Introdução
A perda auditiva induzida por ruído (Pair) é um dos problemas de saúde ocupacional mais disseminados e prevalentes no mundo.1-4 De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), no ano 2000, a Pair era responsável por 19,0% dos anos vividos com incapacidade causada por todas as doenças e agravos decorrentes de fatores ocupacionais, em todo o mundo.5 Listada na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10ª Revisão (CID-10), a Pair é referida pelo código H83.3.
No Brasil, a Pair é um agravo de notificação compulsória no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), a ser monitorado pela Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT).6 O Sistema Único de Saúde (SUS), responsável pela VISAT, criou em 2002 a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast), da qual fazem parte 210 Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) responsáveis pela coordenação das ações em regiões, cada uma abrangendo um conjunto de municípios.6 Uma das atribuições do Cerest é agir como um centro especializado de apoio à prevenção, promoção e cuidados de saúde, garantindo a notificação de agravos à saúde relacionados ao trabalho nos sistemas de informações administrados pelo Departamento de Informática do SUS (Datasus), entre eles o Sinan.7 Apesar do tempo transcorrido desde sua inclusão em 2004, o número de casos de Pair notificados no Sinan ainda é pequeno,8 considerando-se sua prevalência encontrada em estudos conduzidos com amostras ou populações de empresas específicas.9,10
Não foram encontrados estudos sobre fatores associados à notificação de Pair e sim sobre os fatores que aumentaram a notificação de acidentes de trabalho no Sinan (2008-2009), no âmbito do Cerest: infraestrutura adequada; maior quantidade e oferta de capacitação de pessoal; e atendimento a demandas externas.11 No município de Fortaleza, capital do estado do Ceará, também foram identificados como características favoráveis à notificação de acidentes de trabalho, entre 2013 e 2014, o tempo de atuação dos profissionais nas unidades sentinela, a participação em treinamentos e capacitações relacionados aos acidentes de trabalho, o conhecimento sobre portarias e a Legislação que dão suporte à notificação, a compreensão do caráter compulsório das notificações, e discussões sobre o tema no cotidiano laboral.12
O conhecimento sobre esses fatores pode subsidiar ações que favoreçam a notificação da Pair no Sinan, colaborando para sua viabilidade como estratégia de vigilância do agravo no país. Este estudo teve como objetivo investigar fatores contextuais associados à notificação de Pair no Brasil.
Métodos
Trata-se de estudo ecológico sobre fatores associados à notificação de Pair no Brasil, no período entre 2013 e 2015. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país contava com 202.768.562 habitantes em 2014, e sua população economicamente ativa e ocupada - doravante chamada de população ocupada - correspondia a 99,4 milhões de trabalhadores (49,0%).13 Foram unidades de observação todos os 5.570 municípios existentes no período, distribuídos entre as 27 Unidades da Federação (UFs).
Uma vez identificados todos os casos de Pair notificados no período estudado, por município, definiu-se a variável de desfecho: município notificante - ‘sim’ (1) -, quando apresentava pelo menos uma notificação de Pair; e município ‘não’ notificante - (0) -, na ausência de notificação. A variável ‘fonte notificadora’ foi utilizada para indicar se as notificações do município foram registradas exclusivamente via Cerest, apenas por outras vias (exceto Cerest), ou por ambas as fontes.
