SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.22 número1O uso de sistemas de informações em saúde no gerenciamento dos Programas de Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus: estudo de caso do Sistema Remédio em Casa em uma unidade de saúde na cidade do Rio de Janeiro-RJ, Brasil, 2009Caracterização das exposições ocupacionais a material biológico entre trabalhadores de hospitais no Município de Teresina, Estado do Piauí, Brasil, 2007 a 2011 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.1 Brasília mar. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000100016 

ARTIGO DE REVISÃO

 

O Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Brasil e a definição das metas globais para o enfrentamento dessas doenças até 2025: uma revisão

 

Brazilian Strategic Action Plan to Combat Chronic Non-communicable Diseases and the global targets set to confront these diseases by 2025: a review

 

 

Deborah Carvalho Malta; Jarbas Barbosa da Silva Jr

Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: apresentar e comparar o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil com as metas globais definidas para o enfrentamento dessas doenças até 2025.
MÉTODOS: foi realizada revisão narrativa, mediante busca de artigos científicos e documentos da Organização Mundial da Saúde (OMS), da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e do governo brasileiro; as metas globais propostas em 2012 foram comparadas com as do Plano brasileiro.
RESULTADOS: foram definidos pelos países e OMS 25 indicadores e 9 metas globais de DCNT, incluindo indicadores de morbidade e mortalidade, de exposição (fatores de risco) e relacionados à capacidade do sistema de saúde; esses indicadores encontram-se no Plano brasileiro.
CONCLUSÃO: o conjunto de indicadores selecionados possibilitará avaliações internacionais comparáveis da situação e tendências das DCNT, apoiando o monitoramanento da situação em cada país.

Palavras-chave: Doença Crônica; Hábito de Fumar; Estilo de Vida Sedentário; Cloreto de Sódio na Dieta; Obesidade.


ABSTRACT

OBJETIVE: to present the Brazilian Plan to Combat NCDs and compare it with the global goals for combating these diseases by 2025.
METHODS: a narrative review was performed of scientific articles and documents produced by WHO, PAHO and the Brazilian Government. The 2012 global goals were compared to those in Brazil's 2011NCD Plan.
RESULTS: the Member States and WHO defined 25 indicators and9 targets for NCDs, including indicators for mortality and morbidity, exposure (risk factors) and health system response capacity. These indicators exist in the Brazilian NCD Plan.
CONCLUSION: this set of indicators will enable comparable international evaluations regarding NCD status and trends over time, thus supporting each country'smonitoring situation.

Key words: Chronic Diseases; Smoking; Sedentary Lifestyle; Sodium Chloride, Dietary; Obesity.


 

 

Introdução

As Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) representam uma ameaça para a saúde e desenvolvimento a todas as nações. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima em cerca de 36 milhões as mortes anuais por esse grupo de doenças, cujas taxas de mortalidade já são muito mais elevadas nos paises de baixa e média renda.1

O aumento crescente das DCNT - ou como tem sido denominada a "epidemia de DCNT" -,1 afeta principalmente as pessoas com menor renda e escolaridade, por serem exatamente as mais expostas aos fatores de risco e com menor acesso às informações e aos serviços de saúde, acentuando ainda mais as desigualdades sociais.1,2

Essas doenças podem levar a incapacidades, ocasionando sofrimentos e custos materiais diretos aos pacientes e suas famílias, além de um importante impacto financeiro sobre o sistema de saúde. As DCNT também produzem custos indiretos significativos para a sociedade e o governo, em função da redução da produtividade, perda de dias trabalhados e prejuízos para o setor produtivo, sem esquecer os custos intangíveis, como os efeitos adversos na qualidade de vida das pessoas afetadas.3,4

Estimativas para o Brasil sugerem que a perda de produtividade no trabalho e a diminuição da renda familiar resultantes da presença de apenas três DCNT - diabetes, doença do coração e acidente vascular encefálico - levarão a uma perda na economia brasileira de US$ 4,18 bilhões, entre 2006 e 2015.5

Outros estudos também apontam que as DCNT têm se tornado um grande obstáculo para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), ao provocarem o aumento da pobreza das famílias (ODM 1) e agravarem o quadro clínico de outras doenças transmissíveis, a exemplo da aids, da tuberculose e da malária (ODM 6). As Metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio para a saúde da criança (ODM 4) e para a saúde materna (ODM 5) também estão associados às DCNT: a ocorrência de diabetes e hipertensão durante a gestação está associada ao risco de morte materna; o pré-natal mal conduzido poderá resultar em desnutrição intra-útero, predispondo ao surgimento de DCNT na vida adulta; e o não aleitamento na infância pode conduzir a obesidade e DCNT.6

O aumento da carga de DCNT, verificado com maior intensidade nas últimas décadas, reflete alguns efeitos negativos do processo de globalização, da urbanização rápida, da vida sedentária e da alimentação com alto teor calórico, além do consumo do tabaco e do álcool.1 Esses fatores de risco comportamentais impactam nos principais fatores de risco metabólicos, como excesso de peso/obesidade, pressão arterial elevada, aumento da glicose sanguínea, lipídios e colesterol, possíveis de resultar em diabetes, doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral (AVC) e câncer, entre outras enfermidades.1,2

