INTRODUÇÃO
O desenvolvimento do setor agroindustrial brasileiro é de fundamental importância para o País. Por outro lado, constata-se que a intensificação do processamento de frutas tem gerado grande excedente de resíduos nas diversas etapas da cadeia produtiva. Há desperdício desde a produção no campo até o mercado consumidor, tanto pelo desconhecimento do potencial nutricional de diversas partes de alguns gêneros alimentícios, como os resíduos descartados, quanto pelo preparo e armazenamento inadequado pós-aquisição do produto.
Segundo dados da Organização de Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (Food and Agriculture Organization of the United Nations - FAO)1, o Brasil situa-se entre os três maiores produtores mundiais de frutas, com uma produção aproximada em torno de 40 milhões de toneladas ao ano. Constata-se que uma grande parcela dessas frutas é processada pelas indústrias de polpas e sucos, sendo que cerca de 40% dessas matérias-primas tornam-se resíduos industriais.
O crescimento industrial, em paralelo ao aumento do descarte dos resíduos do processamento das frutas, representa um fator agravante para o setor, pois esses materiais são propensos à degradação microbiológica e contaminação ambiental se não tratados corretamente. Porém, a aplicação de técnicas de secagem, armazenagem e utilização desses subprodutos requer recursos econômicos, o que pode representar um entrave para o seu aproveitamento.
Em virtude desses fatores, esses subprodutos industriais são ainda predominantemente utilizados como ração animal, fertilizantes ou descartados no meio ambiente. Dessa forma, a aplicação de técnicas e o avanço das pesquisas em busca de uma utilização eficiente, que amplie positivamente a relação custo-benefício e que seja ambientalmente correta, vêm se tornando foco de diversos estudos2,3.
Como alternativa, pesquisas têm sido intensificadas nos mais diversos setores industriais com o intuito de minimizar esse problema. Na área alimentícia, busca-se obter o máximo aproveitamento das matérias-primas beneficiadas juntamente com a diminuição de resíduos do processamento agroindustrial. Procura-se, portanto, contribuir para a redução dos custos com alimentação, além de oferecer alternativas para o aproveitamento desses resíduos, acarretando benefícios ambientais, sociais e econômicos e objetivando maximizar o aproveitamento dos recursos naturais com o mínimo de desperdício e danos ambientais2,4.
Nesse sentido, vale ressaltar que as indústrias de frutas e hortaliças apresentam, durante suas diversas etapas da cadeia produtiva, consideráveis perdas que podem ser maiores ou menores, dependendo do setor industrial envolvido.
No caso do processamento industrial das amêndoas de castanha-do-brasil, a geração de resíduos torna-se maior em virtude do fruto encontrar-se no interior de um ouriço e do descarte das cascas amadeiradas da própria amêndoa e sua respectiva película. Além das amêndoas quebradas que não se encaixam no padrão tipo exportação, o resíduo pode ser ainda maior quando seu teor em óleo é extraído, gerando um grande volume do que se denomina torta desengordurada ou parcialmente desengordurada, dependendo da forma de extração lipídica aplicada3,5,6.
A castanha-do-brasil, também conhecida como "castanha-do-pará", é oriunda da castanheira Bertholletia excelsa, árvore nativa da Região Amazônica, pertencente ao gênero Bertholletia da família Lecythidaceae. Sua estrutura frutífera é composta por ouriços, sementes e amêndoas7,8.
Para atender à universalidade do conhecimento científico, foi adotada a denominação "castanha-do-brasil", que segue o padrão internacional, de acordo com as normas da legislação brasileira para exportação8,9.
O Brasil mantém-se como líder no segmento produtivo com 35.000 t, em uma área média de 325 milhões de hectares. Destacam-se ainda a Bolívia e o Peru na pauta de exportação desse fruto na América do Sul10. Atualmente, mesmo com uma área plantada com pouco mais de 3%, a Bolívia desponta como líder de mercado no segmento de exportação das amêndoas, em virtude da implantação de tecnologias mais avançadas de beneficiamento e adequação às exigências da União Europeia8.
