Introdução
A promoção da saúde ocorre quando a comunidade se apropria dos conhecimentos necessários para melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo maior participação dos indivíduos no controle deste processo.1 O conceito de promoção da saúde engloba os determinantes relacionados aos aspectos comportamentais e de estilo de vida, e também às condições sociais e ambientais em que as pessoas vivem e trabalham.2
Entre os principais marcos referenciais na temática da promoção da saúde se destacam o Relatório Lalonde, publicado em 1974 no Canadá, e a Carta de Ottawa, em 1986, resultado da I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde,1 firmando-a como proposta a ser incorporada como diretriz na formulação de políticas públicas de saúde.3 Estes movimentos influenciaram a reforma sanitária e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, que tem adotado a Atenção Básica à Saúde (ABS) para implementar ações intersetoriais de promoção da saúde e prevenção de agravos.2,4
No Brasil, a expansão da ABS ocorre prioritariamente por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF), que apresenta desempenho positivo em relação ao modelo tradicional,4,5 pois atua em território delimitado, com adscrição e acompanhamento longitudinal da população,2 permitindo oferecer acesso universal às orientações sobre estilos de vida saudáveis, e estimulando a prevenção de doenças crônicas e transmissíveis.
No entanto, independentemente do modelo de atenção à saúde, as prerrogativas da Política Nacional da Atenção Básica devem prevalecer na organização da rede de atenção e processo assistencial, considerando os princípios e objetivos da Política Nacional de Promoção da Saúde, de 2014. Estudo populacional realizado com indivíduos adultos em 100 municípios brasileiros em 2008 e 20096,7 e outro realizado com equipes da atenção básica do país em 20128 identificaram prevalências baixas e/ou não satisfatórias de práticas direcionadas à promoção da saúde. Além disso, há escassez de estudos brasileiros que avaliam as ações de promoção da saúde conforme modelo assistencial ou cobertura de ESF.
O objetivo deste estudo é investigar a oferta de ações educativas e de promoção da saúde na atenção básica e sua associação com fatores demográficos e de cobertura da estratégia saúde da família, no Rio Grande do Sul, Brasil.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal realizado em serviços de saúde que empregou o banco de dados da avaliação externa do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) no Rio Grande do Sul. Em 2010, o estado possuía 497 municípios e uma população estimada em 11.247.972 habitantes.9 Segundo informações do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, 2.686 Equipes de Atenção Básica (EAB) estavam cadastradas, em 2012. A avaliação foi realizada por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em parceria com o Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde (DAB/MS), de junho a outubro de 2012.
O instrumento utilizado na avaliação externa possuía quatro módulos: Módulo I (infraestrutura, materiais, insumos e medicamentos da Unidade Básica de Saúde-UBS); Módulo II (processo de trabalho da equipe e da organização do cuidado com o usuário); Módulo III (satisfação e percepção dos usuários quanto ao acesso e à qualidade do serviço de saúde); e Módulo IV (informações complementares aos outros módulos respondidas on-line pela gestão local).10
O desfecho “ações educativas e de promoção da saúde” foi investigado por meio de perguntas independentes (Figura 1) e respostas dicotômicas (sim/não). A pergunta A equipe oferta ações educativas e de promoção da saúde? foi direcionada a cada ação específica detalhada na Figura 1. Estas fazem parte do Módulo II,10 juntamente com as características do perfil dos profissionais e das EAB e as ações por eles desenvolvidas nas unidades avaliadas (Figura 1).
a)Variáveis dicotômicas.
b) PMAQ-AB: Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica.
UBS: Unidade Básica de Saúde.
As variáveis de exposição utilizadas para associação à oferta de ações educativas e de promoção da saúde foram as seguintes: porte do município9 (até 10.000 habitantes; de 10.001 a 30.000; de 30.001 a 100.000; 100.001 ou mais habitantes); Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM),11 classificado em percentil 50 (0,666 a 0,802; 0,803 a 0,870) devido à pequena variação na amplitude de IDH entre os municípios do estado; e cobertura populacional da ESF12 (até 30%; de 30% a 64,9%; e 65% ou mais).
