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Revista Paraense de Medicina

versión impresa ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. v.20 n.1 Belém mar. 2006

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Prevalência de Meningite em crianças no Hospital Universitário João de Barros Barreto, período de 1995 a 20041

 

Prevalence of Meningitis in children hospitalized at Hospital Universitário João de Barros Barreto from 1995 to 2004

 

 

Mariane Cordeiro Alves FrancoI; Martha Rodrigues SanjadII; Patrícia Helena Oliveira PintoII

IProfessora Mestra da disciplina de Pediatria da Universidade do Estado Pará
IIGraduandas do Curso de Medicina da Universidade do Estado Pará

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: analisar a prevalência de meningite em crianças de 0 a 12 anos internadas no Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB), Belém – Pa, período de janeiro de 1995 a dezembro de 2004.
MÉTODO: estudo transversal de prevalência a partir de dados eletrônicos do Departamento de Arquivos Médicos e Estatístico do referido hospital. Informações obtidas: número do prontuário, idade, sexo, agente etiológico, procedência, tempo de permanência hospitalar e tipo de alta.
RESULTADOS: a prevalência de meningite no período estudado foi de 20,6%, correspondendo a 2077 crianças, com tendência à redução no decorrer dos anos, principalmente, após 1999. Predominaram o sexo masculino e a faixa etária de 3 meses a 5 anos, constituindo 60,2% e 59,7%, respectivamente; mais freqüente a etiologia bacteriana não especificada (46,4%), seguida por vírus (20,2%), N. meningitidis (15,2%), H. influenzae (9,3%), S. pneumoniae (3,2%), M. tuberculosis (3,1%), fungos (1,8%) e outros (0,9%); tempo médio de permanência de 26 dias e coeficiente de letalidade de 9,29%.
CONCLUSÃO: observada uma elevada prevalência de meningite em crianças internadas no HUJBB, com etiologia predominantemente bacteriana, seguida por vírus e fungos.

Descritores: meningite, criança, prevalência.


SUMMARY

OBJECTIVE: to analyze the prevalence of meningitis in children ranging from 0 and 12 years of age, hospitalized at the Hospital Universitário João de Barros Barreto (Belém – Pa) wthin January, 1995 + and December, 2004.
METHODS: This is a transversal study of prevalence based on electronic data collected by the Department of Statistics and Medical Archives belonging to the hospital. The following information has been obtained: number of patient’s medical records, age, sex, etiological agent, origin, duration of hospitalization and type of discharge.
RESULTS: The prevalence of meningitis during the period under study was 20,6%, corresponding to 2077 children, with a tendency of reduction throughout the years, mainly after 1999. The predominant group consisted of male children, wthin 3 months and 5 years old, forming 60,2% and 59,7%, respectively. The non-specified bacterial etiology was the most prevalent (46,4%), followed by virus (20,2%), N. meningitidis (15,2%), H. influenzae (9,3%), S. pneumoniae (3,2%), M. tuberculosis (3,1%), fungus (1,8%) and others (0,9%). In the 0 to 2 months age bracket, the prevalent bacteria identified was H. influenzae (8,7%). Within 3 months and 5 years, N. meningitidis (14,8%) and H. influenzae (14,8%) predominated. Within 6 and 12 years, N. meningitidis was the most frequent bacteria (16,4%). The average time of hospitalization was 26 days and the lethal coefficient was 9,29%.
CONCLUSION: There was a high prevalence of meningitis in children hospitalized at the HUJBB, with a predominant bacterial etiology, followed for virus and fungus.

Key-words: meningitis, child, prevalence


 

 

INTRODUÇÃO

A meningite representa importante problema de saúde pública, pela possibilidade de resultar em graves seqüelas neurológicas e óbito, principalmente, na faixa etária pediátrica.1

No Brasil, entre 1990 e 2000, notificados ao Ministério da Saúde (MS) 297.000 casos de meningite, com taxas médias gerais em torno de 20 por 100.000 habitantes, sendo 52% de etiologia bacteriana.1

Notificados no Pará, em 2003, 670 casos de meningite, em Belém, 214.2

Uma grande variedade de agentes infecciosos é implicada como causadora de meningite. Pela ordem de freqüência, são: bactérias, vírus, fungos, espiroquetas, helmintos e protozoários.3

Embora muitas espécies de bactérias possam induzir à meningite, três delas são responsáveis por cerca de 90% dos casos: Neisseria meningitidis (meningococo), Haemophilus influenzae e Streptococcus pneumoniae (pneumococo).4

As meningites virais são também freqüentes, atingindo principalmente crianças com mais de um ano, adolescentes e adultos jovens.5

A meningite, apesar dos enormes avanços tecnológicos quanto ao diagnóstico, compreensão da patogênese e tratamento, ainda permanece como importante causa de morbidade e mortalidade, principalmente na faixa etária pediátrica.6

Devido à considerável prevalência de meningite no estado do Pará e a elevada letalidade desta patologia na faixa etária pediátrica, é fundamental analisar a meningite em crianças internadas no Hospital Universitário João de Barros Barreto, pois este é referência no diagnóstico e tratamento de doenças infecciosas e parasitárias.