A demanda produtiva da fruticultura brasileira ainda situa-se predominantemente no mercado interno, porém a castanha-do-brasil desponta como um diferencial, sendo um dos destaques na pauta de exportação brasileira. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, os anos de 2008 e 2009 apresentaram uma produção média que oscilou em torno de 34.000 t, com uma grande parcela destinada à exportação11,12.
Os dados estatísticos apresentados pelos órgãos oficiais de pesquisa mostram que as amêndoas de castanha-do-brasil seguem na contramão em relação ao aspecto comercial, quando comparadas à maioria dos frutos. Na figura 1, verifica-se o volume em toneladas de exportação de castanha-do-brasil com casca para diversos países8,12.
O aumento do consumo interno e as aplicações em diversos segmentos - como o setor alimentício e os ramos farmacêuticos, dermocosméticos, cosméticos, entre outros - promovem as oscilações e reduções das exportações (Figura 1). Paralelo a seu incremento no setor industrial, há a geração de uma grande quantidade de rejeitos, uma vez que um dos mais importantes compostos aplicados pela indústria tem sido seu conteúdo lipídico. Esse desenvolvimento tem gerado um fator de considerável impacto ambiental, tornando-se um contaminante quando incinerado pelas indústrias1,8,12.
Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi obter e analisar a composição e as propriedades físicas, nutricionais, mineralógicas e aminoacídicas do resíduo agroindustrial pós-extração lipídica da castanha-do-brasil, com a finalidade de potencializar a aplicação desse produto como matéria-prima de base ou como substituição parcial em formulações diversas.
MATERIAIS E MÉTODOS
MATÉRIA-PRIMA
Foram adquiridos 10 kg de torta parcialmente desengordurada de castanha-do-brasil, provenientes de uma empresa localizada na Cidade de Belém, Estado do Pará (safra de abril de 2014). As amostras foram armazenadas à temperatura de -18º C.
PROCESSO DE OBTENÇÃO DA FARINHA DESENGORDURADA
Para facilitar a extração lipídica residual, foi realizada a secagem do material em estufa (Fabbe®, modelo 170), com circulação forçada de ar nas condições de operação de 50º C por 24 h. O método de escolha da extração foi a prensagem hidráulica (Schwing Siwa-15 t, Brasil), com capacidade de 15 t de pressão, sob um tempo médio de 5 min de pressão constante sobre cada batelada de amostra.
O composto resultante, denominado torta desengordurada, foi posteriormente uniformizado em moinho tipo Willye (Tecnal, modelo TE650), passando a ser então denominada de farinha desengordurada de castanha-do-brasil (Figura 2).
GRANULOMETRIA
A granulometria da farinha desengordurada de castanha-do-brasil foi realizada seguindo a metodologia do Instituto Adolfo Lutz (IAL)13 em um conjunto de peneiras série Granulotest (nº 14, 28, 35, 48, 65 e 100) e agitador de peneiras (Bertel Ltda., Brasil, modelo 0701, tipo magnético).
CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-QUÍMICA DA FARINHA PARCIALMENTE DESENGORDURADA
As análises físico-químicas da farinha parcialmente desengordurada de castanha-do-brasil avaliadas foram: umidade, segundo o método nº 920.151; proteína bruta, segundo o método de micro Kjeldahl nº 950.48; lipídios totais, de acordo com o método nº 948.22; resíduo mineral fixo determinado por incineração, de acordo com método nº 930.05. Todas as análises foram realizadas segundo a metodologia da Association of Official Analytical Chemists14. O teor de fibras totais foi determinado pelo método de hidrólise ácida sobre fluxo, seguindo-se a metodologia do IAL13. Os carboidratos totais foram calculados por diferença (100 g totais de umidade, proteínas, lipídios e cinzas). O cálculo do valor energético total (VET) foi obtido aplicando-se os fatores de Atwater 4-9 - 4 kcal/g para os valores de proteínas, lipídios e carboidratos totais15,16.
