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Epidemiologia e Serviços de Saúde
versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.13 n.3 Brasília sep. 2004
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742004000300005
Instruções para bioensaios para avaliação de aplicações espaciais de inseticidas
Instructions for bioassays evaluating spraying insecticide space applications
Marcelo Carvalho de RezendeI; Guilherme Calderón FaleroII; Maria de Lourdes da Graça MacorisIII; Maria Teresa Macoris AndrighettIII; Luiz TakakuIII
ICoordenação Regional de Minas Gerais da
Fundação Nacional de Saúde, Belo Horizonte-MG
IIOrganização Pan-Americana da Saúde,Representação no Brasil/Consultor
IIISuperintendência de Controle de Endemias da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, Marília-SP
RESUMO
Os tratamentos espaciais com inseticidas apresentam-se como uma ferramenta valiosa para os serviços de controle de vetores em situações de emergência, onde é necessário atingir as formas adultas dos vetores. Devido às muitas variáveis que podem interferir na eficácia desse tipo de tratamento químico, propõe-se realizar bioensaios para avaliação da sua efetividade. O objetivo do presente trabalho é apresentar uma proposta de padronização dos testes biológicos nos programas de controle de vetores em campo, o que, além de permitir uma avaliação da atividade, deve possibilitar a comparação dos resultados observados em diferentes áreas, visando à utilização dessas informações pelos serviços de controle de vetores.
Palavras-chave: controle; métodos; inseticidas, ultrabaixo volume.
SUMMARY
Space spraying using insecticides has been a valuable tool to reduce vector densities for control services in emergency situations. Due to the possibility that many variables could interfere with the efficacy of space application of insecticides by vector control programs, a strategy of bioassay use is suggested to evaluate spraying effectiveness. The main objective of this paper is to propose standardization of the biological tests of vector control programs to permit the evaluation of activity and to compare results in different areas, making this information available for use by vector control services.
Key words: control; methods; insecticides; Ultra Low Volume.
Introdução
Os tratamentos espaciais com inseticidas apresentam- se como uma ferramenta valiosa para os serviços de controle de vetores em situações de emergência.
A aplicação de inseticidas ambientais por meio de termonebulizadores, também conhecida como "fumacê", e de ultrabaixo volume (UBV), quando realizadas com freqüência adequada, são capazes de diminuir a densidade dos vetores, detendo ou reduzindo uma epidemia a níveis manejáveis.1
Testes biológicos são importantes para o bom desenvolvimento de programas voltados ao controle de vetores. Esses testes devem oferecer condições de medição do índice de mortalidade dos mosquitos adultos, estimar o alcance da operação e otimizar os tratamentos com inseticidas, visando minimizar os efeitos tóxicos e poluentes nos organismos não-alvo.2
É importante esclarecer que os bioensaios, cuja padronização é proposta neste trabalho, não avaliam a eficácia do tratamento químico, porque esta se utiliza de parâmetros como o impacto na densidade da população-alvo do controle; ou mesmo de indicadores indiretos, como o impacto nos níveis de transmissão de doenças. Um excelente modelo de avaliação de eficácia foi proposto por Reiter & Nathan,3 mediante coleta de adultos e uso de armadilhas de oviposição pré e pós-tratamento químico. Os bioensaios com gaiolas, por outro lado, são instrumentos relevantes para avaliar a efetividade do tratamento químico, pois permitem estimar o alcance da aplicação, comparar locais de exposição e populações de mosquitos expostos. Esses parâmetros operacionais da ação podem ser fundamentais para o direcionamento das ações das equipes de controle.
Os dois tipos de testes propiciam informações diferentes e complementares. Idealmente, ambas as avaliações devem ser feitas: a avaliação de eficácia, para informar sobre o impacto da ação; e os bioensaios de gaiola, para fornecer detalhes sobre o alcance do tratamento.
Foram elaboradas instruções para bioensaios com inseticidas nas aplicações espaciais, buscando uma padronização nos testes biológicos dos programas de controle de vetores em campo que permitisse comparações de efetividade em diferentes áreas.
