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Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.19 n.3 Brasília set. 2010
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742010000300009
ARTIGO ORGINAL
Estado nutricional de estudantes de escolas públicas e fatores associados em um distrito de saúde do Município de Gravataí, Rio Grande do Sul*
Nutritional status and associated factors of students from public schools in Gravatai, State of Rio Grande do Sul, Brazil
Lisiane Nunes MonteiroI; Denise AertsII; Vera Beatriz ZartIII
ISecretaria Municipal de Educação, Prefeitura Municipal de Gravataí-RS, Brasil
IICurso de Medicina, Programa de Mestrado em Saúde Coletiva, Universidade Luterana do Brasil, Canoas-RS, Brasil
IIISetor de Vigilância Sanitária, Secretaria Municipal de Saúde, Prefeitura Municipal de Carazinho-RS, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: avaliar o estado nutricional de escolares da rede publica municipal de Gravataí, segundo sexo, faixa etária, maturidade sexual, localização da escola e percepção da imagem corporal.
METODOLOGIA: foi realizado estudo transversal, com amostra representativa de 1.131 alunos de 1a a 8a série, sendo utilizados três instrumentos: ficha antropométrica; Body Shape Questionnaire e classificação de Tanner. O desfecho foi categorizado segundo o índice de massa corporal (IMC). A análise dos dados foi realizada com regressão logística ordinal multivariada.
RESULTADOS: encontravam-se com adequação do estado nutricional 64,3%; e 31,1% apresentaram sobrepeso/obesidade, 6,4% desnutrição e 8,2% risco para baixo peso. Considerando-se exclusivamente os 476 jovens de 5a a 8a série, os estudantes das escolas rurais apresentaram 3,3 vezes chance de sobrepeso/obesidade do que os residentes na área urbana. Os jovens que referiram preocupação com sua imagem corporal tiveram três vezes mais chance de desnutrição/risco nutricional e 11 vezes mais sobrepeso/obesidade.
CONCLUSÃO: a alta prevalência de sobrepeso/obesidade demanda maior atenção das áreas da saúde e educação, em especial entre os jovens das escolas rurais.
Palavras-chave: avaliação nutricional; imagem corporal; saúde do escolar; criança; adolescente.
SUMMARY
OBJECTIVE: to evaluate the nutritional state of students from local public schools of Gravatai, State of Rio Grande do Sul, Brazil, according to sex, age, sexual maturity, school location and body image perception.
METHODOLOGY: a transversal study was undertaken, with representative sampling of 1,131 students from the 1st to 8th grades, with the use of three instruments: anthropometric card; Body Shape Questionnaire and Tanner classification. The outcome was categorized according to the Body Mass Index (BMI). Data analysis was performed with multivariate ordinal logistic regression.
RESULTS: suitability of the nutritional state was found in 64.3% of students; 31.1% were overweight/obese, 6.4% hadmalnutrition and 8.2% were atrisk of being underweight. Considering separately the 476 young people from the 5th to the 8th grade, students from rural schools were 33 times more overweight/obese than those from the urban area. Youngsters concerned about their body image had three times more chances of having malnutrition/nutritional risk and were 11 times more overweight/obese.
CONCLUSION: the high prevalence of overweight/obesity demands greater concern by health and education areas, especially with students at rural schools.
Key words: nutritional assessment; body image; student health; children; adolescents.
