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Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.23 n.3 Brasília set. 2014
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000300006
ARTIGO ORIGINAL
Consumo excessivo de álcool, tabagismo e fatores associados em amostra representativa de graduandos da Universidade Federal de Santa Catarina, 2012: estudo transversal
Excessive alcohol consumption, smoking, and associated factors in a representative sample of undergraduate students from the Federal University of Santa Catarina, 2012: a cross-sectional study
Consumo excesivo de alcohol, tabaquismo y factores asociados en muestra representativa de graduandos de la Universidad Federal de Santa Catarina, 2012: estudio transversal
Felipe Ikeda Imai; Isabela Zeni Coelho; João Luiz Bastos
Departamento de Saúde Pública, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: estimar a prevalência do consumo excessivo de álcool, do tabagismo e seus fatores associados.
MÉTODOS: estudo transversal com amostra representativa de 1.264 graduandos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 2012. Tabagismo (consumo de 1+ cigarros/dia no último mês), consumo excessivo de álcool (escore 8+, segundo o Alcohol Use Disorders Identification Test) e demais fatores foram coletados por meio de questionário autopreenchível.
RESULTADOS: a prevalência de consumo excessivo de álcool foi 32,5% (IC95%: 27,3 a 38,3), e 5,9% (IC95%: 2,6 a 13,1) fumavam. O consumo excessivo de álcool associou-se à maior classificação econômica e a frequentar cursos dos Centros de Ciências Jurídicas, de Filosofia/Humanas e de Educação. O tabagismo foi mais frequente entre estudantes dos mesmos centros e ingressantes pelo vestibular tradicional, em comparação com os que ingressaram por meio de ações afirmativas.
CONCLUSÃO: embora a frequência de tabagismo seja baixa, a prevalência de consumo excessivo de álcool foi elevada e semelhante àquela observada em outras instituições.
Palavras-chave: Transtornos relacionados ao uso de álcool; Hábito de fumar; Estudantes; Estudos transversais.
ABSTRACT
OBJECTIVE: to estimate excessive drinking and cigarette smoking prevalence and associated factors.
METHODS: this was a cross-sectional study conducted in 2012 with a representative sample of 1,264 Federal University of Santa Catarina students. Smoking (use of 1+ cigarettes/day in the previous month), excessive drinking (8+ score, according to the Alcohol Use Disorders Identification Test) and other factors were assessed with a self-completed questionnaire.
RESULTS: 32.5% (95%CI27.3-38.3) drank excessively and5.9% (95%CI 2.6-13.1) were smokers. Wealthier respondents and those attending Humanities/Social Sciences, Law, Philosophy and Education undergraduate courses were more likely to be excessive drinkers. Smokers were more frequent among students from the same undergraduate courses and among those entering university through traditional entrance examinations, when compared to those entering via equal opportunities policies.
CONCLUSION: smoking was low, but excessive drinking was high, consistent with results found at other higher education institutions.
Key words: Alcohol-Related Disorders; Smoking; Students; Cross-Sectional Studies.
RESUMEN
OBJETIVO: estimar la prevalencia del consumo excesivo de alcohol, del tabaquismo y sus factores asociados.
MÉTODOS: estudio transversal con muestra representativa de 1.264 graduandos de la Universidad Federal de Santa Catarina (UFSC), en 2012. Tabaquismo (consumo de 1+ cigarrillos/día en el último mes), consumo excesivo de alcohol (calificación 8+, según el Alcohol Use Disorders Identification Test) y demás factores se recolectaron a través de un cuestionario auto completado.
RESULTADOS: la prevalencia de consumo excesivo de alcohol fue de 32,5% (IC95% 27,3; 38,3), y un 5,9% (IC95% 2,6; 13,1) fumaba. El consumo excesivo de alcohol se asoció a una mayor clasificación económica y a frecuentadores de cursos de los Centros de Ciencias Jurídicas, de Filosofía/Humanas y de Educación. El tabaquismo fue más frecuente entre estudiantes de los mismos centros y que ingresaron por medio de vestibular tradicional, en comparación a los que ingresaron por medio de acciones afirmativas.
