Introdução
No Brasil, em 2015, a expectativa de vida ao nascer era de 75,4 anos e a proporção de idosos atingia 14,3% da população, enquanto apenas 10 anos atrás, em 2005, essa proporção era de 9,8%. Projeta-se para 2039 uma proporção de idosos de 24% da população brasileira.1
Idosos, geralmente, apresentam multiplicidade de morbidades crônicas, um fato que torna o processo terapêutico complexo devido às modificações no corpo relacionadas com a própria idade, sexo, redução de habilidades cognitivas e sensoriais, além da maior dificuldade de adesão ao tratamento.2
A polifarmácia pode estar associada ao envelhecimento.3 A ocorrência da polifarmácia, definida como o uso concomitante de cinco ou mais fármacos, está relacionada com a maior demanda de medicamentos por idosos e suas consequências incluem aumento da incidência de reações adversas (aos medicamentos), a exemplo da incontinência urinária, interações medicamentosas e hospitalizações, além do custo terapêutico e da mortalidade.4
A prevalência de polifarmácia em idosos passou de 13,0 para 40,0%, entre 1988 e 2010, nos Estados Unidos.5 No Brasil, no período de 2013 a 2014, essa prevalência foi de 18,0%, associada a questões demográficas e morbidades.6
Estudos de base populacional que visam avaliar o perfil de utilização de medicamentos por idosos no Brasil são necessários, principalmente na Amazônia, devido a peculiaridades que incluem elevado analfabetismo e dificuldades de acesso a serviços de saúde na região.7 A alta prevalência de polifarmácia e a escassez de estudos sobre suas características e diferenças regionais motivaram a realização desta investigação, cujo objetivo foi analisar a prevalência e os fatores associados à polifarmácia em idosos de Rio Branco, Acre, Brasil.
Métodos
O estudo consiste em um inquérito populacional realizado com idosos, a partir dos 60 anos, abrangendo as zonas urbana e rural de Rio Branco, capital do estado do Acre, no período de abril a setembro de 2014, com foco na estimativa da prevalência de polifarmácia.
Em 2010, Rio Branco dispunha de uma unidade territorial de 8.834,942km², com aproximadamente 21.620 pessoas idosas, em sua maioria residentes na zona urbana do município (91,8%). No mesmo ano, Rio Branco alcançou o índice de desenvolvimento humano municipal (IDHM) de 0,727,8 e a dimensão que mais contribuiu para esse feito foi a longevidade de seus cidadãos, com índice de 0,798, seguida da renda (0,729) e da educação (0,661).
Foram elegíveis para o estudo todas as pessoas idosas a partir de 60 anos, de ambos os sexos, domiciliadas em Rio Branco; destas, foram excluídas todas as identificadas pelo entrevistador ou cujos familiares revelassem que apresentavam algum comprometimento cognitivo para sua comunicação e compreensão das questões.
Os participantes foram selecionados por amostragem probabilística em dois estágios: setor censitário e domicílio. Para a seleção dos setores censitários, empregou-se a probabilidade proporcional ao número de domicílios particulares registrados e disponíveis no Censo Demográfico 2010, realizado e publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na seleção dos domicílios, partiu-se de amostragem sistemática com início aleatório e intervalos distintos em cada setor.
