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Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.21 n.3 Brasília set. 2012
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742012000300012
ARTIGO ORIGINAL
Conhecimento sobre doenças e agravos de notificação compulsória entre profissionais da Estratégia Saúde da Família no município de Teresina, estado do Piauí, Brasil - 2010*
Knowledge about mandatory notifiable diseases among professionals of Family Health Strategy in the municipality of Teresina, state of Piauí, Brazil - 2010
Selônia Patrícia Oliveira SousaI; Márcio Dênis Medeiros MascarenhasII; Maria da Conceição Brandão SilvaIII; Rúbria Araújo Marins de AlmeidaIII
IHospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, Brasil. Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, Brasil. Curso de Bacharelado em Enfermagem, Centro de Ensino Unificado de Teresina, Teresina-PI, Brasil
IIUniversidade Federal do Piauí, Teresina-PI, Brasil. Fundação Municipal de Saúde, Teresina-PI, Brasil. Curso de Bacharelado em Enfermagem, Centro de Ensino Unificado de Teresina, Teresina-PI, Brasil
IIICurso de Bacharelado em Enfermagem, Centro de Ensino Unificado de Teresina, Teresina-PI, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: avaliar e comparar o conhecimento de enfermeiros e médicos da Estratégia Saúde da Família (ESF) sobre doenças e agravos de notificação compulsória.
MÉTODOS: estudo transversal com amostra de 147 enfermeiros e 135 médicos da ESF do município de Teresina, estado do Piauí, Brasil, em 2010.
RESULTADOS: a maioria dos enfermeiros (78,6%) e médicos (75,8%) entrevistados domina o conceito de notificação, sem diferença estatisticamente significativa (p=0,570); houve diferença significativa no conhecimento entre enfermeiros e médicos sobre notificação negativa (95,9% versus 82,9%; p<0,001), notificação compulsória de intoxicações exógenas (43,8% versus 30,1%; p=0,030) e notificação imediata de botulismo (58,3% versus 75,9%; p=0,004); identificaram-se deficiências sobre conceitos e exemplos de doenças e agravos de notificação compulsória, notificação imediata e doenças erradicadas.
CONCLUSÃO: os profissionais apresentam deficiências no conhecimento sobre doenças e agravos de notificação compulsória e necessitam capacitar-se sobre o tema.
Palavras-chave: Notificação de Doenças; Notificação Compulsória; Vigilância Epidemiológica; Atenção Primária à Saúde.
ABSTRACT
OBJECTIVE: to assess and compare knowledge of nurses and doctors of Family Health Strategy (FHS) on mandatory notifiable diseases.
METHODS: cross-sectional study with 147 nurses and 135 doctors of FHS, in the municipality of Teresina, state of Piauí, Brazil, in 2010.
RESULTS: the most part of interviewed nurses (78.6%) and doctors (75.8%) showed dopamine on concepts, with no statistically significant differences (p=0.570); there was statistically significant difference between nurses and doctors knowledge about negative reporting (95.9% versus 82.9%; p<0.001), mandatory reporting of exogenous poisoning (43.8% versus 30.1%; p=0.030) and immediate notification of botulism (58.3% versus 75.9%;p=0.004); deficiencies were identified on concepts and examples on mandatory notifiable diseases, immediate notification and eradicated diseases.
CONCLUSION: the professionals presented deficiencies in knowledge about notification and their training with emphasis on mandatory reporting is recommended.
Key words: Disease Notification; Mandatory Reporting; Epidemiological Surveillance; Primary Health Care.
