Introdução
O auxílio-doença previdenciário é o benefício pago pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) a todos os trabalhadores segurados que se encontram temporariamente incapacitados para executar suas atividades laborais por agravo à saúde de natureza geral, não associado aos acidentes de trabalho, tampouco a doenças profissionais ou do trabalho.1 Esse benefício é bom indicador das principais causas de adoecimento na população adulta trabalhadora brasileira, particularmente dos estados de saúde resultantes de condições clínicas mais severas,1 como é o caso dos cânceres bucal e de orofaringe.
Os cânceres bucal e de orofaringe são considerados importantes problemas de Saúde Pública em várias regiões do planeta,2,3 o que implica uma taxa de mortalidade de 3,90/100 mil habitantes e uma taxa de incidência de 7,10/100 mil no mundo (dados referentes a 2012).4 No Brasil, segundo o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca), foram estimados, para o ano de 2016, 15.490 novos casos de câncer bucal na população.5
O aumento das concessões de benefícios e gastos relacionados à incapacidade laborativa não é uma realidade exclusivamente brasileira. Na Grã-Bretanha, de 1985 a 1995, houve um aumento contínuo dos benefícios previdenciários, especialmente aqueles com maior prazo de duração6 como são os casos de câncer.
O estudo da tendência dos benefícios previdenciários por câncer bucal pode auxiliar no planejamento de políticas públicas para o setor Saúde. Tais análises podem refletir o impacto econômico que esse agravo gera para a Previdência Social, instituição estatal responsável pelo custeio desses benefícios. Analisar a tendência de cada região anatômica acometida pode indicar qual ou quais delas merecem especial atenção, de forma a subsidiar medidas preventivas. A análise apresentada a seguir, com base na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) e seus 21 grandes grupos,7 pode auxiliar no planejamento de intervenções entre trabalhadores de eventuais grupos prioritários.
Este estudo teve o objetivo de analisar as tendências de concessão de auxílios-doença previdenciários por câncer bucal e de orofaringe no período de 2006 a 2013, no Brasil, segundo regiões anatômicas específicas, ademais de descrever a distribuição desses benefícios segundo a CNAE dos trabalhadores acometidos.
Métodos
Estudo ecológico de séries temporais com dados secundários, obtidos do banco de dados do Ministério da Previdência Social.
Os dados foram extraídos da base da Previdência Social, estatísticas de saúde e segurança ocupacional. Esta base de dados dispõe de informações referentes à região anatômica do câncer bucal, de acordo com a Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) e a CNAE geradora do benefício. Os dados possuem limitações operacionais: não existe possibilidade de acesso às informações sociodemográficas dos trabalhadores que receberam o benefício, nem a sua região geográfica de residência. Para analisar a relação entre os benefícios previdenciários segundo códigos da CID-10 e CNAE geradora, os dados foram solicitados diretamente ao Ministério da Previdência Social via portal de acesso à informação do governo federal (http://www.acessoainformacao.gov.br/). Esses dados correspondem a uma população de aproximadamente 49 milhões de trabalhadores, referente ao mês de dezembro de 2013.
Foram incluídos todos os registros de auxílios-doença previdenciários (informações sobre saúde e segurança ocupacional) por câncer bucal e de orofaringe concedidos durante os anos de 2006 a 2013, no Brasil.8 As doenças estudadas foram identificadas pelos códigos da CID-10 compreendidos no intervalo de C00 a C14, sendo C00 a C09 os cânceres bucais e C10 a C14 os cânceres de orofaringe.
A taxa de benefícios por trabalhadores foi calculada mediante a divisão do número de benefícios concedidos a cada ano pelo número de trabalhadores segurados (no mês de dezembro de cada ano correspondente). A taxa foi calculada para o total dos cânceres de boca e orofaringe, de acordo com as regiões anatômicas específicas, conforme os códigos da CID-10: C00 (Lábios); C01 (Língua); C02 (Outras partes); C03 (Gengivas); C04 (Assoalho da boca); C05 (Palato); C06 (Não específicas); C07 (Parótidas); C08 (Glândulas salivares); C09 (Amígdalas); C10 (Orofaringe); C11 (Nasofaringe); C12 (Seio piriforme); C13 (Hipofaringe); e C14 (Outras).
