Introdução
O uso de serviços de saúde é uma forma indireta de mensurar o acesso e a equidade do sistema de saúde. O Sistema Único de Saúde (SUS) estabelece normas nacionais para seu funcionamento descentralizado, integral e universal. Entretanto, características regionais imprimem particularidades no funcionamento e acesso. Em localidades geográfica e economicamente periféricas, tais distorções impactam no desempenho do sistema e na saúde da população.
A utilização pode ser mensurada de maneira geral - uso de qualquer serviço de saúde - ou específica - dos serviços mais comuns. No Brasil, revisão sistemática da literatura de estudos de base populacional realizados de 1998 a 2013 observou aumento no uso de consultas médicas e odontológicas e redução das hospitalizações.1 Na região Norte, entretanto, a utilização de consultas médicas e odontológicas reduziu-se no período, e a redução nas hospitalizações foi maior que nas demais regiões do país.1 A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada em 2013, revelou prevalência de 17,5% de utilização de qualquer serviço de saúde nas duas semanas anteriores no Brasil.2
A menor oferta e utilização de serviços de saúde e o menor autoconhecimento de doenças crônicas impactam em menor expectativa de vida e vida saudável da população.3 Por sua vez, a carga de doenças local também pressiona a demanda por serviços de saúde, especialmente de doenças não transmissíveis,4 que requerem assistência continuada para controle e prevenção secundária. O ambiente e o contexto social também influenciam a carga de doenças e custos associados,5-7 cujos efeitos recaem sobre o sistema de saúde. Neste raciocínio, a organização desses serviços influencia o estado de saúde de uma população, ao induzir sua utilização.
Investigar a situação de saúde e a utilização de serviços é, portanto, essencial para evidenciar aspectos que requerem atenção, pela melhoria da realidade local. Em áreas onde o diagnóstico situacional dos serviços e do estado de saúde da população é menos conhecido, como no Amazonas, tais pesquisas são ainda mais necessárias. O objetivo do presente estudo foi descrever o uso de serviços de saúde entre adultos residentes na Região Metropolitana de Manaus, estado do Amazonas, Brasil.
Métodos
Delineamento
Trata-se de um estudo transversal de base populacional, realizado com adultos residentes na Região Metropolitana de Manaus.
Contexto
A Região Metropolitana de Manaus, também denominada Grande Manaus, foi criada pela Lei Complementar Estadual nº 52, de 30 de maio de 2007, e é composta por oito municípios: Manaus, Careiro da Várzea, Iranduba, Itacoatiara, Manacapuru, Novo Airão, Presidente Figueiredo e Rio Preto da Eva (Figura Suplementar 1).8 De acordo com as estimativas oficiais, a população dessa região representava mais de 60% dos 3.483.985 habitantes do Amazonas, em 2010.9 Trata-se da maior população concentrada da região Norte e a 10ª maior do Brasil. A área que ela ocupa alberga o Polo Industrial de Manaus, importante centro econômico nacional de apoio à pesquisa e inovação em tecnologia, o que coloca a cidade como 6º maior produto interno bruto entre os municípios brasileiros, em 2013.10
Como em outras regiões do Brasil, o desenvolvimento econômico não promoveu distribuição equitativa da renda per capita. Entre as regiões metropolitanas brasileiras, em 2013, a Grande Manaus ocupava a penúltima posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Três quartos dos 62 municípios do Amazonas têm IDH baixo.11 A região apresenta a menor densidade de profissionais de saúde no Brasil, com um médico por 1000 habitantes em 2013, inferior à média nacional de aproximados 2:1000, que já é baixa.3
A capital Manaus sofre com planejamento urbano deficiente e crescimento desordenado, criando paradoxos como baixa arborização, congestionamentos no tráfego de veículos e desenvolvimento geograficamente desigual em favor dos mais ricos.12 Apesar de ser uma metrópole, o acesso a Manaus é difícil. Não há integração terrestre com outros estados ou capitais, tornando o transporte de pessoas e mercadorias dependente do meio aéreo ou fluvial. Esse isolamento geográfico é refletido na pouca qualidade dos serviços da cidade como, por exemplo, acesso a internet e produtos que incluam insumos de saúde. A cidade é carente de leitos hospitalares,13 sendo os existentes concentrados nas áreas de urgência e emergência, enquanto o acesso a atenção eletiva e especializada é limitado.