CONCLUSIÓN: aunque la frecuencia de tabaquismo sea baja, la prevalencia de consumo excesivo de alcohol fue elevada y semejante a la observada en otras instituciones.
Palabras clave: Trastornos relacionados con alcohol; Hábito de fumar; Estudiantes; Estudios transversales.
Introdução
O consumo excessivo de álcool e o tabagismo constituem problemas mundiais, crescentes nas últimas décadas, ocasionando milhões de mortes anualmente, incluindo jovens, principalmente entre 15 e 35 anos.1,2 Os efeitos decorrentes do uso destas substâncias envolvem não apenas o setor saúde, mas também outras esferas da sociedade, como a da segurança, a da economia e a da previdência social.
Em 2004, aproximadamente metade da população adulta mundial (cerca de 2 bilhões de pessoas) fazia uso de álcool,2 sendo que este comportamento, de forma crônica, está ligado ao risco aumentado de desemprego, doenças hepáticas, acidentes de trânsito,3 além de transtornos psiquiátricos, como depressão.4 Mundialmente, mais da metade dos adolescentes até 18 anos já fumou ao menos uma vez na vida.5 O tabagismo está principalmente associado a problemas respiratórios, como enfisema pulmonar, bronquite, infecções e tuberculose,6 além de aumentar o risco de câncer, principalmente o de pulmão.6
Um estudo realizado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas em 107 cidades com mais de 200 mil habitantes, em 2001, mostrou que o uso de álcool alguma vez na vida atingia 68,0% dos indivíduos na faixa etária de 18 a 24 anos, sendo que 15,5% eram dependentes de álcool.7 No conjunto das capitais brasileiras, em 2011, aproximadamente 18,0% dos homens e 12,0% das mulheres eram fumantes, observando-se uma prevalência de tabagismo de 12,5% na faixa etária de 18 a 24 anos.8
O Brasil conta, em 2014, com mais de duas mil Instituições de Ensino Superior (IES), totalizando mais de 5,8 milhões de estudantes universitários, os quais são considerados vulneráveis a práticas de risco para a saúde, especialmente o abuso e a dependência de álcool e tabaco.9 Estudos brasileiros demonstram que 75,0 a 90,4% dos universitários já utilizaram álcool pelo menos alguma vez na vida;9-11 a frequência de uso abusivo variou entre 2,7 e 8,7% nos estudantes pesquisados,10-12 e houve predomínio do uso entre indivíduos do sexo masculino.10,12 Em relação ao tabaco, sua utilização alguma vez na vida variou de 14,7 a 34,5%,9-11,13,14 com idade de início entre 15,1-17,0 anos9,10,13 e prevalência maior de consumo em estudantes dos cursos de Ciências Humanas.9,13
Diversos estudos brasileiros foram realizados desde a década de 1980 com enfoque no consumo de álcool e tabaco entre estudantes universitários, sendo que grande parte destas investigações se restringiu às IES da Região Sudeste e aos cursos das Ciências da Saúde. Dessa forma, outras regiões do país, incluindo o Sul, apresentam escassez de pesquisas enfocando este estrato populacional. Os estudos prévios conduzidos no Sul do Brasil12,14 não investigaram, por sua vez, em que medida o consumo excessivo de álcool e de tabaco está distribuído entre diferentes grupos desta população, incluindo estudantes ingressantes por meio de políticas de ações afirmativas.
Desse modo, o objetivo deste estudo é estimar a prevalência do consumo excessivo de álcool, do tabagismo e seus fatores associados, entre estudantes universitários do Sul do Brasil, incluindo a forma de acesso à universidade, com o intuito de produzir resultados que possam colaborar para a compreensão do tema e fornecer subsídios a futuras ações de combate ao consumo ou abuso destas substâncias.
Métodos
A população selecionada para o presente estudo, do tipo transversal, foi composta por estudantes regularmente matriculados no primeiro semestre de 2012 na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), campus João David Ferreira Lima, o qual possui um total de 19.963 graduandos. Em virtude de alguns cursos não terem integralizado o currículo à época do estudo, seus 1.086 estudantes foram considerados inelegíveis para esta investigação.
