Introdução
Infecções sexualmente transmissíveis (IST) configuram-se como um grave problema de saúde pública global, que gera impactos econômicos, sociais e sanitários.1) As estimavas mundiais evidenciam que, anualmente, aproximadamente 2 milhões de casos de sífilis gestacional (SG) ocorram no mundo,2 e, se as mulheres infectadas não forem tratadas, ou se tratadas de maneira inadequada, terão 50% de chance de transmitirem a infecção para sua criança durante a gestação.3),(4
No ano de 2016, a prevalência global estimada de sífilis gestacional foi de 0,7%, e de 0,9% para a região das Américas. A alta prevalência de SG resultou em uma taxa de incidência de sífilis congênita (SC) de 473 casos por 100 mil nascidos vivos no mundo.2
Em 2020, no Brasil, foram notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) 61.127 casos de SG, com taxa de detecção de 20,8 casos a cada mil nascidos vivos.5 A taxa de incidência de SC foi de 8,2 para cada mil nascidos vivos, e a mortalidade por SC, de 5,9 óbitos para cada mil nascidos vivos, no país.5 Destaca-se que a taxa de incidência de SC no estado de Minas Gerais foi superior à nacional (8,7 casos para cada mil nascidos vivos).5
A prevenção da transmissão vertical da sífilis é relativamente simples, realizada por meio de teste rápido da triagem e sorologia para sífilis durante a realização do pré-natal e do tratamento imediato com injeção de penicilina benzatina. Uma criança recém-nascida de uma gestante infectada pela sífilis e adequadamente tratada, a princípio, não é considerada caso suspeito de SC.6 A SC é uma doença com alto potencial de prevenção; entretanto, para que essa prevenção seja efetiva, é necessário que, durante as consultas do pré-natal, a gestante infectada seja diagnosticada e tratada, assim como suas parcerias sexuais.7
Quando ocorre a transmissão vertical da sífilis durante o período gestacional, a infecção pode levar a resultados fetais graves durante a gestação,8 como aborto espontâneo, morte fetal precoce, natimortalidade, morte neonatal, parto prematuro, baixo peso ao nascer e SC.8 Quando a sífilis acomete as gestantes, a prevalência da SC é alarmante, em especial nos países de baixa e média renda.8 Neste contexto, a atuação da Atenção Primária à Saúde (APS) se apresenta como ponto de atenção de saúde essencial e estratégico, no combate à sífilis gestacional e congênita, uma vez que é o primeiro nível de atenção do serviço de saúde para as gestantes.9 A APS, pelo cuidado longitudinal ofertado, permite a criação de vínculo entre o serviço de saúde e a gestante, além de possibilitar a mudança do quadro epidemiológico da SG e da SC.9
Diante desse cenário, evidencia-se a necessidade de melhor compreensão do perfil epidemiológico da SG e da SC em Minas Gerais, uma vez que estudos com os dados do estado ainda são incipientes na literatura10),(11 e, muitas vezes, focados somente em cidades específicas,3),(11) a exemplo da capital Belo Horizonte.3 Soma-se o fato de a análise de tendência dos casos de sífilis no estado poder contribuir para o melhor conhecimento do problema, visando melhorar a prevenção da transmissão vertical. A análise de tendência pode subsidiar a elaboração de estratégias para o alcance da meta definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de redução da ocorrência da sífilis congênita para menos de 50 casos por 100 mil nascidos vivos, até 2030, em 80% dos países.12
O objetivo do estudo foi analisar a tendência das notificações de sífilis gestacional e de sífilis congênita no estado de Minas Gerais, Brasil, no período de 2009 a 2019.
Métodos
Estudo ecológico de série temporal dos casos notificados de SG e SC no Sinan, no período de 2009 a 2019, considerando-se como unidade de análise o estado de Minas Gerais.
Minas Gerais compõe-se de 853 municípios, distribuídos em 586.528 km2, e contava com uma população de 21.168.791 habitantes no ano de 2019, sendo o segundo estado mais populoso do país.13),(14 O Plano Diretor de Regionalização da Saúde de Minas Gerais divide o estado em 14 macrorregiões de saúde, com o objetivo de organizar e planejar a atenção à saúde em suas respectivas áreas de abrangência.15
Os dados dos casos de SG e SC foram coletados via Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) e tabulados pelo TABNET, um tabulador de domínio público do Ministério da Saúde, que permite a tabulação de dados e o cruzamento de informações de forma rápida e segura.16
Os dados obtidos no Datasus foram coletados no sítio eletrônico http://indicadoressifilis.aids.gov.br/,17 com filtro aplicado para abrangência do estado e a subcategoria ‘estado de Minas Gerais’. Os dados foram exportados do Datasus, via TABNET, em 14 de outubro de 2020.
