Introdução
O suicídio consiste em um fenômeno complexo, relacionado a múltiplos fatores variáveis no tempo e no espaço, que resulta na morte intencionalmente autoprovocada.1,2 Ele se configura como um grave problema de Saúde Pública, apontado como uma das dez principais causas de morte no mundo.1
Anualmente, aproximadas 800 mil pessoas morrem por suicídio no mundo, o que corresponde a uma taxa global ajustada de 11,4 por 100 mil habitantes (15,0 para os homens e 8,0 para as mulheres).2 No Brasil, de 2000 a 2012, foram registrados 112.103 óbitos por suicídio em maiores de 10 anos de idade, com aumento de 26,5% na taxa de mortalidade, que passou de 4,9 em 2000 para 6,2 por 100 mil habitantes em 2012.3
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a idade é fator importante na ocorrência do suicídio. Taxas de mortalidade mais elevadas entre pessoas com 70 anos ou mais, em comparação com idades mais precoces, são observadas em quase todas as regiões do mundo.2
Em nível global, a taxa de mortalidade por suicídio entre homens com idade ≥65 anos, na década de 1990, situava-se em torno de 41 óbitos por 100 mil habitantes, atingindo valor ainda maior quando considerados apenas aqueles com idade ≥75 anos (50 óbitos/100 mil habitantes).2 No Brasil, de 2000 a 2014, aproximadamente, 19 mil pessoas ≥60 anos morreram em decorrência de suicídio,4 e embora a taxa de mortalidade seja relativamente baixa no país - em relação a outros -, o risco de suicídio na população idosa representa o dobro do estimado para a população geral.5
A maior vulnerabilidade ao suicídio entre indivíduos com 60 anos ou mais, em decorrência de problemas de saúde e alterações nos papéis sociais, torna por si relevante conhecer a magnitude do problema. Além disso, essas pessoas recebem pouca atenção das autoridades da Saúde Pública, de pesquisadores e da mídia, os quais, em suas reflexões e ações, costumam priorizar grupos populacionais mais jovens.6
Soma-se, como mais uma justificativa para a realização deste estudo, a escassez de trabalhos científicos sobre a temática no Brasil, sobretudo em locais onde é evidenciado um crescimento na ocorrência desse evento, a exemplo da região Nordeste, com destaque para os estados do Ceará e Bahia, que representaram, juntos, mais de 40% das mortes por suicídio na região no período de 2010 a 2013.4
Buscando fornecer subsídios que ampliem o conhecimento sobre o tema e auxiliem o setor Saúde em suas ações preventivas a partir da identificação de grupos vulneráveis, este estudo teve por objetivo descrever os aspectos sociodemográficos e a evolução temporal da mortalidade por suicídio em idosos no estado da Bahia, Brasil, no período de 1996 a 2013.
Métodos
Trata-se de um estudo descritivo e ecológico de séries temporais.
Em 2010, o estado da Bahia apresentava uma população de 14.016.906 habitantes, dos quais 1.450.008 (10,3%) tinham 60 anos ou mais de idade.7 No mesmo ano, 4.760.071 (34%) dos habitantes do estado apresentavam ensino de Fundamental completo a Superior completo, e o rendimento médio mensal domiciliar per capita daqueles com 10 anos ou mais de idade era de 947,25 reais.7
Os dados sobre óbitos por suicídio foram obtidos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), disponível no sítio eletrônico do Departamento de Informação do Sistema Único de Saúde (Datasus) do Ministério da Saúde. O período do estudo (1996 a 2013) foi determinado por corresponder aos anos de abrangência da atual Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, em sua 10ª revisão (CID-10).
Foram incluídos todos os óbitos de indivíduos com 60 anos ou mais de idade, residentes do estado da Bahia e que tiveram como causa básica o suicídio, classificado na CID-10 como ‘causas externas de morbimortalidade’, sob os códigos X60 a X84. As categorias da CID-10 correspondentes ao suicídio foram:
- autointoxicação por medicamentos, substâncias biológicas e não especificadas (X60-X64);
- autointoxicação intencional por álcool (X65);
- autointoxicação intencional por pesticidas e produtos químicos (X68-X69);
- lesão autoprovocada intencional por enforcamento e estrangulamento (X70);
- lesão autoprovocada intencional por afogamento/submersão (X71);
- lesão autoprovocada intencional por arma de fogo (X72-X74);
- lesão autoprovocada intencional por fumaça, fogo e gás (X75-X77);
- lesão autoprovocada intencional por arma branca e objetos contundentes (X78-X79);
- lesão autoprovocada intencional por precipitação de lugar elevado (X80);
- lesão autoprovocada intencional por meio não especificado (X84); e
- demais causas (X81-X83; X66-X67)
Para caracterização dos óbitos, foram consideradas as seguintes variáveis:
- sexo (masculino; feminino);
- faixa etária (em anos: 60 a 69; 70 a 79; 80 ou mais);
- cor da pele/raça (branca; preta; parda; amarela; indígena);
- estado civil (solteiro; casado; viúvo; divorciado/separado; outro); e
- escolaridade (em anos de estudo: nenhum; 1 a 7; 8 a 11; 12 ou mais).