Os testes biológicos podem ser realizados com diferentes objetivos:
- avaliar a ação letal de um inseticida aplicado no espaço a UBV ou em termonebulização, a diferentes distâncias do bico aplicador de inseticida ou das barreiras físicas presentes nos domicílios;
- comparar a ação de um ou mais inseticidas aplicados com a mesma técnica;
- comparar o efeito da aplicação em uma linhagem suspeita de resistência com a aplicação em uma outra de conhecida suscetibilidade ao produto químico testado; e
- fornecer um parâmetro de mortalidade provocado pela aplicação espacial de um inseticida em determinada dose.
Metodologia do bioensaio para avaliação de aplicações espaciais de inseticidas
Seja qual for o objetivo da prova, os procedimentos básicos de manipulação dos insetos devem seguir um protocolo comum, onde as condições da prova sejam padronizadas.
Condições da prova
a) As provas serão executadas durante o momento da aplicação do produto, em exposições de 30 minutos.
b) Os operadores das máquinas de aplicação de inseticida NÃO devem saber quais são os quarteirões e casas com as gaiolas contendo os mosquitos da prova.
c) É de vital importância que as gaiolas de observação NÃO se contaminem por inseticida durante o desenvolvimento dos trabalhos. Após o uso, deve-se providenciar a lavagem cuidadosa das gaiolas, com bastante detergente.
d) Recomenda-se o reconhecimento prévio das áreas onde será aplicado o inseticida por aspersão espacial, procurando, dessa forma, uniformizar os ambientes de acordo com as características das residências e a ecologia do local. Ao escolher as casas para instalação das gaiolas com mosquitos, devem-se priorizar residências com características que representem a maioria das construções da localidade em estudo.
e) Devem-se instalar as gaiolas de exposição em pontos selecionados, de acordo com as seguintes funções de avaliação:
- Em função da linha de percurso do veículo
As gaiolas com mosquitos devem ser instaladas a 15 e 30m de distância da linha de percurso do veículo aplicador de inseticida a UBV ou termonebulizador, do lado de fora das casas, na área sob tratamento com inseticida. Para tanto, devem-se selecionar oito casas e quatro quarteirões – duas casas por quarteirão –, onde serão instaladas 16 gaiolas com mosquitos, duas gaiolas por casa.
Em local distante da área de aplicação espacial, devem-se utilizar quatro gaiolas – como controle – em duas casas, fora do espaço de alcance do inseticida aplicado.
- Em função da casa
Se o investigador pretende avaliar o efeito do tratamento espacial na população de mosquitos que se encontra dentro da casa, poderá selecionar apenas pontos dentro da residência (quarto, banheiro, sala, cozinha) e colocar as gaiolas em diferentes locais dentro desses cômodos (por exemplo: debaixo da cama, atrás de móveis) escolhendo aqueles que constituem refúgios para os mosquitos. Entretanto, é importante padronizar as distâncias das casas escolhidas e a linha de percurso do veículo.
- Em função da comparação da ação de diferentes produtos
Caso o propósito do pesquisador seja comparar diferentes produtos, sugere-se realizar as aplicações com cada produto em condições idênticas. Como os mosquitos se encontram em gaiolas, o impacto na população local não deve interferir no teste; provas espaçadas no tempo podem ser realizadas com diferentes produtos, nas mesmas casas e pontos de localização das gaiolas.
- Em função da comparação do efeito da aplicação em linhagens de diferente suscetibilidade ao inseticida utilizado
Quando os bioensaios para avaliação de suscetibilidade a inseticidas, segundo a metodologia padronizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS),4 obtêm uma resposta de mortalidade inferior a 80%, é recomendável a realização de provas de eficácia em campo. Para avaliar se o resultado dos bioensaios em laboratório reflete a eficácia da aplicação de inseticida em campo, é possível comparar o efeito dessa aplicação mediante o pareamento das gaiolas de mosquitos da linhagem-teste com mosquitos de suscetibilidade conhecida (ou de resposta compatível com status de suscetíveis nos bioensaios da OMS).5
- Em função da avaliação da eficácia de inseticidas em "campo aberto"
Recomenda-se bioensaios em "campo aberto" com mosquitos suscetíveis, com aplicação de inseticida em UBV a diferentes distâncias – 15, 30 e 45m – da linha de percurso do veículo.