 

OBJETIVO

Analisar a prevalência de meningite em crianças de 0 a 12 anos internadas no Hospital Universitário João de Barros Barreto, período de janeiro de 1995 a dezembro de 2004.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal de prevalência, realizado no Departamento de Arquivos Médicos e Estatística (DAME) do HUJBB, a partir de dados eletrônicos.

Casuística constituída por todas as crianças de 0 a 12 anos de idade com diagnóstico de meningite, internadas no período de janeiro de 1995 a dezembro de 2004, sendo identificados 2077 registros. Obtidas as seguintes informações: número do prontuário, idade, sexo, agente etiológico, procedência, tempo de permanência e tipo de alta.

Agentes etiológicos classificados em: N. meningitidis, H. influenzae tipo b, S. pneumoniae, M. tuberculosis, bactéria não especificada, vírus, fungos e outros, que incluem estafilococos, estreptococos e meningite em doença bacteriana (febre tifóide, gonorréia, listeriose, sífilis e salmonelose).

Submetidos os dados à análise estatística, sendo aplicado o teste de contingência nas figuras 1, 3, 6 e tabela III, e o teste Z na figura 4. Tabelas e gráficos foram confeccionados utilizando-se planilhas de dados do Microsoft Excel.

 

RESULTADOS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A meningite está relacionada a uma série de complicações que podem culminar com danos irreversíveis no sistema nervoso central (SNC), ou levar à morte. A literatura refere que as crianças, além de serem as mais atingidas pela doença, são as que mais evoluem para óbito.7

No período estudado, 20,6% das crianças internadas apresentaram o diagnóstico de meningite (FIGURA 1), em contraste com a pesquisa de Nascimento (2000)8, que mostrou uma incidência de 2,6% na faixa etária de 0 a 14 anos. A elevada prevalência encontrada na presente pesquisa pode ser explicada por esta ter sido desenvolvida em um hospital de referência em doenças infecciosas e parasitárias, fato também observado por Asturias et al. (2003)9 em três grandes hospitais de referência na Guatemala.

Na FIGURA 1 é observada uma tendência à redução da prevalência de meningite ao longo dos anos estudados, principalmente a partir de 1999 (p<0,0001), semelhante ao descrito por Kmetzsch e col. (2003)10, no Rio Grande do Sul.

Predominou a faixa etária de 3 meses a 5 anos (TABELA II), em concordância com o estudo de Weiss et al. (2001)11.

A etiologia mais freqüente foi bacteriana, seguida pela viral e fúngica, como demonstra a FIGURA 2. O resultado descrito está de acordo com Kojouharova et al. (2003)12. Encontrados poucos trabalhos sobre prevalência de meningite fúngica na infância, talvez pelo fato dessa patologia ser de baixa ocorrência nesse grupo etário, estando relacionada principalmente aos imunodeprimidos, como relatado por Pancharoen et al. (2001)13.

A FIGURA 2 revela os agentes bacterianos identificados: N. meningitidis, H. influenzae tipo b, S. pneumoniae e M. tuberculosis. Grande parte dos trabalhos pesquisados mostrou uma maior prevalência, em ordem decrescente, de N. meningitidis, H. influenzae tipo b e S. pneumoniae, como relatado por Kojouharova et al. (2003)12, em concordância com a presente pesquisa.

É importante ressaltar a diminuição da prevalência de meningite por H. influenzae após 1999 (p<0,0001), ano em que a vacina conjugada contra este agente passou a ser incluída no calendário nacional de vacinação (FIGURA 3).