A seleção probabilística da amostra de idosos seguiu os procedimentos de amostragem por conglomerados, em dois estágios. Após a definição da amostra, definiu-se a seleção de 40 setores (do total de 338), como é usual em estudos epidemiológicos com amostragem baseada em dados censitários. A seleção de setores foi feita com probabilidade proporcional ao tamanho (PPT), para lidar com a diferença de tamanho entre os conglomerados. Logo, foram selecionados em cada setor, por amostragem sistemática, 73 domicílios, de forma independente, com intervalos iguais, sendo entrevistados todos os idosos residentes. Os detalhes sobre o plano amostral, cálculo e calibração dos pesos da amostra foram previamente publicados.9
As entrevistas foram realizadas no domicílio e incluíram a aplicação de questionário, estruturado em módulos temáticos, com as seguintes variáveis:
a) Socioeconômicas e demográficas
- Idade (em anos: 60-69; 70-79; 80 e mais);
- Sexo (masculino; feminino);
- Raça/cor da pele (branca; não branca [parda, preta, amarela e indígena]);
- Escolaridade (sem escolaridade; ensino fundamental completo; ensino médio completo; ensino superior);
- Estado conjugal (com companheiro; sem companheiro);
b) Comportamentais e de saúde (autorreferidas)
- Prática de atividade física (sim; não);
- Mudança de hábitos alimentares/dieta (sim; não);
- Doenças crônicas (hipertensão arterial; diabetes mellitus; artrite/artrose; osteoporose; problemas cardíacos; dislipidemia; depressão);
- Autoavaliação de saúde (muito boa/boa; regular; ruim/muito ruim);
- Internação nos últimos 12 meses (sim; não);
- Grau de independência (dependente; independente);
- Índice de massa corporal (IMC, em kg/m²: ≤27kg/m²; >27kg/m²);
- Sinais e sintomas de depressão (sim; não);
- Polifarmácia (sim; não).
Foram realizadas entrevistas para a coleta de dados. Os entrevistadores, habilitados e previamente treinados em curso específico, eram estudantes ou profissionais da área da saúde. Um manual com orientações, visando padronizar as entrevistas, foi elaborado e disponibilizado aos entrevistadores. A coleta de dados foi supervisionada pela coordenação do estudo.
Para investigar o grau de independência do idoso, foi empregada a escala de Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVD), composta por oito atividades: cuidar da casa; lavar a roupa; preparar a comida; ir às compras; usar o telefone; utilizar um meio de transporte; gerenciar o dinheiro; e gerenciar a medicação.10 Com base nessa escala de atividades e respectivas pontuações, os idosos que atingiram 27 pontos foram classificados como independentes, e aqueles com 26 pontos ou menos, dependentes.
Os sinais e sintomas de depressão foram investigados tendo como instrumento a Escala de Depressão Geriátrica.11 Esta escala apresenta pontuação de 0 a 15, sendo considerados como casos sugestivos da doença aqueles com 6 pontos ou mais. Na análise do índice de massa corporal (IMC), levou-se em consideração os pontos de cortes da Nutrition Screening Initiative (NSI) para idosos com excesso de peso: IMC >27kg/m².12 Este ponto de corte leva em consideração as modificações corporais decorrentes do envelhecimento.12 Para determinação do IMC, foi realizada avaliação física, mediante a coleta de dados antropométricos do participante: peso e altura. O peso foi mensurado por uma balança digital Bal Gl 200 da G-Tech®, com resolução de 50 gramas, bem disposta (sobre base estável e plana), e a altura determinada por um estadiômetro portátil Sanny®, com resolução em milímetros, igualmente disposta, qual seja, sempre sobre uma superfície estável e plana.
O uso de medicamentos atuais foi obtido por meio das seguintes perguntas:
“Utiliza alguma medicação? Se sim, quais os medicamentos, dose e frequência?”
Medicações de uso contínuo foram identificadas pela pergunta:
“O(A) sr(a) utiliza algum desses medicamentos de forma contínua (um mês ou mais)?”
O uso de medicamentos foi verificado pelo princípio ativo, dosagem e frequência, a partir da checagem da receita ou da embalagem de todos os medicamentos em uso no momento da avaliação. Para a categorização dos medicamentos, utilizou-se o Anatomical Therapeutic Chemical Code (ATC), adotado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).13
A variável dependente avaliada foi a polifarmácia, definida como o ‘uso concomitante de 5 ou mais fármacos’ e dicotomizada em ‘Sim’ (uso de 5 ou mais medicamentos) e ‘Não’ (uso de 0 a 4 medicamentos). As variáveis independentes analisadas foram: sexo; idade; escolaridade; presença de morbidades autorreferidas; autoavaliação de saúde; grau de independência; sinais e sintomas sugestivos de depressão; obesidade; e prática de atividade física.