O questionário foi aplicado nas dependências da UBS, em data acordada com a gestão municipal, e respondido por um profissional médico, enfermeiro ou dentista, não sendo obrigatório o exercício, pelo respondente, de papel de coordenador da equipe. Os dados foram coletados em formulários eletrônicos por meio de tablets e transferidos automaticamente para banco de dados nacional do Ministério da Saúde.
Foram realizadas análises descritivas, sendo as variáveis expressas com frequências absolutas e relativas. Verificou-se associação entre as ações educativas e de promoção da saúde com as variáveis de exposição. A análise dos fatores associados foi realizada pelo cálculo da razão de prevalência (RP) e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), por meio da regressão de Poisson. O programa Stata versão 12.0 foi utilizado para análise dos dados.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFPel, mediante protocolo nº 38/2012, seguindo os preceitos éticos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466/2012. Para o uso do banco de dados, foi solicitada a autorização do coordenador do estudo na UFPel. Os autores declaram não haver conflitos de interesse em relação ao tema de estudo.
Resultados
Os instrumentos de pesquisa foram aplicados em 816 equipes, em 336 municípios, e respondidos majoritariamente por enfermeiros (89,7%), seguidos de médicos (7,4%) e dentistas (2,9%). Os coordenadores da equipe responderam por 82,4% do total das entrevistas. Praticamente dois terços dos respondentes (62,8%) atuavam no serviço há menos de três anos e somente 11,4% possuíam tempo igual ou superior a dez anos. Entre os modelos de atenção, houve predomínio da ESF com saúde bucal (66,5%), seguido de ESF sem saúde bucal (31,0%); 83,9% dos profissionais já possuíam ou estavam em alguma formação complementar. Houve a seguinte distribuição de frequência das equipes avaliadas, segundo porte populacional do município: 33,9% até 10.000 habitantes; 21,0% entre 10.001 a 30.000 habitantes; 21,6% entre 30.001 e 100.000 habitantes; e 23,5% com 100.001 ou mais habitantes. De acordo com o IDHM, 50,1% dos municípios tiveram índice entre 0,666 e 0,8020, e 47,7% tinham cobertura de ESF igual ou superior a 65,0%.
Na Figura 2, verifica-se a proporção de equipes que ofertaram ações educativas e de promoção da saúde. Frequências maiores foram encontradas para ações direcionadas à prevenção e tratamento de diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica, ao pré-natal e puerpério - aleitamento materno e prevenção do câncer de colo de útero e de mama. Em contrapartida, as menores frequências eram direcionadas à prevenção e tratamento ao uso, abuso e dependência decorrentes de crack, álcool e outras drogas e ansiolíticos/benzodiazepínicos, tuberculose e hanseníase.
