INTRODUÇÃO
Em ambientes hospitalares e clínicos, procedimentos médicos e odontológicos com potencial de aerossolização são fontes importantes para a disseminação de patógenos e a transmissão de agentes biológicos causadores de infecções. O tratamento de pacientes com infecções exige a intensificação das medidas de higiene em ambientes de saúde1.
Apesar da conscientização dos profissionais da saúde em relação aos procedimentos de esterilização, desinfecção e uso de barreiras contra a contaminação, como os equipamentos de proteção individual (EPI), o reforço a essas medidas ainda precisa ser constante.
A necessidade de se adotar medidas de biossegurança, para controle da transmissão de agentes biológicos em ambientes de saúde, foi intensificada a partir das décadas de 1970 e 1980, quando houve um aumento considerável dos casos de hepatite B e, mais tarde, de síndrome da imunodeficiência adquirida2. Em 2020, a pandemia da COVID-19 trouxe novamente à tona a importância das medidas de precaução para reduzir ou prevenir a transmissão de patógenos em ambientes de saúde3. Métodos de controle de infecção e de contaminação cruzada devem ser praticados frequentemente, pois o potencial de exposição a microrganismos patogênicos é alto para profissionais de saúde e pacientes.
A geração e a dispersão de aerossóis a partir de pacientes infectados têm sido descritas na literatura científica4. Nos consultórios odontológicos, o uso de equipamentos produtores de aerossóis, como as canetas de alta e baixa rotação, o ultrassom e as seringas tríplices, permitem que microrganismos possam ser liberados e disseminados sobre o ambiente e as superfícies, atingindo distâncias superiores a 1 m do campo operatório1,5. Portanto, mobílias, equipamentos e acessórios odontológicos, dentro e ao redor da área operatória, podem ser contaminados1,5. A contaminação das superfícies dos equipamentos por patógenos da cavidade bucal do paciente pode ocorrer por outras vias, além dos aerossóis e respingos de sangue ou saliva. Também são vias de transferência de microrganismos o contato direto, os dedos e/ou a mão enluvada e contaminada do profissional em saúde bucal e os instrumentais contaminados (fômites). O processo rigoroso de desinfecção das superfícies e equipamentos deve ser inegociável entre um atendimento e outro, a fim de reduzir a contaminação do ambiente e, dessa forma, contribuir para a prevenção da transmissão de patógenos durante os atendimentos4,5.
Em clínicas e hospitais, a limpeza do ambiente e a desinfecção das superfícies contribuem para o bem-estar e o conforto dos pacientes e da equipe profissional. Mas, a disponibilização de um ambiente com superfícies limpas e com quantidades controladas de microrganismos é o que deve ser considerado em relação a uma assistência segura em serviços de saúde. A matéria orgânica de origem humana depositada sobre as superfícies pode servir de base para a multiplicação de microrganismos ou facilitar a presença de vetores, que podem transportar passivamente agentes biológicos1,4,5.
O objetivo da limpeza é manter as superfícies visivelmente limpas, descontaminar as superfícies tocadas com frequência e limpar as secreções, excreções e fluidos imediatamente após verificar sua presença2. Usar a visão para verificar se algo está limpo pode indicar que está esteticamente agradável, mas não fornece uma avaliação confiável do risco de infecção para um paciente em tal ambiente. Os microrganismos que causam infecções são invisíveis ao olho humano e sua existência não está necessariamente associada a quaisquer sinais visíveis6.
O processo de desinfecção é caracterizado pela destruição de microrganismos na forma vegetativa, presentes em superfícies fixas. Para a desinfecção de superfícies, podem ser utilizados diversos desinfetantes químicos, como aldeídos, álcoois e cloro. O passo inicial no processo de desinfecção é conhecer os produtos em seus principais aspectos, tais como a forma como agem sobre os microrganismos, o nível de toxicidade para o profissional e a ação deletéria da superfície a ser desinfetada. O alto nível de desinfecção é alcançado com a escolha adequada do produto7.
