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Informe Epidemiológico do Sus
versão impressa ISSN 0104-1673
Inf. Epidemiol. Sus v.11 n.1 Brasília mar. 2002
http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16732002000100004
Características do atendimento prestado pelo serviço de profilaxia da raiva humana na rede municipal de saúde de Maringá-Paraná, no ano de 1997*
Characteristics of attendance rendered by public health services in Maringá-Paraná in 1997 to prevent human rabies
Wladithe Organ de CarvalhoI; Dorotéia Fátima Pelissari de Paula SoaresI; Vânia Cristina Sanchez FranceschiII
IDepartamento de Enfermagem / Universidade Estadual de Maringá
IIUniversidade Estadual de Maringá
RESUMO
A raiva representa importante problema de saúde pública no Brasil e mesmo em Estados onde ela está sob controle, as ações de vigilância da doença são fundamentais. O objetivo deste trabalho foi descrever e avaliar alguns aspectos do atendimento prestado pelos serviços de saúde a pessoas agredidas por animais potencialmente transmissores da raiva, em Maringá - Paraná, no ano de 1997. As variáveis estudadas foram obtidas dos registros de atendimento contidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). O atendimento é descentralizado, prestado pela rede pública de serviços de saúde. Com o estudo, foi possível identificar problemas na qualidade de registro e no sistema de contra-referência de vacinação. Os resultados são compatíveis com a situação epidemiológica da raiva no Paraná. A maior proporção de atendimentos foi prestada a menores de 15 anos, do sexo masculino, devido a ferimentos superficiais, por mordeduras em membros inferiores e mãos. O cão foi o principal agressor, estando sadio no momento da agressão, não vacinado ou com estado vacinal desconhecido. Predominou a conduta de exclusiva observação do animal. A taxa de abandono de vacinação foi de 4%. Mesmo com a doença controlada, é necessário adotar medidas como a supervisão constante, o treinamento dos profissionais e a educação para a saúde da população.
Palavras-chave: Raiva Humana; Prevenção e Controle; Vigilância Epidemiológica
SUMMARY
Rabies represents an important problem of public health in Brazil and, even in states where it is under control, surveillance activities are fundamental. The objective of this study was to describe and evaluate some aspects of the assistance provided by health services to people attacked by animals capable of transmitting rabies, in Maringá-Paraná, in 1997. The study variables were obtained from the health care records registered in the Information System of Compulsory Notification Health Events. The assistance is decentralized and provided by public health services. With the present study it was possible to identify problems regarding the quality of records and in the process of information feedback to reference health services for vaccination activities. The results are compatible with the epidemiological situation of rabies in Paraná State. The largest proportion of health assistance was provided to male individuals under 15 years, with superficial wounds in lower extremities or hands. Dogs were identified as the main aggressors, being healthy at the moment of the attack, but not vaccinated or with unknown vaccination status. The conduct of exclusive observation of the animal was the most common approach. The rate of incomplete vaccination was 4%. Constant supervision, training of health professionals and, health education of the population, are measures of fundamental importance even when the disease is under control.
Key Words: Human Rabies; Prevention and Control; Epidemiologic Surveillance.