a) Dengue, vírus da imunodeficiência humana, tuberculose, hanseníase, tracoma.
b) 29 perdas.
c) Prevenção e tratamento ao uso, abuso e dependência.
A proporção e a RP de EAB que ofertaram ações de saúde, estratificadas por porte populacional, IDHM e cobertura de ESF, são apresentadas nas Tabelas 1, 2 e 3.
Ações de saúde | Saúde da mulher (câncer do colo do útero e da mama) | Gestantes e puérperas (aleitamento materno) | Planejamento familiar | Saúde sexual e reprodutiva | Práticas corporaisb | Atividade físicab | Alimentação saudável | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
% | RP (IC95%) | % | RP (IC95%) | % | RP (IC95%) | % | RP (IC95%) | % | RP (IC95%) | % | RP (IC95%) | % | RP (IC95%) | |
Porte populacional | ||||||||||||||
Até 10.000 | 80,1 | 1,00 | 88,8 | 1,00 | 72,2 | 1,00 | 71,1 | 1,00 | 44,5 | 1,00 | 53,2 | 1,00 | 76,5 | 1,00 |
10.001 a 30.000 | 82,5 | 1,03 (0,94;1,13) | 79,5 | 0,89 (0,72;0,98) | 72,5 | 1,00 (0,89;1,13) | 62,6 | 0,88 (0,77;1,01) | 47,6 | 1,07 (0,87;1,32) | 57,9 | 1,09 (0,92;1,29) | 79,5 | 1,04 (0,94;1,15) |
30.001 a 100.000 | 77,3 | 0,96 (0,87;1,06) | 84,1 | 0,95 (0,88;1,02) | 73,9 | 1,02 (0,91;1,15) | 70,5 | 0,99 (0,88;1,11) | 52,4 | 1,18 (0,97;1,43) | 66,5 | 1,25 (1,07;1,46) | 75,6 | 0,99 (0,89;1,10) |
100.001 ou mais | 82,3 | 1,03 (0,94;1,12) | 83,3 | 0,94 (0,87;1,01) | 77,6 | 1,07 (0,97;1,19) | 71,9 | 1,01 (0,90;1,14) | 40,4 | 0,91 (0,73;1,13) | 55,3 | 1,04 (0,88;1,23) | 72,4 | 0,95 (0,85;1,05) |
P-valora | 0,871 | 0,141 | 0,194 | 0,659 | 0,719 | 0,266 | 0,274 | |||||||
IDHMc | ||||||||||||||
0,666 a 0,8020 | 81,2 | 1,00 | 85,6 | 1,00 | 75,1 | 1,00 | 69,2 | 1,00 | 46,7 | 1,00 | 55,4 | 1,00 | 73,1 | 1,00 |
0,8030 a 0,8700 | 79,9 | 0,98 (0,92;1,05) | 83,5 | 0,98 (0,92;1,04) | 72,7 | 0,97 (0,89;1,05) | 69,5 | 1,00 (0,92;1,10) | 45,1 | 0,97 (0,83;1,12) | 59,7 | 1,08 (0,96;1,22) | 78,9 | 1,08 (0,99;1,17) |
P-valora | 0,634 | 0,421 | 0,448 | 0,916 | 0,657 | 0,222 | 0,055 | |||||||
Cobertura da ESF | ||||||||||||||
Até 30% | 79,3 | 1,00 | 82,1 | 1,00 | 75,9 | 1,00 | 70,8 | 1,00 | 38,2 | 1,00 | 52,0 | 1,00 | 72,2 | 1,00 |
30 a 64,9% | 79,1 | 1,00 (0,91;1,10) | 81,9 | 1,00 (0,91;1,09) | 69,8 | 0,92 (0,82;1,03) | 68,4 | 0,97 (0,85;1,10) | 50,7 | 1,33 (1,06;1,65) | 64,3 | 1,24 (1,05;1,46) | 76,7 | 1,06 (0,95;1,19) |
65% ou mais | 82,0 | 1,03 (0,95;1,12) | 87,4 | 1,06 (0,99;1,15) | 75,1 | 0,99 (0,90;1,09) | 69,2 | 0,98 (0,88;1,09) | 47,3 | 1,24 (1,00;1,52) | 56,9 | 1,10 (0,93;1,28) | 77,6 | 1,08 (0,97;1,19) |
Valor de pa | 0,369 | 0,060 | 0,984 | 0,728 | 0,071 | 0,441 | 0,163 |
a) Qui-quadrado para heterogeneidade ou tendência linear.
b) 29 Perdas.
c) Índice de Desenvolvimento Humano Municipal.
PMAQ-AB: Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica.
RP: Razão de prevalência.
IC95%: Intervalo de confiança.
ESF: Estratégia Saúde da Família.