Em função da gravidade do tema DCNT e seu impacto sobre os sistemas de saúde e a sociedade, em setembro de 2011, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou a Reunião de Alto Nível sobre DCNT, da qual participaram os Chefes de Estado para debater compromissos globais com o tema. Chama a atenção que desde a criação da ONU no pós-guerra, essa foi a segunda vez em que se convocaram os Chefes de Estado dos países-membros da ONU para debater um tema de saúde, motivo porque a reunião tornou-se um marco histórico e estratégico, pela alta prioridade política dedicada à necessidade de uma resposta global aos desafios postos pelas DCNT. A reunião resultou em uma declaração política, na qual os países-membros comprometeram-se a trabalhar para deter o crescimento das DCNT com ações de prevenção dos seus principais fatores de risco e garantia de atenção adequada à saúde dos pacientes. Nessa declaração, a OMS foi instada a elaborar um conjunto de metas e indicadores para que os avanços na resposta às DCNT pudessem ser monitorados. Para cumprir esse mandato, sucederam-se reuniões e consultas globais, coordenadas pela Organização Mundial da Saúde, resultando em uma proposta a ser apresentada e submetida à aprovação da Assembleia Mundial da Saúde.7-9

No Brasil o quadro das DCNT é de magnitude semelhante, correspondendo a 72% da mortalidade total no país em 2007, apesar de ter-se verificado, nas últimas décadas, uma redução de cerca de 20% nas taxas de mortalidade por DCNT, particularmente pelas doenças cardiocirculatórias e respiratórias crônicas.2,10,11

Visando ampliar o comprometimento do Brasil com o tema, após amplo processo de consulta a diversos setores sociais, o Ministério da Saúde lançou, em 2011, um plano de ação nacional. O Plano brasileiro define e prioriza as ações e os investimentos necessários, estabelece metas e compromissos a serem assumidos pelo Brasil, preparando o país para os desafios das DCNT e seus fatores de risco, nos próximos dez anos.2,10

O presente estudo objetiva apresentar as metas que serão adotadas globalmente, comparando-as com aquelas assumidas pelo Brasil em seu 'Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil, 2011-2022'.

 

Métodos

Foi realizado um estudo de revisão narrativa. Foram realizadas buscas na base Medline, por meio do Pubmed, com os termos e expressões em português 'doenças crônicas não transmissíveis', 'políticas de saúde' e 'metas', e com os termos em inglês 'non communicable chronic diseases', 'health policies' e 'goals'. Os termos e expressões foram pesquisados de forma associada, restringindo-se às publicações nas língua inglesa, espanhola e portuguesa, entre os anos de 2005 e 2012. Foi dada especial atenção aos artigos que associavam os termos/expressões 'doenças crônicas não transmissíveis', 'politicas de saúde' e 'metas', totalizando cerca de 20 publicações pesquisadas, sendo priorizados os artigos que estabeleciam análises globais.

Também foram analisadas as Resoluções da Organização Mundial da Saúde - OMS - entre 2000 a 2013, da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e do governo brasileiro sobre o tema, com foco nas políticas e metas globais de redução das DCNT.

As metas e indicadores globais propostos pelo Secretariado da Organização Mundial da Saúde para o enfrentamento das DCNT até 2025 foram comparadas com aquelas definidas no Plano brasileiro. Realizou-se uma análise particularizada das nove metas globais e a possibilidade de adotá-las no cenário nacional, frente às evidências publicadas na literatura.

 

Resultados

Em setembro de 2011, a Declaração Política da Reunião de Alto Nível sobre DCNT da ONU instou os Estados-membros para que adotassem um painel de acompanhamento global e abrangente, incluindo um conjunto de indicadores passível de aplicação em diferentes contextos regionais e nacionais, com abordagens multissetoriais, para acompanhar as tendências e avaliar os progressos realizados na implementação de estratégias nacionais e planos de enfrentamento das DCNT.7

Em maio de 2012, a Assembleia Mundial da Saúde -AMS 65 -8 aprovou uma meta mundial de redução de 25% da mortalidade prematura por doenças crônicas não transmissíveis entre os anos de 2015 e 2025, e indicou a necessidade de um processo de consulta global visando alcançar o consenso dos Estados-membros em torno da necessidade do estabelecimento de metas, a serem alcançadas globalmente, relacionadas com os quatro principais fatores de risco para as DCNT: consumo de tabaco; consumo nocivo do álcool; alimentação não saudável; e inatividade física.

Em novembro de 2012, em reunião de consulta, da qual participaram 119 países, sobre o Marco Global de Monitoramento das DCNT, foi pactuado um abrangente quadro de monitoramento global, com 25 indicadores e nove metas globais voluntárias, para a prevenção e o controle das DCNT. Os 25 indicadores de monitoramento propostos foram agregados em três blocos: a) mortalidade e morbidade; b) fatores de risco; e c) respostas dos sistemas nacionais. Para nove indicadores, foram definidas metas a serem atingidas em relação a linha de base definida. Para os outros 16 indicadores, não foram estabelecidas metas.

Também foi delineado um plano de ação global atualizado para o período de 2013-2020, que abrange as possíveis opções no sentido do fortalecimento e facilitação de ações multissetoriais para a prevenção e controle das DCNT, por meio de parcerias e a possibilidade de a OMS apoiar tecnicamente os países de baixa e média renda.9

A Figura 1 apresenta os indicadores que foram aprovados por consenso. Esses indicadores e metas ainda serão submetidos à aprovação da 65a Assembléia Mundial da Saúde.

 

 

A Figura 2 compara essas metas globais voluntárias do período 2015-2025 para a prevenção e controle de doenças não transmissíveis com as metas propostas no 'Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil, 2011-2022'. A Figura 2 detalha as metas globais da OMS:

 

 

1. Redução relativa de 25% na probabilidade incondicional de mortalidade global de doenças crônicas (cardiovasculares, câncer, diabetes ou doenças respiratórias crônicas) entre as idades de 30 e 70 anos.

2. Álcool

Redução de 10%, conforme apropriado, dentro do contexto nacional opções: (i) consumo de álcool total per capita (>15 anos); ou (ii) prevalência padronizada por idade do consumo abusivo entre adolescentes e adultos; ou (iii) morbidade e mortalidade por doenças relacionadas ao álcool entre adolescentes e adultos.