A escolha do germicida causa preocupações aos profissionais de saúde, tendo em vista que há muitos desses produtos, com uma oferta crescente no mercado, além de uma grande variabilidade de orientações quanto às indicações de uso8. O conhecimento e a aplicação dos métodos usados para destruir, eliminar ou excluir microrganismos são essenciais para realizar corretamente as práticas de assistência a saúde2.
Nessa perspectiva, o presente estudo teve como objetivo avaliar e comparar, in vitro, a ação antimicrobiana de diferentes desinfetantes de superfície sobre Staphylococcus aureus, Enterococcus faecalis, enterobactérias (Escherichia coli e Pseudomonas aeruginosa) e Candida albicans, visando o controle de infecção e redução da ocorrência de contaminação cruzada.
MATERIAIS E MÉTODOS
ESCOLHA DOS AGENTES DESINFETANTES
Os desinfetantes selecionados foram álcool 70% (A70), ácido peracético 0,2% (AP), dióxido de cloro 7% (DC) e cloreto de benzalcônio 5,2% com polihexametileno biguanida 3,5% (CBPB). Desses, DC e CBPB foram diluídos, no dia do experimento, até a concentração citada acima, que é a indicada pelos respectivos fabricantes.
A escolha dos produtos se deu pelo uso popular nos serviços de saúde, como o A70, e pelo alto nível de ação, como o AP. Além disso, os demais foram escolhidos por não apresentarem, na literatura, testes relacionados à sua eficácia, tendo em vista que são relativamente novos no mercado. Esses produtos foram selecionados por serem utilizados por algumas instituições e profissionais, mesmo possuindo apenas dados dos fabricantes em relação à ação antimicrobiana deles.
MICRORGANISMOS SELECIONADOS PARA O EXPERIMENTO
Para o teste de sensibilidade, foram selecionadas as seguintes cepas de microrganismos, adquiridas no Centro de Pesquisa em Alimentos (CEPA) da Universidade de Passo Fundo, estado do Rio Grande do Sul, Brasil: Staphylococcus aureus (NEWP 0038); Enterococcus faecalis (NEWP 0012); Escherichia coli ATCC 2592 e Pseudomonas aeruginosa ATCC 27853 (enterobactérias); e Candida albicans (NEWP 0031). A escolha levou em consideração a associação desses microrganismos com infecções nosocomiais9.
DESENHO EXPERIMENTAL
Duas mesas (classes) de fórmica foram selecionadas para o experimento, por serem de um material muito utilizado nas superfícies das mobílias de hospitais, clínicas e consultórios, as quais foram desinfetadas previamente aos testes com A70, sob fricção. Posteriormente, foram divididas em quatro zonas (I, II, III e IV) e demarcados, em cada uma dessas, com caneta permanente, 16 círculos iguais, de 4 cm de diâmetro, totalizando 64 círculos, que corresponderam aos locais que receberam a contaminação. Assim, os círculos das zonas I, II III e IV receberam a contaminação por S. aureus, E. faecalis, enterobactérias e C. albicans, respectivamente (Figuras 1 e 2). Após a divisão, os círculos foram contaminados com 0,4 mL das suspensões microbianas padronizadas, que tinham turvação correspondente ao número 6 na escala de McFarland, equivalente a 1,8 x 107 bactérias/mL, como mostrado na figura 1. As suspensões microbianas foram espalhadas na área demarcada com o auxílio de swabs estéreis.
A70: Álcool etílico 70%; AP: Ácido peracético 0,2%; DC: Dióxido de cloro 7%; CBPB: Cloreto de benzalcônio 5,2% com polihexametileno biguanida 3,5%.
A70: Álcool etílico 70%; AP: Ácido peracético 0,2%; DC: Dióxido de cloro 7%; CBPB: Cloreto de benzalcônio 5,2% com polihexametileno biguanida 3,5%.