Introdução
A raiva, doença dos animais mamíferos que pode ocorrer nos homens, representa um importante problema de saúde pública, particularmente em áreas menos desenvolvidas, em razão dos custos decorrentes das medidas de controle e de sempre evoluir para a morte. Poucos países conseguiram livrar-se da doença e outros mantêm seu ciclo urbano sob controle, ocorrendo casos esporádicos de transmissão por animais selvagens.1-4
Sua transmissão, tanto de animal a animal como do animal ao homem, ocorre pela introdução no organismo do vírus da raiva do animal doente, em conseqüência de mordedura, lambedura, ferimento de mucosas ou arranhões. São reconhecidos dois tipos epidemiológicos de raiva: a raiva urbana, mantida por cães e gatos e a raiva rural, mantida por animais silvestres: morcegos hematófagos na América Latina.2,5
O ciclo urbano da doença continua sendo o mais importante para a raiva humana. Em áreas urbanas, cujas medidas de controle não atingem seu objetivo, a espécie de maior relevância epidemiológica para a transmissão do vírus é o cão, principal reservatório e fonte de infecção, seguido pelo morcego. Devido à circulação intensa do vírus no ciclo silvestre, é muito difícil erradicar a doença no Brasil.3,4 A eliminação nas Américas tem sido tema de várias reuniões internacionais nas últimas décadas.3,6 No Brasil, a raiva humana ainda faz vítimas e continua sendo um sério problema de saúde pública, apesar das ações desenvolvidas nos Estados para o controle da doença.7
Em 1973, foi criado o Programa Nacional de Profilaxia da Raiva (PNPR), cuja coordenação e execução está a cargo das Secretarias Estaduais.3 Houve redução importante dos casos humanos e caninos após uma década de trabalhos intensivos e o período entre 1980 e 1990 é considerado o mais importante para estudo do controle da raiva em nosso país.3,7
A Região Sul do Brasil não apresenta casos humanos desde 1982, com exceção de um caso acidental transmitido por morcego perto da cidade de Curitiba, em 1987. Alguns Estados dessa Região, com situação epidemiológica privilegiada, não realizam mais as campanhas de vacinação canina.3 Há vacinação canina focal e perifocal, somente quando necessário, com prioridade para a vigilância epidemiológica.8
No Paraná, a raiva humana apresentou altos índices no início da década de 70, o que motivou a criação de um Programa Estadual e de uma Comissão Interinstitucional que direcionaram a profilaxia da raiva desde 1973. Foram priorizadas as campanhas de vacinação anti-rábica, que alcançaram altas coberturas em 100% dos municípios.9 O Paraná foi o primeiro Estado brasileiro a controlar a raiva: o último caso por transmissão canina foi em 1977; o último, por agressão de um morcego, ocorreu após nove anos sem registro de casos.3,9
A ocorrência de casos de raiva canina no período de 1982 a 1998 mostrou comportamento geograficamente localizado em municípios de fronteira com o Estado de São Paulo e com o Paraguai.4,8 Em decorrência dessa situação, foi realizada, em 1998, a vacinação canina nos municípios das fronteiras Norte e Oeste do Paraná, visando estabelecer uma barreira imunológica, diminuindo o risco de ocorrência de surtos e a difusão da doença para outros municípios do Estado.8
O município de Maringá localiza-se ao Noroeste do Estado, não faz divisa com outro Estado da federação ou país vizinho. Sua população é de 267.942 habitantes (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1996),10 com 2,6% da população residente em área rural.
Destaca-se a arborização urbana no município, que conta com 2.168.607,7m2 de áreas verdes públicas em forma de parques, bosques, reservas florestais, inclusive em áreas centrais (sem contar a arborização das vias públicas e praças), o que representa aproximadamente 2% da área urbana total. Nessas áreas, residem animais silvestres e observa-se a presença de primatas nas vias públicas ao seu redor, recebendo alimentos da população, que faz da presença dos animais um "ponto turístico" em finais de tarde.
Observa-se também no município, um número crescente de cães errantes perambulando pela cidade, tanto na periferia, quanto na área central. A Vigilância Sanitária encontra dificuldades para executar as ações de controle e prevenção da doença.11
Maringá é a cidade de maior população e extensão entre os 30 municípios da 15a Regional de Saúde do Estado do Paraná, da qual é sede administrativa, dispondo também do maior número de profissionais e serviços de saúde da região. Sendo atualmente um dos municípios do Paraná a assumir a Gestão Plena da Assistência à Saúde, deve exercer constante monitoramento da situação de saúde de sua população, inclusive em relação a doenças que estão sob controle, como é o caso da raiva.
