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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2337-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.25 n.1 Brasília jan./mar. 2016

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742016000100001

EDITORIAL

 

Desafios para o enfrentamento da epidemia de microcefalia

 

 

Cláudio Maierovitch Pessanha Henriques1; Elisete Duarte1; Leila Posenato Garcia2

1Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Brasília-DF, Brasil
2Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Assessoria Técnica da Presidência, Brasília-DF, Brasil

 

 

Em outubro de 2015, foi observado aumento inesperado no nascimento de crianças com microcefalia, inicialmente em Pernambuco, e posteriormente em outros estados da região Nordeste, meses depois da confirmação da transmissão autóctone da febre pelo vírus Zika no Brasil, em abril do mesmo ano.1 Até 20 de fevereiro de 2016, haviam sido registrados 5.640 casos suspeitos de microcefalia e 583 confirmados.2

Outros países das Américas também foram atingidos pelo vírus Zika. Em 17 de janeiro, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) lançou uma atualização epidemiológica, informando que 18 países e territórios haviam confirmado sua transmissão local: Brasil, Barbados, Colômbia, El Salvador, Equador, Guatemala, Guiana, Guiana Francesa, Haiti, Honduras, Martinica, México, Panamá, Paraguai, Porto Rico, Saint Martin, Suriname e Venezuela. Em 28 de janeiro, Margareth Chan, Diretora-Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), anunciou a convocação de um Comitê Internacional de Regulação de Emergências em Saúde, frente à estimativa de que em 2016 podem ocorrer de 3 a 4 milhões de casos de febre pelo vírus Zika no mundo e dada a forte suspeita de sua relação com casos de microcefalia e de síndromes neurológicas.3 O Comitê reuniu-se em 1° de fevereiro, quando declarou que o agregado de casos de microcefalia e outras desordens neurológicas notificadas no Brasil, após a ocorrência de quadro similar na Polinésia Francesa, em 2014, constituía uma emergência de saúde pública de importância internacional (ESPII).4

As medidas para se proteger do vírus Zika recomendadas pelo Ministério da Saúde do Brasil incluem manter portas e janelas fechadas ou teladas, usar calça e camisa de manga comprida e utilizar repelentes. Entretanto, a principal estratégia - a redução da população do vetor - exige um esforço coletivo, universal e intersetorial.5

O mosquito Aedes aegypti é vetor do vírus Zika, além dos vírus da dengue, da febre de chikungunya e outrora da febre amarela em áreas urbanas. Estas arboviroses começaram a se espalhar pelo hemisfério ocidental seguindo as condições favoráveis à proliferação do mosquito, que deposita ovos em recipientes de água domésticos e alimenta-se de sangue humano.6 A eliminação dos criadouros do mosquito é tarefa complexa nas cidades brasileiras, especialmente em locais onde há condições precárias nas residências e em seu entorno, saneamento inadequado e coleta de lixo irregular.7

Dados do Censo Demográfico 2010 revelam que mais de 7 milhões de domicílios no Brasil (13%) não tinham coleta de lixo e quase 10 milhões de domicílios (17%) não eram abastecidos por rede geral de distribuição de água.8 Em 2011, 71,8% dos municípios brasileiros não possuíam uma política municipal de saneamento básico, ou seja, 3.995 cidades não respeitavam a Lei Nacional de Saneamento Básico, aprovada em 2007. A maioria (60,5%) não tinha acompanhamento algum quanto às licenças de esgotamento sanitário, em relação à drenagem e manejo de águas pluviais urbanas e quanto ao abastecimento de água; e quase a metade (47,8%) não possuía órgão responsável pela fiscalização da qualidade da água.9

Tendo em vista a capacidade de transmissão de diversas doenças e a adaptação do vetor para reprodução em coleções de água com diferentes características, o combate ao Aedes aegypti deve ser priorizado como medida de prevenção, não somente da infecção pelo vírus Zika, mas também das demais arboviroses que ele transmite. Nesse esforço estão envolvidas todas as esferas de governo. Os profissionais da saúde em todo o território nacional têm papel fundamental na mobilização para o combate ao mosquito, e não podem se eximir deste compromisso. Entretanto, as ações sob responsabilidade do setor saúde apresentam limites frente aos determinantes sociais e o SUS historicamente "paga a conta" apresentada pela atuação insuficiente em outras áreas, com consequências adversas para a saúde de indivíduos e populações. A eliminação temporária de criadouros não é suficiente, tampouco sustentável. A aplicação de larvicidas e inseticidas também não é sustentável e tem potenciais implicações para a saúde humana e para o meio ambiente. Em suma, o controle vetorial somente poderá ser alcançado se as iniciativas do setor saúde forem acompanhadas por ações efetivas nas áreas de educação, moradia, saneamento básico, resíduos sólidos e urbanismo.