Tendo em vista que este trabalho faz parte de uma investigação mais ampla, o total de indivíduos a ser entrevistado foi definido a partir do estudo de associações que demandassem o maior tamanho de amostra. Esse cálculo resultou em 959 indivíduos, número que foi ampliado para 1.341 participantes, após correção pelo efeito de delineamento de 1,58 (observado em diferentes pesquisas nacionais e internacionais sobre a saúde de estudantes universitários), acréscimo de 10% para perdas ou recusas e uso de fórmula para cálculo de tamanho de amostra para populações finitas. Este tamanho de amostra proporcionou um poder estatístico para testar as relações de interesse do presente estudo entre 69,1 e 100,0%, com exceção da associação entre consumo de álcool e idade (que obteve poder de 2,5%), bem como das associações entre tabagismo, classificação econômica e fase do curso de graduação, as quais dispuseram de poder de 6,5 e 3,8%, respectivamente.
A seleção dos participantes foi realizada por procedimento de amostragem complexo, em dois estágios. O primeiro foi composto pelos cursos de graduação, com partilha proporcional ao tamanho. No segundo estágio, os alunos foram selecionados, conforme estratos previamente definidos, a saber: o de discentes da primeira fase, daqueles matriculados no semestre médio e dos formandos, da última fase. Assim, os participantes do estudo foram sorteados entre os 6.237 alunos, distribuídos nas três fases mencionadas dos 70 cursos de graduação. Considerando-se que existia uma média de 89 alunos por curso nos três estratos previamente definidos, foi necessária uma amostra de 15 cursos para atingir o tamanho amostral de 1.341 participantes.
Procedeu-se a um sorteio de 15 cursos com reposição para que cada elemento da população tivesse a mesma probabilidade de ser selecionado. Três foram sorteados duas vezes, resultando nos seguintes 12 cursos para integrar o estudo: Ciências Contábeis, Direito, Engenharia Elétrica, Engenharia Mecânica, Engenharia Química, Engenharia Sanitária e Ambiental, História, Pedagogia, Psicologia, Odontologia, Medicina e Sistemas de Informação.
O protocolo e o instrumento de coleta de dados da pesquisa foram pré-testados com 17 estudantes não pertencentes à população-alvo, mas com perfil socioeconômico e etário semelhante. Em seguida, foi conduzido um estudo-piloto com 43 graduandos da terceira fase do curso de Odontologia da UFSC. Todos os questionários foram preenchidos em sala de aula, mediante contato prévio com professores responsáveis por cada turma e disciplina sorteadas.
As informações foram obtidas por meio de um questionário autopreenchível, aplicado de março a maio de 2012, que abordou sete diferentes blocos temáticos. Um dos blocos incluiu problemas relacionados ao consumo de álcool, avaliados por meio do Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT),15 o qual avalia o consumo excessivo de álcool por meio de 10 itens sobre uso recente de álcool, sintomas de dependência de álcool e problemas relacionados ao uso de álcool. O ponto de corte equivalente a 8 foi usado para identificar o consumo excessivo entre os participantes, de acordo com estudos prévios.16,17 Os respondentes foram subdivididos em grupos, cujas pontuações variaram entre: zero e 7 (consumo de baixo risco), 8 e 15 (consumo de risco), 16 e 19 (consumo nocivo) e ≥20 (provável dependência). Considerando que a categoria "provável dependência" representou apenas 1,9% dos respondentes, optou-se por combiná-la com a categoria de "consumo nocivo".
Outro aspecto avaliado no presente estudo foi o consumo de cigarro, o que permitiu classificar os alunos em fumantes, experimentadores, os que nunca experimentaram e ex-fumantes. Fumantes foram aqueles que relataram consumir um ou mais cigarros por dia há, pelo menos, um mês. A categoria "experimentou" correspondeu à situação em que o respondente fez uso de menos de um cigarro por dia no último mês. Ex-fumantes foram aqueles que fizeram o uso no passado, exclusivamente.
