Introdução
Na prática clínica dos profissionais de saúde, é constante o fornecimento de documentos e informações que exigem dos usuários dos serviços habilidades numéricas, de comunicação e de leitura, para melhor manejo do autocuidado em saúde. Barreiras socioeducacionais, que interferem no uso simultâneo dessas habilidades, são frequentes e limitam a autonomia de pessoas, destacando-se o limitado letramento em saúde.1,2
O letramento em saúde é definido como o conjunto de habilidades cognitivas e sociais que determinam a capacidade do indivíduo de obter, processar e compreender as informações de saúde, de forma a utilizá-las em sua vida cotidiana.3 Apesar de educação e saúde serem conceitos discutidos por vezes isoladamente, observa-se interdependência desses dois direitos básicos do cidadão, nessa definição de letramento em saúde.4
O letramento inadequado é um problema de Saúde Pública, negligenciado embora impacte negativamente no desfecho clínico dos indivíduos.5-7 Além de o letramento ser um condicionante para o autocuidado e efetividade terapêutica, recomenda-se ao profissional de saúde estratificar, no contexto clínico, as pessoas que necessitarão de maior apoio instrucional, de maneira a prover cuidado equânime.8
Estimar algo que não é tangível, como o conhecimento ou letramento, exige ferramentas psicométricas, a serem selecionadas e aplicadas em cada situação. Foram criados alguns instrumentos na tentativa de melhor mensurar o nível de letramento em saúde dos indivíduos, e assim traçar estratégias de intervenção. Os mais descritos na literatura são o rapid estimate of adult literacy in medicine (REALM) e o test of functional health literacy in adults (TOFHLA).
O TOFHLA, publicado pela primeira vez no ano de 1995,9 foi traduzido e adaptado transculturalmente, por vários países. Tendo em vista o longo tempo de aplicação, foi desenvolvida uma versão mais curta do TOPHLA: o short test of functional health literacy in adults (S-TOFHLA).10 O REALM, desenvolvido na década de 1990,11 consiste em um questionário que avalia a capacidade de reconhecimento, leitura e pronúncia. O questionário short assessment of health literacy for Spanish-speaking adults (SAHLSA) foi desenvolvido inspirado no REALM.12 A partir do SAHLSA-50, surgiu a versão adaptada para a língua portuguesa, o short assessment of health literacy for Portuguese-speaking adults (SAHLPA-18).13,14
A existência desses diversos instrumentos e a ausência de um instrumento ‘padrão ouro’ dificulta a comparação entre os estudos nos diversos países e alerta, ademais, para a necessidade de criação de novas ferramentas de avaliação do letramento em saúde.15,16
No Brasil, são poucos os estudos de adaptação cultural dos instrumentos de avaliação do letramento. Saber quão parecidas ou diferentes são as classificações dos instrumentos psicométricos do letramento em saúde, entre diversas subpopulações com condições sociais e de saúde distintas, ajudaria os profissionais da assistência a empregá-los mais adequadamente. O SAHLPA-18 é um instrumento de fácil aplicação e poderia ser usado mais frequentemente, como teste de triagem na prática clínica.
O objetivo deste estudo foi determinar a concordância entre os instrumentos de mensuração psicométrica S-TOFHLA e SAHLPA-18, como estratégia para estimar a validade concorrente.
Métodos
Trata-se de estudo de concordância entre instrumentos, com desenho transversal, realizado no município de Paulo Afonso, estado da Bahia, no período de agosto de 2017 a março de 2020.
Paulo Afonso situa-se na região Nordeste do Brasil, no sertão baiano. Em 2019, o município contava uma população de 117.782 habitantes, salário médio mensal dos trabalhadores formais de 2,2 salários mínimos e 43,6% da população com rendimento per capita de até 0,5 salário mínimo. O município apresenta uma taxa de escolarização de 6 a 14 anos de idade de 96,4% e rede de serviços de saúde estruturada, com todos os níveis de atenção.17
Foram elegíveis para o estudo usuários de 22 unidades básicas de saúde (UBS), incluindo zona urbana e rural, um ambulatório municipal de especialidades médicas e um centro de terapia renal substitutiva. A coleta de dados foi realizada semanalmente, nesses estabelecimentos de saúde, ao longo do período da pesquisa.
