O enfrentamento à pandemia de COVID-19 desafiou a ciência a apresentar respostas aceleradas para orientar, com base na melhor evidência disponível, as ações e políticas à proporção que as adversidades se impuseram. As medidas não farmacológicas - principalmente o distanciamento social e o uso de máscaras - foram responsáveis por salvar milhares de vidas e evitar o sofrimento com a doença, em todo o mundo. Essas medidas coletivas demandam ações intersetoriais, organizadas e capilarizadas para funcionar e conter a doença nos contextos reais.1
A hipótese de enfrentar doenças por meio de terapias específicas, com ênfase nos tratamentos medicamentosos, comprovou-se ineficaz para a COVID-19.2 Semelhantemente a outras doenças infecciosas com as quais a humanidade convive há muitos anos, como a dengue, a prevenção é a alternativa mais efetiva para o controle da transmissão e adoecimento. Possivelmente, devido a pressões por tecnologias que diminuíssem a relevância de medidas não farmacológicas, foi nessa área que se observaram maiores fragilidades na pesquisa e difusão científica, com danos para os indivíduos e a sociedade.2
Em menos de um ano do início da pandemia, diferentes opções de vacinas com eficácia elevada foram desenvolvidas e disponibilizadas. Somente nas primeiras semanas de vacinação contra a COVID-19 no Brasil, estima-se que 14 mil idosos com 80 anos ou mais foram salvos, pela priorização desse grupo na estratégia de imunização adotada pelo Sistema Único de Saúde.3 Restrições na capacidade de produção dos laboratórios e no custo elevado para o acesso às vacinas limitam a disseminação de seus benefícios entre a maior parte da população global, e atrasam a resolução desta crise sanitária.
A propriedade intelectual das vacinas disponíveis até o momento pertence a multinacionais farmacêuticas que adquiriam esses direitos em estágios avançados das pesquisas - financiadas até então com recursos públicos - justamente quando os resultados já se mostravam promissores.4 A proteção patentária revela-se um entrave que não se justifica no alegado estímulo do lucro à inovação farmacêutica. Conforme observado em outras experiências, os investimentos de risco e de longo prazo foram assumidos por governos mediante o financiamento constante de pesquisas científicas, evidenciando o papel essencial do Estado no desenvolvimento científico e tecnológico a favor da vida.5
A origem da pandemia e a prevenção de novas emergências sanitárias dessa magnitude são também foco da ciência. A exploração predatória dos recursos disponíveis provoca mudanças climáticas e ambiente propício para a adaptação e salto de microrganismos entre espécies, como se observou com o SARS-CoV-2. A forma de produção de alimentos de origem animal e vegetal, baseada na monocultura e na destruição de biomas e uso extensivo de agrotóxicos, por exemplo, revelaram-se incompatíveis com o equilíbrio necessário à manutenção da vida ou, minimamente, à prevenção de pandemias futuras.6 Já dispomos de tecnologia e conhecimento que valorizam a cultura dos povos ancestrais, respeitam os limites da natureza e distribuem riquezas sem espalhar doenças, sistematizados na agroecologia.
A crise sanitária que atravessamos revelou o potencial da ciência em apresentar soluções para os desafios à preservação da vida. A experiência dolorosa da pandemia de COVID-19 mostrou, também, que a implantação dessas respostas demanda democratização do conhecimento e das tecnologias desenvolvidas pela criatividade e solidariedade entre os povos. Igualmente, é papel da ciência assegurar o alcance desses avanços por todas as pessoas. Iluminar a discussão sobre como a ciência é produzida, como e por quais setores seus progressos serão usufruídos é essencial para que ela esteja colocada, de fato, em prol da vida.