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Informe Epidemiológico do Sus
versão impressa ISSN 0104-1673
Inf. Epidemiol. Sus v.9 n.2 Brasília jun. 2000
http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16732000000200002
Avaliação do sistema de informações hospitalares - SIH/SUS como fonte complementar na vigilância e monitoramento de doenças de notificação compulsória
Evaluation of the hospital information system (SIH/SUS) as a complementary information source for surveillance and monitoring of notifiable diseases
Antônio da Cruz Gouveia MendesI; Jarbas Barbosa da Silva JuniorII; Kátia Rejane MedeirosI; Tereza Maciel LyraI; Djalma Agripino de Melo FilhoIII; Domício Aurélio de SáI
IDepartamento de Saúde Coletiva-NESC/CPqAM/FIOCRUZ
IICentro Nacional de Epidemiologia / Fundação Nacional de Saúde
IIIDiretoria de Desenvolvimento Social / SUDENE
RESUMO
Este trabalho teve como objeto a exploração das potencialidades do Sistema de Informações Hospitalares - SIH/SUS na vigilância epidemiológica e monitoramento de doenças de notificação compulsória. Os Estados e Regiões do Brasil constituíram a área de estudo, sendo os dados, coletados do SIH/SUS, relativos a internações por doenças de notificação compulsória, do período de 1984 a 1998, e provenientes do Centro Nacional de Epidemiologia-CENEPI, de 1980 a 1997. As patologias foram agregadas quanto à necessidade de internação e quanto à distribuição por Estados e Regiões do país. Os resultados da classificação dos Estados segundo as quatro maiores freqüências absolutas de internações e notificações e a comparação entre a notificação e número de internações de acordo com a necessidade de internamento da patologia, mostraram uma grande coerência entre os dados do CENEPI e do SIH. Concluiu-se que o SIH/SUS tem uma grande agilidade na obtenção dos dados e uma boa capacidade para o monitoramento das patologias analisadas, podendo assim ser uma importante fonte complementar para vigilância das doenças de notificação compulsória.
Palavras-chaves: Sistema de Informações Hospitalares, Doenças de Notificação Compulsória, Vigilância Epidemiológica, Monitoramento.
SUMMARY
The objective of this paper was to explore the potentialities of the Hospital Information System - SIH/SUS for epidemiologic surveillance and monitoring of Notifiable Diseases. The states and regions of Brazil constituted the study area. Data relative to hospital admittances for Notifiable Diseases, during the period from 1984 to 1998, was obtained from the SIH/SUS and data from the National Center of Epidemiology - CENEPI, during the period from 1980 to 1997. Data bases were linked by pathologies, hospital admittances and by place of occurrence - distributed for states and regions of the country. The results of the classification of the states according to the four larger absolute frequencies of admittances and reports and the comparison between the reports and the number of admittances according to the need of admittances for the pathologies, showed a high level of coherence between CENEPI and SIH data. It was concluded that SIH/SUS has a great agility in obtaining the data and shows a good capacity for monitoring the analyzed pathologies, being an important complementary source of information for surveillance of Notifiable Diseases.
Key Words: Hospital Information System; Notifiable Diseases; Epidemiologic Surveillance; Monitoring.
Introdução
A abordagem dos sistemas de informação em saúde, a partir de uma perspectiva complementar, vem-se tornando uma área de estudo bastante promissora, pois, além de identificar as limitações e as possibilidades dos sistemas tomados isoladamente, pode revelar o resultado da interação entre eles, o que, sem dúvida, contribuirá com o aprimoramento da vigilância e monitoramento das doenças, óbitos e agravos em saúde.
Esta pesquisa teve como objeto de trabalho avaliar as potencialidades do Sistema de Informações Hospitalares - SIH/SUS na vigilância epidemiológica e monitoramento de doenças de notificação compulsória (DNC). Foi desenvolvida tendo como pressuposto a idéia de que é possível complementar as informações, obtidas fundamentalmente a partir dos bancos de dados de corte epidemiológico com outras advindas de outros bancos, como é o caso do SIH-SUS, que dispõe de informações sobre 12,5 milhões de internações anuais ocorridas na rede SUS, no país.
Nessa perspectiva, compararam-se as freqüências de internação por doenças de notificação compulsória, registradas no SIH-SUS, com as freqüências dos casos notificados ao Centro Nacional de Epidemiologia - CENEPI do Ministério da Saúde, no período de 1993 a 1998, a fim de descrever e interpretar aspectos relativos à magnitude e ao comportamento do problema obtidos em um e outro sistema.
Informação como Objeto e Instrumento de Trabalho
A informação como objeto de investigação passa a ocupar espaço na agenda científica a partir do pós-guerra. A informação desenvolveu-se como premissa para o pleno funcionamento das instituições.1
Todo o processo gerencial e seu conseqüente planejamento devem estar embasados em informações precisas e disponíveis em "tempo real" para que, de fato, possam ser usadas como instrumento para melhoria da qualidade das decisões.
Para que se cumpram esses pressupostos é preciso entender que as informações estão inseridas no tempo e no espaço de uma determinada situação. Neste sentido, no processo de sua construção, devem-se considerar as seguintes questões: Por que será registrada a informação? Para que, por quem e como será utilizada? Por quanto tempo será útil?2
Outro aspecto relevante a ser observado é a relação da informação com os atores sociais que a utilizam, pois o estudo da informação pressupõe a possibilidade de definição de vários objetos, segundo o olhar e paradigma no qual se está inserido.1
No setor saúde, o conhecimento, a avaliação e a intervenção nas situações epidemiológicas também pressupõem a definição de problema de saúde e sua intervenção requer uma análise desta situação.
A construção de indicadores, a partir de referências e critérios, pode fornecer informações sobre as condições de saúde de uma população, além de serem utilizados como um dos instrumentos para o diagnóstico no setor saúde.3 Nos indicadores, a informação deve ser trabalhada a partir de uma noção de sistema, ou seja, os Sistemas de Informação em Saúde, permitindo, assim, a produção e o manuseio de diferentes indicadores de saúde, que proporcionem uma intervenção mais efetiva nos problemas de saúde da população.