A distribuição dos óbitos por grupos de causas foi descrita segundo sexos e faixas etárias.
Para análise da evolução temporal, foram calculadas as taxas de mortalidade por suicídio em idosos (por 100 mil habitantes), total e segundo sexos. As taxas foram ajustadas por idade, pelo método direto, utilizando-se a população idosa brasileira de 2010 como referência. Os dados populacionais foram obtidos da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), acessíveis pelo sítio eletrônico do Datasus, sendo referentes à contagem da população (1996), censos demográficos (2000; 2010), projeções intercensitárias (1997 a 1999; 2001 a 2012) e projeções da população (2013).
Na análise de tendência temporal, utilizaram-se os procedimentos de regressão linear generalizada de Prais-Winsten, que considera a autocorrelação serial. Para isso, estimou-se a variação percentual anual (em inglês, anual percent change [APC]) e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%).8 Os valores de p foram obtidos pelo teste de Wald. Foi adotado o nível de significância estatística de 5%. Para tabulação, análise descritiva e cálculo das taxas, foi utilizado o programa Microsoft Office Excel 2010, e para análise de tendência, o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21.0.
Este estudo atendeu aos preceitos éticos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 510, de 7 de abril de 2016.9 Por utilizar apenas dados disponíveis publicamente e sem identificação dos sujeitos, foi dispensada a submissão a Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).
Resultados
No período de 1996 a 2013, foram identificados 858 óbitos por suicídio no estado da Bahia, entre indivíduos com 60 anos ou mais de idade. Ao distribuir esses óbitos segundo as características sociodemográficas (Tabela 1), observou-se que 85,4% eram do sexo masculino, 53,8% do grupo etário de 60 a 69 anos, 54,0% de cor da pele/raça parda e 43,9% casados. Quanto à escolaridade, 33,5% tinham de 1 a 7 anos de estudo. Merece destaque a proporção de dados não informados para as variáveis cor da pele/raça (17,7%), estado civil (15,3%) e escolaridade (36,6%) (Tabela1).
Características | N | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Masculino | 733 | 85,4 |
Feminino | 125 | 14,6 |
Faixa etária (em anos) | ||
60-69 | 462 | 53,8 |
70-79 | 282 | 32,9 |
≥80 | 114 | 13,3 |
Cor da pele/raça | ||
Branca | 175 | 20,4 |
Preta | 63 | 7,3 |
Parda | 463 | 54,0 |
Amarela | 4 | 0,5 |
Indígena | 1 | 0,1 |
Sem informação | 152 | 17,7 |
Estado civil | ||
Solteiro | 207 | 24,1 |
Casado | 377 | 43,9 |
Viúvo | 110 | 12,8 |
Divorciado/separado | 30 | 3,5 |
Outro | 3 | 0,4 |
Sem informação | 131 | 15,3 |
Escolaridade (em anos de estudo) | ||
Nenhum | 194 | 22,6 |
1-7 | 287 | 33,5 |
8-11 | 50 | 5,8 |
≥12 | 13 | 1,5 |
Sem informação | 314 | 36,6 |
Quanto aos meios utilizados, 64,3% dos óbitos decorreram de lesões autoprovocadas intencionalmente por enforcamento e estrangulamento, seguidas de autointoxicação por pesticidas e produtos químicos, com 13,1%. Resultados semelhantes foram evidenciados na distribuição estratificada por sexo (66,9% e 12,7% no sexo masculino; 49,6% e 15,2% no sexo feminino) e por faixa etária (64,5% e 12,8% no grupo de 60 a 69 anos; 63,8% e 13,5% no de 70 a 79 anos; 64,9% e 13,2% no de 80 anos ou mais) (Tabela 2).
