Introdução
As maiores taxas de incidência de COVID-19 no Brasil estão na região Norte, com 2.843,1 casos/100 mil habitantes e mortalidade de 72,2 óbitos/100 mil hab., sendo que o estado de Rondônia, até a 20ª semana da epidemia, registrou incidência superior à apresentada pelo conjunto da região, 3.027,5 casos/100 mil hab., e mortalidade de 62,4 óbitos/100 mil hab., pouco abaixo da média da região.1 O registro do primeiro caso em Rondônia ocorreu no dia 20 de março de 2020. Quando iniciou seu curso, a pandemia seguiu um padrão comum a outros locais: uma doença de viajantes, que chegava de avião. As expectativas eram de que, rapidamente, a transmissão do SARS-CoV-2 seria contida e não causaria grandes problemas, em especial para os serviços de saúde do estado e dos municípios. Iniciou-se um lento processo de estruturação da rede hospitalar, centrado na disponibilidade de leitos de terapia intensiva. Eram frequentes as manifestações dos dirigentes na mídia, particularmente nas redes sociais, informando dos esforços para isso, incluindo os serviços de diagnóstico, centralizado no Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen/CE) e na aquisição de testes rápidos.
A distribuição dos casos no estado de Rondônia, acumulados por semana desde 20 de março até a primeira semana de agosto, manteve tendência crescente, acompanhando o comportamento geral da pandemia no país. Nas semanas iniciais, houve aceleração do número de infectados, chegando a aumentar mais de três vezes o número de casos em Rondônia. Nas últimas semanas do mês de agosto de 2020, o acréscimo foi entre 10,0 e 15,0% sobre o total de casos notificados na semana anterior. A cada dia, eram notificados, no final de agosto de 2020, cerca de 750 casos, aumentando de forma expressiva o quantitativo de casos acumulados no estado. No final de agosto de 2020, eram somados cerca de 10,0% de casos da semana anterior à semana atual.2
Muito embora tenham-se atualizado os critérios para a definição de caso de COVID-19, inicialmente era exigida a confirmação laboratorial por PCR (sigla para polymerase chain reaction), reação em cadeia da polimerase. Os números iniciais da pandemia, no Brasil, representavam uma pequena parcela da realidade, uma vez que o teste PCR, geralmente, era solicitado para casos internados com suspeita de COVID-19 e, em alguns locais, como exame de confirmação post mortem. Este critério foi ampliado, incluindo a confirmação de caso segundo parâmetros clínicos, clínico-epidemiológico, clínico-imagem e laboratoriais (incluídos biologia molecular, imunológico e pesquisa de antígeno).3
Estudos que aprofundem a investigação e caracterização da mortalidade por COVID-19 podem contribuir para a compreensão do comportamento da doença na população, em diferentes locais. Este conhecimento pode levar a intervenções oportunas e adequadas, no sentido de se prevenir esse tipo de desfecho. De acordo com um estudo realizado para identificar possíveis impactos do isolamento social em Rondônia, à medida que houve redução das restrições ao isolamento, houve, concomitantemente, aumento do número de casos e da velocidade da transmissão, e consequente aumento do número de óbitos.4 Outro aspecto relevante é a interiorização da pandemia, observada em diferentes lugares, a exemplo de Rondônia, com grande potencial para atingir populações isoladas, especialmente os povos indígenas.5
Este estudo teve como objetivo descrever as características dos óbitos por COVID-19 no estado de Rondônia.
Métodos
Trata-se de um estudo descritivo, de corte transversal, baseado em dados secundários, notificados entre 1o de janeiro e 20 de agosto de 2020.
Trata da expressão da COVID-19 na população do estado de Rondônia, entendendo que a pandemia de SARS-CoV-2 pode ser mais bem controlada quanto mais se conhecer, em nível local, as variáveis que condicionam essa expressão. Rondônia possui 52 municípios, com uma população estimada, no ano de 2020, em torno de 1.796.460 pessoas, com 50,4% concentrada na população entre 10 e 39 anos na pirâmide etária. Portanto, é uma população jovem e predominantemente urbana.