Os indicadores podem ser categorizados em: a) de eficiência - que propõem otimizar a utilização dos recursos da melhor maneira possível, permitindo a avaliação da estrutura do sistema de saúde, como produtividade, capacidade instalada e operacional; b) de eficácia - que objetivam alcançar melhores resultados, avaliando os processos de trabalho em saúde (cobertura, concentração de procedimentos e resolutividade) e, por fim, c) de efetividade - que buscam obter transformações concretas da situação de saúde, refletindo a avaliação de resultados como aqueles verificados nos indicadores de morbimortalidade, demográficos, socioeconômicos e ambientais.4
Além disto, o indicador, para ser de boa qualidade, deve possuir simplicidade, validade, disponibilidade, robustez, sinteticidade, discriminatoriedade e cobertura.2
A gestão dos serviços de saúde exige não só a permanente produção de informações, mas, também, o seu manuseio, pois se espera que sua utilização aprimore as potencialidades contidas no sistema de informação, além de ampliar o impacto das ações no próprio nível gerencial.
Os Sistemas de Informação em Saúde (SIS), assim como no conceito de informação, revelam que na definição e na interpretação dos indicadores há um referencial, um paradigma, o qual também estará refletido nas formas de intervenção nos problemas de saúde.2
O Ministério da Saúde identifica como objetivos dos SIS: avaliar e apoiar o planejamento, a tomada de decisões e as ações em todos os níveis do arcabouço organizacional do sistema de saúde; apoiar o desenvolvimento científico e tecnológico do setor saúde; subsidiar a avaliação das relações de eficiência e efetividade das políticas, das estratégias e das ações de saúde; apoiar o desenvolvimento e capacitação de recursos humanos no setor saúde; e, por fim, subsidiar no processo de comunicação dos órgãos do setor saúde com a população.4
A coleta e o processamento dos dados, a produção e a disseminação das informações são processos que compõem os SIS,5 que podem ser classificados em sistemas de informação operacionais e sistemas de informação gerenciais. No primeiro, observa-se a geração de informações quanto às atividades de rotina, utilizando mecanismos pré-estabelecidos, testados e normatizados para processos de coleta de dados; no segundo, são geradas informações voltadas para uma avaliação permanente das respostas que estão sendo produzidas e do impacto obtido sobre a situação de saúde.4
No Brasil, os Sistemas de Informação em Saúde de abrangência nacional possibilitam inúmeras avaliações, sejam através dos sistemas de informações assistenciais: Sistema de Informações Hospitalares (SIH) e Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA), ou através dos sistemas de informações epidemiológicas: Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) e Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).
Os sistemas de informações assistenciais no país conseguem dispor de uma importante quantidade de dados, embora careçam de meios que garantam uma maior agregação e compatibilização. Por outro lado, existem outros aspectos problemáticos quanto à utilização dos SIS, como a fidedignidade das informações e seu nível de desagregação que limitam sua utilização em diagnósticos de saúde detalhados e precisos, com vistas a subsidiar o planejamento e avaliação de ações de saúde.6
Ainda cabe referir que as principais fontes de informações nacionais são de responsabilidade de distintas agências produtoras de informações, gerando muitas vezes duplicidade de informações, além de divergências conceituais.7
Entre as várias agências, destacam-se a Secretaria de Assistência à Saúde (SAS) do Ministério da Saúde, como gestora do SIH e do SIA/SUS, e a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), por meio do Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI), responsável pelos sistemas SIM, SINASC e SINAN. Além destas, próprias do setor saúde, existem outras que também produzem informações em saúde, como a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Quanto aos aspectos de diálogo entre os sistemas de informações, não existe unicidade nem mesmo dentro dos sistemas de informações assistenciais, pois as produções ambulatorial e hospitalar não podem ser cruzadas porque não há um único cadastro ou nome da unidade. Almeida8 lamenta a inexistência de complementaridade entre estes sistemas, pois a ampliação da base de coleta de dados possibilitaria o aumento de cobertura dos eventos em algumas áreas do país onde há uma escassez de informações. Mesmo sendo produzidos de forma independente, é o Ministério da Saúde o gestor de todos os sistemas referidos.7
Com a reintrodução do conhecimento epidemiológico a fim de subsidiar o diagnóstico para a ação em saúde9 e com a disponibilidade de dados secundários para construção de indicadores para análises epidemiológicas, identifica-se a urgência na revisão de alguns problemas operacionais e de compatibilização dos sistemas de informação de abrangência nacional. Neste sentido, nenhum dos campos da epidemiologia pode ser desenvolvido sem que haja um suporte na informação.4
Além disso, o processo de descentralização no setor saúde, a partir da criação do Sistema Único de Saúde, tem exigido a expansão de meios e tecnologias em saúde capazes de subsidiar o diagnóstico e as ações dos gestores na esfera municipal.9 Com isto, entra em cena outro obstáculo: a inabilidade dos técnicos que compõe os quadros municipais em manusear tais sistemas, seja por desconhecimento de suas variáveis e potencialidades,8 seja pela escassez de recursos materiais básicos, como a disponibilidade de computador.
Nesta perspectiva, observam-se iniciativas do Ministério da Saúde, por meio de seu Departamento de Informática (DATASUS), da Secretaria de Assistência a Saúde (SAS) e do Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI), no sentido de refletir sobre os problemas presentes nos SIS e criar estratégias com vistas à intervenção na questão.9
Como exemplo deste esforço, destaca-se a estratégia de conformação da Rede Integrada de Informações para a Saúde (RIPSA) que, refletindo sobre os problemas mencionados sobre os SIS, realizou, em 1996, sua primeira oficina de trabalho e definiu alguns objetivos: "a) dispor de bases de dados consistentes, atualizados, abrangentes, transparentes e de fácil a cesso; b ) articular instituições que possam contribuir para o fornecimento e crítica de dados e indicadores, e para análise de informações, inclusive com projeções e cenários; c) implementar mecanismos de apoio para aperfeiçoamento permanente da produção de dados e informações; d) promover interfaces com outros sub-sistemas especializados de informação da administração pública; e) contribuir para o aprofundamento de aspectos ainda pouco explorados, ou identificados como de especial relevância para a compreensão do quadro sanitário brasileiro".10
Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde-SIH/SUS
A primeira iniciativa para criação de um sistema para controle de pagamento de contas hospitalares data de 1976,11 quando foi criado o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS) e com ele o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), encarregado de toda assistência médica previdenciária do país. A partir de então, foi implantado o Sistema Nacional de Controle e Pagamento de Contas Hospitalares (SNCPCH).
