Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.21 n.4 Brasília dez. 2012
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742012000400003
ARTIGO ORIGINAL
Transição demográfica: a experiência brasileira
Demographic transition: the Brazilian experience
Ana Maria Nogales VasconcelosI ; Marília Miranda Forte GomesII
IDepartamento de Estatística, Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil
IIUniversidade Católica de Brasília, Brasília-DF, Brasil. Pesquisadora colaboradora do Laboratório de População e Desenvolvimento, Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais, Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares, Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: descrever o processo de transição demográfica no Brasil e suas grandes regiões.
MÉTODOS: estudo descritivo com dados dos Censos Demográficos de 1950 a 2010, e estimativas da dinâmica demográfica publicadas pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Rede Interagencial de Informações para a Saúde (RIPSA).
RESULTADOS: desde 1950, as quedas dos níveis de mortalidade, natalidade e fecundidade caracterizaram o processo de transição demográfica brasileiro; a estrutura etária iniciou seu processo de envelhecimento; essas mudanças não ocorreram simultânea, nem homogeneamente, nas grandes Regiões brasileiras; enquanto Sudeste, Sul e Centro-Oeste se encontram mais adiantadas nesse processo, Norte e Nordeste permanecem com níveis de mortalidade e fecundidade mais elevados e estruturas etárias menos envelhecidas.
CONCLUSÃO: ainda que os níveis de fecundidade tenham declinado abaixo do nível de reposição na maior parte do país, todavia não se alcançou o equilíbrio demográfico, com baixos níveis de mortalidade e natalidade.
Palavras-chave: Taxa de Fecundidade; Mortalidade; Envelhecimento da População; Transição Demográfica; Demografia.
ABSTRACT
OBJECTIVE: to describe the process of demographic transition in Brazil and its regions.
METHODS: descriptive study with demographic Census data from 1950 to 2010, and estimates of demographic dynamics published by Brazilian Institute of Geography and Statistics and Interagency Health Information Network.
RESULTS: since 1950, the process of demographic transition in Brazil has been characterized by the drop of mortality, birth and fecundity rates. The age structure started its ageing process. These changes have not simultaneously nor evenly occurred in Brazilian regions. While Southeast, South and Midwest are more advanced in the process of transition, North and Northeast still present mortality and fecundity rates more elevated, and age structures less aged.
CONCLUSION: even though the fecundity levels had declined below reposition level in most parts of Brazil, the demographic balance with low mortality and birth rates has not been achieved yet.
Key words: Fecundity Rate; Mortality; Demographic Aging; Demographic Transition; Demography.
Introdução
Proposta nas primeiras décadas do século XX,1,2 a teoria da transição demográfica foi formulada à luz da relação entre o crescimento populacional e o desenvolvimento socioeconômico. Segundo essa teoria, o desenvolvimento econômico e o processo de modernização das sociedades estariam na origem das mudanças nas taxas de natalidade e de mortalidade verificadas em países europeus, com consequentes mudanças nos ritmos de crescimento populacional.
A passagem de uma sociedade rural e tradicional com altas taxas de natalidade e mortalidade para uma sociedade urbana e moderna com baixas taxas de natalidade e mortalidade constituiria o esquema da transição. Durante essa passagem, as sociedades vivenciariam fases de desequilibrio demográfico, com um descompasso entre as taxas de mortalidade e de natalidade. A redução precoce das taxas de mortalidade vis-à-vis às de natalidade promoveria ritmos acelerados de crescimento populacional. O equilíbrio seria retomado com a redução, em momento posterior, das taxas de natalidade e, consequentemente, redução do ritmo de crescimento da população.3,4
O debate sobre se o modelo teórico proposto poderia ser aplicado a todas as sociedades, ou seja, se o processo experimentado pelos países europeus repetir-se-ía em outros países e diferentes níveis de desenvolvimento socioeconômico foi intenso em meados do século XX. A tese de que o desenvolvimento econômico seria condição necessária para a redução das taxas de mortalidade e de natalidade nos diferentes países foi questionada e rejeitada. Ao longo do século passado, as diferentes experiências de evolução da natalidade e mortalidade evidenciaram que a transição demográfica não ocorre da mesma forma entre as diversas sociedades. As mudanças nas taxas de mortalidade e de natalidade têm múltiplos fatores explicativos, o tempo de transição entre os dois momentos de equilíbrio demográfico pode variar entre mais de um século e apenas algumas décadas, e ademais, diferentes fases da transição podem ser observadas simultaneamente em uma mesma sociedade.4,5