Participantes
Adultos com 18 anos ou mais de idade foram elegíveis para o estudo. Aqueles com dificuldades cognitivas não eram elegíveis, devido à coleta do dado ser feita diretamente com o entrevistado (sem proxy-respondentes).
Os participantes foram selecionados por amostragem probabilística em três estágios, estratificada em cotas por sexo e idade baseadas no Censo Demográfico 2010, realizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).9 No primeiro estágio, foram selecionados, aleatoriamente, 400 setores primários e 20 de reposição, entre os 2.647 setores censitários urbanos da Região Metropolitana de Manaus.9 No segundo estágio, os domicílios foram selecionados por amostragem sistemática: inicialmente, foi sorteado um número entre 1-20 para determinar a primeiro domicílio a visitar; logo, um a cada 20 domicílios era visitado até alcançar 10 entrevistas por setor censitário. Em caso de domicílio fechado ou recusa, a casa imediatamente à direita era abordada, e se essa também estivesse indisponível, o mesmo procedimento era realizado com o domicílio imediatamente à esquerda. No terceiro estágio, foi selecionado, aleatoriamente, um morador. Registraram-se, pelo dispositivo eletrônico empregado na entrevista, todos os moradores presentes com idade de 18 anos ou mais e, a partir das cotas predefinidas para o setor, sorteou-se um indivíduo a ser entrevistado.
As cotas de sexo e idade planejadas, as entrevistas planejadas e realizadas, e o peso de cada setor estão disponíveis na Tabela Suplementar 1.
Variáveis
As variáveis pesquisadas no inquérito foram definidas com base em ferramentas previamente validadas e/ou questões empregadas em inquéritos oficiais brasileiros (Tabela Suplementar 2), abrangendo o estilo de vida, o uso de serviços e insumos de saúde, e o próprio estado de saúde.
O desfecho primário deste estudo foi o uso autorreferido de serviços de saúde. Para a descrição da amostra, foram incluídas as seguintes variáveis:
- sexo (masculino, feminino);
- faixa etária (coletada em anos e posteriormente categorizada em: 18-24, 25-34, 35-44, 45-59, 60 ou mais);
- raça/cor da pele (branca, preta, amarela, parda, indígena);
- situação conjugal (casado, separado, divorciado, viúvo, solteiro);
- escolaridade (menos que Ensino Fundamental, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Ensino Superior ou mais);
- classe econômica (A, B1, B2, C1, C2 e D/E, de acordo com o Critério de Classificação Econômica Brasil 201514); e
- estado de saúde autorreferido (muito bom, bom, regular, ruim, muito ruim).
Fonte de dados e mensuração
O uso de serviços de saúde na última quinzena foi mensurado por meio da pergunta ‘Nos últimos 15 dias (duas semanas), você procurou algum lugar, serviço ou profissional de saúde para atendimento relacionado à própria saúde?’, cujas respostas possíveis eram ‘sim’ ou ‘não’.