3. Inatividade física

10% de redução relativa de prevalência de atividade física insuficiente em adolescentes e em adultos.

4. Uso do tabaco

30% de redução relativa da prevalência do consumo de tabaco atual em adultos e adolescentes.

5. Ingestão de sal/sódio

30% de redução relativa do consumo médio de sal/ sódio pela população.

6. Pressão arterial

2. 5% de redução relativa da prevalência de pressão arterial elevada em pessoas ≥18 anos (definida como pressão arterial ≥140mmHg / ≥90mmHg).

7. Obesidade e diabetes

Deter a prevalência padronizada de diabetes em pessoas ≥18 anos; deter a prevalência padronizada, por idade, de sobrepeso e obesidade em adolescentes e pessoas ≥18 anos (IMC≥25kg/m2).

8. Terapia medicamentosa para prevenir ataques cardíacos e derrames Garantia de 50% das pessoas elegíveis recebendo medicamentos e aconselhamento (incluindo o controle glicêmico) com o objetivo de prevenir ataques cardíacos e derrames.

9. Tecnologias básicas e medicamentos essenciais para o tratamento de doenças crônicas não transmissíveis (principais) 80% de disponibilidade de tecnologias básicas e de medicamentos genéricos essenciais ao tratamento de doenças crônicas não transmissíveis prioritárias, a preços acessíveis, em serviços de saúde públicos e privados, incluindo instalações de cuidados primários.

Os outros 16 indicadores de monitoramento são: morbidade e mortalidade (monitoramento da incidência do câncer); fatores de risco (redução do consumo de ácidos graxos saturados; aumento do consumo de cinco porções de frutas e hortaliças por dia); e respostas dos sistemas nacionais [cuidados paliativos de câncer; políticas nacionais de regulamentação de alimentação saudável; disponibilidade de vacinas contra o papiloma vírus humano (HPV, na sigla em inglês) mediante comprovação de custo-eficácia e de acordo com programas e políticas nacionais; políticas de regulamentação da propaganda infantil de alimentos; rastreamento de câncer cervical; e vacinação contra o vírus da hepatite B.

O 'Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil, 2011-2022' aborda os quatro principais grupos dessas doenças - doenças do aparelho circulatório, câncer, respiratórias crônicas e diabetes - e seus fatores de risco - tabagismo, consumo nocivo de álcool, inatividade física, alimentação inadequada e obesidade.

O Plano brasileiro apresenta três diretrizes, ou eixos: (I) vigilância, informação, avaliação e monitoramento; (II) promoção da saúde; e (III) cuidado integral.

Foram propostas metas nacionais para o 'Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil, 2011-2022', que também se referem aos temas de morbimortalidade, fatores de risco de DCNT e sistemas de saúde. São elas:

1. Redução da taxa de mortalidade prematura (<70 anos) por DCNT em 2% ao ano.

2. Redução da prevalência de excesso de peso e obesidade em crianças de 5 a 9 anos.

3. Redução da prevalência de excesso de peso e obesidade em adolescentes de 10 a 19 anos.

4. Deter o crescimento de excesso de peso e obesidade em adultos (≥18 anos).

5. Redução das prevalências de consumo nocivo de álcool, de 18% (2011) para 12% em (2022).

6. Redução da prevalência de tabagismo em adultos, de 15,1% (2011) para 9,1% em (2022).

7. Aumento da prevalência de atividade física no lazer, de 14,9% (2010) para 22% (2022).

8. Aumento do consumo de frutas e hortaliças, de 18,2% (2010) para 24,3% (2022).

9. Redução do consumo médio de sal, de 12 gramas (2010) para 5 gramas (2022).

10. Aumento da cobertura de mamografia em mulheres entre 50 e 69 anos, de 54% (2008) para 70% (2022).

11. Ampliação da cobertura de exame preventivo de câncer de colo uterino em mulheres de 25 a 64 anos, de 78% (2008) para 85% (2022).

12. Garantia do tratamento de mulheres com diagnóstico de lesões precursoras de câncer de colo de útero e de mama.

 

Discussão

O quadro de monitoramento das DCNT inclui 25 indicadores (morbidade e mortalidade), indicadores de exposição (fatores de risco) e de capacidade de resposta do sistema de saúde, enfatizando as prioridades contidas na declaração política da ONU.7,8 Entre as nove metas pactuadas para 2015-2025, destacam-se as metas de redução de 25% da mortalidade por DCNT, redução de fatores de risco como tabaco, álcool, sal, sedentarismo, hipertensão arterial, detenção do crescimento da obesidade e do diabetes, tratamento dos pacientes de doenças cardiovasculares e disponibilidade de medicamentos para DCNT. As metas do Plano do Brasil são coincidentes com as metas globais no que se refere à redução de mortalidade por DCNT, redução de fatores de risco como tabaco, álcool, sal e obesidade. Outras metas brasileiras, que não compõem o Plano Global, são: aumento dos niveis de atividade física; aumento do consumo de frutas e verduras; aumento nas coberturas do exame Papanicolau e de mamografia.2,10 Todas as metas globais serão adotadas pelo governo brasileiro.

Com esse conjunto de indicadores, será possivel realizar avaliações internacionais comparáveis da situação e tendências das DCNT ao longo do tempo, apoiando o monitoramento da situação em cada país e em relação às metas dos demais países na mesma região, ou da mesma categoria de desenvolvimento.9

O estabelecimento de metas globais para monitorar os avanços conseguidos representa um progresso significativo para a prevenção e controle de doenças crônicas não transmissíveis. Os indicadores e as metas definidas para o Monitoramento Global cumprem o papel de dar visibilidade, conscientizar e ampliar o compromisso político para a ação global - e em cada país -, mais forte e coordenada, de prevenção e controle das DCNT.