Mesmo em cidades de regiões consideradas desenvolvidas e com sistemas de saúde razoavelmente estruturados, é fundamental a continuidade das ações de vigilância e controle da raiva em áreas urbanas, visto que há possibilidade de recrudescimento da doença, como já ocorreu em algumas áreas do Brasil,3,4 onde as condições para a extensa circulação viral e conseqüente epidemia foram favorecidas pela falta de priorização ao programa de controle em anos imediatamente anteriores.4
O objetivo do presente estudo é descrever o atendimento prestado no município a pessoas agredidas por animais potencialmente transmissores do vírus da raiva e avaliar alguns aspectos desse atendimento, no ano de 1997, por meio do banco de dados do Sistema de Informações sobre Agravos de Notificação (SINAN).
Material e métodos
O atendimento prestado a pessoas agredidas por animais transmissores da raiva foi descrito com base na observação participativa do funcionamento do serviço, assim como das Normas, Procedimentos e Rotinas, elaboradas e distribuídas pelo Serviço de Imunização da Secretaria de Saúde do Município de Maringá às unidades de atendimento.
Para o estudo, foram consideradas 856 pessoas agredidas por animais potencialmente transmissores da raiva, atendidas pelo Serviço de Profilaxia da Raiva do Município de Maringá e registradas no SINAN.
As fontes dos dados foram as Fichas de Controle de Animais Agressores (FCAA), documentos de registro do atendimento individual ao agredido. Eram utilizados, à época, dois modelos: a FCAA-1 e a FCAA-2.
A FCAA-1 é uma ficha simplificada de registro do atendimento, preenchida pelas unidades de saúde descentralizadas. Ela não contém dados sobre o local da agressão, sexo da vítima, profundidade, tipo e localização do ferimento.
A FCAA-2 é uma ficha mais completa e é utilizada pelo Serviço de Imunização quando há indicação de vacina. Contém dados relativos à pessoa agredida, ao ferimento, ao animal agressor e ao atendimento. O modelo é idêntico ao adotado pelo SINAN e compõe-se de três partes (picotadas e destacáveis): registro do atendimento, cartão de aprazamento de vacinas e carteira de vacinação, esta última destacada e entregue ao usuário para seqüência do esquema vacinal.
Para o preenchimento dessas fichas, as informações são obtidas diretamente dos pacientes ou responsáveis e registradas por médicos ou enfermeiros dos serviços públicos de saúde de Maringá.
As variáveis analisadas são relativas às características da vítima: município, área de residência, sexo, idade, local da agressão; características do ferimento: profundidade, tipo, localização, tipo de exposição; características do animal agressor: espécie, situação vacinal, condição clínica no momento da agressão, ao quinto e ao décimo dia após a agressão e características do atendimento: data e unidade de saúde, conduta adotada, número de doses prescritas e administradas de vacina e soro anti-rábico.
Para cálculo da taxa de incidência de agressões no município, foram considerados os indivíduos agredidos residentes em Maringá e a população total de residentes no município.
As FCAA preenchidas em 1997 foram digitadas por bolsista participante de projeto de extensão da Universidade Estadual de Maringá, no banco de dados do SINAN, implantado nesse mesmo ano no Serviço de Imunização.
Após a digitação, as fichas foram comparadas por nome, data de nascimento, endereço e data da agressão e eliminados os casos de duplicidade, com prioridade à digitação da FCAA-2, por ser mais completa. O banco de dados do SINAN foi importado para o programa EpiInfo 6.0 e ambos foram utilizados para a tabulação dos dados.
Resultados e discussão
Fluxo do atendimento
O atendimento a pessoas agredidas por animais potencialmente transmissores da raiva em Maringá é descentralizado para o Hospital Universitário Regional de Maringá (HUM) e para os 22 Núcleos Integrados de Saúde (NIS) do município, sob a responsabilidade do Serviço de Imunização. Os demais hospitais e clínicas privadas referenciam o atendimento ao Serviço de Imunização ou às unidades descentralizadas.