Para aqueles que procuraram um serviço de saúde nos últimos 15 dias, também foi perguntado sobre:
- motivação da procura (acidente ou lesão, doença, problema odontológico, reabilitação ou terapia, continuação de tratamento pré-natal, consulta pediátrica, parto, exame complementar de diagnóstico, vacinação, outro atendimento preventivo, solicitação de atestado de saúde, outra);
- tipo de serviço (consulta médica, consulta odontológica, consulta com outro profissional de saúde, atendimento por agente comunitário de saúde, atendimento na farmácia, vacinação, injeção, curativo ou medição de pressão, quimioterapia, radioterapia, hemodiálise, exames laboratoriais ou de imagem ou exames complementares de diagnóstico, pequena cirurgia em ambulatório, internação hospitalar, marcação de consulta, práticas complementares, outro);
- atendimento na primeira tentativa (sim, não); e
- local de atendimento (farmácia, unidade básica de saúde, centro de especialidades, policlínica pública ou posto de assistência médica, unidade de pronto atendimento [UPA], outro tipo de pronto atendimento público, pronto-socorro ou emergência de hospital público, hospital público/ambulatório, consultório particular ou clínica privada, ambulatório ou consultório de empresa ou sindicato, pronto-atendimento ou emergência de hospital privado, no domicílio com profissional da equipe de Saúde da Família, no domicílio com médico particular, outro).
A ocorrência da última consulta médica na vida foi aferida pela pergunta ‘Quando você consultou um médico pela última vez?’, cujas respostas possíveis eram ‘nos 12 últimos meses’, ‘de 1 ano a menos de 2 anos’, ‘de 2 anos a menos de 3 anos’, ‘3 anos ou mais’ e ‘nunca foi ao médico’. Para avaliar essa última consulta, perguntou-se sobre a disponibilidade de equipamentos, espaço para consulta, tempo de deslocamento até o serviço e espera pelo atendimento, atendentes, limpeza, habilidades e clareza do médico, privacidade e disponibilidade para esclarecer questões. As possíveis respostas para as questões propostas na entrevista eram ‘muito bom’, ‘bom’, ‘regular’, ‘ruim’ e ‘muito ruim’. Algumas variáveis tiveram suas categorias agrupadas, para melhor descrição e interpretação dos resultados.
Uma empresa especializada em pesquisas populacionais foi contratada. O trabalho de campo foi realizado por 14 pesquisadores, experientes e treinados, que coletaram os dados por meio de tablets (Tab3 SM-T110 Samsung® Galaxy). As entrevistas ocorreram nos domicílios dos participantes, de maio a agosto de 2015. O questionário foi configurado no software SurveyToGo (Dooblo Ltd, Israel), que transmitia os dados ao banco da pesquisa via internet.
Controle de qualidade
Para assegurar a validade interna, foi realizado pré-teste do questionário com 150 entrevistados, que compuseram a amostra final. Para garantir a confiabilidade das entrevistas, 20% delas foram auditadas por contato telefônico pela empresa contratada. As entrevistas tiveram trechos gravados e todas foram georreferenciadas.
Para minimizar possíveis diferenças entre os participantes que aceitaram e aqueles que declinaram da pesquisa, foram estipuladas metas diárias para as entrevistas, baseadas nas cotas pré-definidas de sexo e faixa etária (Tabela Suplementar 1). No momento do convite aos sujeitos, informou-se que a Universidade Federal do Amazonas era a instituição responsável pela pesquisa. Tendo em vista que essa universidade é uma instituição centenária de ensino e pesquisa, com reputação de longa data entre a população, acredita-se que esse foi um fator favorável à participação.
Os entrevistadores foram treinados para a coleta dos dados, e o questionário foi baseado em instrumentos previamente validados. As questões, com múltiplas opções de resposta, foram ordenadas aleatoriamente, a cada entrevista.15 A similaridade das opções pode dessensibilizar o entrevistado ao respondê-las, especialmente as últimas. A randomização foi planejada para fortalecer a validade interna.15 Tais estratégias buscaram diminuir o viés de aferição.
Tamanho do estudo
Baseado em uma estimativa conservadora de 50% no uso de serviço de saúde, o tamanho de amostra foi calculado considerando-se um nível de confiança de 95%, precisão absoluta de 2% e efeito do desenho de 1,5. Tomando-se a estimativa oficial de 2.106.322 residentes ≥18 anos na região,9 o tamanho mínimo calculado da amostra foi de 3.598. Para compensar eventuais perdas, foram adicionados aproximadamente 10%, o que totalizou 4.000 pessoas para serem entrevistadas.