Os indivíduos pesquisados foram selecionados a partir dos seguintes critérios: ter idade igual ou acima de 18 anos; ser alfabetizado; e ser usuário cadastrado da Atenção Básica em Saúde do município. Os critérios de exclusão foram a declaração autorreferida do uso de drogas que afetam a cognição, e a ausência de um mínimo de acuidade visual ou audição adequada para realização dos testes ou a presença de manifestações de distúrbios neurológicos ou cognitivos, verificados por meio de perguntas simples de atenção, localização e temporalidade realizadas pelos pesquisadores.
A amostragem foi não probabilística, do tipo a esmo. O recrutamento ocorreu antes da consulta, priorizando os últimos indivíduos da fila de espera, de modo a otimizar o tempo e favorecer maior adesão à pesquisa. Não foi feito o registro de perdas e recusas.
O dimensionamento amostral mínimo para estimar concordância boa ou superior (índice de Kappa >0,6) e reduzir possíveis erros do tipo II foi de 110 participantes. Levou-se em consideração a concordância absoluta igual para o letramento adequado e inadequado, assim como para as discordâncias, sendo essa nove vezes menor.
As variáveis pesquisadas foram:
sexo (masculino; feminino);
faixa etária (em anos: até 30; 30 a 59; 60 e mais);
escolaridade (ensino fundamental, ensino médio ou ensino superior, completo ou incompleto); e
classificação econômica do entrevistado (segundo o Critério de Classificação Econômica Brasil 2019, da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [ABEP]: A; B1; B2; C1; C2; D-E).18
A entrevista foi realizada pelos pesquisadores, após treinamento prévio adequado sobre as especificidades de cada teste, e executada em sala reservada exclusivamente para este fim. Foram realizadas entrevistas com a aplicação de questionários. O nível de letramento em saúde foi avaliado pelos testes SAHLPA-18 e S-TOFHLA.
O primeiro instrumento utilizado foi o SAHLPA-18, validado a partir do SAHLSA.14 Foram confeccionados 18 cartões contendo termos médicos distintos, para avaliar as habilidades de pronúncia e compreensão de termos médicos populares. Em sua aplicação, solicitava-se ao entrevistado ler em voz alta o termo em destaque do cartão, para que o entrevistador avaliasse sua pronúncia. Em seguida, o entrevistado deveria associar o termo lido a uma das opções de resposta. Trata-se de um questionário que pode ser aplicado em cerca de três minutos, por profissionais treinados. Cada acerto recebia 1 ponto, e o letramento foi considerado adequado quando o indivíduo apresentava número de acertos igual ou superior a 15 pontos.14
Em seguida, foi aplicado o S-TOFHLA. Traduzido e adaptado a partir da versão original,19 esse instrumento apresentava um tempo previsto de realização de 12 minutos, por profissional treinado; seu questionário exibia 36 itens de múltipla escolha, para compreensão em leitura, com valor de 2 pontos para cada acerto. Na avaliação de habilidade numérica, foram apresentados quatro cartões que exigiam a interpretação correta de situações cotidianas em saúde, cada um deles valendo 7 pontos. Conforme a pontuação identificada, o nível de letramento em saúde do indivíduo foi assim classificado: para a pontuação de 0 a 53, inadequado; de 54 a 66, limítrofe; e de 67 a 100 pontos, adequado.2
Os dados foram analisados descritivamente, na forma de frequência absoluta e relativa, para as classificações de letramento em saúde. O teste de correlação de Pearson foi calculado para verificar a relação entre as pontuações segundo o instrumento.
Foi calculada a estatística Kappa ponderada, para analisar a validade concorrente entre os instrumentos de aferição do letramento, considerando-se: Kappa <0,40 como concordância fraca; de 0,41 a 0,60, concordância regular; de 0,61 a 0,80, boa; e Kappa ≥0,81, concordância excelente.20 A análise de concordância foi aplicada tanto para a amostra geral como para a estratificada, esta por subpopulações específicas de doenças crônicas e, também, por sexo, idade e classificação econômica, visando minimizar vieses de seleção e de características intervenientes. Nisso consiste o tipo de abordagem multivariada desta análise, possível de revelar interações entre esses preditores. No caso de ocorrência dessas inferências, ela será apenas enfatizada, haja vista o efeito principal estar presente.