Para o controle da qualidade das informações, realizou-se um estudo-piloto com entrevistas e avaliações físicas de 30 idosos.14
Foi calculado o tamanho da amostra com base na prevalência de alteração da função renal entre idosos - 40% - apontada em estudos internacionais,14 considerando-se a estimativa da população residente em Rio Branco no dia 1° de julho de 2014, de 23.416 idosos, com nível de confiança de 95% e erro absoluto de 3 pontos percentuais. Como o plano amostral seguiu os procedimentos de amostragem complexa, foi utilizado efeito de desenho de 1,95, resultando na estimativa de 1.020 idosos.
Realizaram-se análises descritivas dos dados, expressas em frequências absolutas e relativas, para caracterizar a população estudada. A análise das diferenças entre proporções baseou-se no teste qui-quadrado de Pearson.
A associação entre o uso de medicamentos e as variáveis independentes foi verificada por análise bruta e ajustada, mediante regressão logística, para facilitar sua comparação com os resultados de outros estudos, utilizando-se o modelo hierarquizado da medida de associação ‘razão de chances’: em inglês, odds ratio (OR). Adotou-se um processo de modelagem por blocos, em que, inicialmente, a polifarmácia foi ajustada pelas variáveis distais ‘sexo’ e ‘raça/cor da pele’. No bloco intermediário, foram introduzidas as variáveis ‘grau de independência’, ‘excesso de peso’ e ‘mudança de hábitos alimentares/dieta’ e, finalmente, no bloco proximal, foram incorporadas as variáveis relacionadas às condições de saúde, visando controlar possíveis fatores de confundimento. Inicialmente, o ajuste foi realizado dentro de cada nível do modelo, sendo incluídas as variáveis com valor de p<0,10 na análise bivariada. No modelo final, foram mantidas as variáveis que alcançaram valor de p<0,05. Adotou-se o nível de significância de 5%, analisado pelo teste de Wald.
Foi utilizado o pacote estatístico SAS (versão 9.4). Todas as análises levaram em conta o efeito do desenho amostral e os pesos calibrados das observações; os resultados obtidos consideraram os pesos calibrados, visando sua extrapolação para a população por ‘estimativa (n)’. Nesse sentido, foi utilizado o método de máxima pseudoverossimilhança (MPV), considerando-se os pesos amostrais e as informações estruturais do plano amostral. As inferências foram avaliadas pela estatística de Wald, com base no plano amostral, juntamente com a distribuição F.
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Acre (CEP/UFAC): Parecer nº 518.531, emitido em 30 de janeiro de 2014; Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 17543013.0.0000.5010. Os participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo garantido seu direito a recusa e sigilo dos dados informados.
Resultados
Na amostra de 1.016 entrevistados, houve um total de perdas e recusas de 59, que resultaram em uma população expandida de 23.416 idosos. A prevalência de polifarmácia nessa população foi de 14,9% (IC95% 11,8;18,6).
A polifarmácia foi mais frequente entre as mulheres, indivíduos de raça/cor da pele branca, aqueles sem parceiro(a) e idosos mais velhos. Nos sedentários, ela foi de 14,3%, e naqueles que realizaram mudança nos hábitos alimentares/dieta, de 21,9% (Tabela 1).
A proporção encontrada de internação nos últimos 12 meses foi de 16,6%. Naqueles em polifarmácia, essa prevalência foi de 23,7% (Tabela 1), sendo os principais motivos de internação a alteração na pressão arterial (23,7%), seguida de problemas cardíacos (17,9%), infecções (14,1%), cirurgias (13,7%) e acidente vascular encefálico (10,2%).
Houve maior prevalência de polifarmácia entre os que relataram uma autoavaliação de saúde ruim e muito ruim, naqueles com sinais e sintomas de depressão, nos dependentes segundo o AIVD, entre os obesos; e naqueles com hipertensão arterial, diabetes mellitus, insônia, artrite/artrose, osteoporose, problemas cardíacos, dislipidemia e depressão, segundo autorrelato (Tabela 1).