Introdução
Em todo mundo, inclusive no Brasil, estão ocorrendo mudanças nos padrões de alimentação da população,1 evidenciando o declínio da ocorrência de desnutrição2 em crianças e adultos em ritmo acelerado e o aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade.1,3,4
Segundo dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (2002/2003), em relação à década de 70, a prevalência de crianças e adolescentes com excesso de peso subiu de 4,0% para 18,0% entre o sexo masculino e, entre o feminino, de 7,5% para 15,5%. No total, já são mais de 6 milhões de jovens brasileiros com o problema.5
No Brasil, existem vários estudos investigando o estado nutricional em escolares. Pesquisas realizadas, entre 2002 e 2005, mostram prevalência de sobrepeso variando entre 9,3 e 17,9% e para obesidade entre 4,4 e 8,3%. Esses estudos encontraram maior prevalência em meninas.6-10
Os fatores ambientais contribuem significativamente para a redução do total de energia gasta. Em crianças, por exemplo, observa-se a diminuição das atividades escolares e cotidianas relacionadas ao gasto energético e o aumento do tempo com atividades sedentárias.1,6,11
A relação entre estado nutricional e percepção corporal dos escolares também tem sido estudada, pois a imagem corporal refere-se à figura existente na mente do indivíduo acerca do tamanho, forma e estrutura de seu corpo. Os adolescentes apresentam um comportamento de contestação e são altamente influenciados pelo grupo e pela mídia, tornando-os preocupados com sua imagem corporal.12 Estudo realizado em São Paulo encontrou que, aproximadamente, 39% das meninas eutróficas se percebiam em sobrepeso e 47% daquelas nesta condição se percebiam obesas. Entre os meninos, também houve uma distorção da realidade, porém no sentido inverso: 26% daqueles em sobrepeso se acharam eutróficos e 46% dos obesos se acharam somente em sobrepeso ou eutrofia.13
A insatisfação com a imagem corporal ocorre em ambos os sexos, mas o desejo de se tornar mais magro é mais prevalente nas meninas.14,15
A obesidade na infância e na adolescência é preocupante, pois, caso não seja controlada, o prognóstico é de aumento da morbidade e diminuição da expectativa de vida,1,6,16 estando associada à ocorrência de dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica, intolerância à glicose,1 dificuldade psicossocial15 e risco aumentado de obesidade persistente na vida adulta.15,17
Em função da importância dessa temática, o objetivo deste estudo foi avaliar o estado nutricional de escolares da rede pública municipal do ensino fundamental da região Barro Vermelho, do Município de Gravataí, RS, em 2005, segundo sexo, faixa etária, localização da escola e percepção da imagem corporal.
Metodologia
O delineamento utilizado foi de estudo transversal, tendo como população alvo os 2.006 alunos matriculados nas escolas públicas municipais de ensino fundamental na região Barro Vermelho do município de Gravataí, Rio Grande do Sul. A rede de ensino dessa região contava com oito escolas, sendo três localizadas na zona rural e cinco na área urbana.
Para o cálculo do tamanho da amostra, foram utilizados os seguintes parâmetros: tamanho da população alvo, erro máximo aceito ±3%, estimativa do desfecho em 50% e nível de confiança de 95%, totalizando uma amostra de 697 escolares. Considerando um efeito de delineamento de 1,5 e adicionando 20% para possíveis perdas, o tamanho da amostra ficou em 1.255 escolares. Esses foram obtidos por meio de amostragem estratificada por série (1a a 8a série do ensino fundamental). Em cada série, foram sorteadas as turmas necessárias para obtenção do número estipulado de alunos. Em função da turma ser considerada como conglomerado, foram selecionados 1.385 alunos. Foram critérios de exclusão a presença de gravidez ou de problemas de saúde que interferissem com a qualidade da antropometria. Com isso, excluiu-se uma adolescente grávida, dois escolares que faziam uso de gesso e um com nanismo. Além desses, em 188 casos os pais não autorizaram o estudo; 43 foram transferidos de escola, 12 recusaram-se a ser avaliados e sete evadiram-se. Assim, a amostra final foi de 1.131 alunos, adequada para os objetivos do estudo.
Os dados foram coletados por estudantes de nível superior da área da saúde, capacitados com o auxílio do manual da pesquisa, entre março e novembro de 2005. Foram utilizados três instrumentos de coleta de dados. A ficha coletiva (por turma/escola) destinava-se à anotação das medidas antropométricas e demográficas (sexo, data de nascimento, data de coleta dos dados, cor da pele auto-referida, peso e altura). O segundo instrumento foi o Body Shape Questionnaire - BSQ, utilizado para avaliar a percepção da imagem corporal.18 Esse instrumento foi validado para o Brasil por Cordás19 e tem sido utilizado em estudos populacionais. O BSQ recebe uma pontuação que classifica os indivíduos em quatro grupos: 1) não preocupados com a imagem corporal (<81 pontos); 2) levemente preocupados (81 a 110 pontos); 3) moderadamente preocupados (111 a 140 pontos) e 4) extremamente preocupados (>140 pontos). A partir da 5a série, os alunos preencheram o BSQ em sala de aula com orientação dos entrevistadores. O questionário era distribuído e cada pergunta lida em voz alta pelos pesquisadores, mantendo um ritmo adequado entre as questões, a fim de permitir a resposta e evitar a dispersão.