Tabaco

Estima-se que o tabagismo seja responsável por aproximadamente 70% dos cânceres de pulmão, 42% das doenças respiratórias crônicas e 10% das doenças do aparelho circulatório.1 O controle do tabagismo constitui uma meta fundamental na prevenção e controle de DCNT no mundo. A prevalência global de fumantes de tabaco é de aproximadamente 23%, com grandes variações por sexo e por país.6 A meta de redução relativa de 30% projeta uma prevalência mundial de aproximadamente 14% até 2025.9 Essa meta exigirá esforços de vários países. A China, por exemplo, precisará reduzir drasticamente as taxas de fumantes do sexo masculino, mantendo baixas as taxas de tabagismo em mulheres. Em países como a Índia, onde o uso do tabaco sem fumaça é prevalente, os esforços nacionais terão de atuar na redução de todas as formas de uso do tabaco, especialmente do fumo mascado.6,12

No Brasil a prevalência do tabagismo tem declinado, tendo como linha de base a Pesquisa Nacional em Saúde e Nutrição (1989) que mostrou prevalência de 34,8% em pessoas acima de 18 anos. Assim demonstram estudos subsequentes, como a Pesquisa Mundial de Saúde (2003), que revelou uma redução para 22,4%,13 e a Pesquisa Nacional do Tabagismo (PETab),14 que apontou queda de 17,2% nessa prevalência. Essa importante redução observada no país foi resultado da tomada de medidas educativas, preventivas, legislativas e regulatórias.2,15 No período 2006-2011, a prevalência de fumantes em capitais, medida por inquéritos telefônicos, reduziu-se, em média, 0,34% pontos percentuais ao ano, chegando a 14,8% em 2011. Entretanto, no ultimo período, foram mantidas estáveis as prevalências entre mulheres; e na população de baixa escolaridade, as prevalências são quase duas vezes maiores que na população geral.16

A meta acordada pelos países é de redução do tabaco usado, que contempla todas as formas de uso (fumo de cigarro, cachimbo, narguilé, mascado, gomas, outras). Isso implicará a implementação acelerada de todos os elementos da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), incluindo esforços rigorosos na regulação das propagandas, marketing, promoção e estratégias de preços, apoio à diversificação da produção, programas de cessação do tabagismo, entre outros.

Álcool

Reduzir a prevalência do álcool contribui para a redução de doenças como câncer, doenças cardiovasculares, doenças hepáticas e mentais (incluindo depressão), além de acidentes e violências, e constitui uma prioridade de Saúde Pública. A inclusão do indicador de consumo de álcool é importante para definir prioridades de intervenção em saúde.17 O consumo de álcool aumentou na Rússia e é considerado um dos maiores responsáveis pelo aumento da mortalidade em adultos, excetuando-se as grandes epidemias de doenças infecciosas.18

O álcool será monitorado por um conjunto de indicadores, a serem definidos por cada um dos países em função das prioridades locais. O indicador de consumo per capita de álcool inclui todo tipo de consumo. Estudos disponíveis apontam para uma relação entre o consumo de álcool calculado per capita e os principais problemas de saúde associados a ele.1,19

Estudos epidemiológicos têm demonstrado que a forma mais eficaz de reduzir a prevalência de comportamentos desviantes da curva normal (no caso, o uso abusivo do álcool) seria buscar dirigir o foco das estratégias para a população geral, não concentrando esforços apenas em segmentos populacionais de elevado risco.20

No Brasil, existem diversos estudos investigativos do comportamento de uso de álcool, tanto domiciliares quanto por telefone. Um indicador normalmente adotado é o consumo abusivo. No Plano brasileiro de enfrentamento de DCNT, foi utilizado o seguinte indicador: consumo, em uma única ocasião, de 4 ou mais doses em mulheres e de 5 ou mais doses em homens.2,16

O monitoramento da carga de morbimortalidade constitui um indicador passível de adoção no país, pelo Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) e pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). O indicador de consumo total per capita também é disponibilizado no Brasil.

Os níveis populacionais de consumo de álcool podem ser facilmente reduzidos por intervenções acessíveis e de baixo custo, especialmente as medidas para tornar o álcool mais caro e menos disponível.1 A possibilidade da redução da meta de uso do álcool em 10% depende das medidas de regulação adotadas pelos governos, bem como do enfrentamento do poder das indústrias de álcool e associados.6

Sal/sódio

O objetivo principal da meta global de redução em 30% do consumo de sal/sódio é a redução dos níveis de pressão arterial. Os esforços globais poderão resultar em reduções significativas nos níveis de pressão arterial da população e consequentes impactos nas taxas de doenças do coração, doenças renais, entre outras, bem como na redução nos custos de DCNT.6

Na maioria dos países, a ingestão de sal é excessiva, entre 9 e 12g/dia, não requerendo, no seu monitoramento, uma medida de linha de base global. Assim, como quase todos os países apresentam consumo elevado de sal, justifica-se uma abordagem global pela sua redução. A redução da ingestão de sal nos alimentos não deverá comprometer a prevenção de doenças decorrentes da deficiência de iodo.6,21

Entre os desafios globais para o monitoramento da meta, encontram-se dificuldades metodológicas. A medida de excreção do sal urinário de 24 horas seria o método de escolha, o que é inviável em pesquisas populacionais. Entretanto, estudos apontam que a medida da urina casual (spot) poderia oferecer uma abordagem de monitoramento alternativa, estimando tendências populacionais no consumo de sal ao longo do tempo.6,9,22,23 Como muitos países poderão ter dificuldades nessa medida, sugere-se considerar formas alternativas de monitoramento do uso, como o consumo per capita e o sal usado na indústria, utilizando-se fontes secundárias no monitoramento.

