Introdução
O coeficiente de mortalidade infantil é um indicador de saúde que reflete as condições de vida da população e a qualidade da assistência à saúde materna e infantil.1,2 Apesar de seu uso consagrado, a maioria dos países de baixa e média renda não dispõem de informações satisfatórias para calcular as taxas de óbitos em menores de um ano de vida.3
Os Sistemas de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e sobre Mortalidade (SIM) foram criados pelo Ministério da Saúde do Brasil em 1976 e 1990, respectivamente, e representam importantes fontes de dados para o monitoramento da mortalidade infantil. A Declaração de Nascido Vivo (DN) e a Declaração de Óbito (DO) são os instrumentos que alimentam esses sistemas, fornecendo dados para o cálculo de indicadores de saúde, epidemiológicos e demográficos.1-3
O relacionamento de bases de dados (linkage) consiste em uma estratégia para melhoria da qualidade das informações. O uso integrado de bancos de dados favorece a recuperação de registros incompletos ou inconsistentes.4-6 A utilização do linkage depende de fatores como cobertura e qualidade dos dados, para que a identificação de um mesmo indivíduo em diferentes bancos seja vinculada a um só registro, possibilitando o ganho de informações aos sistemas comparados.7,8
O emprego da técnica de linkage em pesquisas sobre as características de óbitos e nascimentos no Brasil melhora a completude e a confiabilidade das informações disponibilizadas pelo Sinasc e pelo SIM.9,10 Estudos utilizaram o linkage para identificação dos fatores de risco associados à mortalidade infantil e neonatal,8,11,12 verificação da qualidade da informação sobre nascidos vivos e óbitos infantis,5,7 e avaliação da taxa de mortalidade infantil.13
O acesso a dados confiáveis permite verificar, com maior validade, as condições de nascimentos, óbitos e seus determinantes. A disponibilidade de informações com qualidade adequada favorece a análise da situação de saúde e as ações de planejamento para reduzir a mortalidade infantil. Este estudo teve por objetivo avaliar a completude e a concordância das informações dos óbitos infantis.
Métodos
Pesquisa avaliativa com desenho descritivo, com dados de todos os óbitos de menores de um ano e nascidos vivos de mães residentes no Recife-PE, ocorridos nos anos de 2009 (nascidos vivos) a 2012, registrados nas bases de dados do Sinasc e SIM.
Para vinculação dos dados sobre óbitos infantis e nascidos vivos, foi empregado o relacionamento determinístico de registros (deterministic record linkage) utilizando-se o programa Epi Info versão 6.04d. O linkage parte de uma variável comum às diferentes fontes de informações para a unificação dos registros em um banco único, preenchendo os campos em branco e corrigindo os dados incorretos.5,14
Foram adotados os seguintes campos identificadores, no relacionamento entre Sinasc e SIM: número da DN; nome da mãe e data de nascimento. Para se evitar a classificação errônea de falsos positivos e/ou falsos negativos, os pares formados foram verificados mediante revisão manual, utilizando-se as variáveis 'endereço', 'sexo' e 'peso ao nascer'.6
Para cada variável comum ao Sinasc e SIM, realizou-se a análise do preenchimento pré-linkage e pós-linkage segundo os escores propostos por Romero e Cunha,15 que consideram a incompletude como a proporção de campos ignorados/em branco, adotando os seguintes critérios: excelente (<5%); bom (5 a 9,9%); regular (10 a 19,9%); ruim (20 a 49,9%) e muito ruim (≥50%).
O teste do qui-quadrado (c2) de Pearson foi utilizado para verificar a existência de diferenças significativas entre as proporções de preenchimento das variáveis comuns ao SIM e ao Sinasc e o banco de dados resultante do linkage. Analisou-se a concordância das variáveis qualitativas pelo índice Kappa, e a concordância das variáveis quantitativas discretas pelo coeficiente de correlação intraclasse (ICC). Os parâmetros utilizados como ponto de referência para classificar o índice Kappa e o ICC foram: concordância excelente (0,80 a 1,00), substancial (0,60 a 0,79), moderada (0,40 a 0,59), razoável (0,20 a 0,39), pobre (0 a 0,19) e sem concordância (<0).16 Adotou-se o nível de significância de 5%. As análises foram realizadas com auxílio do programa R versão 3.2.2 for Windows(r).
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas da Fundação Joaquim Nabuco (CAAE: 27491014.6.0000.5619) em 10 de março de 2014, e contou com a anuência da Secretaria de Saúde do Recife.