Os dados referentes aos casos de COVID-19 produzidos pelas Secretarias Municipais de Saúde são consolidados pela Secretaria Estadual de Saúde de Rondônia (SESAU-RO) e divulgados através de boletins diários da SESAU-RO.2 Compõem assimo banco de dados das Notificações de Síndrome Gripal, disponibilizados na plataforma OpenDATASUS. Os dados utilizados são oriundos do sistema e-SUS VE, desenvolvido para registro dos casos de síndrome gripal suspeitos de COVID-19. É constituído pelos dados da ficha de notificação e com informações referentes ao local de residência das pessoas, às características demográficas e clínico-epidemiológicas dos casos.
Para o presente estudo, foi utilizado o banco de dados disponibilizado pela SESAU-RO, no Portal Coronavirus, disponível em https://covid19.sesau.ro.gov.br/, extraído em 28 de agosto de 2020.6 O banco de dados é disponibilizado pelo Ministério da Saúde, através de sua Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), a partir da incorporação do sistema e-SUS VE Notifica, em vigor a partir de março de 2020.
Foram incluídos todos os casos notificados de síndrome gripal no estado de Rondônia do dia 1o de janeiro ao dia 20 de agosto de 2020, quando foram completadas as 20 primeiras semanas a partir do registro dos primeiros casos da doença no estado.
Para este estudo foram consideradas as variáveis: faixa etária (em anos); sexo (masculino; feminino); raça/cor da pele (branca; amarela; indígena; parda; ou preta); e desfecho (óbito; não óbito).
O tratamento dos dados foi realizado com uso do software Excel, versão 365. Para as análises de comparações entre as categorias, utilizou-se o teste do qui-quadrado para K proporções. Estas análises foram seguidas do procedimento de Marascuilo,7 que funciona como um complemento do teste do qui-quadrado, com o objetivo de estabelecer quais proporções tiveram diferenças estatisticamente significativas entre si, duas a duas, naqueles grupos com mais de dois componentes em que o teste do qui-quadrado mostrou que há diferença significativa nas variáveis estudadas entre os membros do grupo. Também foram calculadas as mortalidades proporcionais em cada grupo de idade e sexo, e entre as categorias informadas de raça/cor da pele. As análises estatísticas foram realizadas no suplemento XLStat do Excel, assumindo um nível de significância de 0,05.
O projeto de pesquisa que originou este artigo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Núcleo de Saúde da Universidade Federal de Rondônia (CEP/NUSAU/UNIR), e por este aprovado em 29 de maio de 2020 (CAAE 32198620.7.0000.5300, Parecer nº 4.058.458).
Resultados
A amostra estudada foi composta por 184.146 casos suspeitos. Destes, 134.342 foram considerados como não portadores de COVID-19, dados os critérios de definição de caso em vigor no momento da notificação. Foram confirmados, por sua vez, 49.804 casos de COVID-19. Dos não confirmados, 73 foram a óbito, e 1.020 dos 49.804 falecidos como efeito da doença, com letalidade de 0,05 e 2,05% respectivamente.
Os dados gerais, distribuídos conforme faixa etária, sexo e raça/cor da pele, estão apresentados na Tabela 1. Ressalte-se que os resultados do teste do qui-quadrado para K proporções confirmaram a existência de diferenças significativas estatisticamente, entre as faixas etárias e ocorrência de óbito (qui-quadrado observado de 10371,123; p-valor <0,001). Observou-se distribuição equitativa nos óbitos por COVID-19 entre homens (82 – 47,1%) e mulheres (92 – 52,9%) até os 40 anos. Após esta idade, há predominância de óbitos entre os homens (534/846 – 63,1%), em todas as faixas etárias.