Os indicadores analisados foram as taxas de incidência de SG e SC de Minas Gerais. Ressalta-se que, para as taxas de incidência de SG e SC, excluiu-se o ano de 2019 por ainda não contar com essas taxas disponíveis no sítio eletrônico http://indicadoressifilis.aids.gov.br/.17 O método adotado pelo Sinan para o cálculo das taxas de incidência é descrito a seguir:
a) Para o cálculo da taxa de incidência da SG, utiliza-se o número de casos notificados ou confirmados em gestantes de Minas Gerais dividido pelo número de recém-nascidos vivos no estado, multiplicado por mil;
b) Para o cálculo da incidência de SC, o Sinan adota o número de casos novos de sífilis congênita ocorridos em Minas Gerais por ano, dividido pelo número de recém-nascidos vivos no estado no mesmo ano, multiplicado por mil.
Também foram analisadas as variáveis referentes às informações disponibilizadas nas fichas de notificação de SG e SC, por meio de frequências absoluta e relativa das notificações dos casos no estado, segundo as características e categorias. Ressalta-se que a categoria ‘missing’ foi incluída na categoria ‘ignorado’ de cada variável. Foram analisadas as seguintes variáveis:
a) Características sociodemográficas
- Faixa etária materna (em anos: 10 a 14; 15 a 19; 20 a 29; 30 a 39; 40 ou mais);
- Idade da criança (menos de 7 dias; 7 a 27 dias; 28 a 364 dias; 1 ano; 2 a 4 anos; 5 a 12 anos);
- Escolaridade materna (analfabeta; 1ª a 4ª série incompleta; 4ª série completa; 5ª a 8ª série incompleta; ensino fundamental completo; ensino médio incompleto; ensino médio completo; ensino superior incompleto; ensino superior completo; ignorado); e
- Raça/cor da pele da gestante (branca; preta; amarela; parda; indígena; ignorado).
b) Características clínicas
- Classificação clínica da SG (sífilis primária; sífilis secundária; sífilis terciária; sífilis latente; ignorado);
- Idade gestacional do diagnóstico (1° trimestre; 2° trimestre; 3° trimestre; ignorado);
- Momento do diagnóstico da sífilis materna (durante o pré-natal; no momento do parto/curetagem; após o parto; não realizado; ignorado);
- Esquema de tratamento materno (adequado; inadequado; não realizado; ignorado);
- Parceria sexual tratada (sim; não; ignorado).
Para a análise dos dados, utilizou-se o pacote estatístico Statistical Software for Professional (Stata), versão 16.0. As variáveis sobre a sífilis gestacional e congênita foram apresentadas por meio das frequências absoluta e relativa (percentuais).
Para a análise das tendências, foram empregados modelos autorregressivos de Prais-Winsten, em que as variáveis dependentes foram as taxas de incidência e as proporções das características sociodemográficas e clínicas de SG e SC; e como variáveis independentes, os anos do estudo (2009 a 2019). Adotou-se o modelo de regressão de Prais-Winsten, por ser indicado para corrigir a autocorrelação serial proveniente de séries temporais.18
Para a realização da regressão de Prais-Winsten, as taxas de incidência e as proporções de sífilis gestacional e congênita foram transformadas para a escala logarítmica. Esse processo é realizado para reduzir a heterogeneidade da variância dos resíduos provenientes da análise de regressão de séries temporais.18
Realizou-se, também, o cálculo da variação percentual média anual (annual percent change, APC) para cada variável dependente analisada. Para o cálculo da APC, utilizou-se a seguinte fórmula:
APC = (-1+10[b1]*100%), onde o b1 refere-se ao coeficiente angular (beta) da regressão de Prais-Winsten.18
Calcularam-se, ainda, os intervalos de confiança de 95% (IC95%) das medidas de APC, utilizando-se a seguinte fórmula: IC95% mínimo (-1+10 [b1-t*e]*100%) e IC95% máximo (-1+10 [b1+t*e ]*100%). Os valores dos coeficientes angulares (b1) da regressão de Prais-Winsten e erros-padrão foram gerados pelo programa de análise estatística. Já o t da fórmula refere-se ao teste t de Student, que correspondeu a 9 graus de liberdade (t=2,262 para o período de dez anos) e 10 graus de liberdade para as demais proporções de sífilis gestacional e congênita (t=2,228 para o período de 11 anos), ambos com nível de confiança de 95%.