Categorias da CID-10 a | Total | Sexo | Faixa etária | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Masculino | Feminino | 60 a 69 | 70 a 79 | 80 e mais | ||||||||
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
Autointoxicação por medicamentos, substâncias biológicas e não especificadas | 8 | 0,9 | 5 | 0,7 | 3 | 2,4 | 7 | 1,5 | - | - | 1 | 0,9 |
Autointoxicação por álcool | 3 | 0,4 | 3 | 0,4 | - | - | 2 | 0,4 | 1 | 0,3 | - | - |
Autointoxicação por pesticidas e produtos químicos | 112 | 13,1 | 93 | 12,7 | 19 | 15,2 | 59 | 12,8 | 38 | 13,5 | 15 | 13,2 |
Lesão autoprovocada por enforcamento e estrangulamento | 552 | 64,3 | 490 | 66,9 | 62 | 49,6 | 298 | 64,5 | 180 | 63,8 | 74 | 64,9 |
Lesão autoprovocada por afogamento/submersão | 14 | 1,6 | 6 | 0,8 | 8 | 6,4 | 8 | 1,8 | 3 | 1,1 | 3 | 2,6 |
Lesão autoprovocada por arma de fogo | 68 | 7,9 | 66 | 9,0 | 2 | 1,6 | 42 | 9,1 | 21 | 7,4 | 5 | 4,4 |
Lesão autoprovocada por dispositivos explosivos | 18 | 2,1 | 7 | 0,9 | 11 | 8,8 | 7 | 1,5 | 5 | 1,8 | 6 | 5,3 |
Lesão autoprovocada por arma branca e objetos contundentes | 12 | 1,4 | 11 | 1,5 | 1 | 0,8 | 6 | 1,3 | 5 | 1,8 | 1 | 0,9 |
Lesão autoprovocada por precipitação de lugar elevado | 26 | 3,0 | 18 | 2,5 | 8 | 6,4 | 14 | 3,0 | 8 | 2,8 | 4 | 3,5 |
Lesão autoprovocada por meio não especificado | 33 | 3,9 | 27 | 3,7 | 6 | 4,8 | 12 | 2,6 | 18 | 6,4 | 3 | 2,6 |
Demais causas autoprovocadas | 12 | 1,4 | 7 | 0,9 | 5 | 4,0 | 7 | 1,5 | 3 | 1,1 | 2 | 1,7 |
Total | 858 | 100,0 | 733 | 100,0 | 125 | 100,0 | 462 | 100,0 | 282 | 100,0 | 114 | 100,0 |
a) CID-10: Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - Décima Revisão.
A evolução temporal das taxas de mortalidade por suicídio em idosos está apresentada na Tabela 3. Verificou-se um crescimento de 206,3% na taxa de mortalidade por suicídio em idosos na Bahia, que passou de 2,2/100 mil habitantes em 1996 para 6,8/100 mil habitantes em 2013, com incremento anual de 11,0% (IC95% 6,9;15,3) e tendência crescente e significativa. No sexo masculino, verificaram-se taxas mais elevadas (3,9 em 1996 e 12,7 em 2013), com tendência crescente e significativa (APC 12,1%; IC95% 7,1;17,3), enquanto no sexo feminino foram observadas taxas mais baixas (0,8 em 1996 e 2,0 em 2013), com estabilidade ao longo do período (Tabela 3).
Sexo | 1996 | 1997 | 1998 | 1999 | 2000 | 2001 | 2002 | 2003 | 2004 | 2005 | 2006 | 2007 | 2008 | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | APC % a | IC 95% b | p-valor c | Tendência |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Masculino | 3,9 | 6,6 | 4,9 | 3,8 | 6,2 | 4,8 | 5,1 | 7,5 | 5,4 | 9,1 | 7,8 | 10,8 | 10,0 | 8,0 | 8,2 | 6,8 | 8,5 | 12,7 | 12,1 | 7,1; 17,3 | <0,001 | Crescente |
Feminino | 0,8 | 1,6 | 0,2 | 1,0 | 0,9 | 1,0 | 0,5 | 0,7 | 1,1 | 1,8 | 1,0 | 0,3 | 0,5 | 1,4 | 1,1 | 1,5 | 1,2 | 2,0 | 9,9 | -2,9; 24,3 | 0,126 | Estável |
Total | 2,2 | 3,9 | 2,4 | 2,3 | 3,3 | 2,8 | 2,7 | 3,8 | 3,1 | 5,1 | 4,0 | 5,0 | 4,8 | 4,4 | 4,3 | 3,9 | 4,5 | 6,8 | 11,0 | 6,9; 15,3 | <0,001 | Crescente |
a) APC: annual percent change ou variação percentual anual.