Todas essas informações foram compiladas em uma planilha do aplicativo Microsoft Excel e exportadas para o programa estatístico STATA versão 14. Para a taxa de benefícios referente a cada região anatômica, foram realizadas regressões generalizadas lineares pelo método de estimação de Prais-Winstein, considerando-se a autocorrelação serial inerente às análises de séries temporais. Em seguida, foram calculadas as variações percentuais anuais (VPA) - tradução do inglês annual percentage change (APC) -, com intervalo de confiança de 95% (IC95%). Foram usadas as seguintes fórmulas:9,10
As tendências dos benefícios por câncer bucal e de orofaringe foram classificadas em crescentes, estáveis ou decrescentes. Elas foram consideradas crescentes quando os coeficientes de regressão foram positivos, decrescentes quando foram negativos, e estáveis quando não foram significativamente diferentes de zero (p>0,05).10
Fez-se a distribuição percentual dos benefícios previdenciários, concedidos de acordo com os 21 grandes grupos da CNAE: 1) Agricultura, 2) Indústrias extrativas, 3) Indústrias de transformação, 4) Eletricidade e gás, 5) Água, esgoto e resíduos, 6) Construção, 7) Comércio, 8) Transporte e correio, 9) Alojamento e alimentação, 10) Informação e comunicação, 11) Financeiras, 12) Imobiliárias, 13) Profissionais e científicas, 14) Administrativas 15) Administração pública 16) Educação 17) Saúde humana e serviços 18) Artes, cultura, esporte e recreação, 19) Outros serviços, 20) Serviços domésticos e 21) Organismos internacionais, além da categoria ‘Ignorada’ (quando não havia a informação da respectiva CNAE). Foram considerados os anos de 2009 a 2013, tendo em vista a indisponibilidade dos dados de 2006, 2007 e 2008.
O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul em 24 de abril de 2016: Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) no 52944916.4.0000.0021.
Resultados
No período 2006-2013, a taxa dos benefícios concedidos por câncer bucal e de orofaringe (C00-C14) foi de 6,28/100 mil trabalhadores segurados pelo INSS (Tabela 1). Houve crescimento anual percentual de 9% (IC95% 1,41;17,45) para ambos tipos de câncer, sendo esse crescimento de 7,90% (IC95% 1,60;14,59) para câncer bucal (C00-C09) e de 10,86% (IC95% 0,33;22,51) para câncer de orofaringe (C10-C14) (Figura 1).
Ano | Benefícios | Trabalhadores | Taxas (por 100 mil) |
---|---|---|---|
2006 | 1.740 | 35.000.000 | 4,97 |
2007 | 2.104 | 37.610.000 | 5,59 |
2008 | 2.677 | 39.640.000 | 6,75 |
2009 | 2.623 | 41.210.000 | 6,36 |
2010 | 2.879 | 44.070.000 | 6,53 |
2011 | 3.038 | 46.310.000 | 6,56 |
2012 | 3.146 | 47.460.000 | 6,63 |
2013 | 3.330 | 49.000.000 | 6,80 |
Média | 2.692 | 42.537.500 | 6,28 |
Houve diferenças nas tendências, segundo as regiões anatômicas de localização do câncer bucal e de orofaringe. As regiões de lábio (C00), língua (C01), gengiva (C03), não específicas (C06), parótida (C07), glândulas salivares (C08), amigdalas (C09), hipofaringe (C13) e outras localizações (C14) exibiram tendências estáveis. A região de seio piriforme (C12) apresentou declínio, enquanto outras partes (C02), assoalho da boca (C04), palato (C05), orofaringe (C10) e nasofaringe (C11) apresentaram tendências de crescimento (Tabela 2).
CID-10 a | Região anatômica | VPA b | IC 95% c | p-valor | Interpretação |
---|---|---|---|---|---|
C00 | Lábio | 2,43 | -12,24;19,56 | 0,72 | Estável |
C01 | Língua | 4,94 | -3,84;14,52 | 0,23 | Estável |
C02 | Outras partes | 15,48 | 5,46;26,18 | 0,01 | Crescimento |
C03 | Gengiva | -10,72 | -23,00;3,52 | 0,11 | Estável |
C04 | Assoalho da boca | 9,08 | 2,49;16,09 | 0,01 | Crescimento |
C05 | Pálato | 9,83 | 0,39;20,23 | 0,05 | Crescimento |
C06 | Não específicas | 14,82 | -5,16;39,32 | 0,13 | Estável |
C07 | Parótida | -2,00 | -10,45;7,25 | 0,60 | Estável |
C08 | Glândulas salivares | -1,86 | -13,32;11,11 | 0,72 | Estável |
C09 | Amigdalas | 8,89 | -3,75;23,59 | 0,14 | Estável |
C10 | Orofaringe | 19,25 | 8,05;31,61 | 0,01 | Crescimento |
C11 | Nasofaringe | 10,10 | 3,62;16,98 | 0,01 | Crescimento |
C12 | Seio piriforme | -3,11 | -5,77;-0,37 | 0,03 | Declínio |
C13 | Hipofaringe | 11,24 | -8,77;35,65 | 0,23 | Estável |
C14 | Outras | -3,56 | -15,01;9,44 | 0,51 | Estável |
a) CID-10: Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - Décima Revisão.