As ações para atingir a meta consistem em medidas educativas para reduzir o sal adicionado em casa e no condimento, acordos com a indústria de alimentos para redução do sal em seus produtos e medidas de restrição à comercialização de alimentos com alto teor de sal (ultraprocessados), como taxação e monitoramento dos progressos.6 Já existem resultados positivos da instituição dessas medidas em países como Finlândia, França, Japão e Reino Unido.24,25

O Brasil fez acordos voluntários com a indústria para reduzir o teor de sal nos alimentos industrializados.2 O país também se propôs, em seu Plano de enfrentamento das DCNT, a cumprir a meta original da OMS, de 5 gramas de ingestão de sal por adulto em 2022, ou uma redução média anual de 6,9%. Os dados nacionais baseiam-se em medições de ingestão alimentar tomadas em grandes pesquisas representativas, realizadas nos anos de 2003 e 2008 (POF), que apontam um consumo médio atual do país da ordem de 12 gramas por dia. Este achado significa um grande desafio para o alcance da meta da OMS para 2022.23,26

Ajustes posteriores nas metas deverão ser avaliados. Atualmente, é importante manter os acordos propostos, reafirmando os compromissos anteriormente assumidos. Em 2013, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) coletará urina em medida pontual (spot).27

Inatividade física

A inatividade física é um importante fator de risco para as doenças não transmissíveis: aumenta o risco de doenças cardiovasculares, câncer de mama, câncer de cólon, entre outras, e reduz a expectativa de vida.2,10 Estima-se que a inatividade física seja uma das principais causas de morte no mundo.28

São inúmeras as evidencias do beneficio da atividade física na redução das DCNT, e adotar um indicador de redução de sedentarismo deve resultar em agendas e prioridades do setor Saúde em parceria com outros setores, incentivando práticas e políticas de promoção da atividade física. O incremento da atividade física deverá articular ações intersetoriais, avançando na implementação de espaços saudáveis, ciclovias, questões relativas à mobilidade urbana, ações de informação, educação e comunicação.29

Torna-se fundamental investir em ações de promoção da atividade física enquanto política pública. O Ministério da Saúde do Brasil criou o programa 'Academia da Saúde', para incentivo da atividade física. As Academias são espaços para a prática de atividade física próximos às unidades de atenção primária, com profissionais de saúde e professores de educação física que orientam a pratica de atividade física junto a população. Serão construídas 4.000 Academias de Saúde nos municípios, até 2014.29

A meta proposta consiste na redução de 10% nos níveis de inatividade em adultos (menos de 150 minutos semanais de atividade física), considerando-se todos os domínios possíveis.9 Um grande desafio encontra-se na linha de base dos países, por coexistirem diferentes pesquisas e instrumentos. Em função das dificuldades de padronização do instrumento de coleta, recomenda-se sua flexibilização e adaptação aos instrumentos utilizados nos países, mantendo-se a meta global de redução de 10% na inatividade física. Desde 2006, um questionário específico foi implementado em seis inquéritos telefônicos nas capitais brasileiras; o mesmo questionário foi aplicado em 2008, na Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar, e será usado na Pesquisa Nacional de Saúde - PNS - em 2013, possibilitando o monitoramento dessa meta.16

Hipertensão arterial

Este indicador não é um consenso entre os autores, especialmente no que se refere à prioridade de medidas de Saúde Pública a serem adotadas no controle das DCNT. Nesse sentido, há controvérsias quanto às principais medidas populacionais para a redução da hipertensão arterial.

Apoiados no conhecimento e experiências atuais, alguns autores defendem que reduções nos níveis de pressão arterial (PA) da população serão mais eficazmente alcançadas com medidas populacionais, como redução do consumo de sal, estímulo à prática de atividade física e alimentação saudável. O tratamento medicamentoso seria priorizado em pessoas com alto risco global de doença cardiovascular.6 Outros autores, por exemplo, apontam que o controle de hipertensão arterial nos Estados Unidos da América, nas últimas décadas, ocorreu em função do aumento da disponibilidade do tratamento medicamentoso.30

Mais uma controvérsia consiste na prioridade de identificar e tratar de forma medicamentosa os pacientes com o ponto de corte de PA>140/90mmg, que poderiam representar, em alguns países, cerca de um terço da população adulta; no caso do Brasil, um quarto da população, aproximadamente.16 Na China, a abordagem para tratar com medicamentos toda a população com níveis de PA>140/90mmg poderia custar cerca de um décimo do orçamento da Saúde daquele país. Autores argumentam que nem sempre a população com níveis de PA>140/90mmg apresentaria riscos de doenças cardiovasculares, já que metade de todas as doenças cardiovasculares ocorrem em pessoas não hipertensas.31 Ter pressão arterial >140/90mmg não significa, necessariamente, que o indivíduo deva ser alvo prioritário de tratamento medicamentoso.6,32

No Brasil, essa não foi uma meta adotada inicialmente, em seu Plano. O governo brasileiro está implementando ambas as medidas, de promoção da saúde e de atenção à hipertensão: foram realizados acordos com a indústria de alimentos para a redução do sal, instituídos programas para aumento de atividade física (Academia da Saúde), e o Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da atenção primária, oferece gratuitamente, nas Unidades Básicas de Saúde e no programa 'Aqui tem Farmácia Popular', medicamentos para a população inserida nos critérios de risco de hipertensão arterial.2,10,32

Em 2013, a Pesquisa Nacional de Saúde realizará a aferição da pressão arterial na população, constituindo a linha de base para monitoramentos futuros. Entretanto, não existem estudos populacionais sobre a viabilidade de metas para o indicador no país.