Introdução
Entende-se por notificação compulsória a comunicação oficial às autoridades sanitárias sobre a ocorrência de uma doença ou agravo à saúde, feita por qualquer profissional de saúde ou cidadão, para fins de adoção de medidas de intervenção pertinentes. Instituída no final do século XIX, a notificação compulsória constitui importante precursor dos serviços de vigilância em Saúde Pública, sendo utilizada até hoje como estratégia para melhorar o conhecimento do comportamento de doenças na comunidade.1-3
Para fins de notificação, doença consiste no desajustamento ou falha nos mecanismos de adaptação do organismo, ou na ausência de reação aos estímulos a cuja ação está exposta. Tal desequilíbrio conduz a uma perturbação da estrutura ou da função de um órgão, sistema ou de todo o organismo, ou de suas funções vitais, causada por um agente infeccioso (doenças transmissíveis) ou não (doenças não transmissíveis). Agravos, por sua vez, referem-se a quadros que não representam, obrigatoriamente, uma doença classicamente definida e podem ser exemplificados pelas lesões decorrentes de violência, acidentes, envenenamentos, entre outros.4,5
Dada a natureza específica de cada doença ou agravo à saúde, a notificação segue um processo dinâmico, variável em função das mudanças no perfil epidemiológico, dos resultados obtidos com as ações de controle e da disponibilidade de novos conhecimentos científicos e tecnológicos. As normas de notificação devem se adequar, no tempo e no espaço, às características de distribuição das doenças consideradas, ao conteúdo de informação requerido, aos critérios de definição de casos, à periodicidade da transmissão dos dados, às modalidades de notificação indicadas e à representatividade das fontes de notificação.6 A notificação de doenças aumenta a oportunidade e a sensibilidade do sistema de vigilância ao garantir que a maioria dos casos verdadeiros seja notificada, mesmo que, posteriormente, alguns sejam descartados.6,7
Na atual organização do sistema de Saúde Pública do Brasil, verifica-se o empenho dedicado à reorganização do modelo de atenção primária à saúde por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF), como processo de descentralização de um conjunto de medidas e programas específicos, transferindo para os municípios a responsabilidade das ações básicas de saúde. Como alternativa para garantir a oferta de cuidados individuais e coletivos à saúde das famílias no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), devem-se realizar as ações de vigilância em saúde a partir da ESF, entre elas a notificação compulsória de doenças e agravos de interesse da Saúde Pública.8-10
Considerando-se a importância da notificação compulsória como elemento primordial para o desencadeamento de ações de vigilância em saúde e contando com a ESF como um instrumento privilegiado para a captação oportuna de enfermidades de interesse sanitário, o presente estudo tem por objetivo avaliar e comparar o conhecimento de enfermeiros e médicos da ESF em relação aos conceitos e exemplos relacionados às doenças e agravos de notificação compulsória (DANC) no município de Teresina, estado do Piauí, Brasil, no ano de 2010.
Métodos
Estudo observacional, de corte transversal, realizado no município de Teresina, capital do Piauí, localizado na região Nordeste do Brasil. Em 2010, o município contava com população de 814.230 habitantes,11 predominantemente urbana (95,0%), com densidade demográfica de 463,9 habitantes/km2. À mesma época, atuavam em Teresina-PI 229 equipes de Saúde da Família (208 na zona urbana e 21 na zona rural), resultando em uma cobertura de aproximadamente 95,0% da população residente, distribuídas em três áreas administrativas denominadas de Coordenadorias Regionais de Saúde (CRS) Centro/Norte, Leste/Sudeste e Sul.
A população do estudo foi composta por enfermeiros e médicos que trabalhavam na ESF da zona urbana do município à época da coleta de dados: agosto a outubro de 2010.
Tendo em vista a impossibilidade de pesquisar todos os indivíduos do grupo, foi utilizado o método de amostragem aleatória sistemática. Considerando-se uma prevalência hipotética máxima de 50,0% de acertos sobre o conhecimento em relação às doenças e agravos de notificação compulsória, o tamanho mínimo da amostra foi estimado em 135 equipes da ESF dentro do universo de 208 equipes da zona urbana. A esse número foi acrescido o valor de 10,0% referente às possíveis perdas e recusas, resultando em 149 equipes, as quais continham um total de 298 profissionais de saúde (149 enfermeiros e 149 médicos). Por meio de consulta ao Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), da Gerência de Atenção Básica da Fundação Municipal de Saúde de Teresina, as equipes da zona urbana foram ordenadas segundo CRS (Centro/Norte, Leste/Sudeste e Sul) e numeradas de 1 a 208. A seguir, foram sorteadas 149 equipes, respeitando o intervalo de 1,39 a partir da equipe de número 1 e o início casual entre 1 e 1,39.