Os resultados da regressão foram interpretados da seguinte forma: tendência crescente, quando o valor de p foi menor que 0,05 e o coeficiente de regressão era positivo; tendência decrescente, quando o valor de p foi menor que 0,05 e o coeficiente de regressão era negativo; ou tendência estacionária, quando o valor de p foi maior que 0,05.18
Por se tratar de dados públicos não nominais, disponíveis pelo Datasus, não foi necessária a aprovação do projeto do estudo por um Comitê de Ética em Pesquisa.
Resultados
No período de 2009 a 2019, foram identificados em Minas Gerais 20.348 casos de SG e 11.173 casos de SC. De 2009 a 2018, observou-se um crescimento estatisticamente significativo nas taxas de incidência de SG (APC=36,7 - IC95% 32,5;41,0) e SC (APC=32,8 - IC95% 28,0;37,8) no estado (Figura 1).
Na Tabela 1, pode-se observar que 52,9% (n=10.754) dos casos de SG notificados eram mulheres na faixa etária de 20 a 29 anos, 16,7% (n=3.404) das gestantes tinham de 5ª a 8ª série incompleta e 38,6% (n=7.855) apresentaram a escolaridade ignorada. Em relação à raça/cor da pele, 48,0% (n=9.760) se autodeclararam pardas.
Entre as notificações de SC, 95,9% (n=10.718) eram crianças menores de 7 dias, 52,2% (n=5.834) nasceram de mães com idade entre 20 e 29 anos e 16,3% (n=1.816) eram mães com escolaridade de 5ª a 8ª série incompleta. De modo similar à SG, entre os casos de SC, 41,2% (n=4.599) da variável escolaridade teve seu preenchimento ignorado (Tabela 1).
Em relação às características clínicas das infecções de SG e SC, observou-se que 33,8% (n=6.869) dos casos de SG foram de sífilis primária; entretanto, 35,3% (n=7.178) dos casos tiveram essa variável ignorada. O diagnóstico da SG para 39,4% (n=8.020) das mulheres ocorreu durante o 3º trimestre gestacional. As características clínicas da SC demonstraram que 62,8% (n=7.015) do diagnóstico materno foi realizado durante o pré-natal e 59,6% (n=6.664) das mães tiveram o tratamento da sífilis realizado de maneira inadequada; em 61,0% (n=6.820) dos casos, as parcerias sexuais da mãe do recém-nascido não foram tratadas (Tabela 2).
A Tabela 3 apresenta as proporções de SG e SC segundo variáveis sociodemográficas e clínicas, por ano das notificações. Observa-se que, tanto para SG quanto para SC, o ano de 2018 foi o de maior número de casos notificados no estado. Segundo as características sociodemográficas, a faixa etária da gestante de 20 a 29 anos apresentou a maior proporção de casos, comparada às demais idades, em todos os anos.
