As evidências científicas acerca da importância do aleitamento materno, tanto para mães como para crianças, são claras.1-9 Em janeiro de 2016, uma série de artigos foi publicada na revista britânica The Lancet, documentando, por meio de metanálises,10 o quanto a amamentação é essencial à construção de um mundo melhor para as gerações futuras em todos os países, ricos ou pobres. As evidências indicaram que a amamentação confere proteção contra infecções na infância e maloclusão, aumenta a inteligência e provavelmente reduz a ocorrência de sobrepeso e diabetes na vida adulta. Também já foi demonstrado que a amamentação na infância está associada a melhores condições socioeconômicas ao longo da vida. E mais: a melhora nas práticas de amamentação poderia prevenir, a cada ano, a morte de 823 mil crianças menores de cinco anos e de 20 mil mulheres por câncer de mama.10
Cabe ressaltar que a ocorrência de cárie dentária foi o único desfecho negativo associado à amamentação. Verificou-se associação entre a amamentação por períodos mais longos que 12 meses e um aumento de 2 a 3 vezes na ocorrência de cárie dentária em dentes decíduos.10 A discussão acerca desse achado é importante, visto que o leite materno é a principal fonte nutritiva nos primeiros anos de vida, além de proporcionar inúmeros benefícios para as crianças como também para as mães.
É possível que esse resultado seja reflexo da higiene bucal inadequada após a alimentação das crianças,9 bem como da falta de controle na introdução de alimentos ou bebidas açucaradas.11 No ano 2000, a Academia Americana de Odontopediatria (AAPD) manifestou a existência de maior risco de ocorrência de cárie na infância em crianças alimentadas de forma associada ao peito e à mamadeira. A alimentação prolongada e repetitiva sem o acompanhamento de medidas de higienização bucal apropriadas está associada à ocorrência de cárie na dentição decídua.12
A introdução de líquidos e de outros alimentos antes dos seis meses de idade não somente é desnecessária como pode aumentar o risco da diminuição da produção de leite materno, além de aumentar o risco de infecções. A Organização Mundial da Saúde preconiza a amamentação exclusiva durante os primeiros 6 meses de vida e uma amamentação parcial até os 2 anos pelo menos.13 A alimentação complementar deve ser introduzida de forma organizada, estimulando a criança ao consumo de alimentos saudáveis, a exemplo de verduras, legumes e frutas. Também é importante regularizar os horários de alimentação, ajustando a frequência de consumo alimentar e evitando alimentos açucarados. A esse respeito, o Ministério da Saúde elaborou um guia alimentar para crianças menores de 2 anos de idade, com dez recomendações para uma alimentação saudável.14 Em uma fase mais avançada, entretanto, o contato com o açúcar será inevitável. A simples proibição do consumo do açúcar não é realista e, mais do que tentar eliminá-lo, deve-se modificar o padrão de consumo, buscando sua utilização racional.
Além disso, a introdução precoce de alimentos sólidos, como cereais e vegetais, e mesmo o leite de vaca, pode interferir na absorção de ferro, causando deficiências e aumentando o risco, no longo prazo, de anemia, obesidade, hipertensão, arteriosclerose e alergia alimentar. A introdução precoce desses alimentos também pode contribuir para a instalação de um hábito alimentar favorável à cárie dentária. Um importante papel dos profissionais da saúde é encorajar a amamentação e orientar sobre a não necessidade de introdução precoce de açúcar ou cereais industrializados na mamadeira e em sucos.15
A doença cárie está fortemente ligada aos hábitos e práticas alimentares da família.16,17 Em revisões sistemáticas da literatura, a maioria dos autores argumenta que a cárie se encontra associada ao aleitamento materno quando o padrão de consumo apresenta determinadas características como livre demanda, frequência elevada de mamadas ao dia, longa duração das mamadas e, principalmente, mamadas noturnas frequentes, levando ao acúmulo de leite sobre os dentes, o que, associado a redução de fluxo salivar e a ausência de limpeza dos dentes, poderia favorecer o aparecimento de lesões.18,19
Considera-se que, a partir da introdução da alimentação complementar, momento que costuma coincidir com a erupção dos primeiros dentes na cavidade bucal, é importante a realização da escovação dentária com dentifrício fluoretado. É indicado escovar os dentes pelo menos duas vezes ao dia e utilizar um creme dental com no mínimo 1.000 ppm de flúor, sendo que a quantidade de pasta depende da idade:18,19 para crianças até 2 anos, recomenda-se uma quantidade de creme dental equivalente ao tamanho de um grão de arroz cru por escovação; depois dos 2 anos, a quantidade pode ser aumentada gradativamente, até o tamanho de um grão de ervilha. Outro fator importante é a supervisão de um responsável durante a escovação, até que a criança tenha coordenação motora para fazê-la sozinha. Cabe lembrar que o flúor, quando ingerido em excesso durante o período de formação da dentição, causa fluorose dentária.
É fundamental que os profissionais da saúde que atendam gestantes, puérperas e bebês estejam atentos para realizar o aconselhamento sobre a importância do aleitamento materno, a introdução da alimentação complementar de forma saudável e a higiene bucal. Isto permitirá que mães e crianças, em diversas fases do seu ciclo de vida, desfrutem dos inúmeros benefícios da amamentação, reduzindo o risco de desenvolver a doença cárie, único desfecho adverso associado à amamentação, conforme relatado na literatura.10