A grave epidemia da microcefalia chama a atenção para a necessidade urgente de grandes investimentos voltados à melhoria das condições de vida das populações urbanas no Brasil. Se, por um lado, a falta de água nas moradias faz com que seja necessário o armazenamento doméstico, criando-se locais propícios para a reprodução do mosquito, por outro lado, as chuvas favorecem o acúmulo de água em moradias precárias ou onde há resíduos depositados, gerando ambientes favoráveis à proliferação do vetor. A implantação massiva da coleta seletiva de resíduos sólidos, com a separação e destino adequado para os resíduos recicláveis, é uma medida importante não somente para o controle vetorial, mas também sob a perspectiva ambiental. Os esgotos a céu aberto, onde também se encontra lixo depositado, são outra fonte inesgotável de criadouros para o Aedes aegypti - além de outros vetores - e precisam ser eliminados. Vale destacar que condições favoráveis de acesso à água e ao saneamento são fundamentais para a prevenção das arboviroses e estão associadas a maior expectativa de vida e menor mortalidade, tendo, ademais, impactos positivos sobre a mortalidade infantil, na infância e materna.10

A vigilância e a atenção adequada às crianças com microcefalia devem continuar sendo priorizadas. O Ministério da Saúde lançou os protocolos de vigilância e de atenção à saúde e resposta à ocorrência de microcefalia relacionada à infecção pelo vírus Zika,5,11 além do protocolo de estimulação precoce de crianças com microcefalia12 e tem empenhado esforços e recursos para esta finalidade. O Governo Federal divulgou as estratégias para o enfrentamento à microcefalia, divididos em três eixos: (i) combate ao mosquito; (ii) atendimento às pessoas; e (iii) desenvolvimento tecnológico, educação e pesquisa.13 Para a execução das ações, foi instalada a Sala Nacional de Coordenação e Controle para o Enfrentamento à Microcefalia. O Governo Federal também anunciou que as mães de crianças diagnosticadas com microcefalia com renda familiar per capita inferior a R$ 220,00 poderiam se inscrever para receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC), com o valor de um salário mínimo.14

Apesar do declínio na fecundidade, ocorrem no Brasil aproximadamente 3 milhões de nascimentos a cada ano.15 Com o rápido espalhamento da epidemia do vírus Zika, principal agente suspeito na causalidade da microcefalia, é possível esperar um crescimento dos casos novos desse agravo, mesmo com a adoção das medidas abrangentes para a prevenção de sua transmissão.

Não existe solução única para o enfrentamento da epidemia. Deve-se lançar mão de todas as estratégias, desde que sejam seguras e efetivas. Ações coordenadas de controle do vetor, contínuas e universalizadas em cada município, são necessárias, não somente para a proteção das gestantes e bebês, mas de toda a população.

Complementarmente, é preciso conhecer mais sobre o vírus Zika e as complicações causadas pela infecção. Estudos epidemiológicos, clínicos, entomológicos e de ciências básicas estão em andamento em várias instituições brasileiras e com cooperação internacional. Um exemplo de resultado destes estudos é o kit desenvolvido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que permite realizar a identificação simultânea do material genético dos vírus da dengue, Zika e chikungunya.16 O desenvolvimento de uma vacina contra o vírus Zika também é uma possibilidade, em médio prazo, bem como de outras tecnologias.

Por sua vez, a divulgação de informações confiáveis e de maneira oportuna é fundamental para a orientação aos profissionais de saúde e à população. Para isso, a Epidemiologia e Serviços de Saúde: revista do Sistema Único de Saúde do Brasil (RESS) é um instrumento importante e se coloca à disposição para acolher e publicar artigos que possam contribuir para o aprimoramento das ações de vigilância em saúde relacionadas ao controle vetorial, às arboviroses e à microcefalia.