O terceiro instrumento visava à auto-avaliação da maturidade sexual. Era composto por cinco gravuras que indicam diferentes estágios do desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, segundo critérios propostos por Tanner.20,21 Para fins deste estudo, optou-se por trabalhar com três categorias: estágio um (período pré-puberal); estágios dois e três (aceleração da maturidade); e estágios quatro e cinco (desaceleração da maturidade). A auto-avaliação da maturidade sexual foi realizada pelos escolares com 10 ou mais anos, pois eram os que apresentavam maior probabilidade de terem entrado na puberdade. Os demais foram considerados como no primeiro estágio de Tanner, ou seja, pré-púberes.
Todos os escolares foram pesados com balanças digitais Seca e medidos com fita antropométrica aferida por empresa credenciada pelo INMETRO. O peso e a estatura foram obtidos com os alunos trajando calcinha ou cueca e camiseta padronizada pela pesquisa em ambiente privado. Quando do uso da camiseta, o peso de 200g foi descontado do aferido. As técnicas utilizadas foram as recomendadas pela Organização Mundial da Saúde.22
Para avaliação do estado nutricional, foi utilizado o índice de massa corporal (IMC), dividindo-se o peso (em quilos) pela altura (em metro) elevada ao quadrado. Inicialmente, foi usada a classificação de Must e colaboradores23 que avalia o IMC segundo faixa etária e gênero, classificando-o em percentis de 5 a 95. Os escolares acima do percentil 50 na classificação de Must et al. foram reavaliados segundo a classificação de Cole e colaboradores,24 considerada mais fidedigna para a identificação de sobrepeso e obesidade.
O estado nutricional foi categorizado inicialmente em cinco grupos: desnutrição (<P5), risco para baixo peso (>P5 a <P14), eutrofia (>P15 a <P84), sobrepeso (>P85 a <P94) e obesidade (>P95). As faixas etárias foram agrupadas em seis a nove anos, dez a 14 anos e 15 a 17 anos, considerando o estágio de maturação sexual.22 A cor da pele referida pelo escolar foi agrupada em branca e não branca (pardo, negro, amarelo e índio).
Para avaliar o efeito das variáveis independentes sobre o estado nutricional, esse foi categorizado em desnutrição/risco para baixo peso, sobrepeso/obesidade e eutrofia, sendo essa última a categoria de referência.
As associações foram inicialmente testadas em análises bivariadas e, após, multivariadas. Um modelo de regressão logística ordinal de odds proporcional foi utilizado para estimar os valores das razões de chance (RC) e respectivos intervalos de confiança (IC95%) para cada um dos níveis do desfecho, simultaneamente, com programa STATA 6.0.25,26 Foram utilizados dois modelos de regressão multivariada. O primeiro foi com todos os 1.131 sujeitos, sem a variável BSQ, uma vez que essa foi somente utilizada para os alunos de 5a a 8a série. O segundo modelo foi com os 476 que realizaram a avaliação da imagem corporal, sendo os alunos categorizados em preocupados e não preocupados com a imagem corporal.
Considerações éticas
O presente estudo foi submetido à apreciação do Comitê de Ética da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) (2005-014H) e seguiu as orientações fornecidas na Resolução no 196/96, de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Além disso, reuniões com toda a comunidade escolar envolvida (pais, funcionários, professores e equipe diretiva) foram realizadas com o objetivo de explicar a pesquisa e distribuir os termos de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Para os que não compareceram à reunião, a escola enviou o termo de consentimento pelo aluno. Todos os alunos que participaram do estudo tiveram o TCLE assinado por seus responsáveis legais.
Resultados
A maioria dos alunos (64,3%) apresentou adequação do índice de massa corporal, sendo o binômio sobrepeso/obesidade o desvio antropométrico mais frequente em ambos os sexos (21,1%). Encontrou-se uma prevalência de desnutrição de 6,4% e de risco para baixo peso de 8,2%. Em relação ao sexo, 48,1% eram meninas, sendo que, entre essas, observou-se menor prevalência de adequação do índice de massa corporal (Tabela 1). No entanto, a análise bivariada não mostrou associação entre o estado nutricional e sexo (Tabela 2).