Além da questão teórica sobre a relação entre desenvolvimento e crescimento populacional, a passagem de elevadas para reduzidas taxas de natalidade e mortalidade trouxe ao debate da transição demográfica as importantes mudanças nas estruturas populacionais. No período pré-transição, quando as sociedades experimentam taxas de natalidade elevadas e quase estáveis e taxas de mortalidade elevadas e flutuantes, o crescimento vegetativo da população é baixo e sua estrutura etária é jovem. Na primeira fase da transição, os níveis de mortalidade caem e os de natalidade mantêm-se elevados; como consequência, o ritmo de crescimento é acelerado e a estrutura etária da população torna-se ainda mais jovem. Na segunda fase da transição, inicia-se a redução dos níveis de natalidade e persiste a queda dos níveis de mortalidade. As taxas de crescimento da população diminuem, e a estrutura etária começa sua grande transformação: inicia-se o processo de envelhecimento. Observa-se nesta fase, um aumento substantivo da população em idade ativa, reflexo dos níveis de natalidade elevados do passado. Por fim, os baixos níveis de natalidade e mortalidade aproximam-se e observa-se uma estagnação das taxas de crescimento. Diminui o peso da população em idade ativa e nota-se um envelhecimento significativo da estrutura etária.4-6
O presente estudo tem como objetivo descrever o processo de transição demográfica no Brasil e suas macrorregiões, mostrando a evolução das taxas de mortalidade, natalidade e fecundidade no período de 1950 a 2010.
Métodos
Trata-se de um estudo descritivo sobre a evolução da natalidade, fecundidade e mortalidade no Brasil e seus impactos na estrutura etária, o que caracteriza o processo de transição demográfica.
Foram utilizados dados populacionais oriundos dos Censos Demográficos brasileiros de 1950 a 2010, levantados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo sexo e idade no Brasil (disponível em www.ibge.gov.br); e dados colhidos pelos Censos de 1970 a 2010, para as grandes Regiões.
Com o propósito de caracterizar os diferentes momentos da transição demográfica, foram considerados os seguintes indicadores de estrutura etária, natalidade, fecundidade e mortalidade:
- Idade mediana
- Distribuição relativa da população, segundo três grupos etários: menor de 15 anos, 15 a 59 e 60 e mais anos.
- Índice de envelhecimento: número de pessoas de 60 e mais anos de idade, para cada 100 pessoas menores de 15 anos.
- Razão de Dependência (RD): razão entre o segmento etário da população definido como economicamente dependente (menores de 15 e pessoas de 60 e mais anos de idade) e o segmento etário potencialmente produtivo (entre 15 e 59 anos de idade).
- Taxa de Fecundidade Total (TFT): número médio de filhos nascidos vivos, tidos por uma mulher ao final do seu período reprodutivo.
- Taxa de Mortalidade Infantil (TMI): número de óbitos de menores de um ano de idade, por 1000 nascidos vivos.
- Esperança de vida ao nascer (e0): número médio de anos de vida esperados para um recém-nascido, mantido o padrão de mortalidade existente na população analisada em determinado ano. (trata-se de um indicador sintético da mortalidade que não é influenciado pelos efeitos de distintas estruturas etárias)
- Taxa Bruta de Natalidade (TBN): número de nascidos vivos, por mil habitantes.
- Taxa Bruta de Mortalidade (TBM): número total de óbitos, por mil habitantes.
- Taxa de crescimento anual: percentual de incremento médio anual da população no período considerado.
Os indicadores de estrutura etária e as taxas médias de crescimento anual foram calculados a partir dos dados censitários. Os indicadores de natalidade, fecundidade e mortalidade foram extraídos de publicações do IBGE e da publicação 'Indicadores e Dados Básicos - IDB', produzida pela Rede Interagencial de Informações para a Saúde - RIPSA.
O presente estudo foi realizado exclusivamente com dados secundários, de acesso público, sem identificação dos sujeitos, estando de acordo com as condutas éticas na pesquisa envolvendo seres humanos (Resolução CNS no 196, de 10 de outubro de1996, do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde).