Variável | Casos confirmados de COVID-19 | |||||
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| ||||||
Não | Sim | |||||
| ||||||
Óbito | Óbito | |||||
| ||||||
Não | Sim | Letalidade (%) | Não | Sim | Letalidade (%) | |
Faixa etária (em anos) | ||||||
| ||||||
< 1 | 561 | 1 | 0,18 | 188 | 2 | 1,05 |
1 - 9 | 2.539 | 0 | 0,00 | 994 | 2 | 0,20 |
10 - 19 | 8.075 | 0 | 0,00 | 2.990 | 6 | 0,20 |
20 - 39 | 63.837 | 7 | 0,01 | 22.709 | 78 | 0,34 |
40 - 59 | 47.172 | 21 | 0,04 | 16.973 | 281 | 1,63 |
60 - 69 | 7.922 | 16 | 0,20 | 3.146 | 222 | 6,59 |
70 - 79 | 2.989 | 11 | 0,37 | 1.289 | 265 | 17,05 |
80 ou mais | 1.174 | 17 | 1,43 | 495 | 164 | 24,89 |
| ||||||
Sexo | ||||||
| ||||||
Feminino | 73.900 | 24 | 0,03 | 26.282 | 394 | 1,48 |
Masculino | 60.334 | 49 | 0,08 | 22.501 | 626 | 2,71 |
Indefinido ou não informado | 35 | 0 | 0,00 | 1 | 0 | 0,00 |
| ||||||
Raça/cor | ||||||
| ||||||
Amarela | 17.302 | 6 | 0,03 | 6.974 | 106 | 1,50 |
Branca | 33.065 | 18 | 0,05 | 10.882 | 183 | 1,65 |
Indígena | 983 | 3 | 0,30 | 831 | 12 | 1,42 |
Parda | 70.704 | 39 | 0,06 | 26.101 | 597 | 2,24 |
Preta | 4.794 | 2 | 0,04 | 1.789 | 53 | 2,88 |
Não informada | 7.421 | 5 | 0,07 | 2.207 | 69 | 3,03 |
| ||||||
Total geral | 134.342 | 73 | 0,05 | 49.804 | 1.020 | 2,05 |
Ao se aplicar o procedimento de Marascuilo, visando identificar diferenças entre as faixas etárias (Tabela 2 e Figura 1), foram encontradas, sim, diferenças de letalidade, tanto maiores quanto mais velhos eram os acometidos. As faixas etárias acima de 60 anos apresentaram diferença significativa com todas as idades mais jovens. A faixa etária de 40 a 59 apresentou diferença para todas as demais, exceto para os menores de 1 ano.
Classe de idade | Diferença de proporção | Valor crítico |
---|---|---|
p(80 ou mais) | ||
| ||
p(70 - 79)a | 0,601 | 0,106 |
p(60 - 69)a | 0,793 | 0,094 |
p(40 - 59)a | 0,855 | 0,092 |
p(20 - 39)a | 0,863 | 0,092 |
p(10 - 19)a | 0,866 | 0,092 |
p(1 - 9)a | 0,866 | 0,093 |
p(< 1)a | 0,864 | 0,093 |
| ||
p(70 - 79) | ||
| ||
p(60 - 69)a | 0,192 | 0,056 |
p(40 - 59)a | 0,254 | 0,053 |
p(20 - 39)a | 0,262 | 0,053 |
p(10 - 19)a | 0,265 | 0,053 |
p(1 - 9)a | 0,265 | 0,053 |
p(< 1)a | 0,263 | 0,054 |
| ||
p(60 - 69) | ||
| ||
p(40 - 59)a | 0,062 | 0,018 |
p(20 - 39)a | 0,070 | 0,018 |
p(10 - 19)a | 0,072 | 0,018 |
p(1 - 9)a | 0,073 | 0,018 |
p(< 1)a | 0,070 | 0,021 |
| ||
p(40 - 59) | ||
| ||
p(20 - 39)a | 0,008 | 0,003 |
p(10 - 19)a | 0,010 | 0,004 |
p(1 - 9)a | 0,011 | 0,005 |
p(< 1) | 0,008 | 0,011 |
| ||
p(20 - 39) | ||
| ||
p(10 - 19) | 0,003 | 0,003 |
p(1 - 9) | 0,003 | 0,005 |
p(< 1) | 0,001 | 0,011 |
| ||
p(10 - 19) | ||
| ||
p(1 - 9) | 0,000 | 0,005 |
p(< 1) | 0,002 | 0,011 |
| ||
p(1 - 9) | ||
| ||
p(< 1 ano) | 0,002 | 0,011 |
a) Diferença com a p(classe de referência) significativa.