Ações de saúde | Apoio ao autocuidado para doenças crônicas | Hipertensão arterial | Diabetes mellitus | Saúde do idoso | Saúde do homem | Ações para crack, álcool e outras drogas | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
% | RP (IC95%) | % | RP (IC95%) | % | RP (IC95%) | % | RP (IC95%) | % | RP (IC95%) | % | RP (IC95%) | |
Porte populacional | ||||||||||||
Até 10.000 | 63,9 | 1,00 | 88,5 | 1,00 | 89,2 | 1,00 | 71,1 | 1,00 | 42,2 | 1,00 | 39,4 | 1,00 |
10.001 a 30.000 | 73,1 | 1,14 (1,01;1,30) | 94,7 | 1,07 (1,01;1,13) | 94,2 | 1,06 (1,00;1,12) | 72,5 | 1,01 (0,91;1,15) | 36,3 | 0,86 (0,67;1,09) | 34,5 | 0,88 (0,68;1,13) |
30.001 a 100.000 | 65,3 | 1,02 (0,89;1,18) | 90,9 | 1,03 (0,96;1,09) | 92,1 | 1,03 (0,97;1,10) | 70,5 | 0,99 (0,88;1,12) | 26,1 | 0,62 (0,47;0,82) | 27,8 | 0,71 (0,53;0,94) |
100.001 ou mais | 72,4 | 1,13 (1,00;1,28) | 90,6 | 1,02 (0,96;1,09) | 90,7 | 1,02 (0,96;1,08) | 70,8 | 0,99 (0,89;1,12) | 28,7 | 0,68 (0,52;0,88) | 24,5 | 0,62 (0,47;0,83) |
P-valora | 0,137 | 0,555 | 0,619 | 0,870 | <0,001 | <0,001 | ||||||
IDHMb | ||||||||||||
0,666 a 0,8020 | 65,8 | 1,00 | 90,7 | 1,00 | 91,0 | 1,00 | 71,9 | 1,00 | 34,7 | 1,00 | 35,7 | 1,00 |
0,8030 a 0,8700 | 70,5 | 1,07 (0,98;1,18) | 90,9 | 1,00 (0,96;1,05) | 91,4 | 1,00 (0,96;1,05) | 70,5 | 0,98 (0,90;1,07) | 33,9 | 0,97 (0,81;1,18) | 29,0 | 0,81 (0,66;0,99) |
P-valora | 0,147 | 0,921 | 0,822 | 0,667 | 0,807 | 0,042 | ||||||
Cobertura da ESF | ||||||||||||
Até 30% | 67,9 | 1,00 | 88,2 | 1,00 | 88.7 | 1,00 | 68,9 | 1,00 | 25,5 | 1,00 | 19,3 | 1,00 |
30 a 64,9% | 74,0 | 1,09 (0,96;1,23) | 94,0 | 1,07 (1,00;1,13) | 94.4 | 1,06 (1,00;1,13) | 71,2 | 1,03 (0,91;1,17) | 31,2 | 1,22 (0,90;1,66) | 30,2 | 1,56 (1,11;2,20) |
65% ou mais | 65,0 | 0,96 (0,85;1,08) | 90,5 | 1,03 (0,97;1,09) | 90.8 | 1,02 (0,97;1,08) | 72,5 | 1,05 (0,94;1,17) | 40,9 | 1,60 (1,24;2,08) | 40,6 | 2,10 (1,55;2,85) |
P-valora | 0,298 | 0,562 | 0,617 | 0,359 | <0,001 | <0,001 |
a) Qui-quadrado para heterogeneidade ou tendência linear.
b) Índice de Desenvolvimento Humano Municipal.
PMAQ-AB: Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica.
RP: Razão de prevalência.
IC95%: Intervalo de confiança.
ESF: Estratégia Saúde da Família.
Ações de saúde | Ações para ansiolíticos e benzodiazepínicos | Tuberculose | Hanseníase | Doenças transmissíveis | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
% | RP (IC95%) | % | RP (IC95%) | % | RP (IC95%) | % | RP (IC95%) | |
Porte populacional | ||||||||
Até 10.000 | 23,8 | 1,00 | 32,1 | 1,00 | 29,6 | 1,00 | 71,1 | 1,00 |
10.001 a 30.000 | 21,1 | 0,88 (0,62;1,26) | 28,1 | 0,87 (0,65;1,17) | 23,4 | 0,79 (0,57;1,10) | 66,1 | 0,93 (0,82;1,02) |
30.001 a 100.000 | 20,5 | 0,86 (0,60;1,23) | 26,1 | 0,81 (0,60;1,10) | 17,1 | 0,58 (0,40;0,84) | 69,3 | 0,97 (0,86;1,10) |
100.001 ou mais | 14,6 | 0,61 (0,41;0,92) | 38,0 | 1,18 (0,92;1,52) | 9,9 | 0,33 (0,21;0,53) | 67,7 | 0,95 (0,84;1,08) |
P-valora | 0,019 | 0,371 | <0,001 | 0,522 | ||||
IDHMb | ||||||||
0,666 a 0,8020 | 22,0 | 1,00 | 28,1 | 1,00 | 21,5 | 1,00 | 68,2 | 1,00 |
0,8030 a 0,8700 | 18,7 | 0,85 (0,65;1,11) | 34,6 | 1,23 (1,00;1,51) | 20,4 | 0,95 (0,73;1,24) | 69,5 | 1,02 (0,93;1,12) |
P-valora | 0,238 | 0,046 | 0,694 | 0,685 | ||||
Cobertura da ESF | ||||||||
Até 30% | 11,3 | 1,00 | 34,0 | 1,00 | 10,4 | 1,00 | 64,6 | 1,00 |
30 a 64,9% | 18,6 | 1,64 (1,03;2,63) | 28,4 | 0,84 (0,63;1,11) | 14,9 | 1,43 (0,86;2,39) | 70,7 | 1,09 (0,96;1,25) |
65% ou mais | 26,2 | 2,32 (1,53;3,50) | 31,6 | 0,93 (0,73;1,18) | 30,1 | 2,90 (1,90;4,43) | 70,2 | 1,09 (0,96;1,22) |
P-valora | <0,001 | 0,683 | <0,001 | 0,209 |
a) Qui-quadrado para heterogeneidade ou tendência linear.