Caracterizado pelo pagamento de atos médicos aos hospitais contratados, dispunha de dois instrumentos balizadores do montante a ser remunerado: a Guia de Internação Hospitalar (GIH), que estabelecia limites máximos a serem pagos de acordo com o diagnóstico ou o procedimento realizado, e a Tabela de Honorários Médicos, que definia os valores para remuneração dos profissionais expressos em Unidades de Serviços (US).
No final da década de 1970, evidenciam-se os problemas de financiamento da previdência e assistência médica no Brasil , resultante, de um lado, da crise econômica do país e, de outro, do sistema de remuneração da assistência à saúde que, ao remunerar por atos médicos, trazia como característica a imprevisibilidade do faturamento dos hospitais contratados e, conseqüentemente, a impossibilidade de previsão dos gastos do INAMPS com a assistência médica. Além destes aspectos, sobrevinham também as fraudes decorrentes deste sistema de remuneração.
Nesse contexto, foi criado o Conselho Consultivo de Administração de Saúde Previdenciária (CONASP), que elaborou um Plano de Reorientação da Assistência à Saúde no Âmbito da Previdência Social. Em 1982, foi apresentado um plano para apreciação e aprovação. Nele era consensual que o sistema vigente necessitava de mudanças, pois, além de apresentar precária qualidade de atendimento e baixas produtividade e resolutividade, também era identificado o reduzido aproveitamento da capacidade própria instalada, induzindo a distorções indesejáveis, ao desperdício de recursos e à imprevisibilidade de gastos, além da freqüente ocorrência de fraudes.12
O Plano do CONASP caracterizava-se fundamentalmente em buscar uma racionalidade nos gastos realizados com a assistência à saúde, privilegiando o setor público, além de instituir mecanismos de controle social sobre a assistência.
Como proposta fundamental para a reorientação da assistência à saúde, surgiram as Ações Integradas de Saúde (AIS). Pela primeira vez a Previdência Social passa a financiar ações de saúde desenvolvidas pelo setor público não próprio: a assistência à saúde ambulatorial prestada por municípios.11
O Sistema de Assistência Médico- Hospitalar da Previdência Social/Autorização de Internação Hospitalar (SAMHPS/AIH), estudado e desenvolvido desde 1979 pelo INAMPS e DATAPREV, é adotado como modelo de pagamento a fim de combater as fraudes.
Mesmo com as transformações ocorridas na política de saúde, na década de 1990, reconhece-se que o SAMHP/AIH permanece até hoje essencialmente o mesmo.
A principal transformação observada consiste na inclusão de prestadores de serviços hospitalares de outras naturezas, como as entidades filantrópicas e beneficentes, em 1986, universitárias, em 1987, e, finalmente, a incorporação dos hospitais públicos, em 1991, após a descentralização das unidades do antigo INAMPS, principalmente, para as Secretarias Estaduais de Saúde. Após este processo, o sistema passou a denominar-se de Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS).11
O SIH/SUS é caracterizado como um modelo de financiamento do tipo prospectivo, fundamentado na estimativa de custos médios aplicados a uma unidade determinada (caso ou procedimento) e tendo uma base de cálculo pré-definida. Está apoiado no conceito de que os pacientes apresentam características homogêneas, quanto a variáveis demográficas, sociais e clínicas. Portanto, reúne os pacientes em grupos conforme suas semelhanças e características.11
Também utilizado pelo Medicare, nos Estados Unidos, onde é denominado de Diagnosis Related Group (DRG), o Mecanismo de Pagamento Fixo por Procedimentos classifica os pacientes internados por grupos homogêneos, de acordo com o volume de recursos que consomem durante a sua permanência no hospital.13
Com isso, fica explícito que o sistema de pagamento das contas hospitalares da AIH apresenta como principal elemento diferenciador do SNCPCH o processo de pagamento. Com a introdução da AIH, foi possível uma maior previsibilidade de gastos e um maior controle e avaliação sobre o faturamento da rede hospitalar. Em conseqüência, torna-se reduzida a possibilidade de corrupção e fraude dentro do sistema de assistência médica hospitalar do SUS.
Por outro lado, desde a criação do SIH/SUS, verifica-se a cada dia iniciativas do Ministério da Saúde, no sentido de acrescentar críticas ao sistema de informação SIH/SUS como o tempo mínimo de internação por tipo de patologia, estabelecimento de um número máximo de internações de acordo com a população e outras que têm sido bastante importantes para reduzir determinados tipos de fraudes.7
As Autorizações de Internação Hospitalar dispõem de um conjunto de variáveis, sendo as principais: identificação do paciente, caracterização do hospital e gestor (número de leitos, clínicas disponíveis, meios diagnósticos e terapêuticos), recursos pagos pela internação, natureza do evento (causa principal da internação, causas associadas, procedimento realizado, meios auxiliares de diagnóstico e terapêuticos utilizados), tempo de internação e o destino do paciente.
No SIH/SUS existem dois tipos de AIHs: AIH 1 e a AIH 5. A primeira, além de dispor do número que identifica a autorização de internação, contém dados de identificação do paciente, registro do conjunto de procedimentos médicos e serviços de diagnóstico e tratamento nele realizados e código da doença. A AIH 5, ou de Continuidade, é usada para aqueles pacientes psiquiátricos crônicos, após concluído o tempo de internação permitido na apresentação da AIH 1, 107 dias para este caso.7
O SIH/SUS, a partir das variáveis nele contidas, apresenta possibilidade para ser trabalhada uma série de indicadores. Indicadores epidemiológicos podem ser construídos a partir da morbidade e mortalidade hospitalar, fazendo os cruzamentos das variáveis necessárias agregando-se os dados de acordo com as necessidades a serem avaliadas.
Além disso, indicadores de desempenho da rede assistencial e de avaliação do sistema de saúde permitem avaliar os gastos, a oferta de serviços, demanda hospitalar e a cobertura assistencial, entre outros. Além de subsidiar estudos de eficiência, eficácia e efetividade.