Características sociodemográficas | n | % | |
---|---|---|---|
Sífilis gestacional | |||
Idade materna (anos) (n=20.347) | |||
10-14 | 229 | 1,1 | |
15-19 | 5.197 | 25,5 | |
20-29 | 10.754 | 52,9 | |
30-39 | 3.779 | 18,6 | |
≥40 | 388 | 1,9 | |
Escolaridade (n=20.347) | |||
Analfabeta | 68 | 0,3 | |
1ª a 4ª série incompleta | 593 | 2,9 | |
4ª série completa | 551 | 2,7 | |
5ª a 8ª série incompleta | 3.404 | 16,7 | |
Ensino fundamental completo | 1.965 | 9,7 | |
Ensino médio incompleto | 2.527 | 12,4 | |
Ensino médio completo | 3.027 | 14,9 | |
Ensino superior incompleto | 196 | 1,0 | |
Ensino superior completo | 161 | 0,8 | |
Ignoradoa | 7.855 | 38,6 | |
Raça/cor da pele (n=20.348) | |||
Branca | 4.820 | 23,7 | |
Preta | 3.229 | 15,9 | |
Amarela | 224 | 1,1 | |
Parda | 9.760 | 48,0 | |
Indígena | 25 | 0,1 | |
Ignoradoa | 2.290 | 11,2 | |
Sífilis congênita | |||
Idade da criança (n=11.173) | |||
Menos de 7 dias | 10.718 | 95,9 | |
7 a 27 dias | 192 | 1,7 | |
28 a 364 dias | 210 | 1,9 | |
1 ano | 27 | 0,2 | |
2 a 4 anos | 15 | 0,1 | |
5 a 12 anos | 11 | 0,1 | |
Idade materna (anos) (n=11.173) | |||
10-14 | 90 | 0,8 | |
15-19 | 2.635 | 23,6 | |
20-29 | 5.834 | 52,2 | |
30-39 | 2.196 | 19,7 | |
≥4 | 223 | 2,0 | |
Ignoradoa | 195 | 1,7 | |
Escolaridade da mãe (n=11.173) | |||
Analfabeta | 60 | 0,5 | |
1ª a 4ª série incompleta | 340 | 3,0 | |
4ª série completa | 238 | 2,1 | |
5ª a 8ª série incompleta | 1.816 | 16,3 | |
Ensino fundamental completo | 1.174 | 10,5 | |
Ensino médio incompleto | 1.169 | 10,5 | |
Ensino médio completo | 1.525 | 13,6 | |
Ensino superior incompleto | 88 | 0,8 | |
Ensino superior completo | 78 | 0,7 | |
Não se aplica | 86 | 0,8 | |
Ignoradoa | 4.599 | 41,2 | |
Raça/cor da pele da mãe (n=11.173) | |||
Branca | 2.042 | 18,3 | |
Preta | 1.511 | 13,5 | |
Amarela | 68 | 0,6 | |
Parda | 5.933 | 53,1 | |
Indígena | 16 | 0,1 | |
Ignoradoa | 1.603 | 14,3 |
a) A categoria ‘missing’ foi incluída na categoria ‘ignorado’ de cada variável.
Características clínicas | n | % | |
---|---|---|---|
Sífilis gestacional (n=20.348) | |||
Classificação clínica | |||
Sífilis primária | 6.869 | 33,8 | |
Sífilis secundária | 1.441 | 7,1 | |
Sífilis terciária | 1.184 | 5,8 | |
Sífilis latente | 3.676 | 18,1 | |
Ignoradoa | 7.178 | 35,3 | |
Idade gestacional | |||
1° trimestre | 5.628 | 27,7 | |
2° trimestre | 5.146 | 25,3 | |
3° trimestre | 8.020 | 39,4 | |
Ignoradoa | 1.554 | 7,6 | |
Sífilis congênita (n=11.173) | |||
Momento do diagnóstico da sífilis materna | |||
Durante o pré-natal | 7.015 | 62,8 | |
Características clínicas | n | % | |
Sífilis congênita (n=11.173) | |||
Momento do diagnóstico da sífilis materna | |||
No momento do parto/curetagem | 2.893 | 25,9 | |
Após o parto | 840 | 7,5 | |
Não realizado | 75 | 0,7 | |
Ignoradoa | 350 | 3,1 | |
Esquema de tratamento materno | |||
Adequado | 601 | 5,4 | |
Inadequado | 6.664 | 59,6 | |
Não realizado | 2.721 | 24,4 | |
Ignoradoa | 1.187 | 10,6 | |
Parceria sexual tratada | |||
Sim | 2.030 | 18,2 | |
Não | 6.820 | 61,0 | |
Ignoradoa | 2.323 | 20,8 |
a) A categoria ‘missing’ foi incluída na categoria ‘ignorado’ de cada variável.