Aplicou-se o teste do qui-quadrado, para estimar a probabilidade associada à hipótese nula, e a medida de concordância Kappa. Foi adotado nível de significância de 5%.
Para a execução do estudo, foi solicitada a autorização da Secretaria Municipal de Saúde de Paulo Afonso e do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Vale do São Francisco (CEP/UFVASF), concedida mediante Parecer nº 2.228.427, emitido em 19 de agosto de 2017. Todos os participantes foram convidados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido após a explicação dos objetivos do estudo.
Apenas os pesquisadores diretamente envolvidos com as entrevistas tiveram acesso aos dados e assinaram termo assumindo o compromisso de manter confidencialidade e sigilo sobre todas as informações coletadas.
Resultados
Foram incluídos 372 indivíduos, divididos em quatro grupos distintos (Figura 1). O tempo médio de diagnóstico dos indivíduos do grupo com hipertensão foi de 11,9 ± 7,6 anos, com doença renal, 5,6 ± 5,9 anos, e do grupo com diabetes, 10,3 ± 8,6 anos (dados não apresentados em tabela).
A amostra foi composta, predominantemente, por indivíduos do sexo feminino (72,8%), e a idade média foi de 49,2 anos (desvio-padrão: 15,6). Apenas 26,9% dos idosos apresentam nível de letramento adequado pelo SAHLPA-18 e 7,5% pelo S-TOFHLA. Os indivíduos de classificação econômica D e E apresentaram piores resultados para o nível de letramento, em ambos os instrumentos. Em relação à escolaridade, 39,2% dos entrevistados não concluíram o ensino fundamental, resultado este refletido no letramento: 13% daqueles com menor escolaridade apresentaram nível adequado pelo SALHPA-18, e apenas 11% pelo S-TOFHLA. Em contrapartida, 88,9% dos indivíduos com ensino superior obtiveram êxito no SALHPA-18 e 77,8% no S-TOFHLA (Tabela 1).
Variáveis | n (%) | Letramento em saúde adequado n (%) | |
---|---|---|---|
SAHLPA-18a | S-TOFHLAb | ||
Sexo | |||
Masculino | 271 (72,8) | 103 (38,0) | 113 (41,7) |
Feminino | 101 (27,2) | 24 (23,8) | 29 (28,7) |
Faixa etária (em anos) | |||
≤30 | 62 (16,7) | 12 (19,4) | 38 (61,3) |
31-59 | 217 (58,3) | 90 (33,2) | 97 (44,7) |
≥60 | 93 (25,0) | 25 (26,9) | 7 (7,5) |
Educação | |||
Ensino fundamental incompleto | 146 (39,2) | 19 (13,0) | 16 (11,0) |
Ensino fundamental completo | 27 (7,3) | 10 (37,0) | 07 (25,9) |
Ensino médio incompleto | 29 (7,8) | 7 (24,1) | 12 (41,4) |
Ensino médio completo | 124 (33,3) | 52 (41,9) | 70 (56,5) |
Ensino superior incompleto | 10 (2,7) | 7 (70,0) | 9 (90,0) |
Ensino superior completo | 36 (9,7) | 32 (88,9) | 28 (77,8) |
Classificação econômica | |||
A | 7 (1,9) | 6 (85,7) | 3 (42,9) |
B1 | 18 (4,8) | 12 (66,7) | 12 (66,7) |
B2 | 66 (17,8) | 34 (51,5) | 38 (57,6) |
C1 | 55 (14,8) | 22 (40,0) | 24 (43,6) |
C2 | 118 (31,7) | 38 (32,2) | 46 (39,0) |
D - E | 108 (29,0) | 15 (13,9) | 19 (17,6) |
Grupo | |||
Sem doença crônica | 70 (18,8) | 22 (31,4) | 47 (67,1) |
Com doença renal crônica | 92 (24,7) | 21 (22,8) | 20 (21,7) |
Com hipertensão arterial sistêmica | 131 (35,2) | 52 (36,7) | 55 (42,0) |
Com diabetes | 79 (21,3) | 32 (40,5) | 20 (25,3) |
a) SAHLPA: short assessment of health literacy for Portuguese-speaking adults; b) S-TOFHLA: short test of functional health literacy in adults.