Portanto, a combinação das variáveis disponíveis permite construção de um conjunto de indicadores cuja utilização será balizada pela necessidade efetiva do que se pretende avaliar; além disso, combinação de indicadores permitirá o desenvolvimento de índices de acordo com os carecimentos, desenvolvimento tecnológico e grau de utilização do Sistema de Informação Hospitalar.7
Como sistema de informação dirigido para o pagamento de contas hospitalares, são inerentes ao SIH/SUS busca de restrição dos gastos e privilegiamento do controle e avaliação da rede hospitalar. A lógica que concebeu criação do sistema foi definida a partir do elemento despesa. Por outro lado, identifica-se que em sua evolução as iniciativas de aprimoramento do sistema têm estado circunscritas ao elemento produção/despesas.
No país, são raros os estudos que investigam a confiabilidade dos dados produzidos no SIH/SUS. Os únicos que demonstram investigação neste sentido com divulgação nacional foram os de Lebrão,14 que enfocou a variável diagnóstico principal nas informações hospitalares do Estado de São Paulo, e de Veras & Martins,13 que avaliou confiabilidade dos dados da AIH no Estado do Rio de Janeiro. Destaca-se que o momento em que estes estudos foram desenvolvidos não reflete o SIH/SUS com maior extensão de rede, tratando-se, portanto, de um período anterior ao SUS, onde a rede pública restringia-se à rede contratada pela Previdência Social.
Ainda assim, a investigação da confiabilidade dos dados da AIH pela rede contratada do Rio de Janeiro, descrita por Veras & Martins, concluiu: "...os resultados obtidos por este estudo indicam que a qualidade das informações disponíveis no banco de dados constituído pelos dados anotados nos formulários AIH era, de alguma forma, melhor do que a qualidade corriqueiramente imputada a esse banco de dados".13
Os autores ainda detectaram uma baixa confiabilidade dos dados em relação ao diagnóstico principal, embora haja melhora quando existe um maior nível de agregação (uso de três dígitos ao invés de quatro), e aos serviços auxiliares de diagnóstico e terapêutica e uma alta confiabilidade nas variáveis referentes ao procedimento realizado, óbito (exceto para mortes perinatais) e transferência.13
Carvalho7 também identifica a existência de outros elementos limitadores no SIH/SUS: o sistema não é universal, pois representa apenas as internações realizadas na rede pública de serviços, embora, no caso brasileiro, represente 70% a 80% do total das internações realizadas no país; os dados disponíveis estão susceptíveis a fraudes, mesmo com as estratégias de críticas a partir de programas desenvolvidos pelo Ministério da Saúde; não permite correções posteriores à realização do pagamento, visto que ele é feito a partir de faturas de serviços prestados; e, por fim, não identifica reinternações e transferências de outros hospitais, dando margem a duplas e triplas contagens de um mesmo paciente.
Entretanto, Carvalho7 destaca a potencialidade da base de dados do SIH, tendo em vista o montante de variáveis de que dispõe e a agilidade que apresenta. Os dados por ele aportados tornam-se disponíveis aos gestores em menos de um mês e, na Internet, o consolidado Brasil nunca apresenta atraso maior que dois meses, além de serem úteis à vigilância epidemiológica, à avaliação e controle das ações.
Além de Veras & Martins13 e Carvalho,7 outros autores já haviam destacado que o SIH/SUS, apesar de ter como principal objetivo a remuneração das internações hospitalares em função da produção de serviços, dispõe de outras possibilidades, visto que se constitui na única fonte regular e universal sobre morbidade hospitalar no Brasil.6,8,15
Almeida,7 refletindo sobre a potencialidade do SIH/SUS, compara o sistema brasileiro com as características e gerenciamento dos SIS na França: "Com relação às informações hospitalares, o Brasil possui um sistema mais sofisticado do que aquele existente na França, para os hospitais que integram o Sistema Único de Saúde. O Sistema de Informações Hospitalares com base nas AIH (Autorização de Internações Hospitalares) permite que se tenham informações gerencias e epidemiológicas mais detalhadas e ágeis do que aquelas obtidas atualmente na França, onde há uma separação dos dados destinados ao controle de pagamento das internações das informações epidemiológicas" (pag.11).
Sobre as falhas no pagamento das internações, Almeida8 corrobora as conclusões de Veras & Martins,13 pois refere que os problemas estão mais associados à pequena utilização dos dados disponíveis em atividades de controle e avaliação do que a questões oriundas de sua concepção.
Buss15 aborda a potencialidade do SIH como instrumento de definição de prioridades políticas, ou seja, pode subsidiar a tomada de decisão, possibilitando uma melhor adequação das políticas às necessidades de serviços de saúde para a população. Neste contexto, explora variáveis da assistência hospitalar, no período de 1984 a 1991, contemplando a distribuição da oferta de atenção hospitalar no país e a produção de serviços com seus custos no interior do SUS.
Nas contribuições dos autores referidos, reitera-se a pertinência de investigação das potencialidades do SIH/SUS como instrumento capaz de subsidiar definições no âmbito da gestão do sistema de saúde e capaz de fornecer suporte às atividades de vigilância epidemiológica, por refletir o perfil de morbidade hospitalar de 80% da população brasileira.11
Sistema de Informação de Agravos de Notificação-SINAN
As primeiras iniciativas de listar doenças de notificação compulsória datam de 1377, quando se elaborou, em Veneza, a legislação fundamental de quarentena. Em 1851, aquela cidade sediou a I Conferência Sanitária Internacional, quando são estabelecidos princípios de máxima proteção contra propagação internacional de enfermidades. Os princípios, constituídos em Veneza, guiaram a formulação do primeiro Regulamento Sanitário Internacional, em 1951, quando foram definidas seis enfermidades que necessitavam de quarentena: peste, cólera, febre amarela, varíola, tifo e febre recorrente.9
Na primeira metade da década de 1960, consolidou-se, internacionalmente, uma conceituação mais abrangente de vigilância como o conjunto de atividades que permite reunir a informação indispensável para conhecer, a qualquer momento, o comportamento ou história natural das doenças, bem como detectar ou prever alterações de seus fatores condicionantes, com o fim de recomendar oportunamente, sobre bases firmes, as medidas indicadas e eficientes que levem à prevenção e ao controle de determinadas doenças.9
Em 1975, o Ministério da Saúde, que passou por uma mudança em sua estrutura organizacional, cria o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE) que fazia parte da Secretaria de Ações Básicas do Ministério da Saúde. O sistema era responsável pelo controle de doenças endêmicas, que, antes, era atribuição dos vários serviços nacionais como os de malária e tuberculose. Adotando um modelo operacional horizontal, onde atuariam os três níveis distintos da estrutura de serviços de saúde, foi destinado ao Ministério da Saúde o serviço de normatização e coordenação das atividades.6
Além destas mudanças, houve a incorporação de um conjunto de doenças de maior relevância sanitária para o país13: doenças estabelecidas pelo Regulamento Sanitário Internacional: varíola, febre amarela, peste, cólera; doenças vinculadas ao Programa Nacional de Imunização: poliomielite, sarampo, tétano, difteria, coqueluche, raiva, febre tifóide e doença meningocócica; doenças controláveis através de ações coordenadas por órgãos específicos do Ministério da Saúde: malária, hanseníase e tuberculose e meningites em geral.7
É importante que o sistema de vigilância epidemiológica seja preservado e constantemente aprimorado, incorporando-se a ele os avanços científicos e tecnológicos de cada período, pois, em parte, dele dependem a eficiência e a efetividade da Vigilância Epidemiológica.