Também foram incluídas informações sobre idade em anos (16-19, 20-22, 23-27, 28-52), sexo, curso de graduação, período do curso (ingressante, intermediário e formando), admissão à universidade pelo sistema de ações afirmativas (vestibular tradicional - não - ou reserva de vagas para oriundos de escolas públicas e autodeclarados pardos e pretos - sim) e classificação econômica, esta última classificada por meio dos quintis da distribuição do escore do Indicador Econômico Nacional,18 que consiste em um indicador de bens, baseado na posse de 12 diferentes itens do domicílio (incluindo geladeira, automóvel, entre outros) e a escolaridade do chefe da família.
Os cursos de graduação foram posteriormente agrupados, conforme os centros de ensino aos quais estão vinculados: Centro Socioeconômico (Ciências Contábeis), Centro de Ciências Jurídicas (Direito), Centro Tecnológico (Engenharia Elétrica, Engenharia Mecânica, Engenharia Química, Engenharia Sanitária e Ambiental, e Sistemas de Informação), Centro de Filosofia e Humanas (História e Psicologia), Centro de Ciências da Saúde (Odontologia e Medicina) e Centro de Ciências da Educação (Pedagogia). Todos os questionários foram revisados e digitados duplamente, com checagem automática de consistência e amplitude, através do programa Epi-Data Entry, versão 3.1.
Foram calculadas as frequências absolutas e relativas das variáveis, conforme características socioeconômicas, demográficas, relativas ao curso, e também ao consumo de álcool e cigarro. Em seguida, foram estimadas as associações entre o consumo de álcool ou tabaco com as mesmas variáveis mencionadas. A significância estatística destas associações (valor p) foi avaliada por meio do teste do qui-quadrado (Rao-Scott). Por fim, a associação de todas as variáveis com o padrão de consumo de álcool foi analisada no contexto de modelos de regressão logística ordinal, estimando-se razões de chance (RC) e respectivos intervalos de confiança de 95%. O pressuposto de proporcionalidade do modelo foi checado com o teste de Brant, observando-se não violação do mesmo em quaisquer dos modelos, tanto os intermediários quanto o final. Por sua vez, as associações das variáveis com o tabagismo foram avaliadas com o modelo de regressão logística convencional, calculando-se as mesmas medidas de efeito e precisão. Neste caso, a análise foi restrita à categoria de fumantes, a qual foi comparada com todas as demais, simultaneamente, tendo em vista que apresenta impactos efetivos e significativos sobre a saúde e corresponde ao comportamento mais frequentemente investigado em meio aos estudos da área, permitindo o estabelecimento de comparações. O ajuste de ambos os modelos foi realizado para todas as variáveis independentes, simultaneamente. Todas as análises foram realizadas, considerando o procedimento complexo de amostragem, bem como os pesos amostrais e o valor de 5% como estatisticamente significativo em testes bicaudais. Nos modelos de regressão, a significância estatística foi avaliada com testes de Wald para tendência linear ou heterogeneidade, de acordo com o tipo de variável em análise.
O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFSC com o parecer 4599965, sendo cumpridas todas as determinações da Resolução no196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Os participantes concordaram em participar da pesquisa e assinaram previamente um Termo de Consentimento Livre Esclarecido, tendo sido mantido seu anonimato e sigilo dos dados ao longo de todo o processo da pesquisa e de sua divulgação.
Resultados
A amostra estudada foi predominantemente do sexo masculino (55,7%) e da faixa etária de 20-22 anos (36,0%). Cerca de um terço dos estudantes estavam matriculados em cursos do Centro Tecnológico, e mais de 40,0% deles eram graduandos do primeiro semestre letivo. Aproximadamente 78,0% dos respondentes ingressaram na universidade pelo sistema tradicional de seleção vestibular (Tabela 1).