Resultados
Foram registrados 88.988 nascidos vivos no Sinasc, de 1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2012; e 837 óbitos de menores de um ano de idade no SIM, de 1º de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2012. Foi possível relacionar 811 (96,9%) DO com suas respectivas DN. Constatou-se que das 26 (3,1%) observações não pareadas, 15 (1,8%) demonstraram problemas em uma das variáveis identificadoras - nome da mãe - que apresentou grafias diferentes entre bancos de dados; sete variáveis (0,8%) não possuíam preenchimento do número da DN no SIM e quatro (0,4%) tinham divergência entre os dois bancos quanto a esse campo (Figura 1).
No pré-linkage, observou-se um baixo percentual de incompletude no Sinasc, menor que o encontrado no SIM. Todas as variáveis apresentaram preenchimento acima de 95% no SIM e de 98% no Sinasc, sendo classificadas como excelentes. No pós-linkage, foi possível recuperar os campos não preenchidos e completar a informação total das variáveis, que alcançaram entre 99 e 100% do preenchimento, mantendo-se excelentes (Tabela 1).
a) Teste do qui-quadrado de Pearson. O p-valor refere-se à comparação do Sinasc e do SIM com o banco de dados resultante do linkage.
b) NA: não aplicado, pois as proporções em análise são iguais.
Na comparação das proporções de preenchimento entre as variáveis dos bancos Sinasc e pós-linkage, apenas a variável 'quantidade de filhos tidos mortos' apresentou diferença estatisticamente significativa (p<0,05). Na análise entre os bancos SIM e pós-linkage, houve diferença estatisticamente significativa para todas as variáveis, exceto 'sexo' (Tabela 1).
Segundo o índice Kappa, a concordância foi excelente para todas as variáveis (índice Kappa >0,80). A maior concordância aferida pelo ICC, classificada como excelente, foi identificada para a variável 'peso ao nascer' (ICC=0,997), enquanto a menor concordância, classificada como substancial, foi encontrada para 'quantidade de filhos tidos vivos' (ICC=0,762) (Tabela 2).
Discussão
Observou-se uma elevada proporção de vinculação entre ambos sistemas de informações, superior a 95%. Pesquisa recente (2015) sobre o linkage entre o SIM e o Sinasc para o aperfeiçoamento das informações da mortalidade infantil também identificou um percentual maior que 95% no Recife-PE.5 Avanços na cobertura e regularidade do SIM e do Sinasc,17,18 melhorias no preenchimento da DO e da DN,19 além da consolidação da vigilância do óbito infantil e fetal na capital pernambucana, são fatores que contribuíram para a adequação das informações relacionadas.2
Verificou-se que uma das variáveis identificadoras (nome da mãe) demonstrou grafias diferentes em parte dos registros, entre os bancos de dados. Trata-se de um caso com poder de dificultar o pareamento entre a DO e a DN.6 Outra parcela importante das observações não pareadas apresentou ausência ou divergência no número na DN, fato revelador de uma deficiência na coleta dessa informação, remetendo à necessidade de melhorias no preenchimento desse dado.4
Para todas as variáveis comuns ao Sinasc e ao SIM analisadas, houve completude excelente. Uma avaliação do Sinasc no âmbito nacional constatou que o sistema apresenta alta completitude e baixo percentual de ignorados.19 A quase totalidade dos óbitos registrados ocorreu em ambiente hospitalar, facilitando o resgate das informações nos prontuários da mãe e do recém-nascido.17 Essa circunstância, provavelmente, permitiu a recuperação dos dados do SIM a partir dos registros do Sinasc, com incremento do percentual de completude após o linkage.
Os campos de todas as variáveis analisadas nas DN e DO apresentaram concordância substancial a excelente. Este achado também ratifica a melhoria no nível de adequação das informações vitais,20 demonstra a qualidade satisfatória dos dados relacionados aos eventos vitais e reafirma a utilização desses sistemas de informações como instrumentos de aferição da situação de saúde.10
Para que as avaliações da adequação das informações possam contribuir com o aperfeiçoamento das estatísticas vitais, é necessário incorporar a análise contínua da completude da DO e da DN. Sugere-se a utilização do linkage na rotina dos serviços de saúde do município, haja vista seu baixo custo operacional, facilidade de execução e potencial de melhorias na qualidade dos sistemas de informações de estatísticas vitais.