b) Índice de Desenvolvimento Humano Municipal.
PMAQ-AB: Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica.
RP: Razão de prevalência.
IC95%: Intervalo de confiança.
ESF: Estratégia Saúde da Família.
A análise mostrou que, conforme aumenta o porte populacional dos municípios, diminui a proporção de EAB que organizam ações direcionadas para a saúde do homem, para o uso, abuso e dependência de crack, álcool e outras drogas e de ansiolíticos/benzodiazepínicos, assim como para a prevenção da hanseníase. A proporção de equipes que ofertaram as demais ações de saúde não apresentou diferença significativa conforme o porte populacional dos municípios (Tabelas 1, 2 e 3).
Os municípios com maiores IDHM apresentaram menor probabilidade de as equipes realizarem ações direcionadas para uso, abuso e dependência de crack, álcool e outras drogas, em comparação aos municípios de menor IDHM. No entanto, a probabilidade de as equipes oferecerem ações voltadas à prevenção da tuberculose é 23% maior nos municípios de maior IDHM; e com valor muito próximo da significância, estes municípios também apresentam maior probabilidade de ações para alimentação saudável (Tabela 1 e 3).
Residir em municípios com cobertura de ESF de 65% ou mais, em comparação aos municípios com cobertura de ESF inferior a 30%, aumentou 1,6 (IC95% 1,24;2,08) vez a proporção de equipes que ofertam ações para a saúde do homem; 2,1 e 2,3 vezes para o uso, abuso e dependência de crack, álcool e outras drogas, e para ansiolíticos e benzodiazepínicos, respectivamente; e 2,9 vezes para prevenção da hanseníase. A proporção de equipes que referiram ofertar as demais ações de saúde não apresentou diferença significativa conforme a cobertura de ESF (Tabelas 2 e 3).
Discussão
A oferta de ações educativas e de promoção da saúde mais frequentes eram voltadas à prevenção de diabetes mellitus e hipertensão arterial, ao acompanhamento do pré-natal e puerpério - aleitamento materno e prevenção do câncer de colo de útero e de mama. Há necessidade de aumento da proporção de equipes que realizem ações direcionadas para uso e dependência de drogas lícitas, ilícitas e ansiolíticos/benzodiazepínicos, e prevenção da tuberculose e hanseníase. A oferta de ações foi maior nos municípios de menor porte populacional e com maior cobertura de ESF.
Segundo as equipes, as ações mais ofertadas foram as direcionadas à prevenção e tratamento da hipertensão e diabetes, com 90,8% e 91,2%, respectivamente. As condições crônicas são cada vez mais prevalentes entre a população brasileira. No Sul do país, a prevalência de portadores de hipertensão arterial foi de 22,9% em 2013, maior que a média nacional (21,4%), enquanto a proporção de portadores de diabetes foi de 6,2% na região Sul e no país.13 O manejo requer um cuidado contínuo e integral para prevenção de complicações, como a oferta e adesão ao tratamento, orientações sobre hábitos de vida saudáveis, incentivo ao autocuidado, exames periódicos, visitas domiciliares, construção de vínculo entre profissional e usuário, atividades educativas em grupo,14 além de exame físico minucioso e suporte psicológico.