A descentralização ocorreu no início da década de 90, quando houve a municipalização do Serviço de Imunização, que pertencia até então, à 15a Regional de Saúde do Estado.
Durante o dia, de segunda a sexta-feira, o preenchimento da FCAA-1 e os procedimentos necessários são realizados pelos NIS: vacinação anti-rábica, vacinação antitetânica, curativo, antibioterapia, consulta médica, etc. A avaliação do caso, de acordo com o ferimento, o animal agressor e a situação epidemiológica local, e a adoção da conduta padronizada no Estado do Paraná (Figura 1) são realizadas pelo médico ou pelo enfermeiro da Unidade. As fichas preenchidas nas unidades de atendimento descentralizado são encaminhadas periodicamente ao Serviço de Imunização, onde ficam arquivadas.
Em caso de prescrição de vacinas, o usuário é encaminhado ao Serviço de Imunização para preencher a FCAA-2 e iniciar a vacinação, que pode ter continuidade em um NIS de escolha do usuário. Caso isso ocorra, o Serviço de Imunização envia as doses restantes de vacina ao NIS juntamente com o cartão de aprazamento que, ao término da vacinação, é devolvido para controle e arquivamento. A administração de soro antirábico é realizada unicamente em ambiente hospitalar, sendo o HUM a referência para o sistema.
Se o usuário procurar diretamente o Serviço de Imunização, a conduta relativa à profilaxia da raiva e tétano é tomada e, se necessário, ele será encaminhado ao NIS para a realização de curativos e procedimentos médicos.
Os atendimentos no período noturno, feriados e finais de semana são realizados em uma unidade de Pronto Atendimento 24 horas (NIS III Zona Norte) e no HUM. São duas as situações que se apresentam:
1. continuidade da vacinação iniciada durante a semana: mediante a apresentação da carteira de vacinas são realizadas as doses prescritas. O aprazamento fica arquivado no serviço onde as doses estavam sendo administradas inicialmente. É realizado apenas o controle do número de doses administradas, não existindo controle nominal do usuário que a recebeu; e
2. atendimento inicial pós-agressão: estas unidades prestam o atendimento e dão início à vacinação anti-rábica, se houver indicação. O HUM encaminha os usuários ao Serviço de Imunização para a continuidade do esquema vacinal ou apenas para o preenchimento da FCAA-1, quando não há indicação de vacina.
No fluxo de atendimento apresentado, observa-se que ocorre a duplicação de fichas, pois, para um único usuário atendido em uma unidade descentralizada e encaminhado para prescrição de vacina no Serviço de Imunização, são preenchidas e arquivadas pelo menos duas FCAA. O banco de dados fica comprometido com o aumento artificial de casos. Para evitá-lo, deve ser feito controle por intermédio da crítica dos dados após a digitação.
Vários autores recomendam a descentralização do atendimento e profilaxia pós-exposição para Unidades de Saúde localizadas nos bairros, como forma de melhorar a acessibilidade e evitar dificuldades para a população, o que diminui, inclusive, as taxas de abandono do tratamento.3,12-15 Em Maringá, essa estratégia vem sendo utilizada há cerca de dez anos e parece alcançar resultados positivos, como pode ser observado diante da elevada proporção de atendimentos a casos em que ocorreram ferimentos superficiais e cujos animais estavam sadios no momento da agressão (Tabelas 1 e 2). O acesso é facilitado, ainda, por não necessitar de agendamento de consulta médica. É possível que os resultados favoráveis se devam à descentralização e ao atendimento imediato, mediante a divulgação do serviço entre a população e não em virtude de campanhas educativas, visto que a raiva não tem sido alvo de atenção constante nos meios de comunicação.