As variáveis analisadas como potencialmente preditoras para o desfecho foram:
Cobertura por Cerest (sim; não);
Município-sede de Cerest (sim; não);
Macrorregião do país (Norte; Nordeste; Sudeste; Sul; Centro-Oeste);
UF;
Distância do município à capital da UF em quilômetros (km), calculada por uma reta a partir do centroide das coordenadas geográficas do município e ajustada com o fator euclidiano, categorizada pela mediana em (0) ≥275 ou (1) <275;
Extensão territorial em quilômetros quadrados (km2), categorizada com base na mediana em (0) ≤418 e (1) >418;
População ocupada, com base no Censo Demográfico de 2010 (≤5 mil; >5 a 20 mil; >20 a 50 mil; >50 a 100 mil; >100 mil);
Trabalhadores nas indústrias de transformação/extrativa/construção, que representa a proporção dos trabalhadores no município nesses ramos de atividade, categorizados em <15,0% ou ≥15,0%;
Trabalhadores na indústria de transformação, categorizados pela proporção ≤6,4% ou >6,4%, com base na mediana;
Trabalhadores na indústria extrativa, categorizados em ≤0,1% ou >0,1%, com base na mediana;
Trabalhadores na construção, categorizados em ≤6,0% ou >6,0%, com base na mediana;
Trabalhadores com emprego formal, categorizados com base na mediana, em ≤34,1% ou >34,1%, considerando-se como emprego formal os trabalhadores com carteira assinada, militares, funcionários públicos estatutários e empregadores, e como não formais os trabalhadores por conta própria, na produção para o próprio consumo, não remunerados e empregados sem carteira assinada;
Índice de desenvolvimento humano municipal (IDH-M), tendo como referência o ano de 2010, categorizado em baixo/muito baixo (0,000 a 0,599), médio (0,600 a 0,699) ou alto/muito alto (0,700 a 1,000), com base na classificação proposta pelo Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil.14
Para os municípios com cobertura, ou seja, pertencentes à área de abrangência de um determinado Cerest, foram também analisadas as seguintes variáveis:
Ano de habilitação do Cerest, categorizado pela mediana, ≤2005 ou >2005;
Número médio de vínculos da equipe do Cerest, calculado pela média dos vínculos CNES referentes a 2013 e 2015, categorizado como <10 ou ≥10, com base na legislação vigente à época, que estabelecia os recursos humanos mínimos para os Cerest regionais;
Proporção da equipe com vínculo estatutário, categorizada em ≤50% ou >50%;
Número médio de fonoaudiólogos na equipe do Cerest, calculado pela média do número de profissionais fonoaudiólogos no CNES em 2013 e 2015, categorizado como <1 ou ≥1;
Rotatividade na composição da equipe no transcorrer do período 2013-2015, definida a partir de dados nominais do CNES, considerando-se ‘maior rotatividade’ quando mais de um terço dos profissionais da equipe do Cerest em 2013 não constavam da relação de profissionais da equipe em 2015, e ‘menor rotatividade’ quando isso ocorria para no máximo um terço dos profissionais.
Constituíram fontes de dados do estudo:
aIBGE,15 sobre o ano de 2018, para obter a lista e códigos dos municípios brasileiros e sua extensão territorial; e sobre 2010, para obter o tamanho da população ocupada, a proporção dos trabalhadores com emprego formal, o tamanho e proporção dos trabalhadores na indústria extrativa/transformação/construção e o IDH-M;
Google Maps,16 sobre o ano de 2018, para obter as coordenadas geográficas dos municípios;
Banco de notificações de Pair no Sinan (atualização em agosto de 2018), cedido pela Coordenação-Geral de Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde (CGSAT/MS) ao Centro Colaborador de Vigilância aos Agravos à Saúde do Trabalhador do Programa Integrado em Saúde Ambiental e do Trabalhador, Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia,17 para obter a lista de casos notificados de Pair, o ano-calendário da notificação, a fonte notificadora e o município de residência;
Documento sobre o histórico dos Cerest, cedido pela CGSAT/MS em janeiro de 2018, para acessar o ano calendário de habilitação e desabilitação de cada Cerest;
Website Renast Online18 (2014) e documento complementar (outubro de 2017), cedido pela CGSAT/MS, para identificar os municípios na área de abrangência de cada Cerest;
Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES)19 referente ao período 2013-2015, para obter a composição das equipes dos Cerest.