Métodos estatísticos
Neste estudo descritivo, as frequências e intervalos de confiança de 95% (IC95%) foram estimados considerando-se o delineamento amostral complexo.16 O pacote estatístico Stata 14.2 (StataCorp, College Station, TX) foi utilizado, empregando-se o módulo survey (svy).
Aspectos éticos
O Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas aprovou o projeto do estudo por meio do Processo nº 974.428, de 03/03/2015 (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética na Plataforma Brasil [CAAE] no 42203615.4.0000.5020). Todos os participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Disponibilidade de dados e materiais
Os dados serão disponibilizados para análises, mediante apresentação de protocolo e solicitação ao autor correspondente. Tais dados não estão disponíveis para consulta pública, no intuito de preservar a confidencialidade dos participantes e a originalidade dos resultados a serem publicados.
Resultados
No total, 8.587 domicílios foram visitados, dos quais 3.177 (36,9%) estavam fechados ou o morador não era adequado às cotas predefinidas de sexo e idade. Foram convidadas 5.410 pessoas, das quais 1.314 (24,3%) recusaram e 95 (1,8%) não eram elegíveis por dificuldades cognitivas. Afinal, 4.001 adultos foram incluídos na pesquisa (Figura 1).
As características dos participantes incluídos estão apresentadas na Tabela 1. Houve equilíbrio na distribuição dos sexos, com leve predominância do feminino (52,8%). Metade dos participantes tinha 18-34 anos de idade, a maioria era de raça/cor da pele parda (72,2%) e 1% declarou-se indígena. Mais da metade (54,3%) era de solteiros. Participantes com pelo menos o Ensino Médio completo representaram 47,5%; 62,7% pertenciam às classes econômicas C2/D/E, e 86,7% residiam em Manaus. Cerca de 80% classificaram seu estado de saúde como bom ou regular.
Características dos participantes | n | % | % ajustado a | IC 95% b |
---|---|---|---|---|
Sexo | ||||
Masculino | 1.888 | 47,2 | 47,2 | 45,7;48,8 |
Feminino | 2.113 | 52,8 | 52,8 | 51,2;54,3 |
Idade (em anos) | ||||
18-24 | 838 | 20,9 | 20,9 | 19,6;22,1 |
25-34 | 1.152 | 28,8 | 28,8 | 27,4;30,2 |
35-44 | 843 | 21,1 | 21,1 | 19,9;22,4 |
45-59 | 772 | 19,3 | 19,3 | 18,1;20,6 |
≥60 | 396 | 9,9 | 9,9 | 9,0;10,9 |
Raça/cor da pele | ||||
Branca | 636 | 15,9 | 15,9 | 14,8;17,1 |
Preta | 300 | 7,5 | 7,5 | 6,7;8,3 |
Amarela | 138 | 3,5 | 3,5 | 2,9;4,1 |
Parda | 2.886 | 72,1 | 72,2 | 70,7;73,5 |
Indígena | 41 | 1,0 | 1,0 | 0,8;1,4 |
Situação conjugal | ||||
Casado | 1,409 | 35,2 | 35,2 | 33,8;36,7 |
Separado | 157 | 3,9 | 3,9 | 3,4;4,6 |
Divorciado | 103 | 2,6 | 2,6 | 2,1;3,1 |
Viúvo | 159 | 4,0 | 4,0 | 3,4;4,6 |
Solteiro | 2.173 | 54,3 | 54,3 | 52,7;55,8 |
Escolaridade | ||||
Ensino Superior ou mais | 158 | 4,0 | 4,0 | 3,4;4,6 |