Na análise ajustada por nível hierárquico, mantiveram significância estatística, no nível intermediário, as seguintes variáveis: sexo feminino; raça/cor da pele branca; dependência segundo AIVD; e mudança de hábitos alimentares/dieta. No terceiro modelo, do nível proximal, permaneceram as seguintes variáveis: raça/cor da pele branca; dependência segundo AIVD; internação nos últimos 12 meses; e morbidades autorreferidas - hipertensão arterial, diabetes mellitus, osteoporose e problemas cardíacos (Tabela 2).
Variáveis | Total | Polifarmácia | p-valorb | ||
---|---|---|---|---|---|
Estimativa (n) | % (IC95% a) | Estimativa (n) | % (IC95% a) | ||
Sexo | 0,001 | ||||
Masculino | 10.896 | 46,5 (43,4;49,7) | 1.040 | 9,5 (6,2;14,5) | |
Feminino | 12.520 | 53,5 (50,3;56,6) | 2.452 | 19,6 (15,6;24,3) | |
Idade (anos) | 0,303 | ||||
60-69 | 13.394 | 57,2 (54,7;59,7) | 1.810 | 13,5 (9,8;18,4) | |
70-79 | 6.687 | 28,6 (26,2;31,1) | 1.054 | 15,8 (11,4;21,4) | |
≥80 | 3.335 | 14,2 (12,2;16,6) | 628 | 18,8 (13,7;25,4) | |
Raça/cor da pele | 0,017 | ||||
Não branca | 5.614 | 76,0 (71,8;79,8) | 1.127 | 13,3 (10,1;17,3) | |
Branca | 17.802 | 24,0 (20,2;28,2) | 2.365 | 20,1 (15,0;26,3) | |
Estado conjugalc | 0,721 | ||||
Com companheiro | 9.086 | 39,1 (35,7;42,6) | 1.305 | 14,4 (9,8;20,6) | |
Sem companheiro | 14.172 | 60,9 (57,4;64,3) | 2.187 | 15,4 (12,0;19,6) | |
Escolaridadec | 0,620 | ||||
Sem escolaridade | 17.471 | 75,2 (68,4;81,0) | 2.612 | 15,0 (11,5;19,2) | |
Ensino fundamental | 1.963 | 8,5 (6,2;11,5) | 301 | 15,3 (9,8;23,2) | |
Ensino médio | 2.802 | 12,1 (9,1;15,8) | 380 | 13,5 (8,1;21,7) | |
Ensino superior | 987 | 4,2 (2,7;6,7) | 199 | 20,2 (11,2;33,6) | |
Prática de atividade físicac | 0,178 | ||||
Sim | 3.480 | 14,9 (11,9;18,4) | 655 | 18,8 (12,0;28,3) | |
Não | 19.904 | 85,1 (81,6;88,1) | 2.837 | 14,3 (11,4;17,7) | |
Mudança de hábitos alimentares/dieta | <0,001 | ||||
Sim | 7.372 | 35,6 (32,4;39,0) | 1.611 | 21,9 (16,3;28,7) | |
Não | 13.327 | 64,4 (61,0;67,6) | 1.395 | 10,5 (7,8;13,8) | |
Internação nos últimos 12 mesesc | 0,001 | ||||
Sim | 3.746 | 16,6 (20,0;33,2) | 890 | 23,7 (17,7;31,1) | |
Não | 18.868 | 83,4 (81,2;85,5) | 2.526 | 13,4 (10,3;17,2) | |
Autoavaliação de saúde | 0,014 | ||||
Muito bom/bom | 8.598 | 36,7 (33,4;40,1) | 856 | 10,0 (6,7;14,6) | |