Obesidade

Os países adotaram metas para deter o excesso de peso [índice de massa corporal (IMC) superior a 25kg/m2 por kg] e obesidade (IMC>30/m2) em pessoas com 18 anos e adolescentes. No caso específico do Plano brasileiro, também foi estabelecida a meta de redução do excesso de peso e obesidade em adolescentes e crianças.2 Esta meta é bastante ousada e, embora existam programas de prevenção em andamento, especialmente em escolas, ainda faltam evidências claras de sua factibilidade no longo prazo.6

Entretanto, é importante manter o compromisso e buscar o comprometimento com programas e ações nesse campo, atuando junto às famílias e profissionais de saúde, no incentivo ao aleitamento materno, em ações nas escolas, na regulamentação da propaganda de alimentos e no estímulo à prática de atividades físicas, entre outros.2,10

Diabetes

Com o aumento do excesso de peso e da expectativa de vida, e com o crescimento da população de idosos, a meta para deter o diabetes não parece factível. O Brasil não incluiu essa meta em seu Plano de DCNT mas tem assumido o compromisso de deter as complicações, reduzir a mortalidade e garantir tratamento a todos os pacientes.2,10

O monitoramento do diabetes será incluído na Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, seja mediante questões inseridas no questionário da PNS, seja pela medida da hemoglobina glicosilada (HbA1c) para estimar glicose no sangue, método que tem sido utilizado internacionalmente. A utilização de HbA1c oferece a vantagem da precisão, além de facilitar a logística de pesquisas de domicílios, haja vista poder ser dosada sem jejum e a qualquer hora do dia. Além disso, é uma medida média do valor de glicose durante um período acumulado de meses, não a partir de uma única medida pontual. As medidas alternativas de glicose plasmática em jejum com amostras venosas, ou de sangue capilar, implicam uma logística mais complexa na coleta de amostras de sangue em pesquisas domiciliares, além da dificuldade de guardar o jejum.

Tratamentos para prevenir doenças cardiovasculares, incluindo o acidente vascular cerebral - AVC

A meta é atender 50% dos pacientes de risco com terapia medicamentosa e aconselhamento, para prevenir a morte e eventos graves como o infarto agudo do miocárdio e os acidentes vasculares cerebrais. Nesse critério de risco, incluem-se pessoas na idade de 40 anos e mais, com 30% ou mais de risco global cardiovascular em dez anos.

A simplicidade de uma estratégia baseada na terapia de combinação medicamentosa, priorizando medicamentos essenciais, alia-se à dificuldade de identificar e priorizar populações de risco. A estratégia deve focar pessoas com histórico de doenças cardiovasculares identificado em serviços de atenção primária.6 Esse indicador pode ser usado na avaliação da qualidade dos serviços de cuidados primários de saúde, como medida de custo-eficácia.9,32

As evidências apontam bons resultados de custo efetividade ao se aliar estratégias como o tratamento de populações em situação de risco global elevado com estratégias populacionais (redução do consumo de sal, alimentação saudável e atividade física). Autores também discutem que isolar um fator de risco, seja o colesterol ou a pressão arterial, não apresenta evidencias consistentes de benefício.6

Atingir essa meta de tratamento poderá ser difícil para muitos países, pois a prioridade atual tem sido a de tratamentos fornecidos em instalações secundárias e terciárias.

No Brasil, a terapia medicamentosa tem sido utilizado na população atendida nas unidades de saúde do SUS. Recentemente, o Ministério da Saúde adotou protocolos de identificação de risco cardiovascular, definiu protocolos específicos e ampliou o programa 'Aqui tem Farmácia Popular' com a disponibilidade de medicamentos gratuitos para hipertensão, diabetes e asma, dispensados gratuitamente em mais de 20 mil farmácias.2,10 Considera-se que esse é um indicador importante para assegurar o acesso às drogas e às tecnologias de base. No Brasil, também são disponibilizadas tecnologias de média e alta complexidade, para todos que as necessitam.

Tecnologias básicas e medicamentos essenciais ao tratamento de DCNT

O indicador global 'Disponibilidade de tecnologias básicas e de medicamentos genéricos essenciais ao tratamento de doenças crônicas não transmissíveis prioritárias, a preços acessíveis, em serviços de saúde públicos e privados, incluindo instalações de cuidados primários', é importante no sentido de garantir o acesso a esses medicamentos.

A lista mínima inclui medicamentos - como aspirina, estatinas, inibidor da enzima conversora da angiotensina, diuréticos tiazídicos, bloqueador dos canais de cálcio de longa ação, hipoglicemiantes orais, insulina, broncodilatador e inalante esteroides - e tecnologias básicas - como dispositivo de medição de pressão arterial, balança, aparelhos e fitas reagentes para medição de glicemia, colesterol e albumina.

O Brasil já adota esses medicamentos e tecnologias, atualmente disponíveis para a população na atenção primária. O programa foi ampliado no 'Aqui tem Farmácia Popular', com medicamentos gratuitos para hipertensão, diabetes e asma. Considera-se esse indicador importante para assegurar o acesso à droga e às tecnologias de base.10

Os demais indicadores de monitoramento, morbidade e mortalidade, fatores de risco e respostas dos sistemas nacionais, de alguma maneira, estão incorporados no 'Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil, 2011-2022', em ações e estratégias especificas. No caso do indicador 'Disponibilidade de vacinas contra o HPV, mediante comprovação de custo-eficácia e de acordo com programas e políticas nacionais', o Brasil desenvolve estudos de custo-efetividade. A vacina contra o HPV ainda apresenta elevado custo e como sua indicação restringe-se aos adolescentes antes do inicio da vida sexual, necessitará de uma estratégia específica de adesão às doses recomendadas caso seja adotada futuramente. No caso do indicador 'Proporção de mulheres com 30-49 anos e por grupo de idade inferior ou superior, rastreadas para o câncer cervical uma ou mais vezes, conforme programas ou políticas nacionais', o SUS também dispõe de programa de rastreio bianual, que inclui todas as mulheres em idade fértil de 25 a 64 anos, muito mais amplo do que o indicado. Destaca-se que esse indicador é o mais sensível para prevenção do câncer cérvico-uterino e a meta do Brasil é de ampliação de sua cobertura para 80% das mulheres.