Observou-se concentração de indivíduos com baixa escolaridade nos grupos de classificação econômica até o estrato C, e, em contrapartida, presença de alta escolaridade nos grupos classificados como A e B (p<0,001). Pessoas com baixa escolaridade foram comuns nos grupos com doença renal e diabetes (p=0,010), e não foram observadas diferenças estatísticas nos grupos com hipertensão ou sem diagnóstico para doenças crônicas.
Nominalmente, 66% dos indivíduos apresentaram nível de letramento em saúde inadequado pelo SAHLPA-18 e 62% não apresentaram letramento adequado pelo S-TOHLA; destes, 11% apresentaram letramento limítrofe, e 51%, letramento inadequado.
Observou-se correlação positiva estatisticamente forte entre o SAHLPA-18 e o S-TOFHLA (p<0,001; r=0,60) (Figura 2). Os instrumentos apresentaram concordância de acertos de 65,3% na identificação de letramento adequado e inadequado: concordância fraca (Kappa=0,35; p<0,001), conforme demonstrado na Tabela 2.
A concordância de acertos na classificação como adequado ou inadequado, entre indivíduos com hipertensão, foi de 65,6%, e com diabetes, de 73,5%, considerada concordância regular: respectivamente, Kappa=0,40 e Kappa=0,45; p<0,001. Entretanto, os participantes com doença renal e aqueles sem doença prévia apresentaram, respectivamente, alinhamentos de 67,4% (Kappa=0,27) e 52,9% (Kappa=0,21), considerada concordância fraca (Tabela 2).
SAHLPA-18 | S-TOFHLA | Total n (%) | Kappa | p-valora | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Inadequado n (%) | Adequado n (%) | Limítrofe n (%) | ||||
Sem doença prévia | ||||||
Inadequado | 17 (24,3) | 27 (38,6) | 4 (5,7) | 48 (68,6) | 0,21 | 0,007 |
Adequado | 2 (2,9) | 20 (28,6) | - | 22 (31,4) | ||
Total | 19 (27,1) | 47 (67,1) | 4 (5,7) | 70 (100,0) | ||
Doença renal | ||||||
Inadequado | 52 (56,5) | 10 (10,9) | 9 (9,8) | 71 (77,2) | 0,27 | 0,001 |
Adequado | 8 (8,7) | 10 (10,9) | 3 (3,3) | 21 (22,8) | ||
Total | 60 (65,2) | 20 (21,7) | 12 (13,0) | 92 (100,0) | ||
Hipertensão | ||||||
Inadequado | 46 (35,1) | 15 (11,5) | 18 (13,7) | 79 (60,3) | 0,40 | <0,001 |
Adequado | 9 (6,9) | 40 (30,5) | 3 (2,3) | 52 (39,7) | ||
Total | 55 (42,0) | 55 (42,0) | 21 (16,0) | 131 (100,0) | ||
Diabetes | ||||||
Inadequado | 42 (53,2) | 4 (5,1) | 1 (1,3) | 47 (59,5) | 0,45 | <0,001 |
Adequado | 12 (15,2) | 16 (20,3) | 4 (5,1) | 32 (40,5) | ||
Total | 54 (68,4) | 20 (25,3) | 5 (6,3) | 79 (100,0) | ||
Total | ||||||
Inadequado | 157 (42,2) | 56 (15,1) | 32 (8,6) | 245 (65,9) | 0,35 | <0,001 |
Adequado | 31 (8,3) | 86 (23,1) | 10 (2,7) | 127 (34,1) | ||
Total | 188 (50,5) | 142 (38,2) | 42 (11,3) | 372 (100,0) |
a) Teste do qui-quadrado.
Ao se estratificar a análise pelas condicionantes sociais ‘sexo’, ‘idade’ e ‘classificação econômica’, constatou-se a interação entre elas e sua influência no nível de concordância entre os instrumentos (Tabela 3). Dessa forma, as inferências levaram em consideração apenas esse aspecto da análise.
Nos participantes sem doença prévia, observou-se concordância excelente nos homens de 31 a 59 anos de classificação econômica A e B (Kappa=1,00), e concordância regular naqueles de classificação C, D e E (Kappa=0,50). Nos indivíduos com doença renal, ainda na mesma faixa etária e sexo, também se observou concordância excelente na classificação A e B (Kappa=1,00) e regular na classificação C, D e E (Kappa=0,48) (Tabela 3).