DETERMINAÇÃO EM MACRO E MICROMINERAIS NA FARINHA DESENGORDURADA
A análise da composição em macro e micronutrientes foi realizada para determinar os teores de cálcio, magnésio, ferro, cobre, zinco, selênio, sódio e potássio. As amostras foram preparadas por digestão ácida, assistida em forno micro-ondas marca Multiwave 3000 Microwave Sample Preparation System (Anton Paar, Graz, Áustria). A leitura dos elementos foi realizada por espectrometria de emissão atômica por plasma com argônio induzido (ICP-AES), acoplado ao SPECTRO Smart Analyser Vision Software do próprio equipamento de ICP-AES (Spectro Genesis-SOP, EUA).
ANÁLISE DO PERFIL DE AMINOÁCIDOS DA FARINHA PARCIALMENTE DESENGORDURADA
A análise do perfil de aminoácidos presentes na farinha desengordurada de castanha-do-brasil foi realizada no Laboratório de Fontes Proteicas do Departamento de Planejamento Alimentar e Nutrição da Universidade Estadual de Campinas, Estado de São Paulo. Os aminoácidos liberados durante a hidrólise ácida reagem com o fenilisotilcianato (PITC) e são separados por cromatografia líquida de alta eficiência (Thermo Separation Products, modelo A53000) em fase reversa (coluna AP-18, fabricante Phenomenex) e quantificados pela absortividade UV a 254 nm. A quantificação é feita por calibração interna multinível, com auxílio do ácido alfa-aminobutírico (AAAB), como padrão interno. Os resultados foram avaliados calculando-se o escore químico (EQ) de cada aminoácido. Os valores encontrados foram comparados ao padrão da FAO/World Health Organization (WHO)17.
RESULTADOS
ANÁLISES FÍSICAS DA FARINHA PARCIALMENTE DESENGORDURADA DE CASTANHA-DO-BRASIL
Na tabela 1 são exibidos os valores médios da granulometria da farinha parcialmente desengordurada de castanha-do-brasil. Esses dados expressam a distribuição entre as malhas das peneiras, com maior prevalência das peneiras 14, 28 e 35.
ANÁLISES FÍSICO-QUÍMICAS DA FARINHA PARCIALMENTE DESENGORDURADA
Na tabela 2 são apresentados os valores médios, com os respectivos desvios padrões, da composição nutricional da farinha parcialmente desengordurada de castanha-do-brasil. Essa composição mostra-se como um composto com alto valor energético e nutricional.
Composição | Valores médios |
---|---|
VET (kcal) | 502,08 |
Carboidrato* (g/100 g) | 7,70 ± 0,46 |
Proteínas† (g/100 g) | 37,54 ± 0,51 |
Lipídios (g/100 g) | 35,33 ± 0,27 |
Fibras totais (g/100 g) | 9,65 ± 0,63 |
Umidade (g/100 g) | 5,35 ± 0,85 |
Cinzas (g/100 g) | 4,08 ± 0,34 |
Os dados da tabela estão expressos em base seca (b.s.) representando
a média das triplicatas ± desvio-padrão; * Teor de carboidratos
calculados por diferença; † Proteína (Nx 5,46).
CARACTERIZAÇÕES EM MACRO E MICROMINERAIS NA FARINHA PARCIALMENTE DESENGORDURADA
Os resultados das análises dos principais macro e microminerais, presentes na farinha desengordurada de castanha-do-brasil (Tabela 3), mostram sua relevância, quando comparados com os padrões estabelecidos pela FAO/WHO (1991).
Minerais | Valores | FAO/WHO (1991) |
---|---|---|
Macrominerais | ||
Sódio | 0,34 ± 0,15 mg/100 g | 2.400 mg |
Potássio | 1953,60 ± 4,22 mg/100 g | 3.500 mg |
Cálcio | 565,20 ± 55,03 mg/100 g | 1.000 mg |
Magnésio | 798,50 ± 43,80 mg/100 g | 400 mg |
Microminerais | ||
Ferro | 6,22 ± 0,23 mg/100 g | 18 mg |
Cobre | 1,90 ± 0,35 mg/100 g | 2 mg |
Zinco | 11,80 ± 0,42 mg/100 g | 15 mg |
Selênio | 113,70 ± 0,29 µg/g | 70 µg/homens 55 µg /mulheres |
ANÁLISE DO PERFIL DE AMINOÁCIDOS DA FARINHA DESENGORDURADA
Os dados obtidos com base no perfil de aminoácidos são apresentados na tabela 4. Os resultados indicam o alto padrão das proteínas que compõem a farinha desengordurada de castanha-do-brasil.