Ensino Médio | 1.903 | 47,6 | 47,5 | 46,0;49,1 |
Ensino Fundamental | 649 | 16,2 | 16,2 | 15,1;17,4 |
Menos que Ensino Fundamental | 1.291 | 32,3 | 32,3 | 30,8;33,7 |
Cidade de residência | ||||
Manaus | 3.479 | 87,0 | 86,7 | 85,8;87,9 |
Careiro da Várzea | 41 | 1,0 | 1,1 | 0,7;1,5 |
Iranduba | 70 | 1,8 | 1,7 | 1,4;2,1 |
Itacoatiara | 154 | 3,9 | 3,8 | 3,2;4,4 |
Manacapuru | 140 | 3,5 | 3,5 | 3,0;4,1 |
Novo Airão | 20 | 0,5 | 0,6 | 0,4;1,0 |
Presidente Figueiredo | 57 | 1,4 | 1,3 | 1,0;1,7 |
Rio Preto da Eva | 40 | 1,0 | 1,2 | 0,8;1,6 |
Classificação econômica | ||||
A | 34 | 0,9 | 0,9 | 0,6;1,2 |
B1 | 90 | 2,3 | 2,2 | 1,8;2,8 |
B2 | 505 | 12,6 | 12,6 | 11,6;13,7 |
C1 | 862 | 21,5 | 21,5 | 20,3;22,8 |
C2 | 1.423 | 35,6 | 35,6 | 34,1;37,1 |
D/E | 1.087 | 27,2 | 27,1 | 25,8;28,5 |
Estado de saúde | ||||
Muito bom | 471 | 11,8 | 11,9 | 10,9;12,9 |
Bom | 2.175 | 54,7 | 54,3 | 52,7;55,8 |
Regular | 1.108 | 27,7 | 27,7 | 26,3;29,1 |
Ruim | 193 | 4,8 | 4,9 | 4,2;5,6 |
Muito ruim | 54 | 1,4 | 1,4 | 1,0;1,8 |
a) Ponderado pelo delineamento complexo.
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
A Tabela 2 mostra os resultados para os participantes que usaram um serviço de saúde nas últimas duas semanas (n=838) (20,9%; IC95% 19,7;22,2%). O principal motivo para usar o serviço foi problema de saúde (64,5%) e diagnóstico ou prevenção de doenças (22,0%). A maioria conseguiu atendimento na primeira tentativa (84,4%); 22,7% buscaram atendimento em dois ou mais serviços de saúde; 44,4% foram atendidos em unidades básicas de saúde e 41,1% em serviços de urgência/emergência.
Variáveis | n | % | % ajustado a | IC 95% b |
---|---|---|---|---|
Motivo principal | ||||
Problema de saúde | 541 | 64,6 | 64,5 | 61,2; 67,7 |
Diagnóstico/prevenção | 184 | 22,0 | 22,0 | 19,3; 25,0 |
Pré-natal/parto | 37 | 4,4 | 4,4 | 3,2; 6,0 |
Outro | 76 | 9,1 | 9,1 | 7,3; 11,2 |
Tipo de serviço | ||||
Consulta médica | 642 | 76,6 | 76,5 | 73,5; 79,3 |
Consulta odontológica | 72 | 8,6 | 8,6 | 6,9; 10,7 |
Procedimento terapêutico/diagnóstico | 85 | 10,1 | 10,2 | 8,3; 12,5 |
Outro | 39 | 4,7 | 4,7 | 3,4; 6,3 |
Atendimento na primeira tentativa | ||||
Sim | 707 | 84,4 | 84,4 | 81,7; 86,7 |
Não | 131 | 15,6 | 15,6 | 13,2; 18,3 |
Número de tentativas de atendimento no serviço de saúde | ||||
1 | 648 | 77,3 | 77,3 | 74,3; 80,0 |
2 ou mais | 190 | 22,7 | 22,7 | 20,0-25,7 |
Local de atendimento c | ||||
Unidade básica de saúde | 372 | 44,4 | 44,4 | 41,1; 47,8 |
Consultório/ambulatório | 238 | 28,4 | 28,4 | 25,4; 31,5 |
Urgência/emergência | 344 | 41,1 | 41,1 | 37,8; 44,4 |
Outro | 20 | 2,4 | 2,4 | 1,5; 3,7 |
a) Ponderado pelo delineamento complexo.
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
c) Mais de um local poderia ser informado pelo participante.
