C, Morrone Junior N, Freire JAS. Tuberculose: tratamento supervisionado "vs" tratamento auto-administrado - experiência ambulatorial em instituição filantrópica e revisão da literatura. Jornal de Pneumologia 1999; 25: 198-205.
13. Rabahi MF, Rodrigues AB, Queiroz de Mello F, de Almeida Netto JC, Kritski AL. Noncompliance with tuberculosis treatment by patients at tuberculosis and AIDS reference hospital in midwestern. Brazilian Journal Infection Diseases 2002; 6:63-73.
14. Watts TE. The regularity of attendance of male tuberculosis patients diagnosed at Mulago Hospital between 1968-1970. Tubercle 1972; 53:174-81.
15. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia/SBPT. Consenso sobre tuberculose: abandono do tratamento. Jornal de Pneumologia 1997; 23: 313-6.
16. Almeida MMMB, Nogueira PAA, Arantes GRA. Avaliação longitudinal do tratamento da tuberculose. Boletim de Pneumologia Sanitária 1995; 3: 78-86.
17. Braga Lima M, Mello DA, Morais AP, Silva WC. Estudo de casos sobre o abandono do tratamento da tuberculose: Avaliação do atendimento, percepção e conhecimentos sobre a doença na perspectiva dos clientes (Fortaleza, Ceará, Brasil). Cadernos de Saúde Pública 2001; 17: 877-85.
18. Campos HMA, Albuquerque MFM, Campelo ARL, Souza W, Brito AB. O retratamento da tuberculose no Município do Recife, 1997: uma abordagem epidemiológica. Boletim de Pneumologia Sanitária 2000; 26: 235-40.
19. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária (MS/CNPS). Normas para o controle da tuberculose. Cadernos de atenção básica. [ Monografia na Internet ] Disponível em http://www.saude.gov.br, em 2000.
20. Dean AG, Dean JA; Coulombier D, Brendel KA, Smith DC, Burton AH, Dicker RC, Sulliman K, Fagan RF, Arner TG. A word processing database, and statistics program for epidemiology on microcomputers. Epi- Info versão 6. Centers of Disease Control and Prevention, Atlanta, Geórgia, U.S.A. Tradução: Silva Guedes ML., 1994.
21. Kleinbaum DG, Kupper LL, Morgenstern H. Epidemilogic Reasearch: Principles and quantitative methods. Belmont: Lifetime Learning Publications. 1982.
22. Castelo Filho A, Pignatari ACC, Jardim JRB, Longo JC. Tratamento quimioterápico antituberculose - eficaz ou efetivo? Jornal de Pneumologia. 1983; 9:121-32.
23. Deheinzelin D, Takagaki TY, Sartori AMC, Leite OHM, Neto VAA, Carvalho CRR. Fatores preditivos de abandono de tratamento por pacientes com tuberculose. Revista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo 1996; 51: 131-5.
24. Dias da Costa JS, Gonçalves H, Menezes AMB, Devens E, Piva M, Gomes M, Vaz M. Controle epidemiológico da tuberculose na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil; adesão do tratamento. Cadernos de Saúde Pública 1998; 14: 409-15.
25. Gerhardt G, Ribeiro Natal S. Eficiência do tratamento da tuberculose no Brasil. Informe Epidemiológico do SUS 1995; 4: 95-8.
26. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia – SBPT. Consenso sobre tuberculose: Esquemas de Tratamento e Retratamento. Jornal de Pneumologia 1997; 23:302-3.
27. Albuquerque MFM, Leitão CCS, Campelo ARL, Souza WVS, Salustiano A. Fatores prognósticos para o desfecho de tratamento da tuberculose pulmonar em Recife, Pernambuco, Brasil. Revista Panamericana de Salud Pública 2001; 9:368-74.
28. Ignotti E, Andrade VLG, Sabrosa PC, Araújo AJG. Estudo de adesão ao tratamento da hanseníase no Município de Caxias, Rio de Janeiro - "abandonos ou abandonados". Hansenologia Internationalis 2000; 126: 23-30.
29. Paiva AP, Carnaúba Junior D, Santana JJ, Guimarães M, Araújo MH, Santos TP. Impacto das ações implantadas no programa de controle da tuberculose no hospital universitário UFAL sobre as taxas de abandono de tratamento. Boletim de Pneumologia Sanitária 1999; 7: 43-50.
30. Bertolozzi MR. A adesão ao programa de controle da tuberculose no distrito sanitário do Butantã, São Paulo- SP, 1998. 246 p. Tese (Doutorado) - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
31. Córdova Aréstequi RS, Pacheco Díaz AV. Factores que influyen en el abandono del programa de control de tuberculosis en algunos centros de salud de Arequipa, enero 1994 - julio 1995. Arequipa, 1996. Tesis de graduación profesional, Facultad de Enfermería de la Universidad Nacional de San Agustín.
32. Oliveira HB. Estudo do tratamento da tuberculose na rede pública do Município de Campinas-SP, 1987. Campinas, 1991. Tese (Mestrado) Universidade Estadual de Campinas.
33. Pinho JL. Tratamento supervisionado em tuberculose no Município de Taboão da Serra-SP, 1998-1999. São Paulo, 2000. Tese (Mestrado) - Faculdade de Saúde Pública/USP.
34. Chaulk CP, Pope DS. The Baltimore City Health Department of Directly Observed Therapy for tuberculosis. Clinical Investigation Chest Medicine 1997; 18: 149-54.
35. Burman WJ, Cohn DL, Rietmeijer CA, Judson FN, Sbarbaro JA, Reves RR. Noncompliance with Directly Observed Therapy for Tuberculosis: epidemiology and effect on the outcome of treatment. Chest 1997; 111: 1168-73.
Endereço para correspondência:
Rua Dr. Jonas Correa da Costa, 210
Cuiabá-MT.
CEP: 78030-510
E-mail:fbotelho@terra.com.br