Ano | ||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis sociodemográficas e clínicas | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | 2019 | |
Casos de sífilis gestacional | n=306 | n=362 | n=550 | n=871 | n=1.138 | n=1.698 | n=2.410 | n=2.605 | n=3.667 | n=4.851 | n=1.890 | |
Casos de sífilis gestacional segundo período do diagnóstico da sífilis | ||||||||||||
1º trimestre | 15,7 | 16,6 | 20,2 | 22,2 | 23,2 | 22,0 | 22,2 | 25,2 | 31,3 | 33,0 | 33,9 | |
2º trimestre | 28,4 | 31,5 | 31,1 | 28,1 | 26,8 | 24,7 | 25,0 | 25,9 | 25,1 | 22,9 | 26,0 | |
3º trimestre | 46,7 | 45,8 | 39,6 | 41,8 | 40,9 | 43,1 | 43,5 | 40,9 | 37,3 | 37,0 | 34,9 | |
Ignoradoa | 9,2 | 6,1 | 9,1 | 7,9 | 9,1 | 10,2 | 9,3 | 8,0 | 6,3 | 7,1 | 5,2 | |
Casos de sífilis gestacional segundo faixa etária (anos) da gestante no momento do diagnóstico da sífilis | ||||||||||||
10-14 | 0,3 | 1,1 | 1,8 | 1,0 | 1,5 | 1,6 | 1,2 | 1,3 | 0,9 | 1,0 | 1,0 | |
15-19 | 21,9 | 19,6 | 23,3 | 23,1 | 26,3 | 28,6 | 26,2 | 25,2 | 27,3 | 25,0 | 23,3 | |
20-29 | 55,6 | 56,1 | 49,1 | 46,4 | 51,9 | 49,1 | 51,7 | 53,9 | 52,8 | 54,4 | 56,2 | |
30-39 | 18,6 | 21,3 | 21,5 | 27,3 | 18,8 | 18,8 | 19,1 | 18,2 | 17,0 | 17,8 | 17,5 | |
≥40 | 3,6 | 1,9 | 4,3 | 2,2 | 1,5 | 1,9 | 1,8 | 1,5 | 2,0 | 1,8 | 2,0 | |
Casos de sífilis gestacional segundo a classificação clínica da sífilis gestacional no momento do diagnóstico da sífilis | ||||||||||||
Sífilis primária | 36,8 | 33,4 | 34,2 | 29,6 | 32,3 | 37,3 | 34,1 | 31,9 | 35,3 | 33,9 | 31,4 | |
Sífilis secundária | 8,3 | 6,9 | 9,3 | 8,5 | 6,9 | 6,5 | 7,8 | 9,2 | 7,2 | 5,7 | 5,6 | |
Sífilis terciária | 3,5 | 3,6 | 4,4 | 4,9 | 5,5 | 6,1 | 5,5 | 5,4 | 6,0 | 6,4 | 6,6 | |
Sífilis latente | 8,0 | 11,9 | 10,9 | 8,8 | 7,0 | 9,0 | 10,7 | 14,6 | 20,8 | 25,7 | 31,1 | |
Ignoradoa | 43,3 | 44,2 | 41,2 | 48,2 | 48,3 | 41,1 | 41,9 | 38,9 | 30,7 | 28,3 | 25,3 | |
Casos de sífilis congênita | n=197 | n=230 | n=312 | n=508 | n=642 | n=947 | n=1.422 | n=1.473 | n=1.813 | n=2.443 | n=1.186 | |
Casos de sífilis congênita segundo informação de acompanhamento de pré-natal da mãe | ||||||||||||
Sim | 84,8 | 83,9 | 76,9 | 75,0 | 78,4 | 83,3 | 84,3 | 86,2 | 88,1 | 89,4 | 88,4 | |
Não | 13,2 | 12,6 | 17,0 | 19,3 | 16,0 | 13,7 | 10,3 | 9,5 | 9,7 | 8,8 | 8,9 | |
Ignoradoa | 2,0 | 3,5 | 6,1 | 5,7 | 5,6 | 3,0 | 5,4 | 4,3 | 2,2 | 1,8 | 2,7 | |
Casos de sífilis congênita segundo o esquema de tratamento materno | ||||||||||||
Adequado | 4,6 | 5,7 | 4,8 | 4,1 | 4,7 | 3,7 | 5,0 | 4,1 | 7,1 | 5,8 | 6,4 | |
Inadequado | 47,2 | 50,4 | 43,9 | 51,0 | 52,6 | 62,9 | 60,1 | 62,1 | 61,1 | 63,3 | 59,3 | |
Não realizado | 32,0 | 28,7 | 29,2 | 26,0 | 27,1 | 22,0 | 24,0 | 25,1 | 25,3 | 22,6 | 22,2 | |
Ignoradoa | 16,2 | 15,2 | 22,1 | 18,9 | 15,6 | 11,4 | 10,9 | 8,7 | 6,5 | 8,3 | 12,1 |
a) A categoria ‘missing’ foi incluída na categoria ‘ignorado’ de cada variável.