As normas de notificação devem adequar-se, no tempo e no espaço, quanto às doenças consideradas áreas geográficas abrangidas, conteúdo de informação requerido, critérios de definição de casos, periodicidade de transmissão dos dados, modalidades de notificação e fontes de informação utilizadas.13
Na década de 1990, com a promulgação da Lei no 8.080, o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE) sofre mudanças importantes, na medida em que as proposições se encontram ancoradas nas principais diretrizes do Sistema Único de Saúde, que propõem uma reorganização do setor saúde no Brasil, seja mediante a inclusão dos Municípios na gestão da saúde, seja através da integração preventivo-assistencial das ações de saúde. Sendo concebido e desenvolvido a partir de 1992, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) utilizou como experiência-piloto os Municípios do Estado de Pernambuco e Paraná.7
Somente em 1993 o sistema passa a ser introduzido em todo território nacional, podendo ser utilizado a partir do nível local, objetivando racionalizar os processos de coleta e transferência de dados relacionados a doenças e agravos de notificação compulsória.13
Atualmente, o sistema contempla um elenco de doenças de diferentes naturezas: crônicas transmissíveis e não transmissíveis.7
O SINAN dispõe de dados sobre unidade notificadora, identificação do paciente, informações sobre o caso, método de diagnóstico e evolução do caso.
O SINAN, a partir da construção de taxas ou coeficientes de incidência, prevalência e letalidade, entre outros, permite a elaboração de indicadores para definição de prioridades de problemas de saúde a serem enfrentados. Os limites postos, até hoje, na construção destes indicadores residem em dois aspectos: a) o SINAN ainda não tem abrangência em todas unidades da federação e b) a dificuldade na obtenção no número de doentes, tendo em vista a ausência de inquéritos epidemiológicos no país.
Entre as características mais favoráveis do SINAN, tem-se o seu caráter universal, imposto através da Lei nº 6259/75 e do Decreto nº 78.231/76, que, inclusive, prevêem penalidades aplicáveis a pessoas físicas ou jurídicas.16
Destaca-se ainda que o SINAN encontra-se ainda em processo de implantação, não havendo impunidade no país para aqueles casos onde se identifica descumprimento no registro da notificação. Verifica-se uma baixa clareza quanto ao objetivo primário da notificação, levando a um mau desempenho global, contribuindo, inclusive, para o excesso de subnotificações. Há lentidão na disponibilidade de suas informações que decorre, entre outros aspectos, da existência de vários fluxos para seus documentos e informações.7,13
Reconhecendo o papel que tem o pleno funcionamento do SINAN na definição de prioridades e intervenção nos agravos, desde 1993 o Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI) tem destinado esforços no sentido de reorganizar o Sistema de Vigilância Epidemiológica, objetivando contribuir para o processo de descentralização. Sendo assim, vêm sendo adotadas medidas como o processo de revisão da lista nacional de doenças de notificação, dos instrumentos técnicos e do sistema operacional do SINAN, além dos esforços para alocar recursos e estimular a sua implantação nos Municípios, visando à agilização do uso das informações geradas no SNDC, no nível local do SUS. O CENEPI também vem estimulando as discussões sistemáticas com dirigentes das Secretarias Estaduais de Saúde sobre os critérios, formas e recursos para financiamento do Sistema Nacional de Vigilância, na ótica da descentralização das ações. A criação da Câmara Técnica de Epidemiologia do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (CONASS) constitui um bom exemplo deste esforço, pois participa das reuniões ordinárias deste Conselho, nas quais são discutidas as propostas de desenvolvimento da Vigilância Epidemiológica em todos os níveis do sistema com a participação da Diretoria do CENEPI e representantes das Secretarias Estaduais. Na perspectiva de mudança de paradigma, há captação de recursos extra-orçamentários para implantação de um novo modelo denominado Vigilância em Saúde, tendo como principais eixos a vigilância epidemiológica e ambiental. Finalmente, elaboram-se projetos para iniciar o processo de vigilância de doenças crônicas não transmissíveis e outros agravos.
Procedimentos Metodológicos da Pesquisa
Neste item encontram-se descritos de forma genérica os procedimentos metodológicos da investigação. O detalhamento com maior especificidade foi remetido para cada um dos artigos que se referem a subgrupos de doenças de notificação compulsória.
Área, Universo de Estudo e Período de Referência
O território brasileiro, categorizado em Regiões e Estados, constituiu a área de estudo. A pesquisa teve dois universos de estudo. O primeiro, foi formado pelos casos de doenças de notificação compulsória, que foram internados em hospitais próprios ou conveniados com o Sistema Único de Saúde (SUS), no período de 1984 a 1998. O segundo, foi formado pelos casos de doenças de notificação compulsória que foram notificados ao Centro Nacional de Epidemiologia-CENEPI-MS, no período de 1980 a 1997.
Consideraram-se doenças de notificação compulsória aquelas relacionadas no art. 1o da Portaria no 4.052, do Ministério da Saúde, de 23 de dezembro de 1998, publicada no Diário Oficial da União, de 24 de dezembro de 1998.
Algumas doenças de notificação compulsória, por suas características clínicas ou epidemiológicas, foram excluídas do estudo: peste, por ser um evento raro; rubéola, por não requerer internação; doença de Chagas, por só exigir notificação de casos agudos; malária, por ser de notificação apenas em áreas não-endêmicas e, finalmente, meningite por Haemophilus influenzae, por não se dispor de dados específicos em série histórica.