Foi utilizado questionário padronizado, previamente testado, autoaplicável e anônimo, contendo questões divididas em dois blocos: Bloco I - Caracterização dos profissionais (foram incluídas perguntas sobre aspectos demográficos, tempo de formação e atuação na ESF, instituição de origem, aulas sobre DANC no curso de graduação, participação em cursos de pós-graduação, outro local de trabalho além da ESF e treinamentos em serviço); Bloco II - Conhecimentos sobre DANC (foram incluídas questões com resposta do tipo Verdadeiro [V] ou Falso [F] sobre definições, aspectos epidemiológicos, normatizações do tema e exemplos de DANC, doenças de notificação compulsória imediata e doenças erradicadas, conforme determinam a Lei no 6.259, de 30 de outubro de 1975, e a Portaria no 5 SVS/MS, de 21 de fevereiro de 2006).
As assertivas com os conceitos e diretrizes sobre DANC analisadas pelos entrevistados foram:
1. Notificação é a comunicação da ocorrência de determinada doença ou agravo à saúde, feita à autoridade sanitária por profissionais de saúde ou qualquer cidadão;
2. De acordo com o Código Penal Brasileiro, a omissão da notificação de doença à autoridade pública por parte do profissional de saúde é crime, com pena de detenção de seis meses a dois anos e multa;
3. Para a maioria dos agravos, não se deve aguardar a confirmação do caso para se efetuar a notificação, pois isso pode significar perda da oportunidade de intervir eficazmente;
4. A notificação deve ser sigilosa, só podendo ser divulgada fora do âmbito médico-sanitário em caso de risco para a comunidade, respeitando-se o direito de anonimato dos cidadãos;
5. O envio de instrumentos de notificação deve ser feito mesmo na ausência de casos, configurando-se o que se denomina notificação negativa.
Os dados foram submetidos a dupla digitação e analisados por meio de estatística descritiva. As associações entre as variáveis foram verificadas mediante testes estatísticos como o do qui-quadrado, para as variáveis categóricas, e o t de Student, para as contínuas, com nível de significância inferior a 5% (p<0,05). Os programas Epi Info 3.5.1 e Microsoft Excel 2007 foram utilizados nas etapas de cálculo da amostra, sorteio das equipes, tabulação e análise dos dados.
O projeto de pesquisa foi previamente autorizado pela Comissão de Ética da Fundação Municipal de Saúde de Teresina e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí, sob o protocolo de no 0250.0.045.000-10. Todos os entrevistados assinaram um 'Termo de consentimento livre e esclarecido', conforme recomendações da Resolução CNS no 196/1996, do Conselho Nacional de Saúde.
Resultados
Foram entrevistados 282 profissionais (147 enfermeiros e 135 médicos), evidenciando-se perda de 5,4%. Porém, atingiu-se o número amostral mínimo estimado para cada categoria profissional (n=135). Os enfermeiros eram, significativamente, mais jovens (média±desvio-padrão [DP]: 42,0±10,3 anos; p=0,003) e com menos tempo de formados (média±DP: 16,1±9,4 anos; p=0,027) do que os médicos (média de idade±DP: 45,9±12,0 anos; média de tempo de formados±DP: 18,9±11,6 anos). Não houve diferença significativa na média do tempo de atuação na ESF entre enfermeiros (média±DP: 7,5±3,5 anos) e médicos (média±DP: 6,8±3,7 anos; p=0,145).