Resultados
A partir da segunda metade do século XX, a população brasileira sofreu diversas transformações. As primeiras mudanças referem-se ao descenso dos níveis de mortalidade, com a queda das taxas de mortalidade infantil e o aumento da esperança de vida ao nascer (Tabela 1). Nas décadas de 1950 e 1960, o descenso da mortalidade combinado com a manutenção de níveis elevados de natalidade e de fecundidade, acima de 40 nascimentos por mil habitantes e mais de 6 filhos por mulher ao final da vida reprodutiva, resultaram nas taxas de crescimento populacional mais elevadas na história do país: 3,1 e 2,9% ao ano, respectivamente.
Nesta primeira fase da transição demográfica, observou-se pouco impacto na estrutura etária: a população era muito jovem, com idade mediana de apenas 18 anos. A razão de dependência era elevada, sendo que em 1960 ela alcançou seu valor máximo (90,0%). O peso da dependência era sobretudo juvenil (81,0%) e a proporção de idosos (pessoas com 60 anos ou mais) ainda era muito pequena (4,0 a 5,0%).
A segunda fase da transição demográfica iniciou-se timidamente, em meados da década de 1960, e em 1970 os indicadores de natalidade e fecundidade detectaram essas mudanças, ainda que os níveis fossem muito elevados: 37,7 nascimentos por mil habitantes e 5,8 filhos por mulher (Tabela 1). Os níveis de mortalidade continuaram em queda e observou-se o início do processo de envelhecimento populacional: a idade mediana aumentou para 19 anos, a razão de dependência iniciou sua trajetória de descenso, com menor peso do componente juvenil, e a proporção de idosos superou 5,0%.
É a partir de 1970 que o Brasil experimenta uma verdadeira revolução demográfica. Os indicadores de natalidade, fecundidade e mortalidade para 1980 revelaram essas grandes mudanças: todos eles tiveram seus níveis drasticamente reduzidos. A taxa de mortalidade infantil declinou para 83 óbitos por cada 1000 nascidos vivos e a esperança de vida ultrapassou o limite de 60 anos de idade. O número de filhos por mulher reduziu-se para 4,4 e a taxa bruta de natalidade para 31,7 nascidos vivos por mil habitantes.
Em 1980, o número de habitantes alcançou os 120 milhões. Em 30 anos, a população mais que dobrou de tamanho; porém, a taxa de crescimento anual começou a reduzir (2,5% entre 1970 e 1980). A estrutura etária da população foi impactada por essas mudanças nas taxas de natalidade, fecundidade e mortalidade: a idade mediana se elevou a 20 anos, a razão de dependência reduziu-se para 79,5%, sendo que o peso do componente juvenil caiu para 68,6%, e a proporção de idosos aumentou para 6,1%.
Na década de 1980, as tendências de queda da natalidade e da mortalidade foram ainda mais acentuadas que na década anterior. Em 1991, a taxa bruta de natalidade caiu para apenas 23,7 nascimentos por mil habitantes e o número médio de filhos por mulher para 2,9. Nesse período, a queda da taxa de mortalidade infantil foi ainda mais importante: caiu praticamente pela metade, para 45,2 óbitos de menores de um ano por cada 1000 nascidos vivos. A esperança de vida ao nascer do brasileiro aumentou ainda mais, alcançando 65,8 anos.
Em 1991, mais uma vez, a população brasileira dobrou de tamanho em apenas 30 anos, chegando a 147 milhões de habitantes. O ritmo de crescimento na década, no entanto, foi muito menor que no passado: 1,9% entre 1980 e 1991.
Confirmando as tendências da mortalidade e sobretudo da natalidade observadas na década anterior, a estrutura etária continuou seu processo de envelhecimento, conforme mostrou o Censo de 1991: a idade mediana aumentou para 22 anos, a razão de dependência caiu para 72,5% e o índice de envelhecimento alcançou 20,9%, duas vezes maior do que o valor observado em 1950.
Nas duas décadas seguintes, entre 1991 e 2010, os níveis de mortalidade e natalidade reduziram-se ainda mais. A taxa de mortalidade infantil caiu para 16,2 óbitos de menores de um ano por 1000 nascidos vivos e a esperança de vida ao nascer ultrapassou 70 anos, chegando a 73,5 anos em 2010. A taxa bruta de natalidade caiu para 16 nascimentos por mil habitantes e a taxa de fecundidade total para apenas 1,9 filho por mulher, valor abaixo do nível de reposição de 2,1.