Para verificar se as variáveis estavam associadas à ocorrência de notificação de Pair nos municípios, foram descritos (i) a quantidade e a proporção de municípios notificantes por ano-calendário e para todo o período 2013-2015, de acordo com as variáveis preditoras; foram estimadas (ii) as medidas de associação entre cada uma das variáveis com o desfecho (município notificante), empregando-se a regressão logística para obtenção da razão de chances (odds ratio, OR) bruta e ajustada pelo tamanho da população ocupada (ORaj), e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%); e foi conduzida (iii) a análise multivariada, separadamente para os conjuntos de variáveis relacionadas aos municípios e relacionadas aos Cerest. Na modelagem, além da população ocupada, permaneceram as variáveis que apresentaram p-valor <0,20, tendo seguido para os respectivos modelos finais de cada dimensão aquelas variáveis associadas ao desfecho considerando-se um alfa ≤0,05.
A base de dados foi organizada a partir de planilhas Excel® e as análises foram conduzidas utilizando-se o programa estatístico Stata, versão 12.0. O programa QGIS versão 2.6, de georreferenciamento, foi utilizado para a construção do mapa. O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (CEP/ISC/UFBA): Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 93708218.0.0000.5030, Parecer nº 2.799.319, 03/08/2018. Não foi necessário aplicar Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, pela natureza pública, agregada e/ou anônima dos dados.
Resultados
Dos 5.570 municípios brasileiros, 277 (5,0%) notificaram casos de Pair no Sinan no período, evoluindo de 113 (2,0%), em 2013, para 164 municípios (2,9%) em 2015: um crescimento de 45,1%. Entre as UFs, Mato Grosso do Sul apresentou a maior proporção de municípios notificantes (25,3%), seguida do Rio de Janeiro (18,5%) e São Paulo (10,1%), enquanto no Acre, Amapá e Pará nenhum município notificou Pair no período (Figura 1). Entre os municípios notificantes, 42,0% fizeram-no unicamente via Cerest, 52,8% unicamente por outras fontes de notificação, e 5,2% notificaram tanto via Cerest como por outras fontes.
Legenda: AC: Acre; AL: Alagoas; AM: Amazonas; AP: Amapá; BA: Bahia; CE: Ceará; DF: Distrito Federal; ES: Espírito Santo; GO: Goiás; MA: Maranhão; MG: Minas Gerais; MS: Mato Grosso do Sul; MT: Mato Grosso; PA: Pará; PB: Paraíba; PE: Pernambuco; PI: Piauí; PR: Paraná; RJ: Rio de Janeiro; RN: Rio Grande do Norte; RO: Rondônia; RR: Roraima; RS: Rio Grande do Sul; SC: Santa Catarina; SE: Sergipe; SP: São Paulo; TO: Tocantins
Considerando-se a totalidade dos municípios, 4.400 (79,0%) pertenciam a áreas de abrangência de Cerest, sendo 3,2% municípios-sede; a maioria dos municípios tinha até 5 mil trabalhadores enquanto população ocupada; e menos de 15,0% dos trabalhadores encontravam-se na indústria de transformação, extrativa ou da construção. Um quarto dos municípios classificava-se na faixa de IDH-M muito baixo/baixo, entre outras características (Tabela 1). Dos 4.400 municípios localizados na área de abrangência de um Cerest, a maioria contava com essa unidade habilitada até o ano de 2005, número médio de vínculos na equipe de pelo menos dez profissionais, mais da metade da equipe composta por estatutários e número médio de fonoaudiólogos menor que um profissional, no período; e com rotatividade da equipe maior que 33,3% (Tabela 2).