b) VPA: variação percentual anual - tradução do inglês annual percentage change (APC).
c) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
A distribuição dos benefícios segundo grandes grupos da CNAE revelou 72,9% dos campos sem informação, no período de 2009 a 2013. A falta dessas informações comprometeu a interpretação dos resultados aqui apresentados (Tabela 3).
Grandes grupos da CNAE | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | Total |
---|---|---|---|---|---|---|
Agricultura | 0,2 | 0,5 | 0,1 | 0,2 | 0,1 | 0,2 |
Indústrias extrativas | 0,2 | 0,2 | 0,3 | 0,3 | 0,2 | 0,2 |
Indústrias de transformação | 5,5 | 5,1 | 5,8 | 4,8 | 5,0 | 5,2 |
Eletricidade e gás | 0,2 | 0,1 | 0,1 | 0,1 | 0,0 | 0,1 |
Água, esgoto e resíduos | 0,6 | 0,5 | 0,4 | 0,4 | 0,4 | 0,4 |
Construção | 1,6 | 1,9 | 2,4 | 2,6 | 2,3 | 2,2 |
Comércio | 5,5 | 5,7 | 4,7 | 6,1 | 5,5 | 5,5 |
Transporte e correio | 1,7 | 2,5 | 1,8 | 2,2 | 2,5 | 2,1 |
Alojamento e alimentação | 0,9 | 0,7 | 0,8 | 1,0 | 0,8 | 0,8 |
Informação e comunicação | 0,4 | 0,2 | 0,5 | 0,3 | 0,2 | 0,3 |
Financeiras | 0,1 | 0,3 | 0,6 | 0,8 | 0,7 | 0,5 |
Imobiliárias | 0,1 | 0,0 | 0,1 | 0,1 | 0,1 | 0,1 |
Profissionais e científicas | 0,5 | 0,4 | 0,4 | 0,4 | 0,4 | 0,4 |
Administrativas | 2,8 | 2,6 | 2,6 | 2,9 | 2,8 | 2,7 |
Administração pública | 3,1 | 3,9 | 3,8 | 3,6 | 3,2 | 3,5 |
Educação | 0,8 | 1,0 | 0,7 | 0,8 | 0,5 | 0,7 |
Saúde humana e serviços sociais | 0,8 | 0,8 | 0,9 | 0,8 | 1,0 | 0,8 |
Artes, cultura, esporte e recreação | 0,1 | 0,2 | 0,2 | 0,1 | 0,1 | 0,2 |
Outros serviços | 1,1 | 0,9 | 1,1 | 0,8 | 0,8 | 0,9 |
Serviços domésticos | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 |
Organismos internacionais | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 |
Ignorado | 73,8 | 72,5 | 72,9 | 71,7 | 73,4 | 72,9 |
Total | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 |
Nota: os valores correspondem à distribuição percentual (%) por ano, para cada grande grupo da CNAE responsável pelos afastamentos previdenciários por câncer bucal e de orofaringe.
Discussão
Os resultados mostraram tendências de crescimento da concessão de auxílios-doença previdenciários por câncer bucal e de orofaringe no período de 2006 a 2013, no Brasil, em torno de 9% ao ano. O incremento ocorreu principalmente para benefícios relacionados a cânceres bucais localizados em regiões anatômicas de difícil visualização por inspeção clínica bucal, como o palato (C05), o assoalho da boca (C04) e outras partes (C02), e em regiões da orofaringe, como orofaringe (C10) e nasofaringe (C11). Também se observou que em aproximadamente três quartos desses benefícios previdenciários concedidos, a informação referente à classificação da atividade econômica do trabalhador - CNAE - não foi registrada pela Previdência Social. Denota-se aqui uma fragilidade na qualificação do dado referente à saúde e segurança ocupacional dos trabalhadores.