Tabela 1 − Características sociodemográficas relativas ao curso de graduação e ao acesso à universidade em estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, 2013
Em relação ao consumo de substâncias, a maioria dos usuários de álcool se enquadrou na categoria de consumo de baixo risco do AUDIT (67,5% - IC95%: 61,7 a 72,7), 27,4% (IC95%: 22,6 a 33,0) na categorial de consumo de risco, e 5,1% (IC95%: 4,1 a 6,3) na faixa de consumo nocivo ou provável dependência. Mais da metade (53,7%) da amostra já havia consumido cigarro alguma vez na vida e 5,9% (IC95%: 2,6 a 13,1) dos participantes se enquadraram na categoria "fumante atual".
Os participantes classificados na categoria de "risco" e "uso nocivo ou provável dependência" de consumo de álcool foram predominantemente do sexo masculino (Tabela 2). Observou-se que os entrevistados com idade entre 20-22 e 23-27 anos apresentaram as maiores frequências relativas de classificados nas categorias de "risco" e "uso nocivo ou provável dependência". Por sua vez, as categorias extremas de idade (16-19 anos e 28-52 anos) demonstraram as frequências mais elevadas de consumo de baixo risco de álcool. Os indivíduos pertencentes ao quintil mais alto de classificação econômica, vinculados ao Centro de Ciências Jurídicas, formandos e ingressantes pelo sistema tradicional de seleção vestibular apresentaram frequências mais elevadas de consumo de risco e uso nocivo ou provável dependência do álcool.
Tabela 2 – Fatores associados ao consumo de álcool em estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, 2013
Os indivíduos do sexo masculino, aqueles com idade entre 23-27 e 28-52 anos, do primeiro quintil de classificação econômica, vinculados ao Centro de Filosofia e Humanas, de fases intermediárias e ingressantes pelo sistema tradicional de seleção vestibular apresentaram frequências mais altas de consumo atual de cigarro (Tabela 3). Por outro lado, a frequência de experimentação de cigarro foi maior entre as mulheres, aqueles com idade entre 16-19 anos, do quarto quintil de classificação econômica, do Centro de Ciências da Educação, de fases iniciais e os que ingressaram na universidade pelo sistema de ações afirmativas.
Tabela 3 – Fatores associados ao consumo de cigarro em estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, 2013
Após ajuste para todas as variáveis independentes analisadas, as mulheres apresentaram chance 70% (RC 0,3 IC95%: 0,3 a 0,5) menor de pertencer a alguma categoria superior de consumo de álcool, em relação aos homens (Tabela 4). Estudantes dos Centros de Ciências Jurídicas, de Filosofia e Humanas e da Educação apresentaram, respectivamente, chance de 80% (RC 1,8 IC95%: 1,6 a 2,1), 110% (RC 2,1 IC95%: 1,8 a 2,3) e 100% (RC 2,0 IC95%: 1,3 a 2,9) maior de pertencerem a categorias superiores de consumo de álcool, quando comparados aos graduandos do Centro Socioeconômico. Respondentes do quintil mais alto de classificação econômica também apresentaram chance 120% (RC 2,2 IC95%: 1,4 a 3,7) maior de fazer parte do grupo de uso problemático dessa substância, em comparação aos entrevistados do primeiro quintil.
Tabela 4 – Associação ajustadaa entre características da amostra e consumo de álcool na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, 2013
Finalmente, foi igualmente observado que as mulheres tiveram chance 50% (RC 0,5 IC95%: 0,3 a 0,9) menor de fumar do que os homens (Tabela 5). Os alunos dos cursos representados pelos Centros de Ciências Jurídicas, de Filosofia e Humanas e o de Educação apresentaram chances mais elevadas de fumar do que os do Centro Socioeconômico. Por sua vez, os respondentes que ingressaram na instituição por meio do vestibular tradicional apresentaram chance 490% (RC 5,9 IC95%: 1,8 a 19,4) maior de fumar, quando comparados aos que entraram na universidade por meio de ações afirmativas.