Idade | Sexo | Sem doença prévia | Doença renal | Hipertensão | Diabetes | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Kappa | n | p-valora | Kappa | n | p-valor | Kappa | n | p-valor | Kappa | n | p-valor | ||
Classificação econômica: C, D e E | |||||||||||||
≤30 | Feminino | 0,11 | 33 | 0,100 | - | 9 | - | 0,14 | 4 | 0,240 | - | 1 | - |
Masculino | 0,20 | 4 | 0,500 | 0,11 | 5 | 0,360 | - | 1 | - | - | - | - | |
Total | 0,12 | 37 | 0,070 | 0,11 | 14 | 0,170 | 0,13 | 5 | 0,170 | - | 1 | - | |
31-59 | Feminino | 0,10 | 14 | 0,590 | 0,37 | 18 | 0,040 | 0,31 | 61 | 0,001 | 0,40 | 23 | 0,030 |
Masculino | 0,50 | 4 | 0,240 | 0,48 | 27 | 0,003 | 0,46 | 7 | 0,140 | 0,57 | 6 | 0,120 | |
Total | 0,19 | 18 | 0,300 | 0,45 | 45 | <0,001 | 0,32 | 68 | 0,001 | 0,43 | 29 | 0,010 | |
≥60 | Feminino | - | - | - | - | 5 | - | 0,07 | 14 | 0,530 | 0,14 | 23 | 0,030 |
Masculino | - | - | - | - | 9 | - | - | 5 | 1,000 | 1,00 | 8 | 0,005 | |
Total | - | - | - | - | 14 | - | 0,06 | 19 | 0,610 | 0,24 | 47 | 0,007 | |
Total | Feminino | 0,11 | 47 | 0,130 | 0,21 | 32 | 0,090 | 0,29 | 79 | <0,001 | 0,27 | 47 | 0,010 |
Masculino | 0,33 | 8 | 0,200 | 0,44 | 41 | <0,001 | 0,19 | 13 | 0,220 | 0,75 | 14 | 0,003 | |
Total | 0,14 | 55 | 0,060 | 0,33 | 73 | <0,001 | 0,27 | 92 | <0,001 | 0,34 | 61 | 0,001 | |
Classificação econômica: A e Bb | |||||||||||||
31-59 | Feminino | 0,11 | 10 | 0,720 | 0,07 | 5 | 0,810 | 0,59 | 23 | 0,002 | - | 9 | - |
Masculino | 1,00 | 2 | 0,160 | 1,00 | 3 | 0,080 | 0,27 | 4 | 0,290 | - | 1 | - | |
Total | 0,40 | 12 | 0,160 | 0,27 | 8 | 0,330 | 0,54 | 27 | 0,010 | 0,61 | 10 | 0,030 | |
≥60 | Feminino | - | - | - | 0,14 | 4 | 0,500 | 0,66 | 6 | 0,080 | 0,57 | 6 | 0,120 |
Masculino | - | - | - | - | 6 | - | 0,58 | 5 | 0,050 | - | 2 | - | |
Total | - | - | - | 0,08 | 4 | 0,490 | 0,53 | 11 | 0,010 | 0,33 | 8 | 0,120 | |
Total | Feminino | 0,11 | 13 | 0,650 | 0,07 | 9 | 0,730 | 0,66 | 29 | <0,001 | 0,70 | 15 | 0,007 |
Masculino | 1,00 | 2 | 0,150 | 0,21 | 10 | 0,490 | 0,50 | 10 | 0,020 | 0,14 | 3 | 0,380 | |
Total | 0,28 | 15 | 0,250 | 0,05 | 19 | 0,750 | 0,63 | 39 | <0,001 | 0,55 | 18 | 0,009 | |
Total | |||||||||||||
≤30 | Feminino | 0,14 | 36 | 0,050 | - | 9 | - | 0,14 | 4 | 0,240 | - | 1 | - |
Masculino | 0,20 | 4 | 0,500 | 0,07 | 6 | 0,430 | 0,33 | 2 | 0,150 | - | - | - | |
Total | 0,15 | 40 | 0,040 | 0,09 | 15 | 0,200 | 0,20 | 6 | 0,080 | - | 1 | - | |
