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Revista Paraense de Medicina

versión impresa ISSN 0101-5907

Rev. Para. Med. v.20 n.1 Belém mar. 2006

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Recém-nascidos de muito baixo peso em um hospital de referência1

 

Very low birth weigth in general hospital

 

Salma Saráty MalveiraI; Anabela do Nascimento MoraesII; Aurimery Gomes ChermontIII; Deyse Lúcia Ferreira da CostaIV; Tatiana Francisco da SilvaV

IProfessora Assistente I da disciplina de Pediatria do Departamento de Saúde Integrada do Curso de Medicina da Universidade Estadual do Pará. Mestre em Medicina e Especialista em Pediatria e Neonatologia.
IIProfessora Assistente II do DAMI II/CCS/UFPA. Mestre em Medicina e Especialista em Pediatria e Cardiologia Pediátrica.
IIIProfessora Assistente II do DAMI II/CCS/UFPA. Mestre em Medicina e Especialista em Pediatria e Neonatologia.
IVMédica Residente de Pediatria do Hospital Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará
VMédica Graduada pela Universidade Federal do Pará.

Endereço para correspôndencia

 

 


RESUMO

OBJETIVO: analisar a freqüência de recém-nascidos de muito baixo peso, as complicações associadas mais freqüentes, a taxa de letalidade e a principal causa de óbito.
MÉTODO: estudo de coorte observacional, descritivo, de 1º de janeiro a 30 de junho de 2003, com todos os recém-nascidos de muito baixo peso ao nascer ( = 1.500 gramas) internados na unidade neonatal do Hospital Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará.
RESULTADOS: dentre os 1.394 recém-nascidos internados na unidade estudada, 200 (14,3%) apresentaram muito baixo peso ao nascer, a média de peso ao nascer de 1.133,2 gramas, o tempo médio de internação de 19 dias, sendo a maioria do sexo masculino e sem assistência pré-natal . Observou-se como complicações mais freqüentes: infecção hospitalar (86%;, síndrome do desconforto respiratório (71,5%); anóxia perinatal (39,5%); tocotraumatismo (20,5%); hipoglicemia (10%); hemorragia pulmonar (9%) e persistência do canal arterial (4%). Dentre os 200 neonatos, 60,5% evoluíram ao óbito, sendo 53,7 % do sexo masculino e tendo como principal causa mortis a infecção hospitalar (39%).
CONCLUSÃO: esses resultados sugerem que a prevenção do muito baixo peso ao nascer deverá ser uma das prioridades na assistência pré-natal, pois seguramente é um dos aspectos mais significativos da mortalidade infantil.

Descritores: Muito baixo peso ao nascer, recém-nascidos, hospital.


SUMMARY

OBJECTIVE: To analyze the frequency of very low weight newborn, the most common associated complications, lethality rate and the major cause of obit in this population.
METHOD: observational prospective study during the period from January 1st to June 30th, 2003. All of them had birth weight d” 1.500g, according to Centers for Disease Control on USA, with admissions at the unit neonatla of Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará Hospital.
RESULTS: within the population studied, 200 were very low weight, witch corresponded to 14,3% from all new born inmates, in the same period. Of these, 50,5% were male and there was statistically significant association between the very low weight at birth and the realization of pre-birth medical assistance, with the absence of assistance in 81,5% of cases. The mean time of internment was 19 days. The most common affections were: infection (86%), pulmonary hemorrhage (71,5%), hipoglycohaemia (10%), arterial channel persistence (4%) and peri-ventricular hemorrhage (1,5%). Within 200 new bornes, 121 went to obit, being 53,7% males. The majority had as the main cause of death the hospital infection.
CONCLUSION: These results suggest that the prevention of very low weight at birth must be one of the priorities in the prebirth assistance, because it´s surely one of the most significant aspects on childhood mortality.

Key-words: very low birth weight


 

 

INTRODUÇÃO

O peso ao nascer é um dos mais significativos indicadores da qualidade de vida da criança 1,2, sendo o muito baixo peso considerado relevante na taxa de mortalidade infantil, o que levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a identificá-lo como fator isolado mais importante 1,3,4,5.

Neonatos com peso ao nascer igual ou inferior a 1.500g são denominados de muito baixo peso (MBP) pelo Centers for Disease Control (CDC) dos Estados Unidos, enquanto a OMS considera peso menor que 1.500g (até 1.499g).

O parto prematuro e o retardo do crescimento intra-uterino são os dois processos básicos que isolados ou associados, fazem com que uma criança apresente muito baixo peso ao nascer 6,7.

A determinação desses processos abrange um conjunto comum de fatores, dentre os quais destacam-se a situação sócio-econômica, a idade materna, o baixo peso materno no início da gravidez, o tabagismo, a instabilidade emocional durante a gestação e a deficiência na assistência pré-natal 6,7,8.