Amostras de cada um dos círculos foram coletadas, após 5 min da contaminação, com swabs estéreis umedecidos em soro fisiológico estéril, e semeadas em ágar sólido, adequado para cada tipo microbiano. Dessa forma, cada teste teve seu próprio controle positivo (Figura 3 ). No círculo "C" (Figuras 1 e 2), uma gaze estéril foi friccionada com água destilada estéril por 10 s, para o controle negativo. Após isso, novas amostras foram colhidas e semeadas em ágar sólido no local indicado com "-" (Figura 3). A seguir, as superfícies contaminadas foram desinfetadas, friccionando o agente desinfetante com gaze estéril por 10 s (Tabela 1), de acordo com as orientações de uso do fabricante. Após a desinfecção, amostras de cada região foram coletadas e semeadas em meios de cultura apropriados. Todos os testes foram feitos em triplicata.
+/-: Controle positivo/controle negativo; +/1: Controle positivo/semeadura após desinfecção com o produto testado; +/2: Controle positivo/semeadura após desinfecção com o produto testado; +/3: Controle positivo/semeadura após desinfecção com o produto testado.
Microrganismos | Desinfetantes | Controle | ||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
A70 | AP | DC | CBPB | |||||||||||
1 | 2 | 3 | 1 | 2 | 3 | 1 | 2 | 3 | 1 | 2 | 3 | N | P | |
S. aureus | + | - | - | - | - | - | - | - | - | + | + | + | + | + |
E. faecalis | - | - | - | - | - | - | - | - | - | + | + | + | + | + |
Enterobactérias | - | - | - | - | - | - | - | - | - | + | + | + | + | + |
C. albicans | - | + | + | - | - | - | + | + | + | + | + | + | + | + |
A70: Álcool 70%; AP: Ácido peracético 0,2%; DC: Dióxido de cloro 7%; CBPB: Cloreto de benzalcônio 5,2% com polihexametileno biguanida 3,5%; 1, 2 e 3: Áreas das coletas após o protocolo de desinfecção aplicado; N: Controle negativo (fricção com água destilada estéril); P: Controle positivo (nenhum protocolo de desinfecção); +: Crescimento microbiano positivo; -: Crescimento microbiano negativo.
MEIOS DE CULTURA E SEMEADURA
Foram preparadas 32 placas de Petri, sendo: oito com meio de cultura ágar manitol para verificar o crescimento de S. aureus; oito com ágar sangue para verificar o crescimento de E. faecalis; para enterobactérias, oito placas contendo meio de cultura MacConkey; e, para verificar o crescimento de C. albicans, foram utilizadas outras oito placas de Petri contendo o meio de cultura ágar Sabouraud.
Cada placa foi dividida em quatro quadrantes, como indicado na figura 3. As amostras dos controles positivos de cada círculo foram semeadas no local indicado com "+", e o controle negativo, com "-". As amostras coletadas após o protocolo de desinfecção foram semeadas no quadrante com o respectivo número do círculo coletado. As placas foram identificadas de acordo com o microrganismo e o agente desinfetante testado.
As amostras foram semeadas por esgotamento, e as placas de Petri foram encaminhadas para incubação em estufa bacteriológica a 37 ºC durante 48 h.
RESULTADOS
O AP teve maior ação desinfetante quando comparado aos demais produtos, impedindo o crescimento microbiano de todas as amostras. O A70 e o DC demonstraram uma ação intermediária. Já o CBPB foi considerado ineficaz, permitindo o crescimento microbiano em todas as amostras (Tabela 1).
DISCUSSÃO
A desinfecção visa a reduzir microrganismos patogênicos, exceto esporos bacterianos, de superfícies inertes previamente limpas (materiais fixos, equipamentos e superfícies), de outros objetos inanimados e itens não críticos2. Durante o processo de desinfecção, vários fatores influenciam na eficácia do germicida, como a presença de carga microbiana e matéria orgânica, os locais onde os microrganismos estão localizados, o tipo de agente antimicrobiano, sua concentração e a resistência de alguns patógenos. Portanto, para a escolha do produto a ser utilizado, é importante conhecer os diferentes desinfetantes disponíveis e seus mecanismos de ação sobre os microrganismos, o nível de toxicidade para o profissional e a ação deletéria sobre a superfície a ser desinfetada.