Regular | 11.208 | 47,9 (44,7;51,0) | 1.770 | 15,8 (11,3;21,6) | |
Ruim/muito ruim | 3.610 | 15,4 (12,9;18,3) | 866 | 24,0 (15,4;35,3) | |
Sinais e sintomas de depressãoc | 0,002 | ||||
Sim | 7.558 | 32,5 (28,9;36,4) | 1.462 | 19,3 (15,0;24,5) | |
Não | 15.666 | 67,5 (63,6;71,1) | 2.030 | 13,0 (9,9;16,9) | |
Grau de independênciac | 0,003 | ||||
Independente | 11.907 | 51,1 (46,7;55,5) | 1.350 | 11,3 (7,9;16,0) | |
Dependente | 11.402 | 48,9 (44,5;53,3) | 2.142 | 18,8 (14,9;23,4) | |
Índice de massa corporal (IMC: kg/m²)c | 0,027 | ||||
≤27 | 11.321 | 51,4 (46,2;56,5) | 1.388 | 12,3 (9,0;16,6) | |
>27 | 10.714 | 48,6 (43,5;53,8) | 1.923 | 17,9 (13,5;23,4) | |
Morbidades | |||||
Hipertensão arterialc | <0,001 | ||||
Sim | 13.958 | 59,8 (56,3;63,2) | 2.804 | 20,1 (16,3;24,6) | |
Não | 9.377 | 40,2 (36,8;43,7) | 646 | 6,9 (4,3;10,9) | |
Diabetes mellitus c | <0,001 | ||||
Sim | 4.060 | 17,7 (15,3;20,2) | 1.211 | 29,8 (23,1;37,6) | |
Não | 18.933 | 82,3 (79,8;84,7) | 2.260 | 11,9 (9,1;15,6) | |
Insôniac | 0,003 | ||||
Sim | 8.039 | 34,4 (31,6;37,3) | 1.529 | 19,0 (14,7;24,3) | |
Não | 15.333 | 65,6 (62,7;68,4) | 1.963 | 12,8 (9,8;16,6) | |
Artrite/artrosec | <0,001 | ||||
Sim | 3.679 | 16,0 (13,1;19,5) | 1.034 | 28,1 (21,0;36,5) | |
Não | 19.251 | 84,0 (80,5;86,9) | 2.399 | 12,5 (9,4;16,4) | |
Osteoporosec | <0,001 | ||||
Sim | 3.453 | 15,1 (12,7;17,8) | 1.108 | 32,1 (24,5;40,8) | |
Não | 19.473 | 84,9 (82,2;87,3) | 2.300 | 11,8 (9,0;15,3) | |
Problemas cardíacosd | <0,001 | ||||
Sim | 2.432 | 10,4 (8,4;12,8) | 814 | 33,5 (24,8;43,4) | |
Não | 20.984 | 89,6 (87,2;91,6) | 2.678 | 12,8 (10,0;16,1) | |
Anemiac | 0,284 | ||||
Sim | 1.726 | 7,5 (5,9;9,7) | 326 | 18,9 (11,3;29,8) | |
Não | 21.153 | 92,5 (90,3;94,1) | 3.082 | 14,6 (11,5;18,3) | |
Dislipidemiac | <0,001 | ||||
Sim | 3.251 | 14,0 (11,9;16,5) | 877 | 27,0 (19,3;36,4) | |
Não | 19.897 | 86,0 (83,5;88,1) | 2.597 | 13,1 (10,3;16,4) | |
Depressãoc | 0,003 | ||||
Sim | 2.736 | 11,9 (9,6;14,5) | 677 | 24,7 (17,2;34,3) | |
Não | 20.316 | 88,1 (85,5;90,4) | 2.783 | 13,7 (10,7;17,4) | |
Total | 23.416 | 100,0 | 3.492 | 14,9 (11,8;18,6) |
a) IC95%: intervalo de confiança de 95%; b) Teste de Wald; c) Dados faltantes nessa variável devido a não resposta; d) Fibrilação, arritmia e insuficiência cardíaca.