Materiais necessários
a) 32 gaiolas feitas com tela, desenhadas segundo o modelo dos tubos de exposição da prova de susceptibilidade da OMS – ou outros equipamentos produzidos no nível local, como copos, gaiolas de filó, etc. –, são suficientes para executar uma prova completa. As gaiolas devem ter, como mínimo, diâmetro de 6,5cm e altura de 12cm. A tela utilizada para a sua confecção não deve contar com menos de 35 linhas por polegada; e dispor de uma alça para pendurar, se for necessário;
b) quatro tubos capturadores de vidro ou plástico, com 30cm de comprimento, diâmetro interno de 1,0 ou 1,2cm e espessura de 2mm, como máximo. Os tubos devem-se acompanhar por uma borracha – látex ou material similar – de 50cm de comprimento, diâmetro e espessura similares aos do tubo de vidro ou plástico;
c) formulários para preencher os resultados da prova (Figura 1), com instruções para o seu preenchimento impressas;
d) etiquetas e canetas bicolor, para numeração e codificação das gaiolas;
e) duas trenas de 20m, para medições de campo;
f) três caixas de isopor com capacidade de 33 litros, para acondicionamento das gaiolas com mosquitos;
g) dois termômetros de máxima e mínima (um no intra e outro no peridomicílio), para registro dos limites de temperatura nos locais de exposição das gaiolas/alcance do jato;
h) dois higrômetros do tipo de um relógio ou bulbo seco – úmido (um no intra e outro no peridomicílio), para registro dos limites de temperatura nos locais de exposição das gaiolas/alcance do jato; e
i) um anemômetro, para medição da velocidade do vento no momento da aplicação do inseticida. Essa informação permite avaliar se há condições de carreamento adequadas – parâmetros definidos pelo método de aplicação de inseticida em UBV e velocidade do vento inferior a 10km/hora. Outras variáveis abióticas como velocidade do veículo, altitude, ponto de orvalho, coordenadas geográficas e horário poderão ser medidas de acordo com o interesse do investigador.
Operacionalização da avaliação das aplicações de inseticida em ultrabaixo volume-UBV
Instalação de gaiolas com mosquitos nas casas
a) colocação das gaiolas nos pontos selecionados, a uma altura não superior a 1,5m do solo (sobre uma cadeira, tripés ou mesmo no próprio piso). Os mosquitos devem receber alimentação energética até o momento das gaiolas serem instaladas nas casa. Na instalação, retirar o algodão com solução açucarada – que se pode impregnar de inseticida e representar uma exposição extra;
b) colocação, em cada gaiola, de um mínimo de 15 e um máximo de 25 fêmeas de mosquitos que: contem menos de três dias desde haverem sido coletadas; tenham sido alimentadas dentro das últimas 24 horas; e que tenham sido transportadas com o devido cuidado, desde a sede até o ponto da prova, em câmara úmida (caixa de isopor com toalhas úmidas). Caso se trabalhe com fêmeas criadas em laboratório, estas devem contar, no máximo, sete dias de idade;
c) impedimento da colocação da caixa de isopor que contém os mosquitos do bioensaio em residências tratadas com inseticida; nessas residências, deve-se ter o cuidado de colocar a caixa sobre superfícies livres de contaminação, fora da casa;
d) permanência dos mosquitos na casa durante 30 minutos, tempo contado a partir do momento em que passa a máquina de UBV – ou "fumacê" – na frente da casa com as gaiolas de exposição;
e) registro da temperatura e umidade relativa (máxima e mínima) durante o período de exposição ao inseticida dentro e fora da casa;
f) transferência dos mosquitos das gaiolas expostas (etiquetadas em vermelho) ao final do período de exposição. Em seguida, proceder da seguinte maneira: identificar corretamente as gaiolas com etiquetas com a mesma informação, porém na cor verde; colocar um pedaço de algodão umedecido em água açucarada (10%) para alimentar os insetos; e levar a gaiola à caixa de isopor ou câmara úmida para observação por 24 horas. Durante esse período, os insetos serão mantidos sob condições de temperatura e umidade relativa que garantam a sua sobrevivência – temperatura permanente entre 20 e 30oC; e umidade relativa acima de 80% (padrão ótimo de temperatura de 25 a 27oordm;C; e de umidade relativa de 80-85%); e
g) ao final do período de observação, a contagem dos mosquitos vivos e mortos, verificando a identificação das espécies para cada gaiola.