Em relação ao recém-nascido, vários fatores de risco concorrem para a condição de MBP ao nascer como o sexo, as alterações placentárias e a gemelaridade 7,8.

Recentes avanços tecnológicos na assistência aos neonatos de alto risco têm possibilitado maior sobrevida desses recém-nascidos de MBP, às custas do elevado tempo de permanência em unidades de terapia intensiva neonatal. Contudo, os procedimentos invasivos a que são submetidos e o tempo de internação prolongado associam-se ao maior risco de adquirir complicações que contribuem para o aumento da mortalidade em unidades neonatais 5,6,7,8.

Entre as complicações associadas ao MBP destacam-se as infecções neonatais, a síndrome do desconforto respiratório, a anóxia perinatal, a hemorragia peri-intraventricular, o distúrbio metabólico, a enterocolite necrosante e no prematuro a persistência do canal arterial 9,10,11,12,13, sendo considerada a infecção hospitalar a complicação mais freqüente em unidades neonatais, sobretudo entre os recém-nascidos de MBP 14,15,16,17,18.

O peso de nascimento relacionado ou não a prematuridade, é o fator individual mais importante na determinação das probabilidades do neonato sobreviver e ter crescimento e desenvolvimento normais, uma vez que é o maior preditor da mortalidade e morbidade que acompanha o perfil de recém-nascidos de MBP ao nascer 19,20,21.

Frente à magnitude do problema, justifica-se o direcionamento das ações que visam o aprimoramento da assistência perinatal e neonatal a essa população, principalmente por ser o Hospital Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (HFSCMPA) um grande hospital público de ensino e de referência maternoinfantil do Estado.

 

OBJETIVO

Conhecer a freqüência de recém-nascidos de MBP, as complicações associadas mais freqüentes, a taxa de letalidade e a principal causa de óbito.

 

MÉTODO

Estudo de coorte observacional, descritivo de 200 recém-nascidos com peso ao nascer £ 1.500g, internados na unidade neonatal do HFSCMPA, no período de período de 1º de janeiro a 30 de junho de 2003.

Realizou-se coleta de dados diariamente em protocolo elaborado pelas pesquisadoras contendo informações como: nome do recém-nascido, data de nascimento, peso de nascimento, sexo, tipo de parto, número de consulta pré-natal, data e tipo de alta, tempo de internação, causa do óbito e principais complicações existentes, baseadas em suspeita clínica com ou sem confirmação laboratorial.

Estratificou-se a amostra pelo peso de nascimento em quatro faixas: 501- 750g; 751-1000g; 1001-1250g e 1251-1500g [National Institute of Child Health and Human Development (NICHD) Neonatal Research Network, 1993].

As principais causas de óbito identificadas e as complicações mais freqüentes foram expressas em percentual.

Iniciado o estudo após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências Biológicas e de Saúde do Curso de Medicina da Universidade Estadual do Pará.

Os dados foram processados e analisados com auxílio do programa Microsoft Excel, versão 6.0.

 

RESULTADOS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Os recém-nascidos de MBP constituem fator muito importante na sobrevivência infantil, uma vez que o risco de morte nesse grupo aumenta à medida que diminui o peso de nascimento 1,2,4,5,14. Fatores como a prematuridade, idade materna, desnutrição intrauterina e deficiência na assistência pré-natal são considerados de risco para o baixo peso ao nascer e conseqüente aumento na morbi-mortalidade neonatal 12,15,19,20.

A TABELA I demonstra que a população estudada apresentou média de peso ao nascer de 1.133,2g, tempo médio de internação de 19 dias e a maioria do sexo masculino que nasceu sem assistência pré-natal.

Os dados deste estudo demonstram elevada freqüência de recém-nascidos de muito baixo peso (TABELA II) quando comparada aos relatos da literatura 1,6,7. Essa elevada freqüência pode estar relacionada às condições sócio-econômicas precárias, gravidez múltipla, estresse durante a gestação e, especialmente, à deficiência na assistência pré-natal, que é seguramente um dos aspectos mais importantes na redução da incidência de recém-nascidos com peso igual ou inferior a 1.500g.

Na TABELA III observa-se que a infecção hospitalar ocorreu como complicação mais freqüente. Embora a literatura nacional e internacional demonstre que o risco de adquirir infecção é maior quanto menor o peso de nascimento, este estudo evidenciou uma incidência elevada de infecção hospitalar em neonatos com peso superior a 1250g 10,16,17. Acredita-se que esse fato pode ser explicado pelas diferentes condições do ambiente hospitalar ao qual o neonato está exposto e relaciona-se diretamente com a qualidade do serviço hospitalar prestado, que inclui o número suficiente de profissionais de saúde em relação ao número de recém-nascidos internados, lavagem adequada das mãos, assepsia de material, área física e número de leitos.