A escolha correta do agente desinfetante acarreta no sucesso da atividade de desinfecção7, e essa tem sido uma questão de atenção dos profissionais de saúde, principalmente quando consideradas a ampla oferta no mercado e a variabilidade das orientações quanto às indicações de uso8. Neste estudo, quatro desinfetantes de uso rotineiro na área da saúde foram escolhidos para serem testados sobre microrganismos específicos. A geração de evidências científicas contribui para que os profissionais da saúde façam a escolha do desinfetante de superfície baseada no desempenho clínico, considerando a capacidade de eliminação microbiana dos patógenos comumente relacionados às infecções.
O espectro de ação dos desinfetantes pode variar, sendo classificado, de acordo com sua eficácia, em: alto nível, quando elimina praticamente todos os microrganismos presentes, exceto os esporos bacterianos; nível intermediário, quando destrói bactérias vegetativas, micobactérias (Mycobacterium tuberculosis), grande parte dos vírus e fungos em um determinado período de tempo10; e baixo nível, que não age sobre vírus, como os que causam hepatite e poliomielite, e sobre os esporos bacterianos2. A indicação de uso deve corresponder à classificação da área a ser desinfetada, sendo que, para as áreas críticas com maior risco de desenvolver infecções durante a assistência médica, desinfetantes com amplo espectro de ação microbiana são os mais recomendados10. Dentre os produtos indicados neste estudo, o AP foi considerado um agente de alto nível de desinfecção11, pois eliminou todos os microrganismos depois do procedimento de desinfecção.
O álcool, em concentrações entre 70º e 77º GL, na ausência de matéria orgânica, é considerado bactericida, tuberculocida, fungicida e ativo contra vírus envelopados2,12. É amplamente utilizado na desinfecção de superfícies devido ao seu baixo custo e facilidade de uso. Porém, devido a esses fatores, sua ação antimicrobiana é superestimada pelos profissionais que, por vezes, utilizam-no para a desinfecção de instrumentos semicríticos e até mesmo materiais considerados críticos, que devem ser esterilizados2,7,8. O álcool etílico e o isopropílico, em concentrações de 70º GL, são considerados desinfetantes intermediários, e sua ação contra os microrganismos consiste na desnaturação de proteínas e na dissolução de gorduras, tornando-os capazes de destruir, por exemplo, as membranas do herpesvírus simples e do M. tuberculosis, que podem permanecer viáveis por semanas, intensificando o risco de contaminação2. Entre as desvantagens do uso do álcool estão a falta de ação efetiva na presença de matéria orgânica12, não ser esporicida, não ter ação contra vírus não envelopados, danificar plástico, borracha ou materiais acrílicos e evaporar rapidamente12. No entanto, no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária10 reconhece o álcool como um dos principais desinfetantes utilizados nos serviços de saúde, podendo ser aplicado em superfícies ou artigos por fricção. Apesar do frequente uso em ambientes de saúde e da indicação pelos órgãos reguladores do seu uso, o A70 demonstrou ter ação antimicrobiana limitada, especialmente sobre C. albicans e S. aureus, importantes patógenos em ambientes de saúde.
Na odontologia, outros estudos7,13 demonstraram que o álcool tem eficácia limitada na desinfecção de superfícies. Uma análise da ação de quatro desinfetantes - A70; composto fenólico (Duplofen); iodóforo (PVP-I); e solução de álcool etílico 77º GL com clorexidina 5% - foi feita em quatro pontos da superfície de 50 equipos do Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté. Após o atendimento clínico, foram realizadas a limpeza e a retirada de resíduos e matéria orgânica. A desinfecção com a substância a ser analisada foi realizada pela técnica de borrifar-friccionar-borrifar. As coletas foram feitas após 5 min, quando as superfícies já estavam secas, e então foram semeadas em meio de cultura e incubadas. O iodóforo foi o produto mais eficaz no combate às leveduras do gênero Candida, seguido do A707.