A maior parte dos participantes que não usaram serviços de saúde na quinzena (n=3.163) relataram não necessitar dele (89,3%). Entre os motivos de não conseguir atendimento, destacaram-se dificuldades no serviço de saúde (horários disponíveis, tempo de espera, distância do serviço e disponibilidade de especialista: 6,9%) e limitações pessoais (falta de dinheiro, transporte ou acompanhante: 3,2%).
A consulta médica foi o serviço mais utilizado nos últimos 15 dias (76,5%), enquanto 2,9% relataram nunca ter consultado com médico (IC95% 2,4;3,4) e 20,6% haviam consultado pela última vez há mais de um ano (Tabela 3).
Variáveis | n | % | % ajustado a | IC 95% b |
---|---|---|---|---|
Última consulta médica | ||||
Nos últimos 12 meses | 3.066 | 76,6 | 76,6 | 75,2; 77,8 |
De 1 ano a menos de 2 anos | 531 | 13,3 | 13,3 | 12,3; 14,4 |
2 ou mais anos | 289 | 7,2 | 7,3 | 6,5; 8,1 |
Nunca foi ao médico | 115 | 2,9 | 2,9 | 2,4; 3,4 |
Tipo de médico | ||||
Médico da família ou clínico geral | 2.995 | 74,9 | 74,9 | 73,5; 76,2 |
Ginecologista | 402 | 10,1 | 10,0 | 9,1; 11,0 |
Outro especialista | 489 | 12,2 | 12,2 | 11,2; 13,3 |
Nunca foi ao médico | 115 | 2,9 | 2,9 | 2,4; 3,4 |
a) Ponderado pelo delineamento complexo.
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.
A maioria dos 3.886 que se consultaram com médico alguma vez avaliaram a última consulta como ‘bom’/‘muito bom’ nos seguintes quesitos: equipamentos (61,8%); espaço (61,1%); atendentes (60,9%); limpeza (55,9%); e avaliação do médico quanto a habilidades (64,3%), respeito (66,0%), clareza (63,6%), privacidade (68,0%) e disponibilidade para perguntas (65,4%). O tempo de espera foi considerado ‘ruim’ ou ‘muito ruim’ por 27,3% dos entrevistados, e 25,7% avaliaram negativamente a liberdade para escolher o médico. Outros pontos negativos incluíram tempo de deslocamento (18,9%) e disponibilidade do médico para perguntas do paciente (12,3%) (Tabela 4).
Avaliação | Bom % a | Regular % a | Ruim % a |
---|---|---|---|
Disponibilidade de equipamentos | 61,8 | 26,2 | 12,0 |
Espaço para consulta | 61,1 | 27,5 | 11,4 |
Tempo de deslocamento | 51,8 | 29,2 | 18,9 |
Tempo de espera | 44,4 | 28,3 | 27,3 |
Atendentes | 60,9 | 25,5 | 13,6 |
Limpeza | 55,9 | 28,0 | 16,1 |
Habilidades do médico | 64,3 | 23,6 | 12,1 |
Respeito do médico | 66,0 | 22,9 | 11,0 |
Clareza do médico | 63,6 | 23,9 | 12,5 |
Privacidade com o médico | 68,0 | 21,5 | 10,4 |
Disponibilidade para perguntas | 65,4 | 22,2 | 12,3 |
Liberdade na escolha do médico | 45,8 | 28,6 | 25,7 |
a) Ponderado pelo delineamento complexo.
Discussão
Um quinto da população da Região Metropolitana de Manaus usou um serviço de saúde nas duas semanas anteriores à entrevista, e aproximadamente um décimo procurou pelo serviço mas não o utilizou por dificuldades pessoais ou do próprio sistema de saúde. Entre os que utilizaram o serviço, a unidade básica de saúde foi o principal local de atendimento, e a consulta médica o serviço mais demandado. De maneira geral, a última consulta foi bem avaliada. Tempo de espera, oportunidade de escolher o médico e comunicação com o profissional são pontos que se beneficiariam de melhorias.