Observou-se uma tendência de aumento do sobre-peso diretamente proporcional à idade, ocorrendo o inverso com a desnutrição e a obesidade. O risco para baixo peso manteve-se estável entre as idades de seis a 14 anos, ocorrendo um aumento dos 15 aos 17 anos (Tabela 1). Apesar disso, não foi encontrada associação estatisticamente significativa entre faixa etária e estado nutricional (Tabela 2).
O estado nutricional apresentou comportamento bastante semelhante em relação às categorias de cor da pele, com exceção da obesidade que foi mais frequente entre brancos, porém essa diferença não foi estatisticamente significativa (Tabela 2). Quando analisado em relação à localização geográfica da escola - rural e urbana - evidenciou-se maior prevalência de desnutrição na área urbana, sendo que o risco para baixo peso, o sobrepeso e a obesidade foram mais frequentes entre os escolares da área rural (Tabela 1). Apesar disso, a análise bivariada não mostrou associação estatisticamente significativa entre as variáveis (Tabela 2).
A distribuição dos adolescentes segundo os estágios da maturação sexual mostrou que a maioria (85%) encontrava-se no pré-puberal ou na fase de aceleração; somente 15% haviam atingido a maturidade (Tabela 1). Verificou-se a mais alta prevalência de adequação do estado nutricional entre os jovens com maturidade sexual e a mais baixa prevalência de obesidade no grupo. No entanto, entre esses, encontrou-se a maior frequência de sobrepeso. O teste do qui-quadrado de associação encontrou associação entre essas duas variáveis, na forma como ambas encontram-se apresentadas na Tabela 1 (χ2: 17,94 p: 0,022). No entanto, quando se analisa o estado nutricional em três categorias, essa associação desaparece.
Considerando-se, exclusivamente, os que responderam ao BSQ, 73,5% declararam-se não preocupados com sua imagem corporal e 10,9%, entre moderadamente e extremamente preocupados. É interessante observar que mesmo entre os eutróficos encontrou-se um percentual de preocupação moderada e extrema que variou de 56,8 e 26,6%, respectivamente. Entre os escolares com sobrepeso e obesidade, verificou-se os mais altos percentuais de preocupação. A análise bivariada confirmou esse resultado, mostrando que os indivíduos preocupados com sua imagem corporal tiveram, respectivamente, 2,8 e 8,6 vezes mais chances de serem desnutridos/risco baixo peso e obesos/sobrepeso do que os não preocupados (Tabela 2).
Na análise multivariada para todos os escolares investigados (Tabela 3), não se observou associações significativas entre o estado nutricional e os fatores em estudo. No entanto, considerando exclusivamente os 476 escolares de 5a a 8a série (Tabela 4), duas variáveis associaram-se ao desfecho: a localização geográfica da escola e a percepção da imagem corporal. Os estudantes das escolas rurais apresentaram 3,3 vezes mais sobrepeso/obesidade dos que os da área urbana. Da mesma forma, os jovens preocupados com sua imagem corporal tiveram 3,0 vezes mais chances de terem desnutrição/risco baixo peso e 11,0 vezes mais chances de terem sobrepeso/obesidade do que os não preocupados. O teste de heterogeneidade confirmou diferenças significativas na magnitude do efeito da imagem corporal sobre essas duas categorias do desfecho.
