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Revista Pan-Amazônica de Saúde
versão impressa ISSN 2176-6215versão On-line ISSN 2176-6223
Rev Pan-Amaz Saude v.1 n.4 Ananindeua dez. 2010
http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232010000400015
RESENHA
Cobaias profissionais: as grandes empresas farmacêuticas no mundo e os riscos para os seres humanos [cobaias pagas]
Orenzio Soler
Programa Farmácia Social, Departamento de Medicamentos, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Endereço para correspondência
Correspondence
Dirección para correspondencia
Título original: Cobayos profesionales: las grandes empresas farmacéuticas en el mundo y los riesgos para los seres humanos [cobayos pagos]. Traducido por: Lota Moncada
Abadie, Roberto. THE PROFESSIONAL GUINEA PIG: BIG PHARMA AND THE RISKY WORLD
OF HUMAN SUBJECTS. London, Durham, NC: Duke University Press; 2010. 184 p.
ISBN 978-08223-4814-6 (cloth : alk. paper)
ISBN 978-8223-4823-8 (pbk. : alk. paper)
O livro relata - e nos faz refletir - sobre os seres humanos que trabalham como cobaias profissionais em testes clínicos [Fase I] pagos e voluntários experimentando fármacos para o HIV nas Fases II e III de pesquisa clínica. O antropólogo Roberto Abadie (Programas Doctorales en Ciências de la Salud - Graduate Center- City University of New York) realizou sua pesquisa observando as vivências e rotinas nos grandes centros de testes clínicos na Filadélfia, Estado da Pensilvânia, Estados Unidos da América.
No processo de desenvolvimento de novos medicamentos, depois das fases pré-clínicas, quando as substâncias são avaliadas em animais em testes preliminares - usualmente em ratos e cães, por serem mais baratos - que verificam se eles apresentam baixa toxicidade. Se forem aprovados nessa fase, passam a ser testados para comprovar a segurança em sua aplicação na Fase I (testes clínicos que envolvem, em média, um pequeno grupo de 30 a 100 seres humanos saudáveis e medem a eficiência do fármaco). Quando a substância se apresenta segura na Fase I, avança-se, então, para as Fases II e III - testes clínicos geralmente multicêntricos, que envolvem centenas e/ou milhares de pacientes voluntários que apresentam as condições clínicas para as quais as substâncias estão sendo desenvolvidas, quando é medida a efetividade do fármaco e, finalmente, para a Fase IV ou pós-comercialização, que possibilita estudos adicionais de segurança, qualidade e eficiência do medicamento.
Um novo fármaco demanda de 12 a 15 anos de pesquisa antes de ser colocado no mercado. Em média, se investem recursos financeiros da ordem de cento e cinquenta milhões de dólares. Durante os testes da Fase I, muitos compostos são abandonados, devido a sua alta toxicidade. Ou seja, existe uma pequena proporção de substâncias que são aprovadas em cada fase de testes clínicos. Isto dá o direito às grandes empresas farmacêuticas de justificar o alto custo dos novos fármacos, ao mesmo tempo em que promove a obrigação dos governos de cumprir com o dever de estabelecer mecanismos de regulamentação do acesso, controle de qualidade, preço e uso racional dos medicamentos.
Até a metade da década de 70, os ensaios da Fase I eram realizados em prisioneiros - teoricamente voluntários - o que, para a indústria farmacêutica, era muito interessante não apenas do ponto de vista econômico, como também da segurança dos resultados obtidos, dadas as condições eficientes de controle dos experimentos clínicos. Depois que esta prática foi estritamente proibida nos Estados Unidos, a indústria farmacêutica norte-americana viu-se forçada a encontrar uma solução para o problema da falta de voluntários para realizar os testes de toxicidade (segurança). Começou então a recrutar seres humanos saudáveis, pagos para participar, estabelecendo uma nova economia informal, já que alguns indivíduos passaram a depender desses pagamentos para sua sobrevivência, tornando-se, desta forma, cobaias profissionais.
O livro é o resultado imediato de uma pesquisa etnográfica, com recorte temporal de julho de 2003 a dezembro de 2004, sobre as percepções de norteamericanos brancos e pobres, de gênero predominantemente masculino, que trabalham como cobaias profissionais pagos em testes clínicos [Fase I], e voluntários pobres, em sua maioria de origem afroamericana e latina, experimentando fármacos para HIV nas Fases II e III, vinculados a centros de pesquisa localizados na Filadélfia, que busca compreender a dinâmica que se dá entre esses indivíduos e as grandes empresas farmacêuticas.
Neste contexto, o antropólogo Roberto Abadie, a partir das suas observações e seu texto, nos conduz a importantes reflexões:
1 Existem diferenças entre o comportamento e a percepção dos riscos entre seres humanos saudáveis - cobaias profissionais pagas em testes clínicos [Fase I] - e voluntários experimentando fármacos para HIV nas Fases II e III?
2 Esta nova categoria profissional - cobaias profissionais pagas em testes clínicos [Fase I], um novo comércio na economia informal dos testes clínicos - é resultado das desigualdades sociais, da exploração e da falta de regulamentação da indústria farmacêutica?
3 A compensação monetária coloca em risco os seres humanos - voluntários - que trabalham como cobaias? Influi na percepção que eles têm sobre os riscos e benefícios associados aos testes clínicos?
4 A participação constante e/ou a permanência estendida de seres humanos [cobaias] pagos em testes clínicos [Fase I] influi em sua percepção sobre os riscos e benefícios em testes clínicos?
5 Existe uma regulamentação ética adequada que proteja os seres humanos [cobaias] pagos em testes clínicos [Fase I]?
6 Existe consciência, por parte dos seres humanos [cobaias] pagos em testes clínicos [Fase I], sobre os riscos inerentes aos estudos realizados?
7 Existem direitos assegurados para os seres humanos [cobaias] pagos em testes clínicos [Fase I], ou eles estão sendo explorados como o elo mais frágil da cadeia econômica?
Para obter estas e outras respostas, ler este livro se faz imprescindível.
Finalmente, esta publicação contribui para fortalecer a luta para que os seres humanos, as cobaias profissionais, tenham sua situação regulamentada pela legislação trabalhista e pelos princípios bioéticos, minimizando os conflitos de interesse financeiros e colocando a segurança em primeiro lugar.
Correspondência / Correspondence / Correspondencia:
Orenzio Soler
Departamento de Medicamentos,
Faculdade de Farmácia,
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Av. Pau Brasil, s/n. Bloco K, Sala 050.
Cidade Universitária. Ilha do Fundão
CEP: 21941-590
Rio de Janeiro-Rio de Janeiro-Brasil
Tel.: 55 (21) 2562-6444 / (21) 8181-3169
E-mail: orenziosoler@gmail.com
Recebido em / Received / Recibido en: 25/9/2010
Aceito em / Accepted / Aceito en: 16/12/2010