Variáveis demográficas e clínicas | % variação percentual média anual (IC95%)a | p-valorb | Tendênciac |
---|---|---|---|
Taxa de incidência de sífilis gestacional (2009-2018) | 36,7 (32,5;41,0) | <0,001 | Crescente |
Taxa de incidência de sífilis congênita (2009-2018) | 32,8 (28,0;37,8) | <0,001 | Crescente |
Casos de sífilis gestacional segundo idade gestacional do diagnóstico da sífilis | |||
1º trimestre | 7,8 (5,5;10,1) | <0,001 | Crescente |
2º trimestre | -2,3 (-3,6;-1,0) | 0,004 | Decrescente |
3º trimestre | -2,4(-3,8;-1,0) | 0,005 | Decrescente |
Idade gestacional ignoradad | -3,2 (-7,8;1,5) | 0,161 | Estacionária |
Casos de sífilis gestacional segundo faixa etária (anos) da gestante no momento do diagnóstico da sífilis | |||
10-14 | 4,2 (-6,8;16,6) | 0,433 | Estacionária |
15-19 | 1,4 (-1,3;4,2) | 0,285 | Estacionária |
20-29 | 0,3 (-1,4;2,1) | 0,673 | Estacionária |
30-39 | -2,3 (-4,6;0,1) | 0,058 | Estacionária |
≥40 | -5,4 (-10,0;-0,5) | 0,037 | Decrescente |
Casos de sífilis gestacional segundo a classificação clínica da sífilis gestacional no momento do diagnóstico da sífilis | |||
Sífilis primária | -0,5 (-2,0;1,1) | 0,519 | Estacionária |
Sífilis secundária | -3,1 (-6,6;0,5) | 0,087 | Estacionária |
Sífilis terciária | 6,1 (3,3;9,0) | 0,001 | Crescente |
Sífilis latente | 13,8 (3,2;25,5) | 0,016 | Crescente |
Diagnóstico ignoradod | -4,0 (-7,6;-0,2) | 0,042 | Decrescente |
Casos de sífilis congênita segundo informação de acompanhamento de pré-natal da mãe | |||
Sim | 0,7 (-0,8;2,3) | 0,304 | Estacionária |
Não | -5,0 (-10,3;0,7) | 0,083 | Estacionária |
Ignoradod | -2,7 (-13,6;9,6) | 0,622 | Estacionária |
Casos de sífilis congênita segundo o esquema de tratamento materno | |||
Adequado | 2,7 (-1,3;6,9) | 0,168 | Estacionária |
Inadequado | 3,2 (1,5;5,0) | 0,003 | Crescente |
Não realizado | -3,0 (-4,4;-1,7) | 0,001 | Decrescente |
Ignoradod | -6,2(-13,3;1,4) | 0,101 | Estacionária |
a) IC95%: intervalo de confiança de 95%; b) Significância estatística estabelecida pelo teste t da regressão de Prais-Winsten; c) Tendência crescente, quando o valor de p foi menor que 0,05 e o coeficiente de regressão era positivo; tendência decrescente, quando o valor de p foi menor que 0,05 e o coeficiente de regressão era negativo; ou tendência estacionária, quando o valor de p foi maior que 0,05;
d) A categoria ‘missing’ foi incluída na categoria ‘ignorado’ de cada variável.
Em relação às caraterísticas clínicas, as maiores proporções, entre os anos, foram observadas para os casos de SG com diagnóstico durante o 3º trimestre. No que diz respeito à classificação clínica no momento do diagnóstico da SG, a categoria ignorada até o ano de 2016 apresentou as maiores proporções; nos anos subsequentes, as maiores proporções foram observadas para os casos de SG com classificação clínica de sífilis primária. Entre os casos de SC, as maiores proporções, nos dez anos estudados, foram para as mães que apresentaram acompanhamento durante o pré-natal e para aquelas que tiveram o tratamento materno considerado inadequado (Tabela 3).