As características da população de estudo segundo aspectos demográficos, de formação e profissionais encontram-se descritas na Tabela 1. Houve predomínio de profissionais do sexo feminino em ambas as categorias. A proporção de mulheres foi maior entre os enfermeiros e, comparada com a do grupo de médicos, apresentou diferença estatisticamente significativa (p<0,001). Os profissionais eram oriundos, em sua maioria, de instituições públicas de ensino, de onde a maior proporção era de médicos (p=0,011). Assistência a aulas sobre DANC na graduação (p=0,017) e participação em cursos de pós-graduação em Saúde Pública/Coletiva/Saúde da Família (p<0,001) e treinamentos em serviço (p<0,001) foram referidos em proporção significativamente maior pelos enfermeiros. Também foi maior a proporção de médicos que referiu ter outra atividade profissional além da ESF, comparativamente aos enfermeiros, com diferença estatisticamente significativa entre as categorias profissionais analisadas (p=0,005).
A Tabela 2 apresenta a proporção de respostas corretas sobre conhecimentos relacionados aos conceitos e diretrizes das DANC entre enfermeiros e médicos da ESF. A maior parte dos entrevistados demonstrou dominar o conceito de notificação, sendo verificada proporção semelhante de acertos entre enfermeiros (78,6%) e médicos (75,8%), sem diferença estatisticamente significativa (p=0,570). A pergunta sobre a penalidade da omissão da notificação apresentou o pior nível de acerto, tanto entre enfermeiros (61,4%) quanto entre os médicos (57,7%), sem apresentar diferença estatisticamente significativa (p=0,541). Em relação à notificação dos casos suspeitos, os médicos apresentaram maior proporção de acertos (94,5%) do que os enfermeiros (88,9%), embora não se verificasse diferença estatisticamente significativa (p=0,098). Quanto à importância que o profissional dá ao sigilo da notificação, mais uma vez, os médicos obtiveram maior proporção de acertos (96,9%) em relação aos enfermeiros (92,4%), tampouco com uma diferença estatisticamente significativa (p=0,094). Ao se investigar o conhecimento sobre a notificação negativa, os enfermeiros (95,9%) apresentaram maior proporção de acertos, significativamente (p<0,001) superior à observada entre os médicos (82,9%).
A Tabela 3 apresenta a proporção de acertos dos profissionais da ESF quanto a exemplos de DANC. Os enfermeiros apresentaram maior proporção de acertos do que os médicos, para 60,0% dos exemplos apresentados. Porém, não foi percebida diferença significativa nas proporções de respostas corretas entre as duas categorias profissionais, exceto para notificação de intoxicação exógena, com pequena proporção de acerto nas duas categorias profissionais mas com proporção de acertos significativamente maior entre os enfermeiros (43,8%), na comparação com os médicos (30,1%; p=0,030). Em se tratado de doenças e agravos de notificação compulsória imediata, a proporção de respostas corretas foi maior entre os médicos, com diferença estatisticamente significativa em relação à notificação imediata de casos de botulismo (75,9% entre médicos versus 58,3% entre enfermeiros; p=0,004).
Quando indagados sobre os exemplos de doenças consideradas erradicadas, percebeu-se que não houve diferença significativa nas respostas de enfermeiros e médicos. A maioria dos profissionais atestou, corretamente, que doenças como rubéola e sarampo ainda não foram erradicadas. A menor proporção de acertos foi encontrada para doenças como cólera e poliomielite, que também não se encontram erradicadas. Quanto à varíola, aproximadamente 14,0% dos enfermeiros e 8,0% dos médicos atestaram tratar-se de uma doença não erradicada (Tabela 3).
Discussão
O presente trabalho permitiu averiguar e comparar o conhecimento de enfermeiros e médicos da ESF acerca das DANC no município de Teresina-PI. De maneira geral, percebe-se um bom nível de conhecimento quanto às definições e diretrizes, embora identifiquem-se deficiências em relação aos exemplos desses agravos.