Portanto, foram incluídas no estudo as seguintes doenças: cólera, coqueluche, dengue, difteria, febre amarela, febre tifóide, hanseníase, hepatites virais, leishmaniose, meningites, poliomielite/paralisia flácida aguda, raiva humana, sarampo, síndrome da imunodeficiência adquirida - AIDS, tétano (neonatal e acidental) e tuberculose. Mesmo não sendo de notificação compulsória, foi incluída a leptospirose, por sua importância epidemiológica e pelo diagnóstico diferencial com febres hemorrágicas.
Desenho de Estudo
Estudo descritivo, onde foram construídas séries temporais com dados referente a internações e a notificações de casos de doenças de notificação compulsória. Não há, portanto, intenção de testar hipóteses, embora no contexto da interpretação dos resultados observados tenham sido levantadas algumas hipóteses explicativas para o fenômeno em questão.
Elenco de Variáveis
As variáveis descritas no estudo, para os dados do SIH-SUS, foram relativas ao tipo de doença de notificação compulsória, ao ano e local (unidade da federação) da internação e aos valores (total e médio ) pagos por internação. No caso do CENEPI, as variáveis se referenciam ao tipo de doença de notificação compulsória, ao ano e ao local da notificação.
Fonte de Dados
Os dados sobre as doenças de notificação compulsória foram obtidos a partir de dois bancos: o Sistema de Informações Hospitalares - SIH/SUS, relativo ao registro das internações no período de 1984 a 1998, e o denominado banco CENEPI que consolidou os dados obtidos das Secretarias Estaduais de Saúde, no período 1980 a 1997. Ressalta-se aqui que os dados referentes à notificação de casos não foram obtidos unicamente a partir do SINAN. O banco de dados do SIH/SUS foi explorado a partir das Autorizações de Internações Hospitalares (AIHs), arquivo reduzido (RDUFAAMM.dbc), acessado pela INTERNET no site do Departamento de Informática do SUS (DATASUS) através do TABNET, tabulador de dados desenvolvido pela mesma, e de CD-ROMs produzidos também pelo DATASUS, através do TABWIN 1.2. As duas fontes foram complementares.
A morbidade hospitalar pode ser explorada a partir do que foi registrado como diagnóstico principal do internamento ou como procedimento específico realizado. A opção por uma ou outra fonte se deu em função de sua disponibilidade e de sua qualidade.
Antes da descrição dos dados, foi realizado um estudo piloto com a raiva humana, por se tratar de uma doença com letalidade de 100% e que, portanto, exige internação em todos os casos, constituindo assim um parâmetro para avaliar a qualidade dos dados. Neste estudo chegou-se à conclusão que a morbidade em geral tem uma melhor qualidade quando obtida através do procedimento registrado na AIH, por ser este o definidor do valor do pagamento da internação, sendo, portanto, preenchido com maior rigor. Porém, o campo do procedimento só se encontra disponível, no sistema de informação, a partir de 1993, limitando assim a descrição da série histórica.
O diagnóstico principal da internação, apesar de ter apresentado menos rigor no seu preenchimento, tem como vantagem a possibilidade da obtenção da série histórica a partir de 1984. Portanto, o estudo optou, em regra, pela descrição da morbidade através dos dados do diagnóstico principal, quando este não apresentava diferença significativa entre diagnóstico e procedimento. Quando os dados do diagnóstico apresentavam uma baixa qualidade optou-se pelo procedimento realizado. Neste caso, para não se perder a série, usou-se o diagnóstico no período de 1984 a 1992 e o procedimento realizado a partir de 1993.
Desta forma, as doenças para as quais se optou pelo uso do diagnóstico foram: sarampo, coqueluche, poliomielite, tétano, cólera, dengue, febre amarela, hepatites, tuberculose pulmonar, hanseníase e sífilis congênita. Quanto à Aids, meningites, difteria, raiva humana, febre tifóide, leptospirose e leishmaniose visceral, optou-se pela exploração dos dados a partir dos procedimentos específicos realizados.
Houve necessidade de compatibilização de diagnósticos para algumas doenças, entre o SIH e o CENEPI, em função de mudanças ocorridas na Classificação Internacional de Doenças (CID), pois, até 1997, os dados provenientes do SIH eram codificados usando a 9a revisão e, a partir de 1998, a 10a revisão.
Problemas Metodológicos
Uma vez que o SIH-SUS não cobre, evidentemente, todas as internações realizadas, énecessário fazer algumas considerações sobre sua representatividade em relação às doenças de notificação compulsória.
A seguir, apresentam-se alguns argumentos que corroboram essa representatividade principalmente em relação a essas patologias. O Sistema Único de Saúde gera, em média, 12.500.000 internações por ano, representando em torno de 80% do total registrado para o país. Grande parte das modalidades de seguros-saúde restringiam nas suas apólices o pagamento de internações por doenças de notificação compulsória. E, quando os seguros cobrem essas patologias, os hospitais, a estes conveniados, tendem a não aceitá-las, na medida em que muitas dessas patologias requerem importante estrutura física e humana, o que representaria significativos investimentos sem o retorno financeiro assegurado, levando a clientela desses seguros a recorrer aos serviços público sem caso de necessidade. São os serviços credenciados ao SUS que detêm maior tecnologia e recursos humanos com maior experiência e qualificação no tratamento de doenças infecciosas. Sabe-se que num país com importantes iniqüidades sociais como o Brasil, as doenças infecciosas ocorrem principalmente em localidades e populações de menos recursos, ou seja, a clientela totalmente dependente do SUS.
Plano de Descrição dos Dados
Por se tratar da exploração de doenças de notificação compulsória, buscou-se aglutiná-las segundo critérios de freqüência de internamento e forma de transmissão.
Em função da demanda por internações, foram agregadas em dois grandes grupos: a) internação obrigatória ou muito freqüente: raiva humana, difteria, meningites, tétano, sífilis congênita, poliomielite/paralisias flácidas, febre amarela, leptospirose, Aids, leishmaniose visceral e cólera e b ) internações esporádicas: dengue clássica, hanseníase, tuberculose, coqueluche, sarampo e hepatite.