A Reunião de Alto Nível sobre DCNT organizada pela ONU foi um grande avanço. Cabe agora estabelecer globalmente, entre todos os países-membros, metas claras de redução das DCNT e de seus fatores de risco, garantindo acesso à assistência e às políticas de promoção, prevenção e vigilância. Ademais, torna-se fundamental reduzir as iniquidades em saúde, garantindo acesso a essas tecnologias para toda a população, especialmente para os grupos mais vulneráveis. Essas medidas poderão contribuir para o efetivo enfrentamento das DCNT.

Nos limites do estudo, salientamos que se trata de uma revisão narrativa, de modo que não foi realizada uma busca bibliográfica exaustiva. Outrossim, o tema envolve ações no campo de politicas públicas todavia em fase de definição. As metas de DCNT serão definitivamente adotadas em maio de 2013, cabendo ainda mudanças nas metas pactuadas. Estudos sobre a factibilidade de determinadas metas ainda estão em andamento, o que significa a possibilidade de ajustes de metas em função de suas conclusões.

Os desafios para a garantia dos direitos de cidadania e melhoria da qualidade de vida e de saúde das populações são imensos. Evidências na produção técnico-científica apontam os benefícios de políticas intersetoriais integradas na resposta a temas complexos, particularmente no enfrentamento das DCNT. Países como a Finlândia, que lograram essas articulações intersetoriais, obtiveram grandes êxitos no controle das DCNT.33,34

O enfrentamento das doenças não transmissíveis requer a articulação com políticas públicas de saúde de outros setores como Educação, Agricultura, Esporte, Transportes, Comunicação, Planejamento urbano, Meio ambiente, Trabalho e emprego, Indústria e comércio, Finanças e Assistência social, entre outros. Parcerias multissetoriais são fundamentais no apoio às políticas de prevenção de DCNT, como por exemplo, politicas de controle do tabagismo que exigem controle de preços, taxação de cigarros, estimulo à diversificação de cultura.1 Politicas de alimentação saudável, por sua vez, requerem estimulo a produção de alimentos saudáveis e redução de preços, taxação de alimentos processados, regulamentação de propaganda. Politicas de estimulo à atividade física dependem de remodelação de espaço físico, promoção da mobilidade urbana, construção de espaços saudáveis.1,35 No tema do álcool, os benefícios advindos de seu controle impactam as DCNT e incidem na redução de acidentes e violências. O Brasil já obteve êxitos importantes na redução do consumo de álcool associado a direção e também na redução de mortes no transito, no primeiro ano de implantação da Lei que proíbe dirigir sob qualquer grau de consumo de álcool.36,37

O quadro de acompanhamento global e abrangente, incluindo o conjunto de 25 indicadores, potencializará a condução de avaliações internacionais comparáveis sobre as tendências de doenças não transmissíveis ao longo do tempo, ajudando os países no desenho de políticas nacionais. Cabe ainda discutir como se dará a cooperação internacional, no apoio aos países que não dispõem de sistemas de monitoramento.

Para a validade do monitoramento e da comparação entre países, a Organização Mundial da Saúde - OMS - e os países deverão fazer um grande investimento na qualidade e validade dos dados monitorados, na padronização dos inquéritos, na metodologia e nos instrumentos utilizados. Esse investimento deverá focar a melhoria da cobertura e a qualidade das informações, especialmente aquelas provenientes dos sistemas de informações em saúde. Avançando na cobertura e na qualidade das informações, empregando técnicas para correção dos dados de mortalidade, esse processo exigirá grande colaboração e parceria internacional para vencer as barreiras e aperfeiçoar os sistemas de vigilância em todo o mundo.1,38'40

Torna-se importante avançar em um sistema de vigilancia capaz de dar suporte ao monitoramento nacional e global das metas. O Brasil já conta com um sistema de vigilância de DNCT estruturado, seja por meio dos sistemas de informações de mortalidade e de hospitalizações, seja por inquéritos (Vigitel, PENSE, PNAD). Merece destaque a realização da Pesquisa Nacional de Saúde - PNS - em 2013, que servirá de linha de base para o monitoramento de grande parte dessas metas.27,41 Na PNS, serão incluídas informações sobre hipertensão e doenças cardiovasculares, aferição de medidas antropométricas (IMC) e da pressão arterial, e dosagens bioquímicas como colesterol, HbAlc, além de informações sobre o tempo de doenças, uso de medicamentos e recebimento de aconselhamento.27

Destaca-se a importância do equilíbrio das metas, abrangendo metas de promoção a saúde cujos benefícios se estendem a toda a população, e metas referidas ao grupo populacional já portador da doenças, que vêm a ser as metas de tratamento e de assistência.

Além dos indicadores apresentados no quadro de acompanhamento global, o Brasil poderá incluir outros indicadores no monitoramento do progresso das estratégias nacionais e regionais para a prevenção e controle das doenças não transmissíveis.

O monitoramento das metas deverá contribuir à reorientação dos serviços de saúde, da atenção primária e do processo de trabalho, priorizando ações como o apoio a cessação de fumar, o controle glicêmico, o acesso a medicamentos para prevenção de doenças cardiovasculares, diabetes e AVC, além de incentivar medidas de promoção da saúde e de hábitos saudáveis. O monitoramento deverá contemplar, ainda, ampla divulgação de seus resultados, o que facilitará o acompanhamento das metas e a participação e o controle social das políticas públicas para doenças não transmissíveis.

 

Contribuição dos autores

Ambos os autores participaram da concepção do estudo, revisão da literatura, redação e revisão final do manuscrito.