Apesar de o estudo ter contribuído com informações inéditas sobre o tema, encontrou algumas limitações: a) não foi utilizada uma escala numérica para mensurar valores e classificar o nível de conhecimento sobre DANC; b) não foi possível avaliar o conhecimento acerca de todas as 44 doenças ou agravos constantes da nova lista de DANC; c) não foram incluídas todas as categorias profissionais da ESF, como o cirurgião-dentista e os profissionais de nível médio; d) a divulgação da nova Lista Nacional de Doenças e Agravos de Notificação Compulsória, por meio da Portaria no 2.472 GM/MS, de 31 de agosto de 2010, pode ter interferido nas respostas dos entrevistados.
Em relação aos conceitos e diretrizes sobre DANC, a maioria dos entrevistados possui um bom conhecimento da definição de notificação compulsória, procedimento que faz parte da organização dos serviços de saúde, principalmente na atenção primária. A notificação consiste no ponto de partida para investigações que beneficiem diretamente o paciente, e que subsidiem as medidas de investigação epidemiológica, prevenção e controle.2,6,12
O conhecimento sobre a penalidade para omissão da notificação demonstrou maior fragilidade, como a questão com a menor proporção de acertos. Sabe-se que os profissionais de saúde, no exercício de sua profissão, são obrigados a comunicar às autoridades sanitárias a ocorrência de casos suspeitos ou confirmados de doenças de relevância para a Saúde Pública. Caso contrário, poder-se-ia acionar os conselhos de classe e o Ministério Público para tomarem as medidas cabíveis, conforme previsto nos instrumentos que regulamentam a matéria: Lei no 6.259, de 30 de outubro de 1975; e Portaria no 5 SVS/MS, de 21 de fevereiro de 2006.7
Embora o Código Penal, no artigo 269 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, estabeleça que somente o profissional médico está sujeito a detenção de seis meses a dois anos e multa, a questão da obrigatoriedade da notificação estende-se aos demais profissionais de saúde e implica responsabilidades formais para todo cidadão. De maneira geral, muitos profissionais não notificam adequadamente, apesar da obrigatoriedade legal e da possibilidade de virem a sofrer penalidades. Talvez porque não percebam o sentido no procedimento e não reconheçam a importância e os resultados obtidos a partir da notificação.6,7
Apenas 5,0% dos médicos e 11,0% dos enfermeiros foram favoráveis a não notificar casos suspeitos. Tal resultado é positivo: quanto mais precoce (oportuna) é a notificação, maior é a possibilidade de captar os verdadeiros casos. Ao garantir que a maioria verdadeira dos casos seja notificada, ainda que alguns deles sejam posteriormente descartados, aumenta-se a sensibilidade do sistema de vigilância.7,13
Quase todos os profissionais afirmaram ser correto manter o sigilo - fora do âmbito médico-sanitário - dos casos notificados, divulgando somente aqueles que impliquem risco para a comunidade. Essa recomendação sobre as DANC justifica-se, tendo em vista a existência de doenças que carregam grande estigma social. O sigilo garante a confidencialidade de informações, principalmente quando se trata de indivíduos facilmente identificáveis em seu meio social.6 No entanto, em determinadas situações, sabe-se que a notificação compulsória constitui justa causa para o rompimento do sigilo profissional diante das autoridades.14
Quanto à notificação negativa, foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre os profissionais entrevistados. Os enfermeiros atestaram, em maior proporção do que os médicos, ser correto fazer o registro da não ocorrência de DANC, que se configura no envio de instrumentos de notificação mesmo na ausência de casos na área de abrangência da unidade de saúde. Além de constituir uma excelente medida da eficiência do sistema de informações, por indicar que os profissionais e o sistema de vigilância da área estão alertas para a ocorrência de tais eventos, o envio desse instrumento pelos serviços de saúde é essencial para a vigilância, especialmente em situação epidemiológica de redução da incidência de certos agravos.6,13,15
Ao se verificar o conhecimento dos profissionais quanto aos exemplos de DANC, percebeu-se elevada proporção de acertos (>90,0%) para o grupo das doenças transmissíveis (dengue, hanseníase, meningites infecciosas, leishmaniose visceral, coqueluche), sem diferença estatisticamente significativa entre as categorias profissionais. Entretanto, a proporção de acertos foi reduzida (<70,0%) para o grupo de agravos não transmissíveis (violência sexual/doméstica, intoxicação exógena, tentativa de suicídio) e para a notificação de casos de HIV em todas as idades, o que é sabidamente incorreto.