Preenchimento da ficha de controle de animais agressores
A ausência de informações a respeito do sexo da vítima, profundidade, tipo e localização do ferimento na FCAA-1, ocasionou aumento de ignorados nestas variáveis (Tabelas 1 e 3) e impediu o uso dos dados referentes ao local da agressão (31,8% de ignorados). Esse problema será solucionado pelo Serviço de Imunização com a implantação de ambas FCAA pelo modelo SINAN.
Os campos referentes à situação vacinal do animal agressor e ao estado clínico do animal após dez dias de observação deixavam constantemente de ser preenchidos, principalmente nas fichas que davam os animais como desaparecidos ou sacrificados no dia da agressão, o que levou ao aumento da freqüência de animais de condição clínica ignorada de 2,7% no dia da agressão para 14,3% após a observação. Quando possível, realizou-se correção dessa variável, cujos resultados após a correção se encontram na Tabela 2.
A maior dificuldade de preenchimento foi observada nos campos relativos a doses iniciais e doses posteriores de vacina, onde constavam números que não fazem parte do protocolo de vacinação do Paraná e também na definição de doses iniciais e posteriores, visto que os reforços constavam, ora do campo referente a doses iniciais, ora do campo referente a doses posteriores.
Caracterização dos atendimentos
Foram atendidas 856 pessoas agredidas por animais transmissores da raiva, 97,1% das quais residentes no município de Maringá, principalmente em área urbana (Tabela 4), situação esperada diante da característica urbana do município.
A incidência de agressões em residentes foi de aproximadamente uma pessoa agredida em cada 313 habitantes, maior que a encontrada na América Latina entre 1990 e 1994: uma agressão em cada 641 habitantes,6 apesar do consenso entre os profissionais no município de que o número de agressões seja maior que o atendido pelos serviços de saúde. A diferença existente entre os países é associada à informação sobre o risco de contrair a doença, ao acesso e à confiança nos serviços de saúde e à importância dada pela população à notificação e tratamento das agressões.6
Nos meses de julho (n=119;13,9%), abril (n=95;11,1%) e dezembro (n=93; 10,9%), encontrou-se a maior concentração de atendimentos, ao contrário da esperada elevação no mês de agosto: 75 atendimentos (8,8%).
As unidades que prestaram maior número de atendimentos foram o Serviço de Imunização e o NIS III Zona Norte (Tabela 5). O número de atendimentos dos NIS e do HUM está subestimado, devido a dois fatos citados anteriormente: a) priorizou-se a digitação das FCAA-2; b) o HUM encaminha seus atendimentos para preenchimento posterior da FCAA. Em ambos, a unidade reconhecida pelo SINAN é a que preencheu a ficha (o Serviço de Imunização), em detrimento daquela que prestou o primeiro atendimento. Para obter o número correto da demanda por unidades descentralizadas, o local de atendimento inicial deve ser considerado mesmo quando houver atendimento posterior no Serviço de Imunização.
A maior proporção de atendimentos foi de crianças: 52,5% e de pessoas do sexo masculino: 56% (Tabela 3). Nas faixas etárias de 20 a 49 anos e maiores de 65 anos, a maior proporção de agressões ocorreu em mulheres. Outros autores encontraram resultados semelhantes em relação ao sexo e idade3,12,13,15,16 e alguns os atribuem à atividade mais intensa, com maiores oportunidades de encontro com os animais, brincadeiras na ruas e atitudes bruscas que podem despertar reação agressiva do animal.
Dois outros fatores poderiam ser acrescentados: a) a preocupação dos pais e responsáveis em buscar atendimento, pois devido à letalidade da doença, seus familiares, além das crianças, são envolvidos emocionalmente;12 e b) adultos podem considerar alguns tipos de exposição como um evento de menor importância e não procurar pelo serviço de saúde, subestimando o número absoluto de agressões. O resultado encontrado levanta também a necessidade de trabalho educativo em escolas.14
Como em outros estudos,12,13,15-17 verificou-se que a principal espécie agressora foi a canina (86,8%); a mordedura, o principal tipo de exposição (94,1%) e os membros inferiores (36,6%) e mãos (28,2%), os locais de ferimento predominantes (Tabelas 1 e 2).