Quanto às formas de transmissão, foram agrupadas em doenças imunopreveníveis, de veiculação hídrica, transmissão vetorial e as doenças transmitidas pessoa a pessoa.
Como doenças imunopreveníveis consideraram-se o sarampo, a poliomielite, a difteria, a coqueluche, o tétano acidental e neonatal e a raiva humana que tem na vacinação pós-agressão seu principal elemento de controle. No conjunto de doenças de veiculação hídrica, foram incluídas a cólera, a febre tifóide e a leptospirose. No bloco das doenças transmitidas por vetores foram incluídas a dengue, a febre amarela e a leishmaniose visceral. Por fim, considerou-se como transmitidas através de contato interpessoal a AIDS, a sífilis congênita, as meningites, a hanseníase, a tuberculose pulmonar e as hepatites virais (A e B). Embora a hepatite A seja melhor enquadrada como fundamentalmente de veiculação hídrica, ela foi descrita juntamente com a hepatite B.
Os dados foram descritos segundo freqüência absoluta e coeficiente de internação e de notificação de casos. Comparou-se a freqüência absoluta das doenças em série histórica, observando-se em particular a coerência encontrada entre o SIH-SUS e o CENEPI para o período de 1993 a 1997. A opção por este intervalo foi em função de ser o ano de 1993 aquele onde há a unificação de toda informação da rede hospitalar do SUS no sistema AIH, e ser o ano de 1997 aquele em que se dispõe de dados "fechados" pelo CENEPI. No ano de 1998 foram trabalhados apenas os dados provenientes do Sistema de Informações Hospitalares. Os coeficientes de internação e de notificação de casos também foram avaliados no mesmo período.
A razão entre internações/notificações evidenciou diferenças entre os dois sistemas de informações como, por exemplo, a subnotificação do SIH e CENEPI e as prováveis reinternações na rede hospitalar.
Impacto das Doenças de Notificação Compulsória no Total das Internações do SUS: Magnitude, Distribuição e Custos
A propósito de uma visão panorâmica dos primeiros resultados da investigação, pois os subgrupos mais específicos de doenças serão considerados separadamente, descrevem-se, inicialmente, os dados sobre a participação (magnitude e gastos) das doenças de notificação compulsória - DNC em relação ao total das internações do país.
Observa-se na Tabela 1 que, em 1993, houve 204.842 internações por DNC, representando 1,38% do total das 14.829.769 internações realizadas. Já em 1998, registraram-se 116.700 as internações por DNC, correspondendo a 1% do total. Houve, portanto, uma redução em termos absolutos de 88.142 internações realizadas pelo Sistema Único de Saúde - SUS no referido ano.
Em 1995, gastou-se a importância de R$ 43.695.343,50 com internações por DNC, ou seja, 1,37% do total (R$ 3.192.437.637,99). Em 1998, a proporção dos gastos com DNC caiu para 1,15% do total. O valor médio pago por internações gerais no país, em 1995, foi de R$ 252,44, enquanto as DNC apresentavam um valor médio pago de R$ 294,84. Em 1998, elevam-se, respectivamente, para R$ 325,17 e R$ 376,10, correspondendo a 28,81% e 27,56% de crescimento (Tabela 1).
Verifica-se, no período de 1995 a 1998, uma redução no número total de internações, assim como na proporção de internações por doenças de notificação compulsória. Isso pode ser atribuído a uma queda da incidência/prevalência destas patologias e/ou a uma maior prioridade pelo tratamento ambulatorial.
Os maiores valores médios pagos, em 1998, por doenças de notificação compulsória foram para tétano acidental (R$ 888,34) e Aids (R$ 749,20), sendo o menor (R$ 90,47) destinado às internações por febre tifóide. Em 1998, as internações por Aids, meningites e tuberculose custaram ao SUS R$ 34.695.417,60, representando 82,39% do total gasto em internações por DNC incluídas no estudo (Tabela 2).
O comportamento das freqüências para o país entre os anos de 1993 e 1997 (Tabela 3), provenientes das duas fontes de informação utilizadas, CENEPI e SIH, mostra que a qualidade das informações tende a melhorar nos últimos anos (1996/1997), o que reforça o processo evolutivo em função ainda da implantação do SINAN e melhoria do controle e avaliação do SIH. Esta avaliação é melhor percebida pelas patologias que exigem um maior grau de internação como difteria, meningites, raiva humana, leptospirose, tétano acidental e sífilis congênita.
A Figura 1, apesar dos bons resultados percebidos em sua totalidade, destaca alguns achados em relação às patologias para as quais se esperava um grande número de internações. O número de internações por casos de raiva humana, tétano acidental, sífilis congênita, febre amarela, difteria e febre tifóide ultrapassou a freqüência dos casos notificados em todo o período, sugerindo, portanto, a existência de uma subnotificação. As reinternações ocorridas com os casos de AIDS e leishmaniose visceral explicam o maior número de internamentos em relação às notificações. No caso da cólera, mais de 70% de internações dos casos notificados é também um resultado esperado. A freqüência de internações por meningites encontra-se abaixo do esperado, talvez por causa da participação da rede privada no internamento dos casos. Todavia, o pior resultado fica por conta do tétano neonatal que, apesar da necessidade da internação obrigatória, apresentou poucas internações em relação ao número de notificações.
Em relação às doenças de notificação compulsória que necessitam de poucas internações, os dados sobre poliomielite/paralisia flácida, dengue, tuberculose pulmonar, hanseníase, hepatites e sarampo foram compatíveis com o esperado, a exceção fica por conta da coqueluche, uma vez que mais de 20% dos casos notificados exigiram internações, número acima do esperado.
Embora possa parecer paradoxal, a não observação de similitude entre o encontrado para internações e o esperado, como foi observado em algumas patologias para as quais se esperava também grande número de internações, reforça a importância de acompanhar de forma complementar os dados provenientes do SIH.
De um lado, patologias como o tétano neonatal e a meningite tuberculosa, em que se observou um número surpreendentemente inferior de internações, ou de outro lado, a sífilis congênita para a qual se observou comportamento inverso, ou seja, maior número de internações do que de notificações. Estes achados são indicativos úteis para alertar o CENEPI sobre a necessidade de buscar ativamente casos perdidos, ou identificar a não captação dos casos, pela rede assistencial, frente aos quais um tratamento, adequadamente instituído, traria impacto para a letalidade.