Aminoácidos | Teor de aminoácidos (mg/g de proteína) | Padrão FAO/WHO* | Escore químico |
---|---|---|---|
Histidina | 6,40 | 16 | 0,40 |
Treonina | 8,70 | 9 | 0,97 |
Lisina | 10,30 | 16 | 0,64 |
Metionina† | 25,30 | 17 | 1,93 |
Cisteína | 7,50 | ND | ND |
Isoleucina§ | 11,30 | 13 | 0,87 |
Leucina§ | 24,70 | 19 | 1,30 |
Valina§ | 15,20 | 13 | 1,17 |
Fenilalanina‡ | 13,60 | 19 | 1,17 |
Tirosina | 8,70 | ND | ND |
Triptofano | 4,40 | 5 | 0,88 |
* Teor de aminoácidos recomendados para adultos acima de 18 anos de idade17; † Metionina + Císteina; ‡ Fenilalanina + Tirosina; § Aminoácidos de cadeia ramificada; ND: Não determinado.
DISCUSSÃO
ANÁLISES FÍSICAS DA FARINHA PARCIALMENTE DESENGORDURADA
A análise granulométrica forneceu os diâmetros das partículas, por meio de peneiramento em malhas, previamente definidos − parâmetros estipulados segundo a legislação brasileira18.
A granulometria analítica obedeceu aos critérios oficiais definidos pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento18, tomando como base para fonte de classificação a farinha de mandioca.
Analisando os resultados obtidos, foi possível verificar que são compatíveis com a farinha de mandioca do grupo seca e subgrupo farinha fina. Esses dados mostram as possibilidades de aplicações desse material como substituição proporcional em outros tipos de farinhas tradicionais, promovendo a agregação de funcionalidade e valor ao produto.
ANÁLISES FÍSICO-QUÍMICAS DA FARINHA PARCIALMENTE DESENGORDURADA
Na análise dos resultados obtidos, destaca-se o VET da farinha, com média de 502,08 kcal/100 g. Quando se compara a dieta padrão em termos nutricionais, estipulada para uma média diária de 2.000 kcal, constata-se que, em 100 g de consumo desse material, supre-se cerca de 25,10% da ingestão calórica total diária.
Os principais macronutrientes responsáveis por esse alto conteúdo energético recaem sobre seu conteúdo lipídico com média de 35,33%, e proteína com 37,54%. Esses parâmetros mostram sua potencialidade de aplicação alimentícia, destacando-se como uma das principais fontes proteicas. Foi possível verificar, também pelo alto valor de lipídio "residual" ainda encontrado no material, que a forma de extração de seu conteúdo lipídico não foi eficiente, o que promove consequentemente uma retenção maior de lipídio e menor quantificação de proteínas.
A composição lipídica desse material é um destaque quando comparada com outras farinhas. Levando-se em consideração a potencialidade de seu teor lipídico baseado no seu perfil em ácidos graxos essenciais, a extração "total" diminuiria a sua funcionalidade lipídica, reduzindo o valor energético e nutricional do resíduo (torta ou farinha).
Em comparação com outras farinhas derivadas de oleaginosas, a de castanha-do-brasil apresenta-se superior à farinha desengordurada de cupuaçu, com teor médio de 3,25% de lipídios em sua constituição; à farinha de soja, com média de 1,67%; e à farinha de mandioca, a mais consumida no País, com médias de 0,21 a 1,91% de lipídios19,20,21,22.
O percentual proteico da farinha de castanha-do-brasil (37,54%) mostrou-se superior à farinha de cupuaçu desengordurada (27,65%) e acima de uma das três variedades de farinha de tremoço (médias de 33,70, 40,76 e 46,03%). Em relação à farinha de soja, seu valor foi inferior; vale ressaltar que a soja é uma das maiores fontes proteicas, apresentando valor médio de 46,7%19,20,21,22,23,24.