Esses resultados diferem dos observados no presente estudo, que mostrou que o A70 não foi eficaz contra C. albicans. A explicação para essa divergência pode estar relacionada à metodologia empregada nos estudos, especificamente quanto à variação no nível de contaminação pelo fungo, que foi padronizada neste estudo de acordo com a escala de McFarland. Já no estudo citado7, pode ter havido uma variância no nível de contaminação ocorrida durante os atendimentos odontológicos, influenciada pelo procedimento realizado antes da aplicação do protocolo de desinfecção, variando até mesmo entre as diferentes áreas coletadas no estudo. Essa discrepância em relação ao estudo atual pode ainda estar relacionada ao fato da superfície não ter sido contaminada de forma padronizada, tampouco com microrganismos conhecidos. Outro estudo13 constatou contaminação de alicates ortodônticos após lavá-los com água e sabão e esfregá-los com A70 por 1 min. Os resultados mostraram grande número e variedade de bactérias residuais após o uso de A70, o que mostra que esses instrumentos devem ser esterilizados para evitar infecções cruzadas.
Como mencionado acima, uma das desvantagens do álcool é que apresenta rápida evaporação, o que torna seu tempo de ação curto12 e quase não possui ação residual. O álcool, quando tem consistência gelatinosa, permite um aumento do tempo de contato com a superfície e consequentemente com os microrganismos, devido à sua taxa de evaporação, que é menor em relação ao produto na sua forma líquida. Um estudo analisou a atividade antibacteriana do A70 em gel contra as bactérias hospitalares S. aureus, E. coli, Klebsiella spp., P. aeruginosa e Staphylococcus coagulase negativa, e a atividade antibacteriana foi observada contra todas as bactérias testadas12. No presente estudo, o A70 não foi completamente eficaz contra S. aureus.
S. aureus é uma espécie bacteriana que possui uma cápsula de polissacarídeo que cobre a camada mais externa da parede celular, responsável pelo aumento da virulência do microrganismo. Foram identificados 11 sorotipos capsulares dessa bactéria, sendo os sorotipos 6 e 7 os mais associados a infecções em humanos. A superfície externa da maioria das cepas de S. aureus contém o fator de coagulação coagulase ligada, que se liga ao fibrinogênio e o converte em fibrina insolúvel, sendo um importante fator de virulência, aumentando a capacidade de invasão nos tecidos e na corrente sanguínea a partir de um foco periférico14. Essa bactéria é considerada altamente patogênica, embora faça parte da microbiota da maioria das pessoas, e é encontrada com mais frequência em pessoas que trabalham em hospitais, o que está altamente associado a infecções nosocomiais. Podem colonizar diversas partes do corpo, mas os principais locais são a cavidade nasal e as mãos. Algumas das doenças causadas por S. aureus são decorrentes da produção de toxinas, como nos casos de síndrome da pele escaldada, intoxicação alimentar e síndrome do choque tóxico, enquanto outras doenças são decorrentes da proliferação de microrganismos, o que leva à formação de abscessos e destruição de tecidos, como infecção de pele, endocardite, pneumonia, empiema, osteomielite, artrite séptica e septicemia. Geralmente, locais de saída de dispositivos médicos (catéteres), feridas cirúrgicas e úlceras de pressão podem ser colonizadas facilmente por esse microrganismo14.
Um estudo comparou a eficácia de soluções aquosas de clorexidina em concentrações de 0,5%, 1%, 2%, 3% e 4% com o A70 (p/v) em suas formas líquida e gel em três superfícies diferentes (couro, fórmica e aço inoxidável) contaminadas com bactérias Streptococcus mutans, S. aureus, P. aeruginosa, C. albicans e Klebsiella pneumoniae, a uma densidade de 108 UFC. A desinfecção foi realizada pela técnica de borrifar-esfregar-borrifar, seguida de coleta de amostra e semeadura. Os resultados mostraram que, para as cepas de K. pneumoniae, P. aeruginosa e S. mutans, todos os germicidas foram eficazes na eliminação das UFC por placa, em todas as superfícies. S. aureus foi o microrganismo mais resistente à desinfecção, mas também apresentou redução significativa no número de UFC/placa. Na superfície do couro, houve crescimento com o uso de A70 em gel, e, na fórmica e no aço inoxidável, crescimento com A70 líquido15. Este estudo foi realizado sobre superfície de fórmica e está de acordo com os resultados obtidos com S. aureus.