Em 34,3% das agressões, ocorreram ferimentos em múltiplas regiões do corpo. Apesar de considerável proporção de ferimentos profundos ou dilacerantes, predominaram os ferimentos superficiais: 62,9% (Tabela 1) por qualquer espécie agressora e na maioria das faixas etárias. Relacionando ao sexo da vítima, 180 homens (37,6%) e 122 mulheres (33,2%) tiveram ferimentos profundos.
Cerca de 10% das agressões foram por felinos (Tabela 2), sendo as mãos o local mais atingido. Proporcionalmente, eles provocaram mais arranhaduras que os cães (9,5 e 4% respectivamente). Tal exposição é considerada grave, mas a procura por atendimento é menos freqüente, o que se deve, em parte, ao senso comum que considera apenas as mordeduras e agressões causadas por cães como grande risco para a transmissão da raiva.
Não houve agressão por quirópteros ou herbívoros. A maioria das 19 agressões consideradas como "outros" (Tabela 2) foi causada por macacos, sendo 18 mordeduras, 12 ferimentos nas mãos e 13 agressões em crianças, fato que merece destaque, considerando o desconforto, o trauma e os riscos de complicações para a criança que, uma vez agredida, terá que ser submetida ao esquema completo de vacinação anti-rábica.
Observa-se a necessidade de maior atenção à exposição da população aos animais silvestres, pois a pequena proporção (2,2%) não diminui sua importância. Podemos supor que haja sub-registro dessas agressões, pois, nas áreas onde eles habitam existem placas orientando a população para que não dê alimentos e não se aproxime dos macacos, mas sem informações quanto ao risco da transmissão da raiva e à necessidade de vacinação.
Em 85% das agressões, os animais estavam sadios; diminuíram os animais suspeitos após sua observação durante dez dias (Tabela 2) e aumentou o número de condição clínica desconhecida após a observação, situação encontrada também por Garcia.16 Isso poderia apontar para problemas de comunicação com o usuário ou por não ocorrer busca ativa da informação. Devido ao controle da doença, é possível haver desvalorização do registro: como, em geral, o animal está sadio ao final do período, considera-se uma informação desnecessária, mesmo quando conhecida.
O fato de as tradicionais campanhas de vacinação de cães não serem mais necessárias no Estado, interfere nos resultados encontrados a respeito do estado vacinal do animal agressor. É comum a vítima ignorar a situação vacinal do animal, quando não é sua proprietária. Em 65,8% dos casos atendidos, o animal agressor não era vacinado ou seu estado vacinal era desconhecido.
A conduta predominante nas agressões foi de exclusiva observação do animal, adequada para a situação de controle da raiva no Estado e para as características encontradas: ferimentos únicos, superficiais, causados por animais sadios e passíveis de observação (Tabelas 1, 2 e 5). A Norma Técnica de Tratamento Preventivo contra a raiva prioriza, em municípios de baixo risco, a observação intensiva dos animais ao invés de tratar as agressões graves por parte dos animais observáveis.3,9
O percentual das pessoas agredidas em Maringá e que foram vacinadas está próximo ao verificado em estudo realizado na América Latina, que referiu vacinação em 42% dos atendidos6 e ao verificado no Brasil, entre 1980 e 1990, quando o percentual de tratados foi de aproximadamente 45%.3 Segundo alguns autores, o valor nas diferentes localidades brasileiras varia de forma significativa.15-17 Com as condições locais, poderia ser esperado menor percentual de vacinação; no entanto, foram altas as proporções de exposições graves, como no caso dos ferimentos em mãos e cabeça: 40,4% (Tabela 1) e, além disso, os esquemas longos de vacinação (9 e 13 doses) não foram freqüentes (Tabela 5).