Variáveis | N | % |
---|---|---|
Cobertura por Ceresta | ||
Não | 1.170 | 21,0 |
Sim | 4.400 | 79,0 |
Sede de Ceresta | ||
Não | 5.392 | 96,8 |
Sim | 178 | 3,2 |
Macrorregião | ||
Norte | 450 | 8,1 |
Nordeste | 1.794 | 32,2 |
Sudeste | 1.668 | 29,9 |
Sul | 1.191 | 21,4 |
Centro-Oeste | 467 | 8,4 |
Distância até a capital (km) | ||
≥275,0 | 2.781 | 49,9 |
<275,0 | 2.789 | 50,1 |
Extensão territorial (km2) | ||
≤418 | 2.785 | 50,0 |
>418 | 2.785 | 50,0 |
População ocupada (trabalhadores)b | ||
≤5.000 | 2.942 | 52,9 |
5.001 a 20.000 | 1.973 | 35,4 |
20.001 a 50.000 | 399 | 7,2 |
50.001 a 100.000 | 126 | 2,3 |
>100.000 | 125 | 2,2 |
Trabalhadores nas indústrias de transformação/extrativa/construção (%) | ||
<15,0 | 2.974 | 53,4 |
≥15,0 | 2.596 | 46,6 |
Trabalhadores na indústria de transformação (%) | ||
≤6,4 | 2.785 | 50,0 |
>6,4 | 2.785 | 50,0 |
Trabalhadores na indústria extrativa (%) | ||
≤0,1 | 2.871 | 51,5 |
>0,1 | 2.699 | 48,5 |
Trabalhadores na construção (%) | ||
≤6,0 | 2.796 | 50,2 |
>6,0 | 2.774 | 49,8 |
Trabalhadores com emprego formal (%) | ||
≤34,1 | 2.780 | 50,0 |
>34,1 | 2.785 | 50,0 |
Índice de desenvolvimento humano municipal (IDH-M)b | ||
Baixo/muito baixo | 1.399 | 25,1 |
Médio | 2.263 | 40,7 |
Alto/muito alto | 1.903 | 34,2 |
a) Cerest: Centro de Referência em Saúde do Trabalhador; b) Cinco dados faltantes porque os municípios foram criados após o Censo Demográfico de 2010.
A proporção de municípios notificantes de Pair no Sinan elevou-se com o aumento do tamanho da população ocupada, passando de 1,4%, no grupo de municípios com população ocupada ≤5 mil hab., para 4,0%, 11,0%, 33,3% e 56,0%, respectivamente, para população ocupada >5 até 20 mil, >20 a 50 mil, >50 a 100 mil e >100 mil hab. Esta variável foi utilizada para ajuste das OR em todas as análises.
Variáveis | N | % |
---|---|---|
Ano de habilitação do Ceresta de referência | ||
>2005 | 2.158 | 49,1 |
≤2005 | 2.242 | 50,9 |
Número médio de vínculos (2013-2015) | ||
<10 | 1.557 | 35,4 |
≥10 | 2.843 | 64,6 |
Componentes da equipe com vínculo estatutário (%) | ||
≤50,0 | 1.926 | 43,8 |
>50,0 | 2.474 | 56,2 |
Número médio de fonoaudiólogos (2013-2015) | ||
<1 | 2.837 | 64,5 |
≥1 | 1.563 | 35,5 |
Rotatividade na equipeb | ||
Maior rotatividade (>33,3%) | 2.261 | 52,8 |
Menor rotatividade (≤33,3%) | 2.020 | 47,2 |
a) Cerest: Centro de Referência em Saúde do Trabalhador; b) 119 dados faltantes pela ausência dos registros para 2013 e/ou 2015, ambos necessários para o cálculo.
Na análise bivariada, todas as variáveis relacionadas aos municípios foram associadas ao desfecho (Tabela 3). Na modelagem para essa dimensão, foram conduzidos dois modelos, separadamente: um incluindo unicamente a variável ‘trabalhadores nas indústrias de transformação/extrativa/construção’, e outro com cada uma das três variáveis de trabalhadores dessas indústrias, visto que se tratava de dados de mesma origem, induzindo colinearidade. Em ambos os modelos, uma maior proporção da população ocupada nesses ramos de atividade não se revelou fator associado à notificação da Pair pelos municípios. No modelo final, mantiveram-se associados positivamente ao desfecho: ter cobertura por Cerest; ser sede de Cerest; pertencer à região Centro-Oeste; apresentar menor distância da capital; e ter IDH-M alto/muito alto (Tabela 3). Pertencer à região Norte foi negativamente associado ao desfecho.