Na Tabela 4, observa-se a análise de tendência e variação percentual média anual da taxa de incidência de SG e SC, e das proporções dos casos de SG e SG segundo variáveis sociodemográficas e clínicas das notificações. Em relação às proporções dos casos de SG e SC, segundo variáveis sociodemográficas e clínicas, observou-se tendência crescente nas proporções dos casos de SG segundo período gestacional do diagnóstico da sífilis no 1º trimestre (APC=7,8% - IC95% 5,5%;10,1%), nas proporções de casos de SG segundo a classificação clínica da SG no momento do diagnóstico da sífilis para sífilis terciária (APC=6,1% - IC95% 3,3%;9,0%) e sífilis latente (APC=13,8% - IC95% 3,2%;25,5%) e, também, tendência crescente significativa na proporção de casos de SC segundo o esquema de tratamento materno inadequado (APC=3,2% - IC95% 1,5%;5,0%) (Tabela 4).
Tendência decrescente foi observada nas proporções dos casos de SG segundo idade gestacional do diagnóstico da sífilis no 2º trimestre (APC=-2,3% - IC95% -3,6%;-1,0%) e no 3º trimestre gestacional (APC=-2,4% - IC95% -3,8%;-1,0%), nas proporções de casos de SG segundo faixa etária da gestante no momento do diagnóstico da sífilis em mulheres maiores de 40 anos (APC=-5,4% - IC95% -10,0%;-0,5%), nas proporções de casos de SG segundo a classificação clínica ignorada da SG no momento do diagnóstico da sífilis (APC=-4,0 - IC95% -7,6%;-0,2%) e nas proporções de casos de SC segundo o esquema de tratamento materno não realizado (APC=-3,0 - IC95% -4,4%;-1,7%) (Tabela 4).
Discussão
Os resultados encontrados neste trabalho demonstram que as taxas de incidência de SG e SC apresentaram tendências crescentes significativas. Observou-se tendência crescente significativa nas proporções dos casos de SG segundo o período gestacional do diagnóstico e a classificação clínica no momento do diagnóstico. Adicionalmente, houve tendência crescente significativa na proporção de casos de SC segundo o esquema de tratamento materno inadequado.
Apesar da descoberta em 1928 da penicilina, medicamento eficaz no tratamento e cura da sífilis, os estudos demonstram um recrudescimento mundial dessa infecção, especialmente entre as gestantes, colocando a doença como um dos desafios mais difíceis do século para a saúde pública.19),(20 O aumento das taxas de incidência da SG e da SC pode ser um reflexo do desabastecimento da penicilina no estado de Minas Gerais. Ressalta-se que o país vivenciou um período de dificuldade para a distribuição do medicamento, entre 2014 e 2016, devido à indisponibilidade de matéria-prima para a fabricação do antibiótico e, consequentemente, o desabastecimento da penicilina em todo o país21 e no mundo.22
Estudos anteriores evidenciaram um aumento nos casos de SG e SC em Minas Gerais, demonstrando que no estado, ainda hoje, trata-se de um problema de saúde pública a ser enfrentado.3),(10),(11 A questão reforça a necessidade de os serviços de saúde, em especial a APS, realizarem a captação precoce das gestantes, bem como a oferta de teste de rastreio da sífilis em momento oportuno, possibilitando que as gestantes recebam informações e orientações para a prevenção da sífilis e o tratamento da infecção em tempo oportuno.3)
Sobre o momento de diagnóstico da sífilis gestacional, observou-se tendência crescente significativa nas proporções dos casos de sífilis gestacional no 1º trimestre, e tendência decrescente significativa no 2º e 3º trimestres de gestação. Estes resultados sugerem a melhoria na cobertura da assistência pré-natal em Minas Gerais, uma vez que o início tardio da atenção à saúde pré-natal (após 12 semanas de idade gestacional) é o principal fator a dificultar o controle da doença durante o período gestacional.23 No Brasil, em 2011, foi lançada pelo governo federal a estratégia Rede Cegonha. Além de uma iniciativa importante para o pré-natal, parto e nascimento, a Rede Cegonha possibilita uma maior capacidade de detecção da sífilis gestacional, ao proporcionar a descentralização dos testes de rastreio da sífilis para a APS.24 Estudo de abrangência nacional, realizado em 2014, evidenciou cobertura de assistência pré-natal com valores superiores a 90,0%, independentemente da região do país ou das características da mãe.8) Observou-se tendência crescente significativa nas proporções de casos de sífilis gestacional com doença terciária e latente. A sífilis latente é a fase assintomática da infecção, podendo ser