Variáveis | ORa bruta (IC95% b) | p-valor | ORa ajustada (IC95% b) | p-valor |
---|---|---|---|---|
Nível distal | ||||
Sexo | 0,001 | 0,00d | ||
Masculino | 1,00 | 1,00 | ||
Feminino | 2,31 (1,42;3,76) | 2,29 (1,41;3,74) | ||
Raça/cor da pele | 0,017 | 0,016d | ||
Não branca | 1,00 | 1,00 | ||
Branca | 1,64 (1,09;2,45) | 1,61 (1,10;2,38) | ||
Nível intermediário | ||||
Grau de independência | 0,003 | 0,029e | ||
Independente | 1,00 | 1,00 | ||
Dependente | 1,81 (1,24;2,64) | 1,65 (1,05;2,60) | ||
Índice de massa corporal (IMC: kg/m²) | 0,027 | 0,164e | ||
≤27 | 1,00 | 1,00 | ||
>27 | 1,57 (1,06;2,32) | 1,37 (0,87;2,16) | ||
Mudança de hábitos alimentares/dieta | <0,001 | 0,003e | ||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 2,39 (1,66;3,45) | 1,66 (1,16;2,36) | ||
Sinais e sintomas de depressão | 0,002 | 0,144e | ||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 1,31 (0,91;1,90) | |||
Autoavaliação de saúde | 0,014 | 0,240e | ||
Muito bom/bom | 1,00 | 1,00 | ||
Regular | 1,70 (1,03;2,79) | 1,46 (0,82;2,60) | ||
Ruim e muito ruim | 2,85 (1,38;5,89) | 2,06 (0,85;4,99) | ||
Nível proximal | ||||
Internação nos últimos 12 meses | 0,001 | 0,041f | ||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 2,01 (1,38;2,94) | 1,61 (1,02;2,53) | ||
Morbidades autorreferidas | ||||
Hipertensão arterial | <0,001 | 0,005f | ||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 3,39 (2,16;5,35) | 2,40 (1,33;4,34) | ||
Diabetes mellitus | <0,001 | 0,009f | ||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 3,14 (2,13;4,62) | 2,17 (1,23;3,84) | ||
Insônia | 0,003 | 0,671f | ||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 1,60 (1,19;2,15) | 1,09 (0,73;1,64) | ||
Artrite/artrose | <0,001 | 0,320f | ||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 2,74 (1,74;4,32) | 1,39 (0,72;2,69) | ||
Osteoporose | <0,001 | <0,001f | ||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 3,53 (2,44;5,10) | 2,92 (1,84;4,64) | ||
Problemas cardíacosc | <0,001 | <0,001f | ||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 3,44 (2,30;5,14) | 2,94 (1,90;4,56) | ||
Dislipidemia | <0,001 | 0,451f | ||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 2,46 (1,71;3,53) | 1,24 (0,70;2,19) | ||
Depressão | 0,003 | 0,679f | ||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 2,07 (1,30;3,30) | 1,11 (0,66;1,88) |
a) OR: odds ratio; b) IC95%: intervalo de confiança de 95%; c) Fibrilação, arritmia e insuficiência cardíaca; d) Nível distal (OR ajustada por sexo e raça/cor da pele); e) Nível intermediário (OR ajustada pelas variáveis significativas no modelo anterior acrescidas de autoavaliação de saúde, IMC, mudança de hábitos alimentares/dieta, sinais de sintomas de depressão e ser dependente); f) Nível proximal (OR ajustada pelas variáveis significativas no modelo anterior acrescidas de internação nos últimos 12 meses e morbidades autorreferidas).
Discussão
A prevalência de polifarmácia foi menor em idosos de Rio Branco, Acre, quando comparada às prevalências encontradas em outros estudos.5,6 Os fatores associados no nível distal foram o sexo feminino e ser de raça/cor da pele branca; no nível intermediário, os fatores que se mostraram associados foram a condição de dependência do idoso, segundo a avaliação das atividades da vida diária (AIVD), e a mudança de hábitos alimentares e/ou uso de dieta. No nível proximal, mostraram-se associadas à polifarmácia a internação nos últimos 12 meses e a presença das seguintes morbidades, autorreferidas: hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, osteoporose e problemas cardíacos.