A notificação de casos de HIV em todas as idades apresentou reduzido percentual de acertos, demonstrando deficiência de conhecimento dos profissionais sobre a condição de infecção enquanto objeto de notificação compulsória. Atualmente, a notificação de infecção por HIV é recomendada somente para gestantes e crianças vulneráveis ou expostas à possibilidade da transmissão vertical - da mãe para a criança -, que acontece principalmente durante o parto, nas maternidades. A notificação e vigilância são imprescindíveis para o monitoramento e redução da transmissão vertical. A infecção por HIV pela mãe deve ser notificada e investigada, em virtude dos benefícios resultantes do tratamento precoce, para o diagnóstico da sorologia da criança.16
Os profissionais parecem estar mais familiarizados com as doenças transmissíveis como objeto de notificação, em detrimento dos agravos não transmissíveis. Além disso, houve uma reversão na expectativa de que os principais agentes infecciosos teriam sido identificados e doenças transmissíveis não mais dominariam o quadro de doenças e as preocupações da Saúde Pública. As enfermidades infecciosas continuam a afligir as autoridades sanitárias, especialmente com o surgimento de novos agentes etiológicos e suas mutações, quando não pela própria ocorrência de doenças transmissíveis emergentes e reemergentes.2,15,16
A baixa proporção de acertos nos exemplos referentes às "epidemias modernas" (intoxicação exógena, violência sexual/doméstica e tentativa de suicídio) pode ser justificada por sua inserção relativamente recente na agenda da Saúde Pública no Brasil. Não obstante, há evidências do impacto desses agravos no perfil de morbimortalidade da população e sua inclusão como agravo de notificação compulsória poderá ampliar o escopo da vigilância epidemiológica e das proposições de promoção à saúde e prevenção.17 Esses "novos agravos", uma vez incorporados como objeto de vigilância, reforçam a necessidade de articulação interdisciplinar e intersetorial em sua abordagem. E a despeito do efetivo mal que causam à sociedade, eles constituem uma oportunidade única para questionar um sistema de saúde fragmentado, integrando e ampliando o alcance das ações de Saúde Pública, especialmente na assistência clínica e na promoção da saúde.18
Ainda foi possível perceber deficiência no conhecimento sobre as doenças que devem ser notificadas imediatamente (em menos de 24 horas da suspeita inicial), em maiores proporções para os casos de raiva humana, influenza A H1N1 e cólera. O imediatismo imposto à notificação justifica-se pela necessidade de desencadear medidas de prevenção e controle em tempo hábil, nos casos de doenças com elevada gravidade ou potencial de disseminação e desencadeamento de surtos. É quando a informação deve ser rápida, lançando mão de instrumentos de comunicação como correio eletrônico, telefone, fax ou formulários on line, a exemplo do que é disponibilizado pelo Centro de Informações Estratégicas e Resposta em Vigilância em Saúde (CIEVS), do Ministério da Saúde, uma das principais estratégias para fortalecer a capacidade de resposta às emergências de Saúde Pública no Brasil.2,7,12,16,19,20
Observou-se conhecimento insuficiente dos profissionais quanto à notificação imediata de casos suspeitos de hantavirose, botulismo e febre amarela; e a classificação equivocada de sífilis em gestante, malária e evento adverso pós-vacinação como agravos de notificação imediata. Conclui-se daí a necessidade de os serviços de saúde disporem de profissionais treinados, capazes de atuar com sentido de oportunidade, inclusive diante de casos suspeitos.20
Quanto ao conhecimento de doenças consideradas erradicadas, as deficiências percebidas podem comprometer a sensibilidade do sistema de vigilância. Embora se saiba que a varíola foi erradicada há mais de 30 anos, 14,2% dos enfermeiros e 7,9% dos médicos referiram que ainda existem casos da doença no mundo. Profissionais que desconhecem a atual situação epidemiológica de certas doenças atestaram que rubéola, sarampo, cólera e poliomielite já foram erradicadas quando, ao contrário, tais doenças encontram-se em processo de eliminação, permanecendo como desafios para a Saúde Pública no Brasil e comportando-se de maneira endêmica em outros países. Esse desconhecimento pode comprometer programas e as ações de eliminação e erradicação, como também incorrer em uma vigilância mais frágil ao não suspeitar da ocorrência de doenças de grande importância epidemiológica, como cólera e poliomielite.