Adultos da Grande Manaus usaram um serviço de saúde na última quinzena com uma frequência maior que a observada nacionalmente, pela PNS (17,5%; IC95% 17,0;18,1%).2 Entretanto, a proporção de indivíduos que nunca consultaram um médico foi três vezes superior à estimativa nacional, evidenciando as desigualdades regionais existentes no Brasil.17
A avaliação positiva da última consulta foi semelhante à observada nacionalmente, pela PNS, que também registrou menor satisfação com tempo de espera e liberdade de escolha do médico.18
Não foi possível estimar o impacto das recusas e perdas por domicílios fechados, na presente pesquisa. A inclusão de indivíduos foi aleatória e baseou-se nas cotas predefinidas de sexo e idade, provenientes das estimativas oficiais, com vista à representatividade demográfica da população como um todo. Outro esforço que poderia ter sido empregado, com vistas a aumentar a representatividade da amostra, seria o sorteio dos residentes e agendamento da entrevista com aqueles que não estivessem presentes no momento da abordagem. A proporção de recusa em estudos epidemiológicos vem aumentando ao longo das últimas décadas, sendo sugerido que a proporção de recusa em si não necessariamente indica presença de viés de seleção em um estudo.19 Por isso, é importante verificar possíveis diferenças entre as características dos participantes e daqueles indivíduos que não aceitaram participar da pesquisa.19
As características dos participantes do presente estudo reforçam a representatividade da amostra. As proporções de mulheres e de adultos jovens são similares às verificadas pelo último censo oficial.9 A maior parte dos participantes reside em Manaus, proporção similar à estimativa oficial para essa região metropolitana, e se autodeclarou como pardo, uma miscigenação de indígenas, brancos e negros típica da região.
Outras características reforçam as diferenças da área em relação ao país em geral. Quase 90% da população pertence às classes econômicas C, D e E. No Brasil como um todo, esse estrato representa 75% da população.14
Além das limitações inerentes ao delineamento transversal empregado, existe uma possibilidade de viés de seleção. Pessoas com doenças mais graves - e consequentemente, maiores demandas de assistência - podem não ter sido incluídas no inquérito por estarem fora do domicílio, em tratamento, o que subestimaria as prevalências de utilização de serviços.20
Um terço da amostra avaliou seu estado de saúde como regular, ruim ou muito ruim, mostrando a necessidade de assistência à saúde na área. Considerando-se o baixo poder econômico dos residentes na Região Metropolitana de Manaus, a necessidade de assistência à saúde gratuita por essa população, haja vista sua dependência exclusiva do SUS, é ainda maior.21 O fortalecimento e ampliação do SUS é fundamental para o desenvolvimento social da região.
Uma segunda etapa do projeto foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Processo nº 1.541.710, de 10/05/2016; CAAE 53215816.6.0000.5020) e teve seu início em junho de 2016. Nessa segunda etapa, os participantes são contatados por telefone para se verificar seu interesse em realizar exames laboratoriais, como hemograma. Uma vez que aceitem, um novo Termo de Consentimento é apresentado e, uma vez obtido, a coleta de material biológico é agendada para o domicílio ou local de trabalho, onde for mais conveniente ao participante. Essa etapa depende da localização dos participantes por telefone, o que preocupa os pesquisadores: no Brasil, é comum a mudança do número de telefone celular, devido a alterações nos planos e promoções comerciais pelas operadoras de telefonia. Outros fatores que podem influenciar a participação são falta de interesse, medo de agulhas/seringas e erro no registro do número de telefone durante as entrevistas em 2015.
Os resultados descritivos do inquérito apontam para diferenças na utilização de serviços de saúde na Região Metropolitana de Manaus, em relação ao perfil nacional. A investigação dos fatores associados, em análises subsequentes, pode ajudar a elucidar o estado de saúde e a utilização de serviços na Região Metropolitana de Manaus, chamando a atenção para o problema e políticas voltadas a sua resolução.