Para a comparação de óbitos por sexo, foi excluído todo aquele registrado como sexo indefinido (não houve óbito entre os ignorados), dado ser insignificante para os tamanhos das amostras dos sexos masculino e feminino notificados. Ao se comparar a letalidade entre homens e mulheres, observou-se diferença estatisticamente significativa com relação ao sexo, com uma probabilidade maior de óbito nas pessoas do sexo masculino que no sexo feminino: letalidades de 2,71 e 1,48%, respectivamente (qui-quadrado observado de 93,391; p-valor <0,001). Neste caso, não é necessário o procedimento de Marascuilo, por haver apenas duas categorias.
Para a comparação da letalidade por raça/cor da pele, foram desconsideradas as notificações de 2.276 casos com COVID-19 em que essa variável não foi informada. Afinal, 69 falecidos por COVID-19 não referiam raça/cor, correspondendo à maior letalidade (3,03); entre todas as notificações com essa variável preenchida, a maior proporção foi identificada nos pretos (2,88%). A falta de dados nas notificações pode resultar em possíveis limitações nos resultados das análises estatísticas aqui apresentadas. Mesmo assim, foram testadas as diferenças entre as letalidades por raça/cor da pele, e estas se mostraram estatisticamente significativas entre si (qui-quadrado observado de 32,139; p-valor <0,001), em pelo menos duas categorias.
O procedimento de Marascuilo produz os resultados apresentados na Tabela 3 e na Figura 2. O teste do qui-quadrado e o procedimento de Marascuilo, com a limitação de que em 69 óbitos não houve identificação de raça/cor da pele, revelaram diferença significativa somente da raça/cor da pele amarela com relação à parda e à preta, e da raça/cor da pele branca com relação à parda. Nos demais estratos, as diferenças não foram estatisticamente significativas.
Raça/cor da pele | Valor | Valor crítico |
---|---|---|
p(Amarela) | ||
| ||
p(branca) | 0,002 | 0,006 |
p(indígena) | 0,001 | 0,013 |
p(parda)a | 0,007 | 0,005 |
p(preta)a | 0,014 | 0,013 |
| ||
p(branca) | ||
| ||
p(indígena) | 0,002 | 0,013 |
p(parda)a | 0,006 | 0,005 |
p(preta) | 0,012 | 0,013 |
| ||
p(indígena) | ||
| ||
p(parda) | 0,008 | 0,013 |
p(preta) | 0,015 | 0,017 |
| ||
p(parda) | ||
| ||
p(preta) | 0,006 | 0,012 |
a) Diferença com a p(classe de referência) significativa.
Discussão
Na análise da letalidade por COVID-19 em Rondônia, desde o início da pandemia até o dia 20 de agosto de 2020, buscou-se identificar diferenciais de óbito entre os casos confirmados por COVID-19 e as demais SRAG, entre homens e mulheres, entre faixas etárias e raça/cor da pele.
Ao se utilizar de dados secundários, há limitações do estudo, especialmente quando se estimam subnotificações e critérios restritivos para a confirmação de casos. Também tem papel importante a incompletude das notificações na identificação das idades, no sexo ou na raça/cor.
A diferença entre a letalidade dos casos confirmados de COVID-19 e a dos não confirmados é muito evidente, demostrando sua maior letalidade quando comparada à das outras doenças gripais dos indivíduos notificados. No Brasil, a mortalidade, por 100 mil habitantes foi de 54,4 óbitos até a 34ª Semana Epidemiológica, enquanto Rondônia apresentava uma taxa de 59,7 – superior, portanto, à média brasileira.8
As letalidades sempre maiores entre os mais velhos e entre os homens também se repete para as demais doenças gripais, conforme os dados constantes no Boletim Epidemiológico Especial, referente à Semana Epidemiológica 34.8 Os dados analisados para o estado de Rondônia demonstraram que a letalidade por COVID-19 é mais alta, com significância estatística, quanto maior for a faixa etária a partir dos 60 anos, como já evidenciado no continente europeu.9
Corroboram este resultado os estudos europeus, epicentro da pandemia até recentemente, onde, até a 32ª Semana Epidemiológica, os óbitos estavam concentrados em pessoas com idade acima dos 65 anos (89%).9 Na China, foi demonstrado que pessoas com mais de 60 anos apresentavam maior risco de morte.11 No México, a população maior de 60 anos apresentou uma letalidade de 6,53% para COVID-19.12 Embora no Brasil a estrutura etária seja menos envelhecida que em países Europeus, com uma proporção de 14,3% de idosos em 2020, ainda assim o percentual de óbitos por COVID-19, entre as pessoas com 60 anos ou mais, é da ordem de 52,7%,8 o que pode estar associado ao perfil de comorbidades da população, além de fatores relacionados ao acesso e à atenção à saúde, concomitantemente à falta de políticas públicas de integração ativa do idoso na sociedade, com baixa oferta de programas que proporcionem estilos de vida mais saudáveis a essa população, o que os torna mais susceptíveis a situações pandêmicas como esta.