Como consequência da desaceleração do ritmo de crescimento demográfico (de 2,5% entre 1970 e 1980 para 1,2% entre 2000 e 2010), o tempo para a duplicação do tamanho da população aumentou para 40 anos: 190 milhões em 2010 representam pouco mais que o dobro da população em 1970.
Todas essas mudanças foram refletidas na estrutura etária da população, que envelheceu ainda mais. Em 2010, a idade mediana aumentou para 27 anos, apenas 1 em cada 4 habitantes tinham idade inferior a 15 anos e 10,8% tinham 60 anos ou mais de idade. O índice de envelhecimento aumentou para 44,8%: para cada 100 jovens, havia 45 idosos. A razão de dependência caiu para 53,6%, o componente juvenil caiu para apenas 37,0% e o de idosos aumentou para 16,6%.
As pirâmides etárias representadas na Figura 1 descrevem e resumem o processo de transição demográfica no Brasil entre 1950 e 2010. De uma estrutura etária extremamente jovem em 1950 e 1960, a população brasileira iniciou seu processo de envelhecimento com o estreitamento na base da pirâmide em 1970. As sucessivas quedas da natalidade fizeram com que a base da pirâmide se estreitasse cada vez mais e a estrutura piramidal se aproximasse de um perfil retangular, com o aumento relativo da população em idades ativas (15 a 59 anos) e idosos (60 e mais anos), em 2010.
As transformações na população brasileira não ocorreram simultaneamente em todas as Regiões do país. Os indicadores de mortalidade e fecundidade entre 1970 e 2010 mostraram as diferenças regionais desse processo (Tabela 2).
Em 1970, os indicadores de mortalidade e natalidade para as regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste evidenciavam um processo de transição demográfica já iniciado, enquanto nas regiões Norte e Nordeste, os elevados níveis de mortalidade infantil e de número médio de filhos por mulher (8,15 e 7,53, respectivamente) caracterizavam um momento de pré-transição.
Na década de 1970, todas as Regiões encontravam-se em processo de transição. A queda dos níveis de mortalidade, especialmente da mortalidade infantil, e o consequente aumento da esperança de vida eram generalizados. Todas as Regiões, à exceção do Nordeste, alcançavam ou superavam os 60 anos de vida média, que apenas a região Sul havia atingido na década anterior. Observa-se também a queda nos níveis de fecundidade, persistindo, no entanto, as grandes diferenças regionais. No Norte e Nordeste, apesar da queda, os níveis de fecundidade, superiores a 6 filhos por mulher, ainda eram bastante elevados. Já no Sudeste e Sul, os níveis de fecundidade em patamares intermediários (em torno de 3,5 filhos por mulher) impactavam fortemente a estrutura etária da população (Figura 2).
Entre 1980 e 2010, as quedas dos níveis de mortalidade e fecundidade foram acentuadas, em todas a Regiões. Nas regiões Norte, Sul e Centro-Oeste, a queda da taxa de mortalidade infantil foi mais expressiva entre os anos de 1980 e 1991, enquanto no Sudeste, a queda foi igualmente importante em todo o período de 1980 a 2000. Já o Nordeste teve a maior redução entre os anos de 1991 e 2010 (Tabela 2). Ainda que tenham sido observados ritmos diferenciados de queda da taxa de mortalidade infantil nas diferentes regiões, a redução nesse indicador foi espetacular em todas elas: mais de 70,0% de queda, entre 1980 e 2010.
O aumento da esperança de vida também pôde ser observado em todas as regiões, com valores maiores que 70 anos em 2010.
Paralelamente à redução dos níveis de mortalidade, verificou-se uma drástica queda dos níveis de fecundidade. Em 2000, somente a região Norte apresentava número médio de filhos por mulher superior a 3,0; em 2010, todas as demais regiões viram seus níveis de fecundidade reduzidos abaixo do nível de reposição de 2,1 filhos por mulher.