Tabela 5 – Associação ajustadaa entre características da amostra e consumo de cigarro na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, 2013
Discussão
Os resultados deste trabalho mostram que um a cada três graduandos apresentou consumo excessivo de álcool. O perfil do usuário excessivo desta substância foi caracterizado por ser de estudantes do sexo masculino, pertencentes aos quintis mais altos de classificação econômica, dos Centros de Ciências Jurídicas, de Filosofia e Humanas e de Educação. O presente estudo também estimou uma prevalência relativamente baixa (de cerca de 6%) de tabagismo. Os resultados igualmente sugerem que entrevistados que ingressaram na universidade pelo sistema de ações afirmativas apresentaram as menores frequências de consumo de cigarro. Uma menor frequência de tabagismo também foi observada entre as mulheres e em meio aos estudantes do Centro Socioeconômico, quando comparados com os de Ciências Jurídicas, de Filosofia e Humanas e de Educação.
Valores semelhantes de consumo excessivo de álcool foram documentados em outra investigação, realizada na Croácia, em 2006.17 Este aspecto preocupante, corroborado por outro estudo conduzido em capitais brasileiras,9 aponta que os universitários da Região Sul do país apresentam a maior prevalência de uso de álcool entre as conhecidas nacionalmente. No que se refere à associação do consumo de álcool com curso de graduação, resultado semelhante foi encontrado em um estudo desenvolvido com universitários alemães, que também evidenciou percentagens elevadas de consumo excessivo de álcool em meio a estudantes da área de Jurídicas (especificamente do Direito), quando comparados com seus pares.19 Ainda, o maior consumo de álcool entre indivíduos do sexo masculino é compatível com resultados de outros trabalhos nacionais e internacionais.10,12,16,20,21 A posição socioeconômica mais elevada tem sido associada ao abuso de álcool, o que pode ser explicado pela facilidade financeira de acesso às bebidas, maior frequência a festas, entre outros fatores importantes para o maior consumo neste estrato populacional.14
Em se tratando do tabagismo, a frequência relatada na presente investigação foi relativamente mais baixa do que aquelas observadas em trabalhos prévios, publicados na literatura.11,13,22 Este resultado situa a UFSC entre as instituições que apresentam uma das frequências mais baixas do fenômeno, se comparada com aquelas documentadas em outros países, como Espanha, Alemanha, Chile e Estados Unidos, entre outros, que variam em torno de 15 e 46% entre universitários.10,14 Cabe ressaltar, entretanto, que tais comparações devem ser realizadas com cautela, tendo em vista que diferentes itens e estratégias de aferição do consumo de cigarros têm sido empregados nos estudos em questão.
Em geral, os estudos publicados12,23-25 confirmam o maior uso de cigarro entre indivíduos do sexo masculino. Igualmente, sugerem que a idade de primeiro contato com o cigarro é em torno de 15 anos, o que pode ser confirmado pela maior porcentagem de experimentação do cigarro na faixa etária de 16-19 anos no presente trabalho. Por sua vez, respondentes das áreas de ciências humanas revelaram frequências mais altas de consumo desta substância, confirmando o que a literatura mundial tem documentado sobre esta relação.5,19,26 Em contrapartida, graduandos da área da saúde apresentaram as menores frequências de tabagismo, o que também foi relatado em estudo conduzido na Jordânia.27 Outro estudo realizado na Universidade de Cambridge, Inglaterra, no ano de 1995, obteve resultados semelhantes aos deste trabalho, detectando as maiores percentagens de tabagistas entre os estudantes dos cursos das áreas de humanas e as menores, entre aqueles dos cursos da saúde.28
Entre as limitações do presente estudo, cabe destacar sua restrição a uma parcela dos cursos da universidade. Entretanto, mesmo que os dados não possam ser generalizados para todas as graduações da instituição, sua extrapolação para a totalidade dos graduandos é possível e permite afirmar com elevado grau de precisão as estimativas apresentadas, bem como suas associações com os fatores identificados. Outra limitação importante diz respeito às questões empregadas para avaliar o consumo excessivo de álcool e o tabagismo. Com efeito, este é um aspecto de grande importância, quando se deseja fazer comparações com outras investigações e constituir um panorama amplo do consumo de álcool e cigarro na população em questão. Contudo, a iniciativa da presente pesquisa foi adotar instrumentos ou questões já consagrados na avaliação do uso destas substâncias, que permitissem produzir mensurações mais rigorosas do ponto de vista de validade e confiabilidade. O AUDIT, por exemplo, consiste em um instrumento de larga utilização em estudos na área, proposto e formulado pela Organização Mundial da Saúde. Ainda, vale mencionar a não investigação do uso de outras drogas por parte desta população - tal aspecto permitiria uma abordagem mais abrangente sobre a questão, especialmente porque o consumo de outras drogas é crescente nas últimas décadas e pode se apresentar distribuído de forma distinta entre os grupos estudados, demandando intervenções específicas.