Instalação das gaiolas em "campo aberto"
As recomendações quanto às quantidades, cuidados com os mosquitos e leitura são as mesmas descritas anteriormente, às quais se somam as seguintes:
a) instalação das gaiolas a 1,5m de altura, com auxilio de tripés.
b) medição das distâncias de 15, 30 e 45m a partir do bico aplicador de inseticida e marcação, no terreno, das linhas de instalação das gaiolas; e
e) instalação das gaiolas ao longo de 100 metros, quatro gaiolas por cada uma das três distâncias, da seguinte maneira: aos 20, 40, 60 e 80m do ponto zero (total de 12 gaiolas, nas três distâncias). Finalmente, deve-se registrar o tempo gasto pelo veículo no percurso de 100 metros, para o cálculo da quantidade de inseticida aplicada na área.
Biossegurança e Bioética
Para o investigador, é importante considerar que a prática dos estudos com vetores deve obedecer aos procedimentos gerais de normas de segurança em laboratório e campo. Estudos relacionados com controle de vetores são desenvolvidos graças à manutenção de colônias desses vetores, possibilitando a realização de investigações.
Os princípios éticos devem ser pensados nos diferentes níveis de concepção e organização das avaliações de aplicações espaciais de inseticida. O encaminhamento de procedimentos como o consentimento informado e o direito de recusa dos moradores, direito à informação, mecanismos de controle de exposição, vigilância a reações adversas (imediatas ou não), cuidados com animais domésticos, águas e hortas devem ser considerados.
Igualmente, as informações sobre os procedimentos de segurança para promoção e preservação da saúde dos trabalhadores que executam atividades de tratamento espacial de inseticida para controle de vetores podem ser consultadas em publicações específicas do Ministério da Saúde.6
Resultados dos bioensaios
a) Quando a mortalidade dos mosquitos no controle for maior que 20%, a série de provas deve ser considerada inválida; e deve ser repetida, se possível, no dia seguinte.
b) Deve-se corrigir a mortalidade nos mosquitos expostos quando, no controle, ocorrer mortalidade entre 5% e 20%. Utilizar a Fórmula de Abbott para obtenção do índice de mortalidade corrigida:
c) Informações adicionais sobre o tamanho e a densidade das gotas aplicadas podem-se obter simultaneamente, utilizando-se lâminas de vidro impregnadas com silicone, teflon ou óxido de magnésio, de acordo com o inseticida ou solvente utilizado nos equipamentos de UBV. As lâminas devem ser colocadas junto das gaiolas, durante o período de exposição ao inseticida.
Considerações finais
Os bioensaios – com gaiolas – para avaliação das aplicações espaciais de inseticidas são indicadores do carreamento e penetração das gotas de inseticidas nas casas, fornecendo informações importantes sobre a efetividade dos tratamentos químicos utilizados nos programas de controle de vetores.
Ademais, quando se deseja comparar respostas de linhagens de mosquitos com diferentes níveis de suscetibilidade, o pareamento de gaiolas contendo mosquitos do campo e mosquitos de suscetibilidade conhecida, utilizando a metodologia descrita neste trabalho, pode fornecer informações importantes sobre o impacto das operações de campo em populações de mosquitos com diferentes status de suscetibilidade.
Referências bibliográficas
1. Nelson, MJ. Aedes aegypti: Biología y Ecología. Organización Panamericana de la Salud, Washington: WHO; 1986.
2. Gebara AB, Almeida MCRR. Avaliação de termonebulizações de propoxur contra mosquitos através de testes biológicos. Revista de Saúde Pública 1988; 22(1): 1-7.
3. Reiter P, & Nathan MB. Guidelines for assessing the efficacy of insecticidal space sprays for control of the Dengue vector Aedes aegypti. WHO/CDS/CPE/PVC, 2001.
4. Organización Mundial de la Salud. Resistencia de vectores y reservorios de enfermedades a los plaguicidas: Comité de expertos en Insecticidas. 22o; Informe, WHO Serie n.o 585, Ginebra: WHO; 1976.
5. Organización Mundial de la Salud. Resistencia de los vectores de enfermedades a los plaguicidas: Comité de Expertos en Biología de los Vectores y Lucha Antivectorial. 5o; Informe, WHO Serie n.o; 655, Ginebra: WHO; 1980.
6. Fundação Nacional de Saúde. Ministério da Saúde. Centro Nacional de Epidemiologia. Coordenação-Geral de Vigilância Ambiental. Controle de vetores – procedimentos de segurança. Brasília (DF); 2001.
Endereço para correspondência:
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