31-59 | Feminino | 0,21 | 24 | 0,230 | 0,27 | 23 | 0,090 | 0,43 | 84 | <0,001 | 0,58 | 7 | 0,080 |
Masculino | 0,66 | 6 | 0,080 | 0,55 | 30 | <0,001 | 0,38 | 11 | 0,070 | 0,59 | 39 | <0,001 | |
Total | 0,33 | 30 | 0,040 | 0,42 | 53 | <0,001 | 0,42 | 95 | <0,001 | 0,21 | 29 | 0,010 | |
≥60 | Feminino | - | - | - | 0,05 | 9 | 0,700 | 0,32 | 20 | 0,060 | 0,21 | 29 | 0,010 |
Masculino | - | - | - | 0,04 | 15 | 0,680 | 0,24 | 10 | 0,140 | 0,51 | 10 | 0,020 | |
Total | - | - | - | 0,05 | 24 | 0,570 | 0,29 | 30 | 0,010 | 0,27 | 39 | 0,002 | |
Total | Feminino | 0,18 | 60 | 0,030 | 0,14 | 41 | 0,190 | 0,43 | 108 | <0,001 | 0,43 | 62 | <0,001 |
Masculino | 0,44 | 10 | 0,090 | 0,39 | 51 | 0,001 | 0,32 | 23 | 0,010 | 0,52 | 17 | 0,010 | |
Total | 0,21 | 70 | 0,010 | 0,27 | 92 | 0,001 | 0,40 | 131 | <0,001 | 0,45 | 79 | <0,001 |
a) Teste do qui-quadrado; b) O grupo de faixa etária ≤30 anos e a classificação econômica A e B não apresentavam observações suficientes para análise estatística.
Quanto aos hipertensos da classificação A e B, entre as mulheres, apresentou-se concordância regular na faixa etária de 31 a 59 anos (Kappa=0,59) e concordância boa (Kappa=0,66) naquelas acima de 60 anos; nos homens hipertensos de mesma classificação econômica (A e B), a concordância foi regular apenas na idade acima de 60 anos (Kappa=0,58). Na classificação C, D e E, apenas entre as mulheres de 31 a 59 anos houve concordância regular (Kappa=0,31).
No grupo de indivíduos com diabetes, na classificação A e B, houve concordância boa nas mulheres de modo geral (Kappa=0,70). Na classificação C, D e E, a concordância foi regular nos homens (Kappa=0,57) e nas mulheres (Kappa=0,40) de 31 a 59 anos; nos participantes acima de 60 anos, da mesma classe econômica (C, D e E), os instrumentos apresentaram concordância excelente nos homens (Kappa=1,00) e fraca nas mulheres (Kappa=0,14) (Tabela 3).
Discussão
A concordância entre o SAHLPA-18 e o S-TOFHLA é fraca na análise realizada com o total da amostra, e heterogênea quando na estratificação por subgrupos sociodemográficos e condição de saúde.
O processo de amostragem adotado foi não probabilístico, além do que, a quantidade de indivíduos que se negaram a participar ou foram excluídos da pesquisa não foi referida, limitando a representatividade da amostra consultada. A ausência de planejamento amostral para os subgrupos de condições de saúde, por sua vez, restringe o poder para minimizar possível erro falso-negativo.