Não é possível apontar um único fator que justifique os resultados aqui analisados; entretanto, a literatura apresenta divergências na atribuição de importância à própria responsabilidade profissional pela notificação e conhecimento sobre o tema, em diferentes países.21-23 Pesquisa realizada em Taiwan observou que médicos consideraram o ato de notificar um procedimento simples, alegaram falta de tempo e sugeriram encarregá-lo aos profissionais de enfermagem ou secretárias; contudo, em sua maioria, os mesmos médicos afirmaram que a concessão de uma boa recompensa pela notificação ou a imposição de uma penalidade pela não notificação melhoraria o número de casos relatados às autoridades sanitárias.22 Estudo realizado com médicos de um hospital privado na África do Sul apresentou deficiência do conhecimento sobre DANC e apontou que: a) complexidade da notificação, b) falta de motivação e c) uma percepção de que é inútil notificar DANC contribuem para a subnotificação e má qualidade dos registros.24 Em Seatlle, Estados Unidos da América, verificou-se que 55,0% dos enfermeiros e 63,0% dos médicos da atenção primária e serviços de emergência tinham conhecimentos suficientes sobre DANC, embora se recomendasse treinamento para atualização desses conhecimentos.25
Os estudos ressaltam que a participação dos enfermeiros e médicos, como de outros profissionais de saúde, é ponto crítico para a qualidade da coleta de dados, sendo necessário o esclarecimento desses profissionais sobre a importância da notificação para o aprimoramento dos serviços de assistência à saúde. Cabe salientar que a adesão dos enfermeiros e médicos à notificação sistemática de casos está condicionada, em boa medida, à frequência e agilidade com que vigilância epidemiológica devolve àqueles profissionais as informações devidamente analisadas, acrescidas de recomendações técnicas úteis ao aprimoramento dos serviços de saúde.3
No presente estudo, identificaram-se algumas deficiências sobre conceitos e exemplos referentes a doenças de notificação compulsória, de notificação imediata e doenças erradicadas, entre os profissionais da ESF de Teresina-PI. É preciso investir em estratégias de capacitação sobre DANC tendo como alvo os trabalhadores da ESF, visando corrigir e fortalecer os conceitos e diretrizes do processo de notificação, bem como da responsabilidade ética e legal relacionada ao tema. É importante, também, que sejam realizados outros estudos, com abordagens diferentes, relacionando teoria e prática na verificação da efetividade da notificação de doenças no cenário local.
Contribuição dos autores
Sousa SPO, Silva MCB e Almeida RAM contribuíram no planejamento da pesquisa, coleta, tabulação e análise dos dados, redação do texto e aprovação da versão final.
Mascarenhas MDM colaborou no delineamento do estudo, interpretação dos resultados, revisão crítica do texto e aprovação da versão final.
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Endereço para correspondência:
Rua General Lages, 545, Apto 1202,
Jóquei Clube, Teresina-PI, Brasil.
CEP: 64048-350
E-mail: mdm.mascarenhas@gmail.com
Recebido em 07/07/2011
Aprovado em 15/07/2012
*Elaborado a partir de monografia de conclusão de curso de Bacharelado em Enfermagem do Centro de Ensino Unificado de Teresina - CEUT -, defendida em dezembro de 2010.