Ainda no estudo comparativo15, para C. albicans, em fórmica, a clorexidina 0,5% resultou em uma redução de 99,45% em UFC/placa, enquanto os demais produtos testados reduziram a contaminação em 100%, estando em desacordo com os dados obtidos no presente estudo, onde o A70 não foi eficaz contra esse fungo. A fórmica, que possui uma superfície lisa, pouco porosa e mais suscetível aos processos de desinfecção, é utilizada com frequência em mobiliários de clínicas de saúde16, por isso foi a superfície de escolha no presente estudo. Cabe ressaltar que superfícies mais porosas poderiam ser mais críticas, necessitando de mais cuidado dos profissionais durante os procedimentos de desinfecção e na escolha dos agentes desinfetantes. É o caso das superfícies de granito, que podem apresentar falhas na uniformidade, facilitando o acúmulo de biofilme e dificultando o processo de desinfecção, sendo desaconselhadas para ambientes de prestação de assistência a saúde16.
As espécies do gênero Candida têm sido os agentes mais frequentemente isolados, representando cerca de 80% das infecções de origem hospitalar causadas por fungos, sendo a quarta causa de infecção na corrente sanguínea, causando óbito em cerca de 25 a 38% dos pacientes que desenvolvem candidemia17. No período neonatal, a candidemia está associada à alta morbimortalidade, principalmente em recém-nascidos de muito baixo peso18. Segundo relatos de um estudo multicêntrico em seis hospitais terciários do Rio de Janeiro e São Paulo, com 145 episódios de candidemia, a espécie isolada com maior frequência em adultos foi a C. albicans (37%), reafirmando a sua ampla relação com a candidemia hospitalar19.
Os demais microrganismos testados neste estudo também estão relacionados a infecções nosocomiais, conforme demonstrado em um estudo em que o E. faecalis foi responsável por 8,2% das infecções nosocomiais causadas por microrganismos não resistentes. Da mesma forma, C. albicans, P. aeruginosa e Enterobacter cloacae apresentaram 18,5%, 8,9% e 8,2%, respectivamente, de infecções nosocomiais por microrganismos não resistentes20. E. faecalis é uma bactéria anaeróbia Gram-positiva facultativa, geralmente encontrada no trato gastrointestinal de humanos e outros mamíferos. Pode causar infecções potencialmente fatais em humanos e é encontrada principalmente em ambientes hospitalares21. As enterobactérias, que também foram testadas, estão frequentemente associadas a infecções do trato urinário, pneumonia, septicemia, bacteremia, meningite, entre outras infecções22.
Corroborando os achados do presente estudo, uma investigação, preocupada com a eficácia do álcool na matéria orgânica e a propriedade de fixação da matéria orgânica nas superfícies onde o produto é aplicado, testou a desinfecção com A70 (p/v) em superfícies contaminadas, sem limpeza prévia, usando fricção por 30 s para desinfetar. Os resultados mostraram que não houve diferença na descontaminação quando o A70 foi aplicado com ou sem limpeza prévia nas superfícies contaminadas. Houve diminuição do crescimento microbiano; porém, o A70 teve menor efeito sobre os fungos23. Apesar desses resultados, destaca-se que a limpeza deve ser sempre realizada antes dos procedimentos de desinfecção e esterilização.
A diferença encontrada nos germicidas consiste basicamente no espectro antimicrobiano e na velocidade em que os produtos atuam contra os microrganismos2. A atividade antimicrobiana do AP ocorre pela desnaturação das proteínas, por meio da oxidação das ligações sulfidrilas e sulfúricas nas proteínas e enzimas da parede celular dos microrganismos. É um produto que possui efeitos bactericidas, esporicidas, fungicidas e viricidas. Tem ação rápida quando usado em concentrações de 0,001% a 0,2%, e alguns estudos indicam que, quando usado na concentração de 0,2%, pode interferir na adesão de S. aureus no aço inoxidável24.