As pirâmides etárias e os indicadores de estrutura etária mostram os diferentes momentos da transição demográfica nas regiões brasileiras (Figura 2 e Tabela 2). As regiões Sudeste e Sul iniciaram esse processo de transição, que se espalhou por todas as regiões do país, apresentando em 2010, estruturas etárias envelhecidas ou em processo acelerado de envelhecimento. As diferenças regionais são ainda relevantes e devem ser destacadas: (i) dez anos de diferença entre idades medianas separam as regiões Sudeste e Sul, as populações mais envelhecidas, da região Norte, esta de população mais jovem (22 anos de idade mediana); (ii) a razão de dependência alcança valores mínimos, em torno de 50,0%, nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste; (iii) o componente juvenil dessa razão é superior a 40,0% nas regiões Norte e Nordeste, e em torno de 33,0% nas regiões Sudeste e Sul; (iv) o índice de envelhecimento é superior a 50,0% nas regiões Sul e Sudeste, o dobro do índice para a região Norte.
Discussão
A evolução das taxas de mortalidade, natalidade e fecundidade a partir de 1950 caracteriza o processo de transição demográfica no Brasil. De uma população predominante jovem em um passado nem tão distante, observa-se, nos dias atuais, um contingente, cada vez mais importante, de pessoas com 60 anos ou mais de idade.7
Ainda que o presente estudo tenha encontrado limitações inerentes à utilização dos dados secundários provenientes dos Censos Demográficos realizados pelo IBGE, os erros decorrentes da declaração de idade e as diferenças de cobertura dos levantamentos censitários não afetaram os resultados apresentados quanto à mudança do perfil etário da população brasileira.
Pode-se concluir, portanto, que o país teve seu perfil demográfico totalmente transformado: de uma sociedade majoritariamente rural e tradicional, com famílias numerosas e risco de morte na infância elevado, passa-se a uma sociedade predominantemente urbana, com arranjos familiares diversos4,8,9 (famílias com filhos, sem filhos, unipessoais, homoafetivas, entre outras categorias) e risco de morte na infância reduzido.
Nesse processo de transição, destacam-se a redução da mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias e o aumento da importância de doenças crônico-degenerativas, muitas delas tendo como fatores de risco aqueles associados às condições de vida em grandes áreas urbanas, como sedentarismo e estresse.10 Maior acesso da população a redes gerais de água e esgotamento sanitário, maior acesso à atenção à saúde, campanhas de vacinação, entre outras ações da Saúde Pública, contribuíram decisivamente na redução dos níveis de mortalidade no país e, consequentemente, no aumento da esperança de vida da população brasileira.
No que se refere à fecundidade, a escolarização das mulheres e a inserção no mercado de trabalho, especialmente na área urbana, são fatores associados a sua rápida redução.9
Se por um lado, para o conjunto do Brasil, as transições de mortalidade e fecundidade já estão bem adiantadas, por outro, as regiões brasileiras vivem momentos diferentes dessas transições. As variações nas tendências de crescimento dos segmentos da população jovem, adulta e idosa, em resposta aos diferentes níveis e ritmos de queda dos indicadores de mortalidade e fecundidade, corroboram que a transição demográfica não têm ocorrido de maneira simultânea, tampouco homogênea, ao longo do território brasileiro.11
As diferenças sociais e econômicas entre as macrorregiões brasileiras, intrinsecamente vinculadas ao processo histórico de desenvolvimento, industrialização e urbanização de cada região, explicam essas variações.
Tendo em vista essa grande variabilidade de situações, pode-se afirmar que o país todavia não alcançou o equilíbrio demográfico, com baixos níveis de mortalidade e natalidade. Ainda que os níveis de fecundidade tenham caído abaixo do nível de reposição na maior parte do país, diferenças segundo a idade da mulher, seu local da residência e condições socioeconômicas persistem.12 Da mesma forma, os níveis de mortalidade, sobretudo da mortalidade infantil, encontram-se em patamares elevados quando comparados aos de outros países em semelhante nível de desenvolvimento socioeconômico, e apresentam enormes desigualdades regionais e segundo características socioeconômicas.13,14 Se por um lado, as doenças infecciosas deixaram de ser a principal causa de morte na infância, por outro, a prematuridade e outras afecções perinatais revelam o muito que o Brasil ainda tem a avançar para melhorar a qualidade do atendimento prestado pelos serviços de saúde no período pré-natal e no parto.14
O momento atual da transição demográfica proporciona ao país condições muito favoráveis. É o chamado 'bônus demográfico'.15 Esse momento especial, que toda sociedade experimentou, experimenta ou deverá experimentar, caracteriza-se pela redução da razão de dependência e sua relação com a proporção de população em idade ativa (15 a 59 anos).