Quando os dados foram descritos, a partir dos dois sistemas de informação, em função de sua ocorrência no espaço definido para o estudo, ou seja, Regiões e Estados, observa-se que as manchas se distribuem com bastante semelhança nos dois sistemas de informações, mostrando uma grande coerência, destacando-se, em função da densidade populacional, a Região Sudeste. Em relação aos Estados, sobressaem-se, em ordem de freqüência, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, vindo a seguir o Estado da Bahia, no Nordeste, o Estado do Rio Grande do Sul, no Sul, e o Pará, no Norte (Figuras 2 e 3).
Quando se observam os subgrupos, verifica-se que, em relação à magnitude das imunopreveníveis, sobressaem-se os Estados de Minas Gerais, Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul, nos dois sistemas de informações. No conjunto das doenças imunopreveníveis, o Estado de Minas Gerais é aquele que ocupa mais vezes a primeira posição, enquanto o Estado da Bahia se destaca quando se refere aos casos notificados. Quando se consideram os grupos das doenças cuja transmissão se faz de pessoa a pessoa, sobressai-se, nos dois sistemas de informações, a Região Sudeste, com os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, além do Estado do Paraná, na Região Sul. Contudo, o Estado de Minas Gerais apresenta uma maior freqüência de internações, enquanto o Rio de Janeiro apresenta um maior número de notificações. As doenças de notificação compulsória de veiculação hídrica concentram-se na Região Nordeste, principalmente nos Estados da Bahia, Pernambuco e Ceará, embora nestes dois últimos se perceba uma importante notificação de casos de febre tifóide, sem correspondência com os internamentos. Destaca-se, ainda, a participação do Sudeste na freqüência da leptospirose observada nos registros do CENEPI e SIH. As patologias transmitidas por vetores também apresentam uma maior concentração nos estados do Nordeste, particularmente na Bahia, evidenciada nos dois sistemas de informações, embora também haja uma importante participação dos Estados de São Paulo e Minas Gerais nas internações por febre amarela.
Considerações Finais
Quando se descreveram as patologias segundo a necessidade potencial de internação, observou-se que, independentemente de requererem internações com maior ou menor freqüência, o Sistema de Informações Hospitalares - SIH/SUS mostrou uma boa compatibilidade quando comparado com o sistema de notificação de casos, principalmente para aquelas patologias em que se tem uma boa vigilância como a difteria, AIDS, meningite meningocócica, raiva humana, tétano acidental, sífilis congênita, tuberculose pulmonar e sarampo.
Os resultados também evidenciaram que a potencialidade do SIH/SUS no monitoramento e vigilância das doenças de notificação compulsória não está relacionada à freqüência de internamentos que elas exigem. O SIH-SUS mostrou-se um sistema ágil e com boa capacidade de detecção dos casos esperados tanto para as doenças que requerem muitos internamentos, como para as que pressupõem internamentos esporádicos.
A exploração das potencialidades do Sistema de Informações Hospitalares - SIH/SUS, como coadjuvante do monitoramento e vigilância epidemiológica das doenças de notificação compulsória, revelou grande qualidade como fonte complementar de informações para a vigilância destas patologias, ao contrário do senso comum que imagina este sistema de informação de qualidade bastante questionável como fonte de dados epidemiológicos.
O SIH pode tornar-se ainda mais potente à medida que se façam alguns ajustes no sistema, e que ele seja usado de forma regular e contínua, tendo como conseqüência maior avaliação e controle das informações prestadas.
Ressalta-se, deste modo, importância da continuidade de estudos com exploração das informações contidas no SIH, utilizando-se tanto a metodologia descritiva, como desenhos analíticos mais sofisticados, que contribuirão para elevação da confiabilidade do sistema.
A descrição realizada demonstra necessidade de se corrigirem alguns problemas. Assim, com o intuito de melhorar a qualidade do SIH e contribuir com as informações em saúde do SUS, serão apresentadas algumas sugestões: a) Condicionar o pagamento da AIH de doenças de notificação compulsória notificação do caso, no momento do preenchimento da AIH, com conseqüente aperfeiçoamento dos dados de morbidade hospitalar e notificações das doenças. Esta notificação poderia ser registrada em um campo aberto pela própria AIH, gerando-se um disquete de notificações a ser entregue junto com a cobrança da internação; b) Propõe-se a revisão, caso a caso, dos valores pagos para essas patologias, tornando-os mais justos estimulando os hospitais que se ocupam destes tipos de internações, pois os baixos valores pagos para a maioria das internações por DNC, somado obrigatoriedade da notificação, poderá gerar uma fuga para outros diagnósticos e procedimentos, que não necessitem da notificação. Esta medida provocará impacto ainda sobre as "possíveis fraudes", na medida em que também serão geradas a notificação e a conseqüente investigação epidemiológica, o controle e avaliação sobre estas internações hospitalares; c) Para uma melhor qualidade das informações prestadas pelo SIH, condicionar o pagamento das internações por DNC ao preenchimento de diagnósticos e procedimentos compatíveis, que hoje não se exige; d) Compatibilização na codificação de variáveis comuns aos dois sistemas como: Sexo (SIH M=1, F=3/SINAN M=1, F=2) Idade (SIH Dia=1, Mês=2, Ano=3/SINAN Hora=1, Dia=2, M ê s = 3 , A n o = 4 ) , Diagnóstico ( S I H - CID 10/SINAN-CID 9), Estabelecimento de Saúde (SIH=CGC, SINAN=Código); e) Em relação à continuidade da existência de internações por poliomielite e registro no SIH, sugere-se o uso obrigatório de síndromes paralíticas não especificadas (CID G93.9) para casos suspeitos ou a internação por seqüelas de poliomielite (CID B91) para tratamentos cirúrgicos ou fisioterápicos e, até mesmo, poliomielite, desde que acompanhado da notificação da doença; f) O registro do sarampo no SIH tem como limitação à inexistência deste procedimento para pacientes não pediátricos, levando ao seu sub-registro, devendo, portanto, ser admitido em pacientes adultos; g) Todo caso de internação por raiva humana deverá obrigatoriamente constar, evidentemente, como motivo de alta o óbito, rejeitando-se o pagamento com outros motivos de alta. No caso de internações para administração do soro usar o CID Z24.
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