classificada, ainda, como sífilis latente recente (período compreendido por tempo menor que dois anos de infecção) ou sífilis latente tardia (período maior que dois anos de infecção).5 Durante esse período de latência, o teste de rastreio é a medida mais efetiva, uma vez que a infecção não apresenta sinais ou sintomas.25 Uma das hipóteses para esse achado é a melhora na cobertura da assistência pré-natal no estado, além da oferta de teste de rastreio para as gestantes beneficiárias dessa assistência. Estudo prévio, de 2014, evidenciou que municípios brasileiros com redução nas taxas de transmissão vertical de sífilis possuíam como estratégia a oferta de teste rápido e a administração do antibiótico (penicilina benzatina) na APS, para as gestantes.26 Entretanto, por mais que os municípios brasileiros tenham ampliado o acesso às consultas de pré-natal e às ações de diagnóstico de sífilis, continuam a ser observadas altas taxas de sífilis congênita, realidade também de Minas Gerais.26 É notório o avanço do SUS. Todavia alguns eventos, a exemplo da sífilis congênita, são considerados como sentinelas para o acesso e, principalmente, para a qualidade da Atenção Primária à Saúde, intimamente relacionados com fragilidades na atenção ao pré-natal.27
Quanto à tendência crescente de casos de sífilis congênita com esquema de tratamento materno inadequado, destaca-se que um dos grandes problemas para a diminuição da sífilis congênita é a adesão ao tratamento.23 Atualmente, a maioria das mulheres recebe o diagnóstico da sífilis durante o período gestacional; contudo, as altas taxas de SC podem ser reflexo de um tratamento inadequado.20 Para o tratamento adequado da sífilis gestacional, uma parte dos casos necessita de consultas frequentes ao serviço de saúde, acarretando mais deslocamentos, custos e ausências no trabalho.26 Além disso, maiores taxas de incidência de SG e SC são encontradas entre mulheres mais vulneráveis, como as de raça/cor de pele parda e negra, as que possuem menos de oito anos de escolaridade e aquelas na idade de 20 a 29 anos.3),(28
A qualidade da assistência ofertada à gestante durante as consultas de pré-natal, parto e nascimento configura-se como ponto-chave para a redução das taxas de transmissão vertical da sífilis.25 No controle efetivo da doença, a tríade de prevenção deve-se basear em triagem sorológica, tratamento adequado de gestantes e sua parceria sexual.1) Ressalta-se que o tratamento da parceria não é mais considerado como critério para avaliar a adequação do tratamento da SG.7 Porém, reforça-se a necessidade da notificação e tratamento da parceria visando ao cuidado do indivíduo e, consequentemente, à não reinfecção da gestante.29
O presente estudo apresenta limitações inerentes à origem dos dados, uma vez que se baseia em notificação passiva dos casos de sífilis no estado de Minas Gerais. Ressalta-se que os dados são atualizados periodicamente, o que pode alterar os resultados, a depender das datas de acesso. Cumpre ainda lembrar que a SC passou a ser uma doença de notificação compulsória em 1986; e a SG, somente em 2005. Entretanto, é importante mencionar que, ao longo do tempo, os critérios de notificação sofreram alterações, e isso impacta diretamente na variação do número de casos notificados.7 Destaca-se a possibilidade de subnotificação da ocorrência da sífilis gestacional e, ademais, de incompletudes identificadas por este estudo, na ficha de notificação de SG e SC, além de erros na digitação e no preenchimento de alguns campos.
A análise de tendência temporal evidenciou incidência crescente de sífilis gestacional e congênita, o que se pode relacionar a uma maior detecção dos casos de sífilis durante a gestação. Contudo, observa-se uma tendência crescente na proporção de casos de sífilis congênita com esquema de tratamento materno inadequado. Embora tal IST seja de fácil prevenção e seu tratamento eficaz, permanecem muitos desafios relacionados a seu controle. Sugere-se uma educação continuada dos profissionais de saúde, a fim de melhorar a vigilância da SG e SC, e reforço às ações de saúde, para que o problema seja amenizado, principalmente quanto às estratégias da assistência à saúde da mulher e do acompanhamento pré-natal.30
Este estudo evidencia, portanto, a necessidade de fortalecimento das ações voltadas ao tratamento adequado da sífilis gestacional e à redução do quadro epidemiológico vivenciado pelo estado de Minas Gerais.