O impacto da redução do componente juvenil da razão de dependência ainda não foi superado pelo aumento do componente idoso. O país encontra-se em transição, em rápido processo de envelhecimento, e novos desafios se apresentam, como ampliar e aprimorar a atenção à saúde dos idosos. É fundamental que na elaboração de políticas públicas para as áreas sociais - especialmente para a área da Saúde -, seja levado em consideração o processo de transição demográfica no país com suas diferenças regionais.
Contribuição das autoras
Ambas as autoras participaram da concepção, análise dos dados, redação do manuscrito e discussão dos resultados.
Também realizaram a revisão critica do conteúdo intelectual do artigo e aprovaram a versão final.
Referências
1. Thompson WS. Population. American Journal of Sociology. 1929; 34:959-975.
2. Landry A. La révolution démographique : études e essais sur les problèmes de la population. Paris: Librarie du Recueil Sirey; 1934.
3. Soares LTR. América Latina: transição epidemiológica ou retrocesso social? Acta Paulista de Enfermagem. 2000; 13(N Esp):55-64.
4. Alves JED. A polemica Malthus versus Condorcet reavaliada à luz da transição demográfica. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Ciências Estatísticas; 2002. Disponível em http://sociales.cchs.csic.es/jperez/pags/Teorias/Textos/Diniz2002.pdf
5. Pison G. Le vieillissement démographique sera plus rapide au Sud qu'au Nord. Population & Sociétés. 2009; 457:1-4.
6. Brito F, Carvalho JAM, Baeninger R, Turra CM, Queiroz BL. A transição demográfica e as políticas públicas no Brasil: crescimento demográfico, transição da estrutura etária e migrações internacionais; 2007 [acessado em 03 nov. 2011]. Disponível em http://www.sae.gov.br/site/wp-content/uploads/07demografia1.pdf
7. Wong LR, Carvalho JM. Age-strucutural transition in Brazil: demographic bonuses and emerging challenges. In: Pool I, Wong LLR, Vilquin E, editores. Age-structural transitions: challenges for development. Paris: Committee for International Cooperation in National Research in Demography; 2006.
8. Leone ET, Maia AG, Baltar PE. Mudanças na composição das famílias e impactos sobre a redução da pobreza no Brasil. Economia e Sociedade. 2010; 19(1):59-77.
9. Pinheiro L, Pinheiro L, Galiza M, Fontoura N. Novos arranjos familiares, velhas convenções sociais de gênero: a licença-parental como política pública para lidar com essas tensões. Revista Estudos Feministas. 2009; 17(3):851-859.
10. Azambuja MIR, Achutti AC, Reis RA, Siva JO, Fisher PD, Rosa RS, et al. Saúde urbana, ambiente e desigualdades. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. 2011; 6(19):110-115.
11. Castiglioni AH. Inter-relações entre os processos de transição demográfica, de envelhecimento populacional e de transição epidemiológica no Brasil. In: Anais do 5a Congreso de la Asociación Latinoamericana de Población; 2012; Montevideo, Uruguay. Montevideo: ALAP; 2012.
12. Carvalho JAM, Brito F. A demografia brasileira e o declínio da fecundidade no Brasil: contribuições, equívocos e silêncios. Revista Brasileira de Estudos de População. 2005; 22(2):351-369.
13. Garcia LP, Santana RL. Evolução das desigualdades socioeconômicas na mortalidade infantil no Brasil, 1993-2008. Ciência e Saúde Coletiva. 2011; 16(9):3717-3728
14. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Saúde Brasil 2011: uma análise de situação de saúde e a vigilância da saúde da Brasília: Ministério da Saúde; 2012.
15. Alves JED. A transição demográfica e a janela de oportunidade. São Paulo: Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial; 2008.
Endereço para correspondência:
Universidade de Brasília
Departamento de Estatística,
Campus Universitário Darcy Ribeiro,
Asa Norte, Brasília-DF, Brasil.
CEP: 70910-000
E-mail: nogales@unb.br
Recebido em 18/07/2012
Aprovado em 13/12/2012