Além disso, a RESS disponibilizou em seu sítio eletrônico (http://ress.iec.gov.br) uma página contendo fontes de informação relevantes sobre dengue, chikungunya, zika e Aedes aegypti, com o objetivo de contribuir para a divulgação de informações atuais e confiáveis acerca desses temas.

 

Referências

1. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Monitoramento dos casos de dengue, febre de chikungunya e febre pelo vírus Zika até a Semana Epidemiológica 52, 2015. Bol Epidemiol. 2016;47(3):1-10

2. Ministério da Saúde (BR). Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública sobre Microcefalias. Informe epidemiológico n° 14: semana epidemiológica (SE) 07/2016 (14 a 20/02/2016): monitoramento dos casos de microcefalia no Brasil. Inf Epidemiol. 2016;14(7):1-4.

3. World Health Organization. WHO to convene an International Health Regulations Emergency Committee on Zika virus and observed increase in neurological disorders and neonatal malformations [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2016 [cited 2016 Feb 3]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/news/statements/2016/emergency-committee-zika/en/

4. World Health Organization. WHO statement on the first meeting of the International Health Regulations (2005) (IHR 2005) Emergency Committee on Zika virus and observed increase in neurological disorders and neonatal malformations [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2016 [cited 2016 Feb 3]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/news/statements/2016/1st-emergency-committee-zika/en/

5. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Protocolo de vigilância e resposta à ocorrência de microcefalia [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2015 [citado 2016 fev 3]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2016/janeiro/22/microcefalia-protocolo-de-vigilancia-e-resposta-v1-3-22jan2016.pdf

6. Fauci AS, Morens DM. Zika virus in the Americas: yet another arbovirus threat. N Engl J Med. 2016 Feb;374:601-4

7. Braga IA, Valle D. Aedes aegypti: histórico do controle no Brasil. Epidemiol Serv Saude. 2007 jun;16(2):113-8

8. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (BR). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010: características da população e dos domicílios: resultados do universo [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011 [citado 2016 fev 3]. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/93/cd_2010_caracteristicas_populacao_domicilios.pdf

9. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (BR). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Pesquisa de informações básicas municipais: perfil dos municípios brasileiros 2011 [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2012 [citado 2016 fev 3]. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Perfil_Municipios/2011/munic2011.pdf

10. Mujica OJ, Haeberer M, Teague J, Santos-Burgoa C, Galvão LAC. Health inequalities by gradients of access to water and sanitation between countries in the Americas, 1990 and 2010. Rev Panam Salud Publica. 2015 Nov;38(5):347-54.

11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Protocolo de atenção à saúde e resposta à ocorrência de microcefalia relacionada à infecção pelo vírus zika [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [citado 2016 fev 3]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/protocolo-sas-2.pdf

12. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes de estimulação precoce: crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor decorrente de microcefalia: plano nacional de enfrentamento à microcefalia [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [citado 2016 fev 29]. Disponível em: http://www.saude.go.gov.br/public/media/ZgUINSpZiwmbr3/20066922000062091226.pdf

13. Ministério da Saúde (BR). Prevenção e combate Dengue, Chikungunya e Zika. Plano nacional de enfrentamento [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [citado 2016 fev 3]. Disponível em: http://combateaedes.saude.gov.br/plano-nacional

14. Portal Brasil. Cidadania e justiça: benefício para pessoas com deficiência e idosos também pode ajudar em casos de microcefalia [Internet]. Brasília: Portal Brasil; 2016 [citado 2016 fev 3]. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2016/01/entenda-como-funciona-o-beneficio-de-prestacao-continuada

15. Maranhão AGK, Vasconcelos AMN, Zoca B, Porto D, Poncioni I, Lecca R. Como nascem os brasileiros. In: Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Saúde Brasil 2014: uma análise da situação de saúde e das causas externas [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2015 [citado 2016 fev 3]. p. 23-43. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_brasil_2014_analise_situacao.pdf

16. Fundação Oswaldo Cruz. Fiocruz anuncia inovação no diagnóstico simultâneo de zika, dengue e chikungunya [Internet]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2016 [citado 2016 fev 3]. Disponível em: http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/fiocruz-anuncia-inovacao-no-diagnostico-simultaneo-de-zika-dengue-e-chikungunya