Para Gomes,14 médias elevadas de vacina por pessoa devem-se à prescrição excessiva de tratamentos completos por falta de observação adequada do animal ou de exame anátomo-patológico. A literatura destaca a importância da avaliação clínica do animal, visando reduzir a vacinação no ser humano, pois apesar da qualidade da vacina produzida atualmente, esta ainda encerra risco de complicações pós-vacinais, algumas com comprometimento do Sistema Nervoso Central ou morte.3,14-16
Pinto15 afirma que a recomendação de observar com mais critérios as normas recomendadas e aumentar a freqüência de observação dos animais agressores nem sempre ocorre, devido à inexistência de condições para observação dos animais, à comodidade dos trabalhadores de saúde que preferem indicar o tratamento ao invés de investigar e à falta de instrumento adequado para registro de dados e tomada de decisões.
Entre as 350 pessoas às quais foi prescrita a vacinação, 92% completaram as doses (Tabela 5). O percentual de abandono do tratamento não foi elevado, quando comparado à situação da América Latina e de outras localidades no Brasil.6,15,17 Na ausência da descentralização do atendimento, os abandonos ocorrem devido à perda de muitas horas de trabalho, necessidade de acompanhantes, distância, despesas com transporte. Outro fator seria a falta de informação dos trabalhadores de saúde às pessoas, sobre a importância da vacinação.12,15
Mas, com a descentralização do atendimento, a possibilidade de o usuário optar pela unidade onde continuará o esquema e a pequena proporção de tratamentos prolongados, o abandono nesse município deveria ser menor. Essa freqüência pode ser devida a falhas nas orientações durante o tratamento, na busca ativa de faltosos ou ainda a um dado irreal causado pelo preenchimento incompleto dos aprazamentos.
A situação de esquema vacinal "ignorada" alcançou a mesma proporção de abandono do tratamento (Tabela 5) e ocorreu principalmente quando as últimas doses coincidiram com o final de semana. Conforme descrito anteriormente, o serviço de origem, nestes casos não recebe informação nominal das doses de vacina aplicadas, que são consideradas como ignoradas para o sistema de informação.
Observou-se, neste estudo, a necessidade de algumas alterações nas FCAA e no fluxo de atendimento à população, a fim de melhorar a informação que servirá em última instância para futuras avaliações do atendimento.
Schneider3 considera importante que haja supervisão da qualidade da descentralização do atendimento, pois, atender satisfatoriamente as pessoas atacadas depende não somente do acesso, mas da qualidade dos serviços. A qualidade, em todas as etapas do controle anti-rábico, evita, atualmente, gastos com imuno-biológicos e os transtornos causados pela necessidade de observação dos animais e administração da vacina à vítima da agressão.
Há muito, existe a necessidade de maior conscientização da importância do preenchimento correto das fichas de registro,15 de treinamento e reciclagem permanentes de equipes de saúde pública para que os recursos cumpram adequadamente seu papel de Vigilância Epidemiológica.16 A supervisão contínua poderia ser fator de resolução de falhas e dificuldades na execução de todas as etapas do programa.
O controle da doença no Estado do Paraná não deve ser estímulo negativo aos profissionais e gestores e nem retirá-la da agenda dos serviços. As condições para se conseguir o controle demandam recursos financeiros, humanos e institucionais,3 mas o retorno aos níveis anteriores imporia custos não só econômicos, mas de vidas, ao sistema de saúde e à população.4
Além disso, não se deve ignorar a necessidade de educação em saúde, inclusive com informações sobre a prevenção da raiva no que diz respeito ao controle de animais e cuidados após a exposição aos mesmos e esclarecimentos sobre quais animais são potencialmente transmissores da raiva.
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* Estudo resultante de projeto de extensão desenvolvido pela Universidade Estadual de Maringá na Secretaria de Saúde do Município de Maringá.