Um estudo experimental foi realizado em clínicas, na Universidade Federal de Pernambuco, para comprovar a eficácia de três substâncias usadas para desinfetar superfícies e analisar a prevalência de bactérias em materiais usados na prática da radiologia odontológica. Foram coletadas amostras de cabeçotes e disparadores de aparelhos de raio-X, aventais de chumbo e superfícies externas das câmaras escuras portáteis, findados os atendimentos diários e após a desinfecção com A70, AP ou hipoclorito de sódio 2,5%. Os testes mostraram que 91,7% das superfícies estavam contaminadas. Dos desinfetantes usados, o A70 foi o menos eficaz, tendo diminuído o número de bactérias de 87,5% para 56,3%, enquanto o hipoclorito de sódio 2,5% e o AP diminuíram de 94,8% para 6,3%. Ao analisar os cilindros, os pesquisadores constataram que 75% deles estavam contaminados e mesmo desinfetando com o álcool, o percentual de contaminação dos cilindros não diminuiu24.
Outro estudo avaliou a atividade do AP para a desinfecção de amostras de hidrocoloide irreversível, comparando-o com glutaraldeído 2%, hipoclorito de sódio 2,5% e digluconato de clorexidina. Cepas de E. coli, S. aureus, Bacillus proteus e C. albicans foram utilizadas no estudo onde as amostras foram desinfetadas por imersão. Os resultados mostraram que o AP foi eficaz contra todas as cepas25. No presente estudo, o AP também foi o mais eficaz na desinfecção por fricção por 10 s, coincidindo ainda com outra investigação26 que objetivou comparar a atividade de um germicida à base de hipoclorito de sódio a 1% com ácido peracético a 0,1% sobre S. aureus resistente à meticilina (MRSA). Os resultados mostraram que o contato de ambas as soluções com uma suspensão de MRSA, inóculo inicial de 108 UFC/mL, por 5 min, foi suficiente para mostrar ação bactericida. A ação foi intensificada quando se aumentou o tempo para 10 min, permitindo que as bactérias morressem em concentrações 10 vezes menores de cada um dos dois desinfetantes.
Os produtos testados neste estudo são empregados nas práticas de desinfecção de superfícies de ambientes de saúde, havendo relatos na literatura da maior frequência de uso do A702,7,23 e do AP, este, muito utilizado em ambientes hospitalares24,26. O A70 é bem tolerável e apresenta baixo risco ocupacional; porém, a exposição prolongada e frequente ao produto pode causar ressecamento da pele e outras lesões, especialmente na sua forma líquida27,28. O AP também apresenta segurança para o operador, reduzidos riscos ocupacionais e é biodegradável, sendo compatível com o meio ambiente. Entretanto, indica-se um local seco e ventilado e uso de EPI, como luvas e óculos, para o manuseio do agente29. O produto à base de CBPB, conforme indicado pelo fabricante, deve ser diluído com o uso de EPI, não libera vapores tóxicos e não agride pele e mucosas30. O fabricante do produto à base de DC também recomenda que a aplicação seja feita com o uso de EPI, ainda que o produto não apresente toxicidade, não seja corrosivo ou prejudicial ao meio ambiente, podendo ser descartado diretamente na rede, sem neutralizações31.
CONCLUSÃO
O presente estudo destaca a importância de conhecer o produto utilizado na prática de desinfecção de superfícies, bem como o seu nível de eficácia e o método de aplicação ideal, baseando-se na bula de cada produto, nos testes realizados e em dados disponíveis na literatura. O CBPB não demonstrou ação frente aos microrganismos testados, indicando que não deve ser empregado no método aplicado. Já o A70, muito utilizado na prática de controle de infecções, por vezes superestimado, apresentou ação antimicrobiana limitada. Do mesmo modo, o DC também demonstrou ser ineficaz frente a alguns microrganismos. Assim, tanto o A70 quanto o DC podem ser empregados em desinfecção de nível intermediário. Portanto, o AP é a melhor opção a ser adotada nos protocolos de desinfecção dos serviços de saúde, visto que garantiu a eliminação total dos microrganismos testados no presente estudo, podendo ser aplicado de maneira rápida e cumprindo com a sua ação de alto nível.