Os instrumentos de medição do letramento em saúde buscam avaliar o efeito de diversas variáveis que contribuem para o desenvolvimento e uso de habilidades no contexto assistencial. O grande limitante dessa tarefa consiste na inexistência de instrumento capaz de avaliar o letramento funcional e interativo em saúde, seja no âmbito individual, seja no contexto de grupos ou populações específicas.21,22
Os instrumentos SAHLPA-18 e S-TOFHLA apresentaram correlação positiva, estatisticamente significativa, neste estudo. Técnicas estatísticas de correlação indicam apenas se a variação dos valores de uma variável acompanha a variação dos valores de outra. Pode-se entender o r como o grau de proximidade dos pares de pontos X e Y (a pontuação do indivíduo nos dois instrumentos de letramento) a uma reta qualquer, não necessariamente à reta de 45º; portanto, a correlação linear evidenciada não significa, em si, a concordância entre os instrumentos. Para a análise de concordância, além de correlação, deve haver coincidência entre os valores. Quando aplicadas ao conjunto de dados, as medidas de concordância, geralmente, se apresentam menores que os coeficientes de correlação.23
Constatou-se concordância fraca entre os dois instrumentos utilizados. Este resultado, provavelmente, deve-se ao fato de os questionários analisados medirem constructos diferentes do letramento em saúde; o SAHLPA tem enfoque no reconhecimento de palavras e pronúncia, enquanto o TOFHLA procura avaliar a habilidade numérica e a compreensão da leitura do indivíduo sobre informações em saúde.22
A idade avançada é fator relevante para o nível de letramento em saúde, dado que, ao longo do processo de envelhecimento, podem ocorrer alterações cognitivas que interferem no grau de entendimento da pessoa.7 O fato foi constatado neste estudo, em que baixa proporção dos idosos apresentou nível de letramento adequado, bem como interferiu na concordância entre os instrumentos utilizados.
O nível de escolaridade, isoladamente, é ferramenta imprecisa para avaliar o letramento em saúde: ele quantifica o tempo em anos de estudo na educação formal, sem considerar o real aprendizado do indivíduo.24 A pessoa pode dominar habilidades de escrita e de leitura sem conseguir utilizá-las na prática diária, por exemplo, para compreender uma prescrição médica, bula, cartaz informativo ou resultados de exames.25 Constatou-se que apenas uma ínfima proporção dos participantes com ensino fundamental incompleto apresentaram níveis de letramento adequado, pelos instrumentos SAHLPA-18 e S-TOFHLA. Maiores níveis de escolaridade tampouco garantiram bom desempenho nos dois instrumentos.
Ter escolaridade elevada não implica, necessariamente, letramento em saúde adequado.26 Para os indivíduos com doença renal, observa-se que os instrumentos examinados não mostram melhor concordância nos indivíduos mais ricos, dotados de melhor nível educacional, tal como ser perito em procedimentos aeroviários ou educação infantil não garante que o indivíduo detenha conhecimentos mínimos sobre o autocuidado, apenas torna sua aprendizagem mais fácil.
A tendência de se encontrar melhor nível de letramento nas classificações econômicas mais altas seria atribuída ao fato de pessoas com maior renda apresentarem maiores oportunidades de estudo e desenvolvimento intelectual. O indicador de alfabetismo funcional mostra que a proporção de analfabetos e pessoas com nível rudimentar de alfabetismo diminui significativamente, com o aumento da renda.27,28
Apesar da existência desses determinantes individuais, a vasta amplitude dessa temática não permite atribuir o limitado letramento em saúde tão somente à competência individual.29 Por vezes, os sistemas de saúde são sobrecarregados, fazendo com que, invariavelmente, o tempo das consultas seja reduzido, não permitindo que as informações prestadas ao usuário sejam transmitidas da maneira adequada. Ademais, profissionais de saúde costumam utilizar termos complexos e tecnicistas, de difícil entendimento para a população, principalmente quando não se preocupam em adaptar esse vocabulário à condição socioeducacional de cada pessoa atendida. Diante desses fatores, conclui-se que a atenção à saúde envolve responsabilidade compartilhada, por exemplo, entre um médico e quem o consulta.27
No Brasil, a maioria dos trabalhos sobre letramento em saúde é recente e evidencia a necessidade de explorar melhor os instrumentos utilizados, no contexto da realidade sociocultural do país.30 Além da adequação do instrumento à população, é imprescindível a certeza de que os resultados obtidos são fiéis ao objetivo de mensuração proposto, e podem ser utilizados na comparação a outros estudos populacionais ou no direcionamento de condutas e políticas públicas.
Averiguou-se concordância fraca entre o SAHLPA-18 e o S-TOFHLA na mensuração do nível de letramento em saúde. Por conseguinte, é indicado o uso de mais de um instrumento de mensuração nas pesquisas de avaliação do nível global de letramento em saúde. Para a prática clínica e uso nos serviços, é indicado o desenvolvimento e validação de instrumentos específicos, adequados às condições de saúde presentes, que permitam obter resultados mais próximos ao contexto dos indivíduos.