Variáveis | N | Notificaram Pair | Medida de associação | Modelo finala | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Bruta | Ajustada pela população ocupadaa | ||||||||
N | % | ORb | IC95%c | ORb | IC95%c | ORb | IC95%c | ||
Brasil | 5.570 | 277 | 5,0 | ||||||
Cobertura por Cerestd | |||||||||
Não | 1.170 | 23 | 2,0 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |||
Sim | 4.400 | 254 | 5,8 | 3,06 | 1,98;4,70 | 1,81 | 1,15;2,83 | 1,62 | 1,02;2,59 |
Sede de Cerestd | |||||||||
Não | 5.392 | 186 | 3,4 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |||
Sim | 178 | 91 | 51,1 | 29,28 | 21,08;40,65 | 3,90 | 2,52;6,05 | 4,37 | 2,75;6,93 |
Macrorregião | |||||||||
Norte | 450 | 7 | 1,6 | 0,47 | 0,21;1,04 | 0,35 | 0,15;0,81 | 0,32 | 0,13;0,79 |
Nordeste | 1.794 | 58 | 3,2 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |||
Sudeste | 1.668 | 124 | 7,4 | 2,40 | 1,75;3,31 | 1,64 | 1,16;2,34 | 1,39 | 0,87;2,23 |
Sul | 1.191 | 46 | 3,9 | 1,20 | 0,81;1,78 | 1,07 | 0,70;1,65 | 0,85 | 0,50;1,46 |
Centro-Oeste | 467 | 42 | 9,0 | 2,96 | 1,96;4,46 | 3,49 | 2,22-5,46 | 2,84 | 1,65;4,90 |
Distância da capital (km) | |||||||||
≥275,0 | 2.781 | 89 | 3,2 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |||
<275,0 | 2.789 | 188 | 6,7 | 2,19 | 1,69;2,83 | 1,34 | 1,01;1,78 | 1,43 | 1,06;1,92 |
Extensão territorial (km2) | |||||||||
≤418 | 2.785 | 115 | 4,1 | 1,00 | 1,00 | ||||
>418 | 2.785 | 162 | 5,8 | 1,43 | 1,12;1,83 | 0,95 | 0,72;1,26 | ||
Trabalhadores nas indústrias de transformação/extrativa/construção (%) | |||||||||
<15,0 | 2.974 | 70 | 2,4 | 1,00 | 1,00 | ||||
≥15,0 | 2.596 | 207 | 8,0 | 3,59 | 2,73;4,74 | 1,64 | 1,20;2,25 | ||
Trabalhadores na indústria de transformação (%) | |||||||||
≤6,4 | 2.785 | 65 | 2,3 | 1,00 | 1,00 | ||||
>6,4 | 2.785 | 212 | 7,6 | 3,45 | 2,60;4,58 | 1,72 | 1,26;2,35 | ||
Trabalhadores na indústria extrativa (%) | |||||||||
≤0,1 | 2.871 | 114 | 4,0 | 1,00 | 1,00 | ||||
>0,1 | 2.699 | 163 | 6,0 | 1,55 | 1,22;1,99 | 1,18 | 0,90;1,55 | ||
Trabalhadores na construção (%) | |||||||||
≤6,0 | 2.796 | 67 | 2,4 | 1,00 | 1,00 | ||||
>6,0 | 2.774 | 210 | 7,6 | 3,34 | 2,52;4,42 | 1,42 | 1,03;1,95 | ||
Trabalhadores com emprego formal (%)e | |||||||||
≤34,1 | 2.780 | 50 | 1,8 | 1,00 | 1,00 | ||||
>34,1 | 2.785 | 227 | 8,2 | 4,85 | 3,55;6,61 | 2,00 | 1,41;2,83 | ||
Índice de desenvolvimento humano municipal (IDH-M)e,f | |||||||||
Baixo/muito baixo | 1.399 | 16 | 1,1 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |||
Médio | 2.263 | 74 | 3,3 | 2,92 | 1,70;5,04 | 2,37 | 1,36;4,11 | 1,81 | 0,98;3,32 |
Alto/muito alto | 1.903 | 187 | 9,8 | 9,42 | 5,63;15,77 | 3,44 | 1,99;5,94 | 2,35 | 1,16;4,75 |
a) Ajuste pelo tamanho da população ocupada (Censo 2010) em cinco categorias; b) OR: odds ratio ou razão de chances; c) IC95%: intervalo de confiança de 95%; d) Cerest: Centro de Referência em Saúde do Trabalhador; e) Cinco dados faltantes porque os municípios foram criados após o Censo Demográfico de 2010; f) P-tendência = 0,0175.