Alguns estudos sobre tendências de mortalidade por câncer bucal indicaram estabilidade no Brasil, durante os anos 1980 e 1990.11 Na análise de série temporal de 1979 a 2002, no país, a taxa de mortalidade por câncer bucal mostrou estabilidade, e a de orofaringe, tendência de crescimento.9 Em outro estudo, este realizado na cidade de São Paulo,12 os autores reportaram estabilidade nas taxas de mortalidade por câncer bucal entre os anos de 1980 e 1998, com tendências de declínio para os cânceres de gengiva e lábio, locais de fácil visualização e diagnóstico, e aumento de taxas de mortalidade por câncer em partes inespecíficas da boca, regiões de difícil visualização por inspeção clínica. No presente estudo, observaram-se tendências crescentes, tanto para alguns cânceres bucais, particularmente aqueles de difícil visualização clínica, quanto para cânceres de orofaringe. Corroboram-se achados apontando que quanto mais difícil a visualização clínica, menor a probabilidade de detecção precoce das lesões.
Em relação aos cânceres de boca, os de partes não identificadas (C02), assoalho da boca (C04) e palato (C05) apresentaram tendências crescentes. Com exceção do palato, uma região de fácil visualização por inspeção clínica, nota-se que partes não identificadas e assoalho da boca são regiões sobre as quais as ações de rastreamento - por inspeção visual, para perceber lesões suspeitas de malignidade - não teriam tanta efetividade. Porém, outras regiões de fácil visualização, caso dos lábios, gengivas e língua, apresentaram tendências estáveis.
Quanto aos cânceres da orofaringe, local de difícil visualização por inspeção clínica, os de orofaringe e nasofaringe mostraram tendências de crescimento, e os outros, estabilidade, resultando no crescimento proporcional do grupo de cânceres de orofaringe como um todo. A explicação para a tendência crescente de cânceres de orofaringe reside na dificuldade do diagnóstico das respectivas lesões, as quais provavelmente, quando diagnosticadas, já se encontram em um estágio clínico de desenvolvimento mais avançado, com impacto direto nas taxas de mortalidade para esse grupo. Esse crescimento também é reportado por outro estudo de série temporal,9 referente ao Brasil no período de 1979 a 2002, com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM).
Nos serviços de saúde, uma primeira medida plausível para a tentativa de realização do diagnóstico precoce desses cânceres seria o rastreamento por inspeção clínica visual da cavidade bucal, feita por profissional cirurgião-dentista. Estudos sobre a efetividade do rastreamento do câncer bucal13-15 têm mostrado que não há diferenças estatisticamente significativas entre o grupo rastreado e o grupo de controle. Entretanto, um estudo de intervenção realizado na Índia demonstra a efetividade do rastreamento para o diagnóstico do câncer bucal em um estágio clínico precoce,16 além de, no longo prazo, diminuir em 81% a mortalidade a ele devida.17 Estes resultados reforçam a importância das ações preventivas em saúde bucal, previstas no Programa de Controle Médico em Saúde Ocupacional (PCMSO), como por exemplo, a realização de exames odontológicos ocupacionais, admissionais e periódicos, em trabalhadores segurados pelo INSS.