A prevalência do presente estudo é inferior à observada em países desenvolvidos, como se observa ao se consultar um estudo conduzido em 2011, sobre uma população de 12.301.537 idosos italianos com 65 anos ou mais, cuja prevalência de polifarmácia foi de 49,0%;15 ou a prevalência de 39,0% encontrada nos Estados Unidos, em Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (1988-2010) com uma amostra de 13.869 idosos ≥65 anos.5 Trata-se de um valor maior que o encontrado por estudo populacional realizado em Cuiabá, no ano de 2012 (10,3%),16 com 573 idosos; e entretanto, semelhante ao encontrado em um estudo realizado na região metropolitana de Belo Horizonte (14,3%),17 este com 1.598 idosos, no ano de 2003. Contudo, a prevalência estimada neste trabalho sobre os idosos de Rio Branco foi inferior à resultante de uma pesquisa realizada em 2006, com indivíduos de 65 anos e mais residentes em São Paulo: 36,0%.18 Tais informações indicam uma prevalência de polifarmácia no Brasil heterogênea, variando bastante segundo a região geográfica. Essa heterogeneidade pode decorrer das condições socioeconômicas e dos modelos de atenção à saúde adotados, assim como de fatores culturais, demográficos e do estado de saúde dos envolvidos.17
O sexo feminino manteve associação com a polifarmácia em Rio Branco, conforme observado em trabalho conduzido no município de São Paulo, com 1.115 participantes na idade de 65 anos e mais.18 Tal fato pode estar relacionado com o maior número de morbidades crônicas e, por conseguinte, maior procura por atendimento de saúde pelas mulheres. Aqui, cabe lembrar o que já foi reconhecido: elas são mais preocupadas com a condição de saúde e apresentam maior sobrevida que os homens.17
Pessoas consideradas dependentes referiram maior prevalência de polifarmácia que as mais independentes, haja vista o maior número de morbidades encontrar-se em pessoas dependentes, aumentando sua demanda por medicamentos.19 Estudo realizado na Irlanda, no período 2009-2011, com 3.499 idosos de 65 anos e mais, concluiu que o uso simultâneo de cinco ou mais medicamentos resultou em associação com as atividades instrumentais da vida diária (OR=1,68 - IC95% 1,04;2,70). A mesma pesquisa também observou a importância de ações preventivas para os fatores modificáveis associados às limitações funcionais.20 Deve-se ressaltar que, na maioria das vezes, o uso de medicamentos é apropriado. Porém, seu uso inadequado é uma realidade perigosa, sobretudo para a saúde funcional dos idosos.
Verificou-se, também, maior prevalência de polifarmácia em indivíduos que modificaram seus hábitos alimentares ou que fazem dieta regularmente. Essa informação pode ser explicada, ainda que parcialmente, pela orientação para mudança de hábitos alimentares ou prescrição de dieta específica, como resposta a um diagnóstico prévio de doenças relacionadas à obesidade. A perda de peso resulta em melhora da pressão arterial e dos níveis de glicemia21 e, assim, favorece o controle das doenças e o resultado esperado da terapia medicamentosa. No presente estudo, dada a limitação da temporalidade, não foi possível identificar o efeito dessa mudança na dieta.