Todas as variáveis relacionadas aos Cerest foram associadas ao desfecho na análise bivariada, exceto a proporção de componentes da equipe com vínculo estatutário (Tabela 4). No modelo final, mantiveram-se associados positivamente ao desfecho: ter pelo menos um fonoaudiólogo na equipe do Cerest; e esta apresentar menor rotatividade de profissionais (Tabela 4).
Variáveis | N | Notificaram Pair | Medida de associação | Modelo finalb | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Bruta | Ajustada pela população ocupadab | ||||||||
N | % | ORc | IC95%d | ORc | IC95%d | ORc | IC95%d | ||
Municípios cobertos por Ceresta | 4.400 | 254 | 5,8 | ||||||
Ano de habilitação | |||||||||
>2005 | 2.158 | 103 | 4,8 | 1,00 | 1,00 | ||||
≤2005 | 2.242 | 151 | 6,7 | 1,44 | 1,11;1,86 | 1,19 | 0,90;1,59 | ||
Número médio de vínculos (2013-2015) | |||||||||
<10 | 1.557 | 70 | 4,5 | 1,00 | 1,00 | ||||
≥10 | 2.843 | 184 | 6,5 | 1,47 | 1,11;1,95 | 1,30 | 0,95;1,77 | ||
Componentes da equipe com vínculo estatutário (%) | |||||||||
≤50,0 | 1.926 | 108 | 5,6 | 1,00 | 1,00 | ||||
>50,0 | 2.474 | 146 | 5,9 | 1,06 | 0,82;1,36 | 1,02 | 0,77;1,36 | ||
Número médio de fonoaudiólogos (2013-2015) | |||||||||
<1 | 2.837 | 135 | 4,8 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |||
≥1 | 1.563 | 119 | 7,6 | 1,65 | 1,28;2,13 | 1,96 | 1,47;2,61 | 1,96 | 1,47;2,63 |
Rotatividade na equipee | |||||||||
Maior rotatividade (>33,3%) | 2.261 | 96 | 4,2 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |||
Menor rotatividade (≤33,3%) | 2.020 | 157 | 7,8 | 1,90 | 1,46;2,47 | 1,85 | 1,38;2,47 | 1,88 | 1,40;2,52 |
a) Cerest: Centro de Referência em Saúde do Trabalhador; b) Ajuste pelo tamanho da população ocupada (Censo 2010) em cinco categorias; c) OR: odds ratio ou razão de chances; d) IC95%: intervalo de confiança de 95%; e) 119 dados faltantes pela ausência dos registros para 2013 e/ou 2015, ambos necessários para o cálculo.
Discussão
No Brasil, entre 2013 e 2015, poucos municípios notificaram Pair no Sinan. Os fatores que se associaram positivamente à condição de município notificante foram ser município-sede ou ter cobertura por Cerest, estar próximo à capital do estado e ter alto IDH-M. Enquanto municípios localizados na região Centro-Oeste foram mais comumente notificantes de Pair, na comparação com outras regiões, o contrário foi observado na região Norte. Entre os municípios com cobertura, ou seja, situados em área de abrangência de um Cerest, os fatores que influíram positivamente na notificação de Pair foram a baixa rotatividade de profissionais e a presença de fonoaudiólogo na equipe do Cerest.
Embora apenas um em cada 20 municípios tenha notificado Pair no período do estudo, o crescimento dos municípios notificantes entre 2013 e 2015 foi expressivo. Tal crescimento é compatível com a implantação e expansão dos Cerest no Brasil. Houve aumento no número de Cerest desde 2002, quando foram habilitados os primeiros 17 no país.6,20 Contudo, mesmo alcançando 210 unidades em 2011,21 1.170 municípios brasileiros ainda não estavam cobertos por Cerest no período deste estudo.