As implicações dos achados do presente estudo têm íntima relação com outros aspectos de saúde, incluindo a morte por acidentes de trânsito. Especificamente, a literatura aponta que o sexo masculino e as idades mais jovens são características que coincidem com aquelas associadas às mortes por acidentes de trânsito do período de 2000 a 2009 no Sul do Brasil, as quais, ao contrário do que ocorre nas outras regiões do país, ocupam o primeiro lugar entre as mortes por causas externas.29 Procurando enfrentar este e outros problemas, foram implementadas algumas medidas legislativas recentes, como a Lei no 11.705,30 apelidada de "Lei Seca" pela mídia, que tem como um de seus objetivos a redução dos acidentes de trânsito associados ao consumo de álcool.
Por outro lado, também se propõe a contribuir para o aprimoramento de políticas dirigidas a essa população e, eventualmente, para se instituírem mudanças na abordagem curricular, incluindo maior carga horária e discussões sobre o uso de substâncias, seminários, pesquisa e atividades extracurriculares afins. Adicionalmente, a detecção precoce do uso de drogas, o desenvolvimento de campanhas específicas no ambiente universitário, as quais devem ser encorajadas não somente pela administração local, mas também em âmbito nacional, também seriam importantes na direção da prevenção e combate ao uso e abuso destas substâncias.
Por sua vez, tendo em vista que, juntamente com o álcool, o cigarro consiste em droga, cujo primeiro contato é precoce, reforça-se a necessidade de medidas preventivas e de promoção de saúde ainda no período escolar. Com o objetivo de evitar o início e auxiliar na cessação do tabagismo, além de possibilitar a interrupção da convivência passiva dos não fumantes com os fumantes, várias organizações internacionais, como a American College of Health Association, têm recomendado que as universidades proíbam a venda, a publicidade e a distribuição de amostras gratuitas de produtos derivados do tabaco nos campi universitários, além de vetar o uso do tabaco em todos os locais dessas instituições.24 Esta medida, que já está em prática na UFSC, deve ser mantida e reforçada, com o objetivo de promoção e prevenção do tabagismo na universidade e, também, na sociedade de modo mais amplo.
Por fim, ao identificar a frequência e os grupos de risco para o uso problemático do álcool e cigarro na UFSC, como sexo masculino, classificação econômica mais elevada, cursos dos Centros de Ciências Jurídicas, de Filosofias e Humanas e de Ciências da Educação, este trabalho contribui para a elaboração de estratégias com enfoque específico nesta população. Espera-se que estes resultados contribuam com a prevenção e enfrentamento do problema em nosso país.
Contribuições dos autores
Imai FI participou na revisão de literatura, redação do manuscrito, interpretação dos resultados e revisão crítica do conteúdo do material.
Coelho IZ e Bastos JL realizaram a concepção e delineamento do estudo, coleta de dados, limpeza e análise de dados, redação de trechos específicos do texto e revisão crítica do trabalho.
Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e declaram ser responsáveis por todos os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão e integridade.
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Endereço para correspondência:
João Luiz Bastos
- Universidade Federal de Santa Catarina,
Centro de Ciências da Saúde,
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva,
Campus Universitário,
Trindade, Florianópolis-SC, Brasil.
CEP: 88010-970
E-mail: joao.luiz.epi@gmail.com
Recebido em 24/01/2014
Aprovado em 01/06/2014
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