A fibra foi outro macronutriente funcional encontrado nesse material que apresentou considerável valor, com média de 9,65%, classificando-o, com base na Portaria nº 27 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)25, como um produto com alto teor em fibras.
A umidade da farinha de castanha-do-brasil, com média de 5,35%, mostra-se como um produto abaixo dos limites estabelecidos pela legislação vigente no Brasil, definido pela Resolução RDC/ANVISA nº 26326 e pela Instrução Normativa nº 8 do Ministério da Agricultura27, que estipula um valor máximo de 15% para umidade em farinha de trigo. Apresenta-se também em conformidade com a Portaria nº 55418, a qual estabelece padrões para a farinha de mandioca, com teores máximos de umidade tolerável de 13%. Esse nível é adequado para um bom estado do material em termos de conservação, o que minimiza os riscos de reações de deterioração por atividades enzimáticas e/ou crescimento microbiano acelerado, entre outros.
A composição nutricional desse material o habilita como uma possibilidade de inclusão em produtos alimentícios, em substituição parcial ou total, por seu alto conteúdo em teores de macronutrientes, com destaque para proteínas, lipídios e fibras. Essa agregação de valor em nível de substituição depende essencialmente da qualidade e quantidade nutricional do material presente.
CARACTERIZAÇÕES EM MACRO E MICROMINERAIS DA FARINHA PARCIALMENTE DESENGORDURADA
A análise da tabela 3, expressa em macrominerais, toma como base o seu conteúdo em miligrama por 100 g; e os microminerais, os elementos com teores abaixo desse valor, sendo também considerados, em alguns casos, como elementos traços28.
Os principais macronutrientes observados foram o sódio e o potássio, com resultados em teores médios de 0,34 mg/100 g e 1953,50 mg/100 g, respectivamente, sendo esses comparados com as recomendações da FAO/WHO29. A função desses minerais está relacionada aos processos de contração e relaxamento muscular, componentes primordiais no equilíbrio e polaridade da membrana muscular e transmissão dos impulsos nervosos. São considerados eletrólitos, pois mantêm a permeabilidade das membranas plasmáticas e o equilíbrio ácido-básico dos líquidos corporais30.
Um dos mais importantes elementos é o cálcio, que apresentou média de 565,20 mg/100 g. Os resultados apresentam alta relevância desse micronutriente, com percentuais médios de 65,6% da Ingestão Dietética de Referência (Dietary Reference Intakes) estipulada pela FAO/WHO29. A relevância desse mineral no organismo humano situa-se na formação dos ossos e dentes, representando aproximadamente 75% do conteúdo mineral total doorganismo30,31.
Os micronutrientes com maior destaque encontrados na farinha foram: o ferro, com média de 6,31 mg/100 g; o cobre, com média de 1,90 mg/100 g; e o zinco, com 11,43 mg/100 g. Esses resultados mostram-se consideráveis em termos percentuais com valores proporcionais de 35%, 95% e 76,2% de relevância, quando comparados com as recomendações diárias de ingestão estabelecidas pela FAO/WHO29.
Esses elementos têm suas funções de destaque na formação de hemoglobina e hemácias e de mioglobinas nas fibras musculares, bem como na produção energética mitocondrial, na produção de antioxidantes e na formação de radicais livres30,31.
O grande destaque entre os micronutrientes apresentados na farinha desengordurada de castanha-do-brasil é o selênio, devido a sua ação funcional; quando em presença com a vitamina E, é considerado um dos maiores elementos antioxidantes. A média nesta pesquisa foi de 113,70 µg/100 g, acima das recomendações diárias de ingestão32 tanto para homens de 75 µg quanto para mulheresde 55 µg.
A redução do percentual lipídico promove o aumento do teor proteico, como consequência do processo de extração para a obtenção do seu óleo. O teor proteico eleva-se, promovendo a junção do selênio associado aos aminoácidos metionina e cisteína, formando o complexo selênio-metionina e selênio-cisteína, além da ligação de outros minerais como o cobre e o ferro33.
O selênio e o magnésio têm ações importantes no sistema de defesas imunológicas, antioxidantes e ação no metabolismo das glândulas tireoides, por sua ação enzimática com a iodotironina desiodinases, que converte a tiroxina (T4) em tri-iodotironina (T3). Assim, verifica-se que o mais atuante hormônio da tireoide é uma selenoproteína33.