Em três estados, Acre, Amapá e Pará, não houve municípios notificantes de Pair entre 2013 e 2015, em contraste com Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo, UFs com as maiores proporções de municípios notificantes. Nota-se que, no período 2007-2009, as notificações de Pair eram ausentes (n=8) ou inferiores a dez casos notificados (n=12) em 20 das 27 UF.8 Pode-se inferir que houve uma evolução, embora existissem situações bastante distintas no território nacional. Na região Sudeste, de importante atividade industrial, observa-se o desenvolvimento de programas e ações sistemáticas em saúde do trabalhador,20 expressiva produção científica na área22 e um histórico mais precoce de habilitação dos Cerest.23 São Paulo foi o primeiro estado a apresentar uma rede de Cerest regionais habilitados,23 e dos 17 primeiros Cerest implantados em 2002, seis (35,3%) localizavam-se no estado paulista e os demais em Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia.6 Nas regiões com maior densidade de trabalhadores - Sudeste, Sul e Nordeste -, observa-se maior concentração de Cerest, ao passo que, nas regiões Norte e Centro-Oeste, há uma rarefação de unidades.20 Apesar disso, o Centro-Oeste destacou-se com a maior proporção de municípios notificantes de Pair, possível consequência de uma implantação bem estruturada da vigilância e do fluxo de notificação dos casos nas áreas de abrangência dos Cerest. Coerentemente, estudo realizado no Brasil sobre a evolução da notificação dos acidentes de trabalho graves no Sinan, entre 2007 e 2011, mostrou a região Centro-Oeste com a maior proporção de municípios notificantes (9,7%) entre as macrorregiões, em 2007, atingindo 31,1% em 2011, um crescimento expressivo.24
No presente estudo, os municípios mais próximos da capital notificaram em maior proporção, comparados àqueles mais distantes. Este achado pode estar relacionado à presença de uma rede de atenção à saúde mais fortalecida, maior acesso dos profissionais a uma educação permanente, presença de técnico de referência em saúde do trabalhador, ações de promoção da saúde e prevenção de doenças e agravos implementadas, maior fiscalização de ambientes de trabalho, e demais fatores contributivos. A proposta de um novo modelo de organização dos Cerest25 considera diferentes níveis de referência técnica em saúde do trabalhador, devendo o funcionamento da rede ser planejado de acordo com a faixa populacional dos municípios. Essa reorganização poderá minimizar dificuldades geradas pela distância do município aos grandes centros, com maior capilarização dos serviços, contribuindo para a expansão das notificações em saúde do trabalhador no Sinan. As notificações também podem ser potencializadas nos municípios com a implantação de Comissões Intersetoriais de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora descentralizadas.25
Possuir IDH-M elevado mostrou-se também um fator associado à notificação da Pair pelos municípios, com aumento em gradiente. Quanto maior o IDH-M, melhores são as condições de vida, maior o acesso ao conhecimento e melhor o padrão de vida medido pela renda municipal per capita.14 Estas qualidades podem contribuir para uma boa organização da informação de vigilância em saúde nos territórios. Em contraste, apesar de um baixo IDH, em geral, refletir piores estimativas de morbimortalidade, a notificação de Pair foi menos frequente nos municípios com baixo IDH, o que pode sugerir a hipótese de ser mais comum a subnotificação de casos nos municípios que oferecem uma qualidade de vida ruim a seus cidadãos.