Dados da Secretaria Executiva de Saúde Pública (SESPA) do Estado do Pará confirmam os resultados encontrados, mostrando uma queda do coeficiente de prevalência de 1,5 por 100.000 habitantes em 1999 para 0,4 em 200014, com nenhum caso notificado em 2003.2

Vários fatores podem explicar a elevada eficácia da vacina conjugada anti-Haemophilus, estimada em 95 a 100%, como a capacidade de induzir imunidade eficiente na mucosa nasofarígea, impedindo a colonização pela bactéria, e, assim, reduzindo o número de portadores.10

Houve uma elevada proporção de meningite bacteriana de etiologia indeterminada (FIGURA 2), fato observado também por Nascimento (2000)8 e Weiss et al. (2001)11. A identificação do agente não é possível em grande número de casos, em decorrência, entre outros fatores, do uso indiscriminado de antibióticos, de técnicas de coleta e armazenamento inadequadas de amostras de líquor e dificuldades técnico-operacionais dos próprios laboratórios.8

A meningite bacteriana de etiologia não identificada prevaleceu em todas as faixas etárias, seguida pela meningite viral, com p<0,0001 (TABELA III).

Na faixa etária de 0 a 2 meses, a literatura descreve um predomínio de bactérias gram-negativas entéricas.15 No entanto, no período estudado, não se isolou esse agente. Ressalta-se, porém, na TABELA III, um grande percentual de bactéria não especificada (66,7%) nessa faixa etária, havendo possibilidade desse agente estar incluído neste grupo etiológico.

Entre 3 meses e 5 anos de idade, destacaram-se, entre os agentes bacterianos, o H. influenzae e N. meningitidis (p<0,0001), como demonstra a TABELA III. Segundo Castro e col. (2003)15, os três agentes mais comuns nessa idade, em ordem de freqüência, são: H. influenzae, N. meningitidis e S. pneumoniae.

Nas crianças de 6 a 12 anos, N. meningitidis predominou entre as bactérias identificadas, com p<0,0001 (TABELA III). Nesse grupo, de acordo com Castro e col. (2003)15, há uma diminuição da importância do H. influenzae, com aumento da incidência de S. pneumoniae e N. meningitidis. Entretanto, no presente trabalho, a etiologia pneumocócica representou apenas 1,7% do total de casos de meningite nessa idade.

No período estudado, o coeficiente de letalidade correspondeu a 9,29% (FIGURA 4), semelhante ao detectado por Weiss et al. (2001)11.

Todos os pacientes com meningite viral obtiveram evolução favorável, com nenhum óbito registrado (FIGURA 5), em concordância com o estudo de Tee et al. (2002)16, confirmando a evolução benigna da doença.

A meningite tuberculosa apresentou maior taxa de letalidade, com p<0,0001 (FIGURA 5), em concordância com o trabalho de Degefie (2003)17. Segundo este autor, o estágio avançado da doença no momento do diagnóstico e a ausência de vacinação são os principais determinantes de pior prognóstico.

Em virtude da gravidade da meningite tuberculosa, é importante uma investigação da cobertura da vacina BCG no Estado, já que a mesma reduz o risco de tuberculose e promove uma proteção de mais de 80% contra a forma meníngea.18

É importante destacar, ainda, a N. meningitidis como agente de principal ocorrência dentre as bactérias de etiologia identificada. No Reino Unido, a introdução da vacina meningocócica conjugada na imunização de rotina em crianças levou a uma significante redução da doença.19 Nesse sentido, seria interessante o Programa Nacional de Imunização avaliar a possibilidade de incluir a vacina anti-meningocócica no calendário básico de vacinação.

Em relação ao elevado percentual de meningite bacteriana não especificada, é importante a coleta precoce do líquor antes de iniciar o tratamento empírico para diminuir o número de culturas sem crescimento de germes, além de um aprimoramento das técnicas laboratoriais de diagnóstico, pois a não identificação do agente pode comprometer a boa evolução da doença. O diagnóstico precoce da meningite e a instituição rápida da terapia específica são fundamentais para um prognóstico mais favorável da doença, já que esta ainda representa um importante problema de saúde pública devido a sua elevada morbidade, letalidade e alto índice de seqüelas.

 

CONCLUSÃO

A prevalência de meningite em crianças de 0 a 12 anos internadas no HUJBB, no período de janeiro de 1995 a dezembro de 2004 é de 20,6%, correspondendo a 2077 pacientes, com uma tendência à diminuição a partir de 1999. A maioria dos pacientes é do sexo masculino e possui idade entre três meses e cinco anos. A etiologia predominante é bacteriana, seguida por vírus e fungos.

 

REFERÊNCIAS

1 - OLIVEIRA, A; SIMÃO, ACM; NASCIMENTO, LFC. Perfil dos casos de meningite em serviço de pediatria. Rev Paul Pediatria. 2004; 22(2): 89-94.

2 - Governo do Estado do Pará, Secretaria Executiva de Saúde Pública, Núcleo Estadual de Epidemiologia. Incidência de doenças preveníveis por tratamento e acompanhamento por município; 2003. (dados não publicados).