Discussão
A avaliação do estado nutricional dos escolares mostrou uma maior percentagem de escolares eutróficos e uma frequência bastante alta de sobrepeso/obesidade. Apesar de não utilizarem o mesmo critério de classificação, outros estudos27,28 encontraram resultados similares, mostrando que estão ocorrendo mudanças no padrão nutricional determinadas pelo declínio da ocorrência de desnutrição em crianças e aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade.1,4,9,10
Não foram verificadas diferenças entre o estado nutricional de meninas e meninos, semelhante a Giugliano e Carneiro.10 Entretanto, a maioria dos estudos desenvolvidos identificou mais sobrepeso e obesidade entre os meninos.29-33
Em escolas de Pernambuco, a prevalência de sobrepeso e obesidade diminuiu à medida que aumentou a faixa etária,1,8 ocorrendo o inverso em Brasília.9 Entretanto, pesquisas realizadas na Inglaterra e em São Paulo não encontraram associações significativas entre faixa etária e estado nutricional, semelhante ao presente estudo.34,35
Apesar disso, a análise do estado nutricional dos escolares mostrou uma tendência à diminuição dos desvios na medida em que houve maior maturação sexual. Esse resultado é esperado, pois os indivíduos avaliados com maturação sexual entre os estágios um e três podem, através das alterações hormonais que ocorrem nos estágios quatro e cinco, voltar ao padrão de eutrofia.9
Não foram identificados estudos brasileiros, em escolares, investigando a associação entre cor da pele e estado nutricional. Nos Estados Unidos, foi encontrado mais sobrepeso entre negros do que entre brancos34 e, no Reino Unido, houve menor porcentagem de crianças negras classificadas como obesas (22,8%) do que entre brancas (25,1%).29 Na Inglaterra, pesquisadores encontraram diferenças significativas entre os grupos étnicos em relação ao sobrepeso e obesidade. A média do IMC foi mais alta em negros caribenhos (feminino e masculino) e em garotos indianos do que em crianças da população em geral.33
No Brasil, estudos têm apontado que, entre os segmentos mais desfavorecidos, existe um maior percentual de indivíduos não-brancos e,36,37 sabidamente, esses tendem a apresentar maiores desvios antropométricos.9,15 Assim, é possível que a falta de associação entre a variável cor da pele e o desfecho, verificada no presente estudo, tenha ocorrido em função da homogeneidade da amostra em relação à inserção econômica, uma vez que os escolares investigados pertencem a escolas públicas municipais.
A localização geográfica das escolas serve como indicador do local de moradia dos escolares, uma vez que esses frequentam escolas perto de seu domicílio. Observou-se importante diferença no comportamento dessa variável nos dois modelos testados. No primeiro, com todos os escolares, não houve associação entre o desfecho e a localização da escola, entretanto, quando foram incluídos somente os escolares de 5a a 8a série, essa associação foi significativa. Esse segundo modelo foi testado para investigar a associação entre imagem corporal e o desfecho, uma vez que somente os jovens a partir da 5a série responderam ao BSQ. Essa análise revelou que a não participação dos alunos mais jovens (1a a 4a série) no modelo determinou a mudança na magnitude do efeito da localização geográfica da escola sobre o IMC. Esse resultado sugere que nas áreas rurais, à medida que aumenta a idade acentuam-se os desvios nutricionais.
Apesar de não havermos encontrado pesquisas com escolares investigando o efeito da variável localização geográfica sobre o estado nutricional, alguns estudos populacionais no Brasil e no México indicam que,7,38 dependendo das características sociodemográficas da região, morar no meio rural pode ser fator de proteção ou de risco para o estado nutricional da população. Essas diferenças decorrem do perfil de morbi-mortalidade, determinado pelas condições de habitação,39 saneamento,6,39 urbanização da população rural, níveis de ocupação e renda,39 escolaridade e utilização dos serviços de saúde entre outros. Em famílias residentes no meio rural de Pernambuco, apenas o número de moradores por cômodo, o abastecimento de água, o esgotamento sanitário e o tratamento da água de beber associaram-se ao estado nutricional das crianças.39
Na população estudada, acredita-se que a maior prevalência de sobrepeso/obesidade encontrada entre os estudantes das escolas rurais possa estar associada a condições socioeconômicas mais desfavoráveis. No entanto, o presente estudo não foi delineado para responder essa questão, devendo ser investigada em pesquisas complementares.
A imagem corporal dos indivíduos é construída por meio da observação do corpo de outras pessoas e do próprio corpo, sofrendo influências sociais e culturais.41 Por essa razão, é importante conhecer a imagem corporal associada ao estado nutricional, verificando se existe preocupação dos escolares com seu peso e sua aparência. Estudo realizado em Vitória-ES12 teve por objetivo identificar o perfil nutricional e as expectativas de adolescentes em relação a mudanças desse perfil. Constatou que 86% dos adolescentes eram eutróficos e, entre esses, 53,4% estavam descontentes com o corpo e preocupados com a beleza, enquanto que 23,2% enfatizaram baixa autoestima. Os resultados apontam que a importância dada à estética foi o principal motivo para desejarem mudanças, sendo que os jovens que não se sentiam correspondendo ao padrão de beleza da sociedade revelaram presença de sentimento de discriminação.