Sobre o consumo de tabaco, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013 indicou uma prevalência de tabagismo de 15% na população adulta brasileira, maior entre os homens (19,2%) do que nas mulheres (11,2%).18 Estudo brasileiro, baseado em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2008, mostrou maiores prevalências de tabagismo em trabalhadores aos quais se exige menor nível de escolaridade e maior esforço braçal, mesmo após ajuste por idade, sexo e renda, o que fundamenta o fato de a atividade ocupacional poder se associar ao consumo de tabaco. O achado da PNAD/IBGE também pode explicar o aumento na tendência dos benefícios de câncer bucal e de orofaringe, como observados em nosso estudo, apesar da tendência de diminuição do uso de tabaco pela população; alguns grupos ocupacionais permanecem com maiores prevalências de tabagismo, quando comparados àqueles com maior nível de escolaridade e não manuais.19
Antunes et al.,20 em um estudo de caso-controle realizado na cidade de São Paulo e que levou em conta a interação bebida-fumo, demonstraram que (i) os efeitos independentes do consumo de álcool são menores ou não estão associados com o câncer oral e de orofaringe, e que (ii) os efeitos independentes de tabagismo também são diminuídos, apesar de ainda manterem associação com a doença. Outrossim, possíveis agentes estressores no local de trabalho tendem a contribuir com esses agravos, seja do ponto de vista do estresse aumentar o risco de consumo de álcool e tabaco, seja por propiciar uma agressão ao organismo que acaba por reduzir o potencial de adaptação do homem ao trabalho.20
O consumo de frutas e vegetais, por sua vez, tem constituído um fator protetor importante de câncer bucal.21 Toporcov et al.,22 igualmente com base em um estudo de caso-controle, descobriram que o consumo de carne de porco, sopa, queijo, bacon e frituras foi fator de risco para o câncer bucal na população brasileira, e o consumo de manteiga e margarina (mais de sete vezes por semana), fator de proteção. Sobre estudo realizado na Austrália,23 seus dados de consumo de frutas, vegetais e álcool precisam ser interpretados com cautela quando se analisa fatores de proteção em relação ao câncer bucal e de orofaringe,tendo em vista que essas neoplasias podem apresentar a mesma tendência segundo sexo e idade, com possível mascaramento dos efeitos da dieta saudável.23 Neste caso, deve-se considerar uma adequada intervenção na dieta desses trabalhadores, na forma de (re)educação alimentar, com prováveis resultados promissores.
Algumas limitações deste estudo devem ser consideradas. Apesar de as análises de dados secundários oferecerem subsídios ao planejamento, gestão e implementação de políticas públicas, os resultados devem ser interpretados com cautela, uma vez que podem ser afetados pela qualidade das informações.24 Os sistemas de registro das bases de saúde e segurança ocupacional, disponibilizados pelo Ministério da Previdência Social, possuem algumas limitações operacionais. Não foi possível ter acesso ao grupo étnico, renda, sexo e regiões brasileiras, relativamente à incidência dos benefícios, o que limitou algumas análises e inferências temporais.
O grupo ignorado/não informado da CNAE dos trabalhadores representou 73% dos benefícios previdenciários. Esta constatação evidencia a necessidade de melhorar os sistemas de informações sobre auxílio-doença. Se a qualificação do dado epidemiológico não for precisa, as estratégias de minimização dos efeitos do agravo sobre a população de trabalhadores podem ficar comprometidas. Contudo, dos benefícios corretamente notificados, os grupos de Comércio, Indústrias de transformação, Administração e Administração pública foram os mais frequentes entre os benefícios concedidos.
Portanto, a prevenção primária, com a intervenção no estilo de vida e no ambiente, incluindo o meio ambiente laboral, é a melhor opção para a prevenção e redução da mortalidade por câncer.25
Em conclusão, este estudo evidenciou uma tendência crescente dos benefícios previdenciários por câncer bucal e de orofaringe no período de 2006 a 2013, no Brasil, e uma importante falha na quantificação do dado epidemiológico de registro da CNAE geradora desse benefício, o que prejudica o monitoramento da situação de saúde dos trabalhadores brasileiros. Desde abril de 2007, com a implementação do nexo técnico epidemiológico (NTEP)26 a partir do cruzamento dos dados sobre benefícios conforme os códigos da CID-10 e da CNAE geradora, foi possível estabelecer o nexo causal entre a atividade ocupacional e a concessão do benefício, superando a limitação da subnotificação das comunicações de acidentes de trabalho (CAT) pelas empresas. Esta estratégia pode ajudar o trabalhador a comprovar a relação entre a doença - neste caso, o câncer bucal e de orofaringe - e o trabalho. Mediante aproximadamente 73% de ausência de registro do CNAE, a definição do NTEP fica comprometida. Ademais, para as empresas geradoras de benefícios, o pagamento das contribuições ao Seguro de Acidente de Trabalho (SAP) está atrelado ao NTEP e ao fator acidentário de prevenção (FAP).27 Assim, quanto menores os registros de acidentes de trabalho e benefícios previdenciários, menores as alíquotas de contribuições. Para o alcance de melhorias nas políticas públicas do setor, recomenda-se investimentos no sentido de aprimorar o preenchimento do dado referente à CNAE geradora do benefício previdenciário, de modo a trazer benefícios tanto para os trabalhadores quanto para as empresas que investem em prevenção primária.