Ademais, alguns autores13indicam que entre idosos a mortalidade tende a ser nove vezes maior do que nos outros grupos etários. Isto ocorre, principalmente, porque nesta faixa de idade há maior prevalência de comorbidades, o que determina maiores complicações com apresentações de formas mais severas da COVID-19, elevando a letalidade nesse segmento populacional.
Embora a letalidade identificada neste estudo para a população de 20 a 39 e 40 a 59 anos (0,3% e 1,6%, respectivamente) não seja muito expressiva quando comparada com a apresentada pela população de 60 anos e mais (13,2%), ela chama a atenção, levantando-se a hipótese de associação de presença de comorbidades e doenças crônicas numa população em que este quadro não deveria ser esperado. Os dados deste estudo vêm ao encontro dos de Costa et al.13 identificando que no Brasil a população mais jovem, antes dos 60 anos, está apresentando comorbidades que a coloca no grupo de alto risco. Isto é, pessoas que compõem o grupo economicamente ativo também estão expostas ao óbito por COVID-19.
De modo geral, há menor mortalidade entre as mulheres do que nos homens, entre distintas populações, por diferentes causas.14 Esse padrão habitualmente se mantém mesmo em pandemias.15 No caso brasileiro, o excesso de casos entre os homens tem sido observado na pandemia de COVID-19, na qual a proporção de óbitos masculinos é de 57,9%. Ressalta-se que resultado semelhante foi relatado para a Europa, com predominância dos homens no total de óbitos (58%).9 A letalidade tende a ser semelhante entre homens e mulheres para faixas etárias menores de 20 anos, mas, entre pessoas com mais de 60 anos, é maior em homens do que em mulheres.16 Diferenças semelhantes foram identificadas neste estudo, com predominância da mortalidade entre os homens. Embora se observe um maior acometimento de COVID-19 entre as mulheres (53,5% dos casos), a letalidade se mostra mais intensa entre os homens (2,7%).
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a Europa, Ásia e América do Norte indicam maior letalidade por COVID-19 no sexo masculino, o que pode ser explicado por fatores geográficos, culturais e genéticos.17 No Brasil, a COVID-19 tem apresentando uma característica mais feminina. Há indícios de que isso acontece, entre outras razões, pelo maior risco e exposição apresentado pelos profissionais de saúde, majoritariamente composto por mulheres, além de elas estarem na linha de frente dos esforços de mitigação da pandemia em diversas comunidades.16 Além disso, muitas mulheres são provedoras de seus lares, compondo o mercado de trabalhadores informais16 que precisam se deslocar para trabalhar.
Embora esses dados sejam insuficientes para demonstrar essa situação, vêm corroborar estudos19 que apontam que há dificuldade em avaliar se os indivíduos notificados como positivos ou diagnosticados com a doença estavam trabalhando, os locais e as circunstâncias do trabalho, o que pode apresentar um delay na identificação de focos potenciais de disseminação da infecção, vinculados às atividades laborais.