A síndrome do desconforto respiratório esteve presente como a segunda complicação mais freqüente (TABELA III), com um percentual maior que os valores apresentados na literatura. Melhorias no atendimento à gestante e ao recém-nascido podem levar à redução da incidência dessa complicação, pois, apesar dos avanços significativos nos cuidados perinatais, a mesma continua sendo uma das causas mais freqüentes de morbidade entre os neonatos com peso igual ou inferior a 1.500g 19,22. Ainda na TABELA III, chama a atenção a anóxia perinatal como complicação importante entre os recém-nascidos de muito baixo peso, com um percentual superior ao encontrado por Marino (2001)23 em estudo descritivo de 123 recém-nascidos de muito baixo peso em uma maternidade do Estado de São Paulo. Esse dado indica a necessidade de reformulação do atendimento à mãe e ao recém-nascido na sala de parto.

O tocotraumatismo também ocorreu como complicação importante nesse estudo, concordando com o relato feito por Brenelli et al (1992)20. Essa complicação apresentou-se com um percentual significativo, provavelmente em decorrência de assistência intrapartum deficiente.

Observa-se na TABELA III a hipoglicemia como o principal distúrbio metabólico diagnosticado. Esses dados estão de acordo com a literatura que afirma ser esse o distúrbio metabólico mais freqüente no período neonatal 24, fato que ressalta a necessidade de abordagem laboratorial precoce dessa alteração, devendo-se, sempre que possível, iniciar a alimentação precoce com leite materno.

Observando a TABELA III, chama atenção à baixa freqüência de hemorragia periventricular, diagnosticada em apenas 1,5% dos casos, dado que contraria os relatos da literatura que descrevem cerca de 30% dessa complicação entre os recém-nascidos de muito baixo peso 12. Acredita-se que tal ocorrência esteja relacionada à não realização de controle sistemático através de ultrasonografia transfontanela, método importante no diagnóstico precoce dessa grave complicação que poderá no futuro influenciar negativamente no desenvolvimento desses recém-nascidos.

Considerou-se elevada a taxa de letalidade (TABELA IV) quando comparada aos estudos de Trindade, Corrales, Bentlin e Rugolo na Faculdade de Medicina de Botucatu (2000) 15 e de Marino (2001) 23 em uma maternidade de São Paulo. Esse fato pode estar relacionado às deficiências inerentes ao próprio recémnascido criticamente doente e as várias complicações relacionadas a prematuridade, o que leva à internações prolongadas e ao uso freqüente de procedimentos invasivos, aumentando o risco para a aquisição de infecção e morte. Além disso, a deficiência na qualidade da assistência perinatal em relação à disponibilidade de recursos humanos e tecnológicos, pode contribuir para o pior prognóstico do recém-nascido de muito baixo peso.

Comprovou-se a infecção hospitalar como a principal causa de morte (TABELA V), estando de acordo com o relato de Stoll (2000)16,17 que apresentou variação de 4 a 56% na taxa de mortalidade neonatal associada à infecção. Medidas importantes como equipe assistencial treinada e em número suficiente, lavagem adequada das mãos, desinfecção dos equipamentos utilizados no manuseio do recém-nascido, área física apropriada, estímulo ao alojamento conjunto e à alimentação com leite materno, influenciam significativamente no número de óbitos por infecção entre os recém-nascidos de muito baixo peso.

É importante o conhecimento da freqüência de recém-nascidos de muito baixo peso internados na unidade de cuidados neonatais do Hospital Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, bem como a principal causa de óbito e afecções mais freqüentes entre essa população. Isso permitirá não só reconhecer quais as mortes que poderiam ser evitadas, com mudanças de condutas assistenciais e aprimoramento na abordagem preventiva e terapêutica, como também irá auxiliar na definição das prioridades na organização da assistência perinatal dessa população.

 

CONCLUSÃO

Os dados deste estudo demonstraram elevada freqüência de recém-nascidos de muito baixo peso que tiveram como principal complicação e causa de óbito a infecção hospitalar, fato que resultou em elevada taxa de letalidade.

Portanto a prevenção do nascimento de recém-nascidos de muito baixo peso deverá ser uma das prioridades na assistência pré-natal, pois, seguramente, é um dos aspectos mais importante na redução da mortalidade infantil.

 

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Endereço para correspondência:
Hospital Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará
Rua Oliveira Bello, 395 - Umarizal
CEP 66050-380 - Belém - Pará
e-mail: salmasaraty@terra.com.br
Fone: (91) 4009-2224 Fax: (91) 4009-2271

 

Recebido em 07.12.2005
Aprovado em 29.03.2006

 

 

1Trabalho realizado na Unidade Neonatal do Hospital Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará