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Revista Pan-Amazônica de Saúde
versão impressa ISSN 2176-6215versão On-line ISSN 2176-6223
Rev Pan-Amaz Saude v.1 n.2 Ananindeua jun. 2010
http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232010000200007
ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE | ARTÍCULO ORIGINAL
Resistência antimicrobiana de Salmonella Typhi identificadas no Estado do Pará, Brasil
Antimicrobial resistance of Salmonella Typhi isolated in the State of Pará, Brazil
Resistencia antimicrobiana de Salmonella Typhi identificadas en el Estado de Pará, Brasil
Cintya de Oliveira SouzaI; Francisco Lúzio de Paula RamosI; Chiara de Melo MotaII; Leiliane Vulcão Souza dos SantosIII; Maria Luiza LopesI
ISeção de Bacteriologia e Micologia, Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Ananindeua, Pará, Brasil
IIClínica de Hemodiálise, CCI Nefro, Belém, Pará, Brasil. Central de Esterilização do Pará, Belém, Pará, Brasil
IIICentro de Ensino Superior do Pará, Belém, Pará, Brasil
Endereço para correspondência
Correspondence
Dirección para correspondencia
RESUMO
A resistência antimicrobiana é um assunto amplamente estudado em todos os gêneros bacterianos, sobretudo entre agentes responsáveis por doenças epidêmicas como a febre tifoide. A incidência de surtos contribui para o aumento abusivo da administração errônea de antimicrobianos colaborando para o surgimento de amostras bacterianas resistentes. Portanto, o presente estudo avaliou a resistência de 44 amostras de Salmonella Typhi aos principais antimicrobianos utilizados no tratamento da febre tifoide. Das 44 amostras isoladas no período de 2003 a 2005, dez (22,7%) foram resistentes a pelo menos um antimicrobiano. Dentre as dez amostras de Salmonella Typhi resistentes, observou-se que nove apresentaram monorresistência à nitrofurantoína ou à tetraciclina. Apenas um caso de resistência concomitante a duas drogas (cloranfenicol e nitrofurantoína) foi observado no ano de 2005. A Região Norte, por ser considerada área endêmica para febre tifoide e ter apresentado resistência crescente em relação aos três anos em estudo, deve permanecer com o monitoramento da resistência de Salmonella Typhi aos antimicrobianos, principalmente ao cloranfenicol, para garantir que o mesmo continue sendo o medicamento de escolha para o tratamento da febre tifoide na Região, além de possuir baixo custo e boa aceitabilidade do paciente ao tratamento.
Palavras-chave: Febre tifoide; Salmonella Typhi; Testes de Sensibilidade Microbiana; Cloranfenicol.
ABSTRACT
Antimicrobial resistance has been widely studied in every bacterial genus, especially among those agents responsible for epidemic diseases, such as typhoid fever. Outbreaks have lead to increased usage and erroneous administration of antimicrobial drugs, contributing to the emergence of resistant bacterial strains. Therefore, this study evaluated the resistance of 44 strains of Salmonella Typhi to the main antibiotics used in the treatment of typhoid fever. Of the 44 strains isolated from 2003 to 2005, ten (2.7%) were resistant to at least one microbial drug. Among the ten resistant Salmonella Typhi strains, nine showed monoresistance to nitrofurantoin or tetracycline. Only one case of concomitant resistance to two drugs (chloramphenicol and nitrofurantoin) was observed, in 2005. The Northern Region of Brazil is considered an endemic area for typhoid fever and has shown growing drug resistance in the three years studied. Thus, we must continue to monitor the resistance of Salmonella Typhi to antimicrobial drugs, especially chloramphenicol, to ensure that it remains the drug of choice for the treatment of typhoid fever in the Region, as it is inexpensive and the disease responds well to it.
Keywords: Typhoid Fever; Salmonella Typhi; Microbial Sensitivity Tests; Chloramphenicol.
RESUMEN
La resistencia antimicrobiana es un tema ampliamente estudiado en todos los géneros bacterianos, sobre todo entre agentes responsables por enfermedades epidémicas como la fiebre tifoidea. La incidencia de brotes contribuye al aumento abusivo de la administración errónea de antimicrobianos colaborando al surgimiento de muestras bacterianas resistentes. Por lo tanto, el presente estudio evaluó la resistencia de 44 muestras de Salmonella Typhi a los principales antimicrobianos utilizados en el tratamiento de la fiebre tifoidea. De las 44 muestras aisladas en el período de 2003 a 2005, diez (22,7%) fueron resistentes a por lo menos un antimicrobiano. Entre las diez muestras de Salmonella Typhi resistentes, se observó que nueve presentaron mono resistencia a la nitrofurantoína o a la tetraciclina. Apenas un caso de resistencia concomitante a dos drogas (cloranfenicol y nitrofurantoína) fue observado el año de 2005. La Región Norte, por ser considerada área endémica para fiebre tifoidea y haber presentado resistencia creciente en relación a los tres años en estudio, debe permanecer con el monitoreo de la resistencia de Salmonella Typhi a los antimicrobianos, principalmente al cloranfenicol, para garantizar que el mismo, continúe siendo el medicamento de elección para el tratamiento de la fiebre tifoidea en la Región, además de poseer bajo costo y buena aceptación del paciente al tratamiento.
Palabras clave: Fiebre Tifoidea; Salmonella Typhi; Pruebas de Sensibilidad Microbiana; Cloranfenicol.
INTRODUÇÃO
A febre tifoide é uma doença infecciosa potencialmente grave causada pela bactéria Salmonella enterica sorovar Typhi3,15. Caracteriza-se pela febre prolongada, cefaleia, mialgia, artralgia, anorexia, mal-estar geral, alterações do trânsito intestinal (diarreia ou constipação) e hepato e/ou esplenomegalia. Se não tratada, a doença pode evoluir por semanas ou até meses, resultando em complicações como perfuração intestinal, hemorragia e confusão mental progressiva, podendo levar ao óbito3,5. A transmissão ocorre principalmente pela ingestão de água e alimentos contaminados com fezes ou urina de doentes ou portadores. A doença é de distribuição mundial e, como sua forma de transmissão é a rota fecal-oral, sua incidência é mais frequente em países em desenvolvimento, onde as condições de saneamento básico e de educação sanitária e ambiental são precárias ou inexistentes3,11.
O cloranfenicol é considerado o medicamento de escolha para o tratamento da febre tifoide. Entretanto, diversas publicações têm informado acerca da resistência de amostras de Salmonella Typhi a altas concentrações de cloranfenicol em diversos países da Ásia e África, em proporções elevadas, como na Índia (20%) e na Nigéria (25%). Outros antimicrobianos utilizados são: ampicilina, sulfametoxazol + trimetropina, amoxicilina, ácido nalidixico, ciprofloxacina, ofloxacina, ceftriaxona22.
No Brasil, nos anos de 2001 a 2006 foram registrados 3.749 casos de febre tifoide com 30 óbitos, sendo os maiores números registrados nas regiões Norte e Nordeste, com destaque para os estados do Acre (741 casos / 3 óbitos), Bahia (671 casos / 3 óbitos), Pará (665 casos / 3 óbitos), Maranhão (592 casos / 1 óbito) e Amazonas (333 casos / 3 óbitos). Em 2008, o Brasil confirmou por critérios laboratoriais e clínico-epidemiológicos 239 casos de febre tifoide e quatro mortes em consequência da doença. O Pará foi o segundo Estado com o maior número de casos (42) precedido apenas pelo Estado do Maranhão, que registrou 75 casos4.
No Pará, surtos de febre tifoide têm sido frequentemente registrados, sobretudo no interior do Estado, como nos municípios de Óbidos, em 199721, de Moju, em 199916, e de Anajás, em 200117, os quais acometeram elevado número de pessoas, ocasionando transtornos à saúde pública desses municípios.
A incidência desses surtos contribui para o aumento abusivo da administração errônea de antimicrobianos, colaborando para o surgimento de amostras bacterianas resistentes. O presente trabalho propõe a determinação do perfil de resistência aos antimicrobianos mais utilizados no tratamento da febre tifoide, com intuito de acompanhar, durante a série histórica proposta, o comportamento da resistência das amostras de Salmonella Typhi isoladas no Pará.
MATERIAIS E MÉTODOS
AMOSTRAS
Foram avaliadas 44 amostras de Salmonella Typhi isoladas de amostras clínicas de pacientes sintomáticos, sendo 25 provenientes de hemoculturas e 19 de coproculturas. As amostras foram isoladas e identificadas na Seção de Bacteriologia e Micologia do Instituto Evandro Chagas, por métodos convencionais de cultivo, identificação bioquímica e sorológica segundo recomendações de Ewing9 e Kauffmann14, durante o período de 2003 a 2005.
TESTE DE SENSIBILIDADE AOS ANTIMICROBIANOS
A sensibilidade aos agentes antimicrobianos foi avaliada pelo método de discodifusão, de acordo com Bauer et al2 e as recomendações do Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI)6.
Foram testados 11 antimicrobianos: amoxicilina e ácido clavulânico/AMC (20/10 µg); ampicilina/AMP (10 µg); cloranfenicol/C (30 µg); ceftazidima/CAZ (30 µg) ciprofloxacina/CIP (5 µg); gentamicina/CN (10 µg); cefotaxima/CTX (30 µg); nitrofurantoína/F (300 µg); ácido nalidíxico/NA (30 µg); sulfametoxazol + trimetropim/ SXT (23,75 /1,25 µg) e tetraciclina/T (30 µg). Cepas padrões de Escherichia coli (ATCC 25922) e Pseudomonas aeruginosa (ATCC 27853) foram utilizadas como controle de qualidade dos discos antimicrobianos.
RESULTADOS
Os resultados do presente estudo evidenciaram que, das 44 amostras de Salmonella Typhi, 22,7% (10/44) foram resistentes a pelo menos um antimicrobiano. Durante a série histórica, observou-se que, no ano de 2003, das quatro amostras isoladas, nenhuma apresentou resistência antimicrobiana. Em 2004, seis das 30 (20%) amostras foram resistentes aos antimicrobianos testados. O maior número de amostras resistentes foi observado em 2005: quatro das dez amostras avaliadas (40%).
Dentre as 44 amostras de Salmonella Typhi avaliadas, observa-se, na tabela 1, que todas as amostras apresentaram sensibilidade aos antimicrobianos ampicilina, amoxacilina + ácido clavulânico, ceftazidima, gentamicina e sulfametoxazol + trimetropim. O maior percentual de resistência ocorreu quanto ao antimicrobiano nitrofurantoína (15,9%), seguida pelos antimicrobianos cloranfenicol, ácido nalidíxico e tetraciclina com percentual de 2,28%, cada. Observou-se resistência intermediária aos antimicrobianos ciprofloxacina (4,45%), ceftriaxona, nitrofurantoína e tetraciclina (2,28%).
Dentre as dez amostras de Salmonella Typhi resistentes, apenas três padrões de resistência foram observados. Nove deles foram de monorresistência à nitrofunrantoína ou à tetraciclina. Apenas uma amostra, isolada em 2005, foi resistente a duas drogas (cloranfenicol e nitrofurantoína).
DISCUSSÃO
A resistência bacteriana é um assunto amplamente estudado, principalmente, quando a doença causada pelo agente bacteriano tem alto potencial de letalidade ou endemicidade. No caso da febre tifoide, muitos estudos foram conduzidos em outros países; no entanto, no Brasil há poucos relatos sobre resistência antimicrobiana de Salmonella Typhi19. A maioria dos estudos é dirigida aos outros sorovares de Salmonella associadas com gastroenterite humana e isolados de fonte ambiental, alimentar e animal23,18,20.
O consumo indiscriminado de antimicrobianos torna-se um dos principais fatores determinantes desta resistência, principalmente em locais onde a ocorrência do agente/doença é frequente. O aumento do percentual de resistência nos três anos deste estudo (2003 a 2005) reforça esta declaração, pois o Estado do Pará, assim como outros estados da Região Norte, é área endêmica e registrou, de 1997 a 2004, quatro surtos de febre tifoide21,16,17. A observação desta resistência suscita maior rigor no monitoramento da resistência antimicrobiana, pois esta ação é necessária e fundamental para fins de vigilância e controle da doença.
No entanto, o panorama de resistência observado no presente estudo não compromete as opções terapêuticas de primeira e segunda escolhas instituídas para febre tifoide, uma vez que os resultados apontaram resistência de 2,28% (1/44) para o cloranfenicol (primeira escolha), resistência intermediária de 4,45% (2/44) para ciprofloxacina e sensibilidade de 100% para ampicilina, amoxacilina e sulfametoxazol + trimetropim (segunda escolha). Mesmo a despeito dos raros efeitos colaterais, como a aplasia medular, o cloranfenicol ainda é a droga de eleição para o tratamento da febre tifoide devido ao seu baixo custo e resposta terapêutica satisfatória1,3. Terapêutica esta, reforçada pelos resultados de sensibilidades aos antimicrobianos encontrados neste estudo e em outros que demonstram que, mesmo após 35 anos, o padrão de sensibilidade da Salmonella Typhi ao cloranfenicol e à ampicilina não sofreu mudanças significativas7,8,12.