A percepção corporal esteve associada ao desfecho, mostrando que tanto os desnutridos/risco nutricional como os obesos/sobrepeso estavam mais preocupados com sua imagem do que os eutróficos. No entanto, aqueles com excesso de peso estavam 3,8 vezes mais preocupados do que os com baixo peso.
Estudo realizado em escolares de Santo André-SP30 detectou associação significativa entre excesso de peso e insatisfação corporal, semelhante ao encontrado no interior de Minas Gerais.10 Estudo realizado em Ribeirão Preto-SP, com objetivo de avaliar a imagem corporal e autoconceito de pré-adolescentes com sobrepeso, obesos e não obesos, constatou que os pré-adolescentes obesos apresentavam maior insatisfação com seus corpos do que os pré-adolescentes não obesos, ocorrendo o mesmo entre meninos e meninas.15
A sociedade contemporânea valoriza o corpo magro como símbolo de sucesso e atrativos sexuais, enquanto que excesso de peso e obesidade podem representar falta de autocontrole e força de vontade.30,40 Essa situação é facilmente evidenciada na mídia que usa imagens de pessoas com corpos perfeitos, passando a idéia que para ser feliz é necessário seguir esse padrão de beleza.12,15
O presente estudo é o primeiro realizado para investigar o estado nutricional de escolares da rede pública de Gravataí. No entanto, não pode ser considerado representativo dos estudantes do município, pois foi investigada apenas uma região distrital das quinze existentes. A região Barro Vermelho foi escolhida devido ao maior número de escolas rurais, possibilitando a avaliação do estado nutricional segundo a localização geográfica das escolas. Outro aspecto que deve ser considerado é o de que foram investigados jovens escolares da rede pública municipal, não podendo os resultados ser extrapolados para jovens do ensino particular ou para aqueles que se encontrem fora da rede de ensino.
As perdas ocorridas no estudo não comprometeram o poder do mesmo, pois foram previstas no cálculo do tamanho da amostra. Assim, o número de escolares investigados foi superior ao necessário.
As diferenças encontradas quanto à prevalência de desvios do estado nutricional dos escolares de Gravataí e de outros estudos podem ter sido determinadas tanto por diferenças nos procedimentos metodológicos quanto em função de diferenças nos hábitos dietéticos, estilos de vida, disponibilidade de alimentos, estrutura social e cultural dos escolares investigados.
A alta prevalência de sobrepeso e obesidade, ainda que inferior a encontrada em outros estudos no mesmo estado,28,41 merece atenção dos gestores de saúde, em especial entre os jovens das escolas rurais. Da mesma forma, a importante associação entre estado nutricional e insatisfação com a imagem corporal aponta para a necessidade de ações articuladas entre o setor saúde e educação. Em função disso, é vital que sejam desenvolvidas ações de promoção da saúde, prevenção de desvios antropométricos2,3 e de estímulo ao desenvolvimento de uma imagem corporal e auto-estima positiva.
Caso não haja mudança no estilo de vida de jovens e crianças, poderá ocorrer o aumento da prevalência do sobrepeso e obesidade, bem como da ocorrência de indivíduos adultos obesos, mais suscetíveis às doenças crônicas não transmissíveis.1,3,6 Estudos sobre o estado nutricional fornecem importantes subsídios para políticas públicas de saúde, que deverão promover o incremento da atividade física nas escolas e inclusão de conteúdos relacionados a hábitos de vida saudáveis desde as primeiras séries do ensino fundamental.
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Endereço para correspondência:
Av. Ganzo, 238, Menino Deus,
Porto Alegre-RS, Brasil.
CEP:90150-070
E-mail:daerts@sms.prefpoa.com.br
Recebido em 01/06/2009
Aprovado em 09/02/2010
*Trabalho vinculado a Universidade Luterana do Brasil, Canoas-RS.