3 - MIRANDA, ECBM; SILVA, BM; OLIVEIRA, PR. Meningites. In: LEÃO, R. Doenças infecciosas e parasitárias: enfoque amazônico. Pará (Pa): CEJUP, p.171-89, 1997.

4 - FOCACCIA, R. Meninigites bacterianas. In: VERONESI, R; FOCACCIA, R. Tratado de infectologia volume 1. 9ª ed. São Paulo (SP): Atheneu, p.805-31, 1996.

5 - NOGUEIRA, AS; FORTES, CQ. Infecções do sistema nervoso central. In: SCHECTER, M; MARANGONI, DV. Doenças infecciosas: conduta diagnóstica e terapêutica. 2ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan, p.252-62, 1998.

6 - LUCENA, R; GOMES, I; CARDOSO, E; GÓES, J; NUNES, L; CARDOSO, A; e col. Aspectos clínicos e laboratoriais de meningite piogênica em lactentes. 2002. Arq Neuro-Psiquiatr. 2002; 60(2a): 281-4.

7 - VIEIRA, JFS. Incidência de meningite em pacientes de 0 a 12 anos no Instituto de Medicina Tropical de Manaus. Arq Neuro- Psiquiatr. 2001; 59(2a): 227-9.

8 - NASCIMENTO, LFC. Meningites bacterianas no Hospital Universitário de Taubaté, 1995-1998: epidemiologia, etiologia e evolução de 82 casos. Pediatr Mod. 2000; 36(12): 828-34.

9 - ASTÚRIAS, EJ; SOTO, M; MENENDEZ, R; RAMIREZ, P; RECINOS, F; GORDILLO, R; et al. Meningitis and pneumonia in Guatemalan children: the importance of Haemophilus influenzae type b and Streptococcus pneumoniae. Rev Panam Salud Publica. 2003; 14(6): 377-84.

10 - KMETZSCH, CI; SCHERMANN, MT; SANTANA, JCB; ESTIMA, CL; FARACO, FJ; SILVA, CM; e col. Meningites por Haemophilus influenzae b após a implantação da vacina específica. J Pediatr. 2003; 79(6): 530-6.

11 - WEISS, DPL; COPLAN, P; GUESS, H. Epidemiology of bacterial meningitis among children in Brazil. Rev Saude Publica. 2001; 35(3): 249-55.

12 - KOJOUHAROVA, M; GATCHEVA, N; SETCHANOVA, L; MECHANDJIEVA, V. Childhood bacterial meningitis in Bulgaria: a population- based retrospective study in six regions during 1992-96. Int J Infect Dis. 2003; 7(2): 109-12.

13 - PANCHAROEN, C; CHINDAMPORN, A; THISYAKORN, U. Childhood cryptococcosis: an increasing problem in the era of AIDS. J Med Assoc Thai. 2001; 84(1): 86-90.

14 - Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde, Guia Brasileiro de Vigilância Epidemiológica. Meningite. 2001. Disponível em http://www.sespa.pa.gov.br. Acessado em 10 de dezembro de 2004.

15 - CASTRO, IO; SOARES, CAS. Meningites. In: CIMERMAN, S; CIMERMAN, B. Medicina Tropical. São Paulo (SP): Atheneu, p.321-9, 2003.

16 - TEE, WS; CHOONG, CT; LIN, RV; LING, AE. Aseptic meningitis in children: the Singapore experience. Ann Acad Méd Singapore. 2002; 31(6): 756-60.

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18 - PUVACIC, S; DIZDAREVIC, J; SANTIC, Z; MULAOMEROVIC, M. Protective effect of neonatal BCG vaccines against tuberculous meningitis. Bosn J Basic Med Sci. 2004; 4(1): 46-9.

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Endereço para correspondência:
Profa. Mestra Mariane Cordeiro Alves Franco
Tv. Mariz e Barros, nº:943, aptº:704
Bairro: Pedreira
CEP: 66.080-660 Belém - PA
Telefone: (091) 3233-3984/ 9983-1043
e-mail: lpfranco@uol.com.br/ medicina@uepa.br

Martha Rodrigues Sanjad
Tv. Benjamin Constant, nº 1425, aptº 501
Bairro: Nazaré
CEP: 66035-060 Belém – PA
Telefone: (091) 3223-5789/ 8801-2114
e-mail: marthasanjad@gmail.com

 

Recebido em 23.01.2006
Aprovado em 08.03.2006

 

 

1Trabalho realizado no Hospital Universitário João de Barros Barreto