Os resultados apresentados pelo monitoramento da resistência aos antimicrobianos realizado pela Organização Pan-Americana da Saúde em 200520 evidenciam que a resistência à nitrofurantoína é elevada, principalmente, entre Salmonella Enteritidis. Apesar de ocorrer com menos frequência, percentuais de resistência também são observados para outros sorovares de Salmonella, inclusive Salmonella Typhi. A nitrofurantoína é um antimicrobiano utilizado para o tratamento de 24 infecções do trato genitourinário e, além desta utilização, ela é amplamente difundida na medicina veterinária para tratamento e profilaxia de infecções em diversas espécies animais destinadas ao consumo humano (aves, suínos, peixes)13. Essa prática levaria a uma pressão na seleção de cepas resistentes de Salmonella presentes nos animais que, mais tarde, seriam transmitidas ao homem, pois a salmonelose é considerada uma doença zoonótica. Isso, porém, não estaria envolvido com amostras de Salmonella Typhi que é exclusivamente humana; porém estudos detalhados de transferência de resistência antimicrobiana devem ser incentivados para elucidação desta questão.
Outro caso de resistência de Salmonella Typhi ao cloranfenicol, na Região Norte, foi relatado por Alecrim et al1 no Município de Coari, Estado do Amazonas. O paciente, após tratamento de 16 dias com cloranfenicol, apresentou novamente os sintomas clínicos da doença e, após novos exames, confirmou-se a persistência da infecção e o resultado de resistência ao cloranfenicol por meio de antibiograma. Por meio desse caso, o autor relata que a resistência à droga deve ser considerada em todos os casos em que houver recaída pela doença, excluindo-se outras causas comuns de recaída, como a má qualidade da droga, administração incorreta, tempo inadequado de tratamento e/ou condição subjacente que não permita a eliminação bacteriana, como os casos de litíase biliar.
A resistência progressiva da Salmonella Typhi aos antimicrobianos de primeira escolha terapêutica, principalmente ao cloranfenicol, foi descrita em diversos lugares do mundo, tais como: México, Índia, Vietnã, Tailândia, Coréia e Peru. Nestes países também foram descritos isolados esporádicos de Salmonella Typhi e Salmonella Paratyphi resistentes à ceftriaxona e ao ácido nalidíxico, e com baixa suscetibilidade às fluoroquinolonas (ciprofloxacina)22.
A resistência intermediária aos antimicrobianos ciprofloxacina e cefotaxima (4,45% e 2,28%, respectivamente), deve ser observada, pois percentuais de resistência intermediária servem de sinais de alerta para uma melhor vigilância quanto ao surgimento de cepas resistentes, uma vez que se trata de uma fluoroquinolona utilizada no tratamento da febre tifoide e de uma cefalosporina de terceira geração10.
Um dos fatores mais proeminentes que causam essa resistência é o uso indiscriminado de antibimicrobianos de forma empírica e a automedicação sem uma investigação para o diagnóstico laboratorial adequado, seja pela falta de estrutura e condições, seja por desinformação / negligência por parte dos profissionais de saúde.
CONCLUSÃO
Os resultados do presente estudo permitem concluir que, enquanto em outros países a resistência da Salmonella Typhi aos antimicrobianos vem se mostrando cada vez maior, no Brasil esse fenômeno deve ser melhor investigado para garantir o diagnóstico da realidade em nosso meio, pois poucos são os trabalhos publicados que retratam a resistência de Salmonella Typhi aos antimicrobianos.
A Região Norte, por ser considerada área endêmica para febre tifoide e ter apresentado aumento da resistência em relação aos três anos em estudo, deve permanecer com o monitoramento da resistência de Salmonella Typhi aos antimicrobianos, principalmente ao cloranfenicol, para assegurar que ele continue sendo o medicamento de escolha para o tratamento da febre tifoide na Região, além de possuir baixo custo e boa aceitabilidade ao tratamento pelo paciente.
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Recebido em / Received / Recibido en: 30/7/2009
Aceito em / Accepted / Aceito en: 16/4/2010