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
c) Teste de Wald.
Discussão
Na Bahia, a mortalidade por suicídio em idosos predomina no sexo masculino, no grupo etário de 60 a 69 anos. Observou-se tendência crescente na taxa de mortalidade por suicídio na totalidade de idosos; em particular no sexo masculino, cuja taxa foi, aproximadamente, 4 a 10 vezes superior à do feminino, nos anos estudados.
O crescimento evidenciado neste estudo mostrou-se mais acentuado quando comparado ao do conjunto do Brasil (16,2%) e ao da região Nordeste (57,2%), no período de 2000 a 2012;3 e a outros estados brasileiros, como Minas Gerais (42,9%)10 de 1999 a 2008, e Ceará (145,8%) de 1980 a 2009.11
Sobre esse aspecto, é importante ressaltar que o crescimento evidenciado pode ser consequência não apenas do aumento do número de casos, mas também dos possíveis avanços de cobertura do SIM e de preenchimento das declarações de óbito (DO), em virtude de uma melhor identificação e classificação do suicídio como causa da morte.
No Brasil, a dificuldade para se dimensionar o suicídio resulta da incompletude dos registros12 e de razões culturais. Outros problemas de qualidade são identificados, muitos deles decorrentes, por um lado, das informações que padecem de precisão em sua fonte de registro - como na Polícia e nos Institutos de Medicina Legal -, e por outro lado, da comoção social relacionada ao suicídio, não apenas dos idosos senão também dos indivíduos em geral, em virtude do estigma e do preconceito social associados ao evento.12
Vários são os fatores relacionados ao suicídio em idosos. Entre eles, pode-se destacar os transtornos mentais, sobretudo a depressão, o mal-estar físico ou presença de doenças terminais, acompanhado do medo do prolongamento da vida sem dignidade, os problemas de ordem social, como isolamento, falta de uma rede de apoio e solidão, além das ideações, tentativas prévias e facilidade no acesso aos meios utilizados para consumação do ato.6,13 Ademais, momentos estressantes como a perda de familiares, fatores psicossociais como o alcoolismo e o uso de outras drogas, que interferem nos aspectos psicológicos, psiquiátricos e biológicos do idoso, podem levar esse indivíduo à autodestruição.13-15
No presente estudo, as mortes autoinfligidas envolvendo idosos predominaram no sexo masculino, com tendência crescente da taxa de mortalidade. Este resultado corrobora o verificado para o Brasil (2000 a 2012)3 e outros estados, como Minas Gerais (1999 a 2008)10 e Espirito Santo (1980 a 2006).16
Entre as possíveis justificativas para esse achado estão as fragilidades ligadas ao sexo, que constituem fatores importantes na explicação da ocorrência do suicídio.17 Na velhice, por exemplo, a masculinidade que valoriza o estoicismo, o controle das emoções, o machismo e a competitividade tende a se intensificar, e o fato de outros adultos assumirem as funções de chefia na família e na sociedade, antes exercidas pelo idoso, leva-o a sentir-se inútil, incapaz, impotente e humilhado.18 Outrossim, o afastamento do trabalho por conta da aposentadoria ou adoecimento crônico, as dificuldades financeiras e os problemas de relacionamento ou de desempenho sexual são potenciais motivadores para o comportamento suicida em idosos.18
A menor frequência de suicídio encontrada em idosas confirma achados de estudos de âmbito nacional10,11,14 e internacional,19 possivelmente justificados pelo fato de as mulheres cuidarem mais da saúde e da sociabilidade. Mesmo na velhice, elas continuam a exercer função de cuidadoras, executam as atividades domésticas e mantêm uma relação próxima e comunicativa com os familiares e com sua comunidade, além de, culturalmente, mostrarem-se mais resistentes à dor e ao sofrimento.17
A maioria dos idosos do estado da Bahia que cometeram suicídio tinham entre 60 a 69 anos, resultado semelhante ao encontrado no Espírito Santo (1980 a 2006)16 e em Santa Catarina (2009),20 e divergente dos apontados em estudos realizados no Rio Grande do Sul (1980 a 1999)14 e em países como a China (2013 a 2014),21 que mostraram o grupo dos idosos longevos (80 anos ou mais) como os mais envolvidos com os pensamentos, tentativas e execução do suicídio.