Uma das principais estratégias desenvolvidas pelas EAB a fim de promover a saúde das pessoas com doenças crônicas são os grupos de apoio ao autocuidado. Desenvolvidos por 68,9% das equipes pesquisadas, estas ações tornaram-se uma prática rotineira na atenção básica e podem intensificar processos de educação em saúde, facilitar a construção de vínculos e promover o autocuidado e a adesão ao tratamento.15 No entanto, a participação nesta atividade é por vezes colocada pelos profissionais como uma exigência ou uma barreira para acesso a determinados serviços,15 como o acesso à medicação para hipertensão e diabetes. Além disso, quando tradicionais, repetitivas e direcionadas à doença, as atividades em grupo podem desestimular a participação dos usuários.16
Considerando-se que estilos de vida inadequados estão associados ao surgimento de doenças crônicas,3 cabe aos profissionais desenvolverem ações de promoção da saúde, incentivando hábitos de vida saudáveis, como alimentação adequada, prática de atividade física e práticas corporais. No entanto, embora 76% das equipes realizassem ações de esclarecimento sobre a importância da alimentação saudável, apenas metade desenvolvia ações voltadas à prática de atividades físicas e corporais.
Estes resultados sugerem que a oferta de ações de saúde está focada em indivíduos com problemas crônicos e mudanças de hábitos de vida inadequados, e não na promoção da saúde em população saudável.17 Estudos realizados no Brasil6,7 verificaram que indivíduos adultos com doenças crônicas (hipertensão e diabetes) e com excesso de peso receberam mais orientações sobre alimentação saudável e prática de atividade física do que os indivíduos sem doenças crônicas ou excesso de peso.
Neste estudo, 71,2% das equipes ofereciam ações à população idosa, prática que merece investimentos. Ressalta-se que o índice de envelhecimento no Rio Grande do Sul - relação entre número de idosos de 60 anos ou mais e de pessoas com até 15 anos - foi de 65,4 em 2012, enquanto no país foi de 44,7.18 O envelhecimento populacional vem aumentando a prevalência de doenças crônicas e de incapacidades, gerando desafios para o setor da saúde, como a promoção do envelhecimento ativo e a garantia da atenção à saúde do idoso.19 Assim, são necessárias ações de promoção da saúde orientadas ao envelhecimento saudável, e não resumidas ao acompanhamento das cronicidades.
Identificou-se baixa proporção de equipes que ofertaram ações direcionadas à saúde do homem. O atendimento de atenção básica tem privilegiado ações programáticas voltadas à saúde da mulher, da criança e do idoso, pouco favorecendo a atenção à saúde do homem.20 E, embora os homens sejam vulneráveis ao adoecimento, eles não buscam os serviços de atenção básica como as mulheres20, o que pode contribuir para a maior taxa de mortalidade e menor expectativa de vida dos homens em comparação às mulheres, no estado e no país.18 Assim, em 2008 foi criada uma política de saúde para esta população, porém, envolvê-los em abordagens educativas ainda é um desafio, embora seja uma estratégia prioritária do Ministério da Saúde.8
Os resultados demostraram que é alta a proporção de equipes que referiram a realização de ações direcionadas ao pré-natal e ao puerpério, assim como à prevenção do câncer de colo de útero e de mama. No Rio Grande do Sul, a proporção de mulheres que realizaram sete ou mais consultas de pré-natal foi de 71,1% em 2012, ao passo que as proporções de mulheres que realizaram exame preventivo do câncer do colo do útero e de mama foi de 80,4 e 58,6%, respectivamente, revelando-se maiores do que a média nacional.18
Cabe destacar que, embora existam políticas de saúde estruturadas, como o pré-natal, com ampliação da cobertura, ainda há comprometimento da qualidade. Além disso, a atenção puerperal não está consolidada, uma vez que a primeira visita das mulheres aos serviços de saúde após o parto, na grande maioria, tem como objetivo a saúde do recém-nascido, especialmente avaliação e vacinação.21 A proporção de consultas de pré-natal e exames preventivos do câncer de colo de útero e de mama pode ter contribuído para os coeficientes de mortalidade infantil e materna do estado, em 2014, que foram menores que o resultados alcançados pelo país.22,23 Entretanto, não foram atingidas as Metas do Milênio estabelecidas até o fim de 2015 para a mortalidade materna e câncer de mama,22,23 o que está exigindo maiores investimentos em ações de saúde educativas e de promoção da saúde.