Diante desses dados, o aproveitamento de subprodutos de oleaginosas, como a farinha desengordurada de castanha-do-brasil, tem um alto conteúdo nutricional em macro e micronutrientes, o que pode promover o seu emprego para fins alimentícios, com informações detalhadas como se apresenta sobre a sua composição nutricional, comparação com as recomendações diárias, valores biológicos e a qualidade e quantidade de minerais presentes nessa e em outras matérias-primas.
ANÁLISE DO PERFIL DE AMINOÁCIDOS DA FARINHA DESENGORDURADA
A qualidade biológica das diversas proteínas alimentares está relacionada diretamente a sua constituição em aminoácidos essenciais, blocos formadores das estruturas proteicas (Tabela 4). A essencialidade dos aminoácidos e o escore químico são parâmetros de relação entre o aminoácido da amostra teste e o aminoácido correspondente tomado como referência, considerando como padrão o da FAO/WHO17. O aminoácido limitante é o que apresenta o menor escore químico entre os aminoácidos analisados. Por sua vez, observa-se que todos os aminoácidos com escore químico maior que 1,0 são proteínas de alto valor biológico33,34.
Os resultados mostrados na tabela 4 indicam que o aminoácido triptofano é um aminoácido limitante de menor valor, com escore químico de 0,88, seguido da histidina, com 0,40, e da leucina, com 0,64. Os aminoácidos sulfurados metionina e cisteína têm os maiores valores com média de 25,30 e 7,50 mg/g, respectivamente, sendo esses computados em somatória, em virtude da cisteína ser formada a partir da metionina, com o maior escore químico, 1,93 mg/g, mostrando-se muito maior que a referência, com valor 1,0 para as proteínas de alto valor biológico17.
Os aminoácidos de cadeia ramificada isoleucina, leucina e valina apresentam destaque na indústria de alimentação esportiva. Seu desempenho local é diferenciado por atuarem nos músculos esqueléticos como caminho primordial de ação. Os valores encontrados foram 11,30, 24,70 e 15,20 mg/g, com escores químicos de 0,87, 1,30 e 1,17, respectivamente.
Nesses dados, observa-se outra funcionalidade dessa matéria-prima, sua aplicação na elaboração de produtos para praticantes de atividade física, visando o aproveitamento do seu potencial funcional em aminoácidos essenciais e, em destaque, os aminoácidos de cadeia ramificada, base de muitos produtos aplicados com fins de hipertrofia muscular30,31.
CONCLUSÃO
O aproveitamento agroindustrial do resíduo desengordurado de castanha-do-brasil apresenta grande valor nutricional, baseado em seus elevados valores em lipídios e proteínas. E o aspecto funcional presente nesse material, como o teor em fibras, o alto escore químico em aminoácidos sulfurados e de cadeia ramificada, mostram as possibilidades de substituição e agregação de valor pelos mais diversos segmentos do setor alimentício.
A composição em micronutrientes, com destaque para o teor de selênio e manganês, reafirma sua riqueza nutricional e funcionalidade orgânica na prevenção de agravos à saúde humana. Seu padrão de qualidade biológica, expressa pelo perfil de aminoácidos, mostra a potencialidade da composição proteica dessa farinha, principalmente como fonte de aminoácidos sulfurados e de aminoácidos de cadeia ramificada.
O aproveitamento de resíduos agroindustriais, com a agregação de valor a esses produtos, torna-se uma considerável ferramenta para a redução da contaminação ambiental, causada pelo descarte inadequado desses materiais no ambiente, paralelo ao prosseguimento da cadeia agroindustrial e o valor agregado a esses compostos.
A farinha apresenta potencial para ser aplicada no enriquecimento de diversos alimentos, como panificação, barras proteicas, etc. Além disso, há produtos oriundos das amêndoas da castanha-do-brasil, como o óleo, o leite e demais derivados que são amplamente utilizados, não apenas na área alimentícia, mas também em diversos ramos industriais, como os cosméticos, produtos farmacêuticos, entre outros.