Entre os municípios cobertos por Cerest, ter pelo menos um fonoaudiólogo na equipe foi fator associado à notificação de Pair. Coerentemente, ações de vigilância em saúde direcionadas à Pair e/ou ao distúrbio de voz relacionado ao trabalho foram relatadas pela coordenação dos Cerest como habituais no cotidiano de atuação desses profissionais (73,7%).26 O fonoaudiólogo, profissional com conhecimento técnico e experiência no manejo de casos de Pair, está habilitado a identificar o tipo de perda auditiva e discutir com a equipe sua possível relação com o trabalho. Não obstante o crescimento da presença desse profissional nas equipes desde 2002, a maioria das unidades Cerest (51,9%) não contava com um fonoaudiólogo em 2014.26
Sobre os fatores relacionados aos Cerest de cobertura dos municípios, o mais fortemente associado à notificação da Pair foi a menor rotatividade na equipe de trabalho do Cerest. Ou seja, uma maior rotatividade na equipe parece prejudicar as ações de vigilância. A rotatividade dos profissionais de saúde é um dos problemas a serem enfrentados também nos Cerest, porque interfere na integração da equipe e na atenção aos trabalhadores.27 Estudo realizado em Minas Gerais,28 no período de 2002 a 2007, com foco na atuação dos Cerest regionais, encontrou quase três quartos dos trabalhadores que compunham a equipe dos Cerest com vínculo empregatício efetivo, proporção superior à identificada no presente estudo. A nova proposta de reorganização da Renast indica a necessidade de a equipe multiprofissional, ou a maior parte dela, ser contratada mediante concurso público, com vínculos estáveis.25 A medida pode contribuir para a menor rotatividade da equipe técnica e gerencial dos Cerest e como resultado, melhor desenvolvimento das ações de vigilância, entre elas as notificações de doenças e agravos no Sinan. Ressalta-se, no entanto, que apesar de a efetividade do vínculo favorecer certa estabilidade na constituição das equipes, ela não garante uma baixa rotatividade de seus componentes, uma vez que pode haver mobilidade na lotação dos trabalhadores.
O alcance de 100% das regiões de saúde com no mínimo um Cerest habilitado até 2019 foi uma meta estabelecida em 2015, pelo Plano Plurianual e Plano Nacional de Saúde (2016-2019) do Ministério da Saúde.29 Apesar de essa meta não ter sido alcançada, foi publicada a Resolução nº 603, de 8 de novembro de 2018,25 com uma proposta de reorganização da Atenção Integral à Saúde dos Trabalhadores no SUS, cujo objetivo era desenvolver um novo modelo de organização dos Cerest. Nesse modelo, cada Região de Saúde teria, no mínimo, um Cerest regional como retaguarda técnica para seus municípios. Considerando-se a relevância do Cerest para a vigilância em saúde do trabalhador, ratificada por este estudo, sua expansão é uma das estratégias para a garantia de apoio institucional, técnico e pedagógico em saúde do trabalhador no território de sua abrangência. Porém, vale ressaltar que existem fatores de impacto no funcionamento dos Cerest, e apenas contar com uma unidade habilitada não garante uma atuação com toda a capacidade potencial, tampouco uma oferta de serviços à população com a equidade, a qualidade e a eficiência que se espera.20
Entre as limitações deste estudo, a qualidade dos dados pode ter sido afetada por incompletude e inconsistência, por se tratar de dados secundários de sistemas de informação. Outrossim, a ausência de notificação em municípios muito pequenos, ao contrário de um potencial sub-registro, poderia significar simplesmente a não ocorrência de casos de Pair no período do estudo. Assim, foi empregado o ajuste dos modelos pelo tamanho da população ocupada, como estratégia para minimizar um possível viés nos resultados. Destaca-se que este é o primeiro estudo epidemiológico dedicado a investigar fatores contextuais associados à notificação de Pair no Brasil e adotar, como estratégia, o uso de diversas fontes de dados públicos.
Fatores contextuais influenciam a notificação de Pair nos municípios. Notadamente, a maioria desses fatores se referem à existência e qualificação dos serviços de atenção à saúde do trabalhador. O estudo traz evidências que podem contribuir com o planejamento de estratégias para o fortalecimento da notificação de Pair, e logo, para a redução da subnotificação desse agravo no Sinan. Possíveis recomendações incluem a ampliação do número de Cerest, maior capilarização dos serviços, cursos de capacitação para notificação que alcancem todo o território nacional, maior investimento na vigilância em municípios com baixo IDH, presença de profissional fonoaudiólogo e medidas para reduzir a rotatividade nas equipes dos Cerest.