Saliente-se que a proporção de equipes que ofertaram ações voltadas ao planejamento familiar e à saúde sexual e reprodutiva é menor em relação às que desenvolviam as ações referidas anteriormente. No Rio Grande do Sul, a integralidade da atenção está aquém do que é preconizado pelo Ministério da Saúde, uma vez que a prática dos profissionais da atenção básica se destina à assistência ao ciclo gravídico-puerperal e a doenças. A atenção básica tem um papel fundamental nestas ações; no entanto, o planejamento familiar frequentemente resume-se aos métodos anticoncepcionais, e os aspectos relacionados à saúde sexual e reprodutiva, como informações sobre a sexualidade, doenças sexualmente transmissíveis e concepção são negligenciados.24
A realização de grupos de orientação sobre doenças transmissíveis foi referido por 68,9% das equipes, abrangendo dengue, vírus da imunodeficiência humana (HIV), tuberculose, hanseníase e tracoma. No entanto, somente 31,4% das equipes realizavam ações para prevenção da tuberculose e 21,0% para hanseníase.
O Brasil apresentou avanços em relação à tuberculose, com redução do coeficiente de incidência para 36,7/100 mil hab. em 2014.25 No entanto, no Rio Grande do Sul, a incidência se manteve em 43,6 casos/100mil hab. nos últimos anos e não foi atingida a meta de 85% de cura dos casos novos.23 Ressalta-se que há uma dificuldade de organização dos serviços de saúde, principalmente em relação ao seguimento destes casos e implantação do método do Tratamento Diretamente Observado (TDO) nos municípios.23 Este resultado pode também ser reflexo da pouca oferta de ações educativas e de promoção da saúde pelas EAB do estado.
Destaca-se que a maior prevalência de ações voltadas à tuberculose em municípios de maior IDH pode estar relacionada ao encaminhamento dos indivíduos infectados a serviços especializados, que em sua maioria se localizam em municípios de grande porte populacional. Estes, por sua vez, têm apresentado melhores condições econômicas, com maior capacidade de investimento em serviços, tecnologias e recursos humanos.26
No Brasil, o coeficiente de detecção geral de casos novos de hanseníase é de 15,32/100 mil hab. O Rio Grande do Sul apresenta níveis de eliminação da doença como problema de saúde pública, com coeficiente de 1,25 caso/100mil hab.; entretanto, tem o maior percentual de casos diagnosticados tardiamente.23 O baixo nível endêmico pode ser motivo para pouca mobilização e vigilância, o que é percebido com a baixa proporção de equipes que ofereceram ações para prevenção da tuberculose. Estudo brasileiro8 mostra que as ações educativas e de promoção da saúde dirigidas para tuberculose e hanseníase possuem maior prevalência de oferta no país em comparação ao estado do Rio Grande do Sul.
Em relação ao HIV e à aids, o Brasil avançou e foi destaque internacional ao promover a testagem rápida e o tratamento com a terapia antirretroviral, reduzindo em 10,9% a mortalidade no país e no estado do Rio Grande do Sul, no período de 2003 a 2014.27 O Rio Grande do Sul é o segundo estado com maior taxa de detecção de aids no Brasil (38,3/100 mil hab.), o dobro do coeficiente nacional (19,7/100 mil hab.).23 No entanto, é necessário evitar a disseminação da doença, priorizando-se medidas de prevenção, principalmente a sexual.