A condição de solteiro, viúvo ou separado, ao contribuir para o isolamento social, é referida como fator de risco para o suicídio,11,14 conforme evidenciado no presente estudo, uma vez que quase metade dos idosos que cometeram suicídio estavam nessas condições. Quanto à cor da pele/raça, observou-se entre os casos uma maior proporção de idosos pardos, semelhantemente ao revelado em estudo conduzido na cidade de Recife-PE (2009),22 possível reflexo da maioria da população dessas localidades se autodeclarar parda.
Ainda sobre os aspectos sociais, estudos realizados no Brasil (2000 a 2012)3 e em países como a Malásia (2009)15 apontam maior número de tentativas e de ocorrência de suicídio em grupos populacionais com menor escolaridade (até 7 anos de estudos), fato também verificado nesta pesquisa. Entretanto, ressalta-se a elevada proporção de casos sem o preenchimento dessa variável, problema também identificado em estudo realizado no estado do Ceará, no período 1997-2007.23
Na Bahia, a análise da completude dos dados sobre suicídio de idosos entre os anos de 1996 e 2010, a partir do SIM, demonstrou que, apesar do avanço no registro do campo escolaridade, sua completude continuava a apresentar escore ruim (não completude de 20 a 50%).12 Este dado revela uma fragilidade na qualidade do preenchimento das DO, apontando a necessidade de aprimoramento da qualidade dos registros, e para a obtenção de informações referentes às circunstâncias dos óbitos, bem como dos grupos populacionais sob maior risco.
No que se refere aos métodos empregados, destacaram-se, em ambos os sexos e nas distintas faixas etárias, o enforcamento e estrangulamento, seguidos pela autointoxicação por pesticidas e produtos químicos, resultados semelhantes aos apontados em estudos realizados no município de Recife-PE (2009)23 e em países como Cuba (1987-2014)19 e Malásia (2009).15
A ampla disponibilidade e a facilidade no acesso aos potentes agentes tóxicos, como os produtos químicos industriais, domissanitários, cosméticos, raticidas, assim como a diversidade de medicamentos utilizados no decorrer do processo de envelhecimento, podem favorecer a ocorrência de suicídio em idosos.24 Para os casos de difícil controle, como o enforcamento/estrangulamento, mostra-se decisivo o monitoramento por parte dos profissionais de saúde e de serviços especializados, como também a orientação dos familiares e de outras pessoas de convívio próximo do idoso quando da identificação de momentos emergenciais, com o intuito de impedir tentativas de suicídio.3
No Brasil, percebe-se que quando se trata de suicídio envolvendo idosos, pouco ou nada se discute no âmbito das políticas públicas de saúde, a exemplo da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências (PNRMAV)25 e da Política Nacional de Saúde Mental,26 que enfatizam em seus textos a ocorrência do evento na população jovem, para quem direcionam as ações de prevenção e controle. Observação similar se aplica à própria Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa,27 que não contempla em suas diretrizes o fenômeno, ao mencionar no campo das violências apenas ações de combate à violência doméstica e institucional ao idoso, o que demostra a importância da retomada das discussões acerca das políticas e ações de promoção da saúde da pessoa idosa no país, sobretudo na prevenção do suicídio.
Sobre as limitações deste estudo, destaca-se a utilização de dados do SIM, com possível subnotificação de casos em função do sub-registro e/ou falhas no preenchimento das declarações de óbito.28 O elevado número de casos cuja causa básica da morte é classificada como mal definida ou causa externa por intenção indeterminada, reforça a possibilidade de subnotificação de óbitos por suicídio.12,28 Ademais, a incompletude dos dados, principalmente de variáveis como escolaridade, cor da pele/raça e estado civil, pode ter dificultado uma melhor caracterização dos casos, e com isso, a identificação de grupos vulneráveis.
Não obstante essas limitações, os resultados encontrados apontam para a importância da interação entre o setor Saúde e outros dispositivos sociais, visando garantir o apoio e proteção da pessoa idosa, sendo evidente a necessidade do desenvolvimento de ações que promovam o bem-estar, a autonomia e a sociabilidade dessa população, de modo a contribuir para a qualidade de vida e, consequentemente, redução das mortes intencionalmente autoprovocadas.