A prevalência de internações hospitalares aumenta com o envelhecimento, em função da degeneração do estado de saúde, gerando maior demanda farmacoterapêutica. Ter sido internado nos últimos 12 meses apresentou associação positiva com a polifarmácia, como também relata outro estudo.18 As complicações cardiovasculares estão entre as principais causas de internação, segundo o presente estudo, e estão relacionadas com o envelhecimento, que favorece a arteriosclerose, diminuição da distensibilidade da aorta e das grandes artérias, comprometimento da condução cardíaca e redução na função barorreceptora.22
Em Rio Branco, entre as morbidades autorreferidas, a hipertensão arterial e os problemas cardíacos (fibrilação, arritmias e insuficiência cardíaca) foram mais prevalentes. Também foram abordados os efeitos da idade no sistema circulatório, observados anteriormente, assim como o diabetes mellitus e a osteoporose. Tais morbidades mantêm alta prevalência no país e demandam, na maioria dos casos, uso contínuo de medicamentos.23
O diabetes mellitus é uma morbidade crônica, grave, podendo evoluir para complicações, sendo necessários medicamentos de uso contínuo para seu controle.24 Entre idosos, o autocontrole dos níveis glicêmicos de maneira adequada é pouco frequente, aumentando o risco de hipo ou hiperglicemia e, como consequência, complicações micro e macrovasculares que resultam em polifarmácia. Metas de melhoria da qualidade de vida e do aumento da expectativa de vida devem ser o foco de saúde para pacientes idosos diabéticos. Seu alcance é possível, pela manutenção do controle glicêmico, fato que exige um esforço coletivo de profissionais de saúde, familiares, cuidadores, e do próprio paciente.25
Com o avançar da idade, a manifestação de problemas osteomusculares é recorrente e pode resultar em incapacidades e morbimortalidade. Outro estudo encontrou associação da osteoporose ao maior consumo de medicamentos entre idosos, assim como o consumo abusivo de medicamentos também está associado ao aparecimento de osteoporose.26
Independentemente da morbidade, a escolha de fármacos para o tratamento e controle de doenças em idosos deve ser pautada na tomada de decisão compartilhada, devendo-se considerar a presença de comorbidades, polifarmácia, fragilidade física e potenciais efeitos adversos. Desta forma, garante-se aos pacientes idosos a consciência não só dos benefícios, mas também das possíveis complicações advindas do uso dos medicamentos indicados. A utilização de prontuários eletrônicos favorece os profissionais da saúde envolvidos na prescrição de medicamentos, na identificação de risco de eventos adversos e complicações de saúde, sendo importante a implementação de programas de gerenciamento de segurança de medicamentos27 visando seu uso seguro, eficaz e adequado.
Torna-se imprescindível a eliminação de quaisquer dúvidas em relação aos regimes terapêuticos entre os idosos, cuidadores e familiares, para o que se mostra indispensável fornecer instruções precisas. Finalmente, os profissionais de saúde devem avaliar tanto a necessidade de tratar sintomas ou eventos adversos, quanto a de prescrever mais do que cinco medicamentos a um paciente; e sempre, solicitar e realizar uma verificação prévia dos medicamentos em uso, antes da prescrição de novos medicamentos.28
O presente estudo de delineamento transversal de base populacional, com amostra de idosos não institucionalizados residentes em Rio Branco, Acre, revelou a prevalência de polifarmácia nessa população e seus fatores associados. Em virtude desse delineamento, cumpre reconhecer limitações inerentes à pesquisa. Inicialmente, não se pode atestar causalidade entre as variáveis estudadas. Ademais, os dados das morbidades foram obtidos por autorrelato, condição em que a falta de informação sobre o tempo transcorrido desde o diagnóstico pode ser um fator de confundimento para a polifarmácia; entretanto, a necessidade de autorrelato, buscando maior fidedignidade das informações, fez com que os pesquisadores optassem por esse critério de exclusão. Finalmente, a exclusão de indivíduos com comprometimento cognitivo e de comunicação pode ter subestimado a prevalência apresentada.
A prevalência de polifarmácia foi menor que a observada para o conjunto do país, com maior frequência entre as mulheres, pessoas que se autodeclararam de raça/cor da pele branca, idosos com dependência, que realizaram mudança de hábitos alimentares/uso de dieta, que foram internados nos últimos 12 meses e aqueles com hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, osteoporose e problemas cardíacos. Estes segmentos sociais, identificados enquanto grupos mais vulneráveis à polifarmácia, necessitam de ações de farmacovigilância capazes de evitar efeitos da medicação indesejáveis para sua saúde.