Em relação à raça/cor da pele, cabe às esferas de gestão do SUS sua inclusão nos formulários dos sistemas de informação em saúde. A publicidade dessa variável passou a ser obrigatória a partir de 2017.20 Mesmo assim, o quesito raça/cor da pele não constou entre as categorias utilizadas para análise de situação epidemiológica da COVID-19, nos primeiros boletins epidemiológicos. Como categoria de análise, a variável raça/cor da pele só foi incorporada nos boletins do Ministério da Saúde após manifestações e pressão da sociedade civil. A não completude desta variável está presente em outros problemas de saúde, bem como em grupos populacionais específicos, como o de idosos.21
Os dados reportados no Boletim Epidemiológico Especial 288 da SVS referem:
a raça/cor parda é a mais frequente dentre os óbitos de SRAG (57.290; 35,5%), seguida da branca (51.833; 32,1%), preta (8.662; 5,4%), amarela (1.840; 1,1%) e indígena (563; 0,3%)". É importante ressaltar que 18.499 (11,5%) óbitos não possuem a informação registrada. Para os óbitos de SRAG por COVID-19, o perfil de raça/cor se manteve, sendo a parda (40.537; 36,4%) a mais frequente, seguida da branca (33.531; 30,1%), preta (5.899; 5,3%), amarela (1.279; 1,1%) e indígena (455; 0,3%).
Deve-se destacar os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2019: a proporção de brasileiros que se autodeclararam brancos foi de 42,7%, 46,8% como pardos, 9,4% como pretos e 1,1% como amarelos ou indígenas.23
Os dados notificados em Rondônia não diferem da situação apontada no Boletim da SVS, anteriormente referido. Foi encontrada, neste estudo, a ausência de preenchimento do quesito raça/cor em quase 10 mil notificações, sendo fonte potencial de viés nas análises acerca desta distribuição. Destes casos sem informação, 2.276 eram de pessoas com COVID-19. Destes, 69 foram a óbito, o que indica uma letalidade de 3,03%. Ressalte-se que este valor é maior entre todas as categorias informadas. Entre as notificações com o quesito raça/cor informado, a maior letalidade foi identificada entre os pretos (2,9%), com significância estatística. A análise entre as distintas categorias revelou diferença significativa somente da raça/cor amarela com relação à parda e à preta, e da raça/cor branca com relação à parda. Isto é, observa-se um maior acometimento e letalidade de COVID-19 entre pardos e negros, reforçando que a COVID-19 no Brasil é muito mais “escura”.14 O que se observa no Brasil, na distribuição por idade e raça/cor, é que 50,7% dos indígenas têm até 29 anos, diferindo dos brancos (42,0%), pretos (39,4%), pardos (48,3%) e amarelos (31,8%), enquanto as pessoas com mais de 60 anos representam 10,5% dos indígenas, 16,6% dos brancos, 14,8% dos pretos, 11,9% dos pardos e 25,5% dos amarelos.24
Dados sobre mortalidade por causa precisam ser fidedignos e sua notificação deve ser oportuna, para que as medidas de controle da disseminação da doença sejam adequadamente definidas, além de servirem para melhorar a gestão e organização dos serviços de saúde7. Esse aspecto assume a maior importância, dado que há estimativas de que, ao ocorrer um único óbito num determinado local, há, provavelmente, inúmeros casos da doença na população, sem identificação.25
Não é objeto deste trabalho estudar a distribuição geográfica dos óbitos ou casos da COVID-19. No entanto, deve-se ressaltar que Rondônia tem uma distribuição populacional distinta de outros locais. Cerca de um terço da população reside em Porto Velho,26 capital do estado, o município que concentra o maior número de casos e de óbitos, passados seis meses do início da pandemia. Além da proporção expressiva da população, outros fatores podem interferir na concentração de casos e óbitos, em especial o fato de que boa parte dos equipamentos de alta complexidade estão localizados em Porto Velho. A distribuição por raça/cor é diferente da encontrada no Brasil, principalmente quanto à maior proporção de pardos (60,1% e 44,1%, respectivamente), assim como é distinta a pirâmide etária. Há uma maior proporção de homens do que de mulheres: 50,6% em Rondônia e 48,9% no Brasil. A composição etária também é distinta: a proporção de jovens de até 15 anos é de 32,5% e 30,8% para Rondônia e para o Brasil, respectivamente, assim como a proporção de idosos – 65 anos ou mais – é de 8,9% e 14,2%.27 Estas características podem ser determinantes para os diferenciais de doença e óbito observados na população de Rondônia.
Neste estudo, as hipóteses de maior ocorrência de óbitos nas faixas etárias mais avançadas, dos homens em relação às mulheres, e a maior percentagem entre os pardos e pretos, assim como da letalidade imensamente superior dos infectados por SARS-COV-2 frente às outras etiologias, foram comprovadas estatisticamente, para o estado de Rondônia.