A dengue apresentou alta incidência entre 2002 e 2012 no país, sendo que a região Sul teve a menor incidência comparada às demais, com destaque para o Rio Grande do Sul.28 O perfil epidemiológico das doenças transmissíveis mostra a necessidade de ações mais efetivas para o controle, reestruturação da vigilância epidemiológica, revisão das políticas, inclusão das realidades locais e integração das ações da saúde com outros setores dos governos e da sociedade.28
Destaca-se ainda baixa proporção de equipes que ofertaram ações de prevenção e tratamento ao uso, abuso e dependência de crack, álcool e outras drogas (32,4%). O consumo de substâncias lícitas e ilícitas tem se tornado um problema de saúde pública, devido ao aumento do consumo e dos consequentes danos à saúde. Estudo nacional, em 2013, demonstrou que 15,0% da população brasileira é usuária de produtos derivados do tabaco, enquanto 24% consome bebida alcoólica uma vez ou mais por semana; no Rio Grande do Sul, a prevalência destes foi de 16,1 e 28,4%, respectivamente.13 Este cenário demonstra que é preciso um olhar mais acurado sobre a configuração atual do cenário das drogas no país e que é indispensável responder às demandas no campo da prevenção. Considera-se necessário um envolvimento conjunto de diferentes setores da sociedade e de instituições, como a escola, a saúde e a segurança.29
A baixa proporção de equipes que realizaram ações com vista à redução do consumo de ansiolíticos e benzodiazepínicos (20,3%) denuncia a necessidade de maior atenção à saúde mental. O consumo de medicamentos sem indicação ou sem se seguir a prescrição médica pode acarretar vários danos à saúde. Os benzodiazepínicos promovem tolerância e dependência e, portanto, seu uso deve ser criterioso e seguro, sendo prioridade desenvolver estratégias de intervenção, uma vez que a gravidade advinda do uso inadequado é elevada.30
Ao realizar uma análise geral das equipes que ofertaram ações educativas e de promoção da saúde na atenção básica, precisamos considerar que são equipes e municípios que manifestaram adesão ao PMAQ e se submeteram voluntariamente a um processo avaliativo. Portanto, a frequência de ações oferecidas no universo das EAB no estado é provavelmente menor do que constataram os dados desta análise.3 Além disso, há evidências na literatura de que as equipes podem superestimar a realização de ações em saúde,3 daí a importância de avaliar a existência de documentos comprobatórios das respectivas ações, o que não foi possível neste estudo, devido a inconsistências encontradas no banco de dados.
Na estratificação das equipes que referiram realizar ações por porte populacional, observou-se que, conforme o aumento do porte do município, houve diminuição da proporção de equipes que ofertaram ações educativas e de promoção da saúde. Frequentemente os municípios de pequeno porte concentram as maiores coberturas da ESF,12 o que pode favorecer resultados positivos, apesar de tais localidades, em sua maioria, não possuírem as melhores condições econômicas. Destaca-se que a implantação e a organização da ESF nos grandes municípios acontecem em um contexto complexo, que pode dificultar sua execução e efetivação.26
O aumento da proporção de equipes que ofertaram ações educativas e de promoção da saúde em municípios com maior cobertura de ESF reforça seu papel reorganizador da atenção básica,2 apesar de a maioria das ofertas não apresentarem associação com cobertura da ESF. Ressalta-se que, caso a cobertura da ESF atingisse 100% da população dos municípios, independentemente do seu porte populacional e nível de IDHM, a oferta destas ações se elevaria a níveis mais satisfatórios,5 o que demostra a necessidade de expansão da ESF no país.
O PMAQ-AB é uma iniciativa do governo federal, responsável pelo repasse de incentivos financeiros que possibilitam a melhoria da qualidade da estrutura e da assistência nos serviços. Assim, análises posteriores devem ser realizadas incluindo os dados coletados em 2014 no Brasil, com o intuito de avaliar se houve aumento da prevalência de oferta das ações educativas e de promoção da saúde. Além disso, são necessárias pesquisas que avaliem a efetividade e o impacto destas ações na saúde da população.
Com este estudo, podemos concluir que a oferta de ações de promoção da saúde ainda está predominantemente voltada àquelas tradicionalmente desenvolvidas desde a implantação da ABS no Brasil, como as direcionadas à saúde da mulher, ao período reprodutivo e a grupos específicos de doenças crônicas. É premente a necessidade de repensar o processo de cuidado das EAB, que ainda sofre influência do modelo biomédico de assistência à saúde. É preciso ter em vista o perfil epidemiológico, as necessidades de saúde da população local e uma atenção integral ao ofertar ações educativas e de promoção da saúde; para melhor desempenho e resolutividade, atividades intersetoriais são indispensáveis. Destaca-se ainda que essas ações não devem ser impositivas e/ou punitivas, e sim desenvolvidas numa relação de vínculo entre profissional e usuário, permitindo a conscientização e o empoderamento para o autocuidado.