 

Referências

1. World Health Organization . Global status report on non communicable diseases 2010. Geneva: World Health Organization; 2011.

2. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022. Brasília: Ministério da Saúde; 2011 [acessado em 17 jun. 2012.] Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/cartilha_dcnt_pequena_portugues_espanhol.pdf

3. World Health Organization. Health topics: Chronic diseases. Geneva: World Health Organization; 2013. [accessed 20 apr. 2012]. Available from http://www.who.int/topics/chronic_diseases/en/

4. Bloom DE, Cafiero ET, Jané-Llopis E, Abrahams-Gessel S, Bloom LR, Fathima S, et al. The global economic burden of non-communicable diseases: report by the World Economic Forum and the Harvard School of Public Health. Geneva: World Economic Forum; 2011. 47 p. [accessed 30 may 2012]. Available from http://www3.weforum.org/docs/WEF_Harvard_HE_GlobalEconomicBurdenNonCommunicableDiseases_011.pdf/

5. Abegunde DO, Mathers CD, Adam T, Ortegon M, Strong K. The burden and costs of chronic diseases in low-income and middle-income countries. Lancet. 2007; (370):1929-1938.

6. Beaglehole R, Bonita R, Horton R, Ezzati M, Bhala N, Amuyunzu-Nyamongo M, Modi M. Measuring progress on NCDs: one goal and five targets. Lancet. 2012; 380 (2012):1283-285.

7. United Nations. General Assembly. Political declaration of the high-level meeting of the General Assembly on the prevention and control of non-communicable diseases; 2011. [accessed 30 jun. 2012]. Available from http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/66/L.1

8. World Health Organization. 65th World Health Assembly closes with new global health measures; 2012 [accessed 30 may 2012]. Available from http://www.who.int/mediacentre/news/releases/2012/wha65_closes_20120526/en/index.html

9. World Health Organization. Prevention and control of non communicable diseases: Formal meeting of Member States to conclude the work on the comprehensive global monitoring framework, including indicators, and a set of voluntary global targets for the prevention and control of non communicable diseases. Report by the Director-General; 2012 [accessed 18 jan. 2013]. Available from http://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/EB132/B132_6-en.pdf

10. Malta DC, Morais Neto OL, Silva Junior JB. Apresentação do plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis no Brasil, 2011 a 2022. Epidemiologia e Serviços de Saúde. 2011; 20(4):425-438.

11. Schmidt MI, Duncan BB, Hoffmann JF, Moura L, Malta DC, Carvalho RM. Prevalence of diabetes and hypertension based on self-reported morbidity survey, Brazil, 2006. Revista de Saúde Pública. 2009; 43 Suppl 2:S74-82.

12. Giovani GA, Mirza S, Samet JM, Gupta PC, Jarvis MJ, Bhala N, et al. Tobacco use in 3 billion individuals from 16 countries: an analysis of nationally representative cross-sectional household surveys. Lancet. 2012; 380:668-679.

13. Monteiro CA, Cavalcante TM, Moura EC, Claro RM, Szwarcwald CL. Population-based evidence of a strong decline in the prevalence of smokers in Brazil (19892003). Bulletin of the World Health Organization. 2007; 85:527-534.

14. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Especial sobre Tabagismo (PETab) 2009 [acessado em 17 jun. 2012]. Disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/dh.exe?petab/petab.def

15. Brasil. Decreto no 5.658, de 2 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção-Quadro sobre controle do Uso do tabaco. Diário Oficial da União, Brasília, p.1, 3 jan. 2006.

16. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigitel Brasil 2011: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.

17. Parry CD, Patra C, Rehm J. Alcohol consumption and non-communicable diseases: epidemiology ad policy implications. Addiction. 2011; 106(10):1718-1724.

18. Zaridze D, Brennan P, Boreham J. Alcohol and cause-specific mortality in Russia; a retrospective case-control study of 48,557 adult deaths. Lancet. 2009; 373(9682):2201-2214.

19. Holmes J, Meier PS, Booth A, Guo Y, Brennan A. The temporal relationship between per capita alcohol consumption and harm: A systematic review of time lag specifications in aggregate time series analyses. Drug and alcohol dependence. 2012; 123(1-3):7-14.

20. Rose's trategy ofpPreventive medicine: Geoffrey Rose with commentary by Kay-Tee Khaw and Michael Marmot. International Journal of Epidemiology. 2009; 38 (6):1743-1745.

21. Joint WHO/FAO expert consultation on diet, nutrition and the prevention of chronic diseases. Geneva; 2002 [accessed 23 jun. 2012]. Available from http://www.who.int/dietphysicalactivity/publications/trs916/en/.

22. Micheli ET, Rosa AA. Estimation of sodium intake by urinary excretion and dietary records in children and adolescents from Porto Alegre, Brazil: a comparison of two methods. Nutrition Research. 2003; 23(11):1477-1487.

23. Arno F, Claro RM, Levy RB, Bandoni DH, Ferreira SRG, Monteiro CA. Estimativa de consumo de sódio pela população brasileira, 2002-2003. Rev. Saude Publica. 2009; 43(2): 219-225 [accessed 2013 jan. 15]. Available from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102009000200002&lng=en

24. He FJ, MacGregor GA. A comprehensive review on salt and health and current experience of worldwide salt reduction programmes. Journal of Human Hypertension. 2009 Jun; 23(6):363-84.

25. Sadler K, Nicholson S, Steer T, Gill V, Bates B, Tipping S, et al. National Diet and Nutrition Survey -assessment of dietary sodium in adults (aged 19 to 64 years) in England, 2011 [Accessed 27 jun. 2012]. Available from http://transparency.dh.gov.uk/category/statistics/ndns/

26. Nilson EAF, Jaime PC, Resende DO. Iniciativas desenvolvidas no Brasil para a redução do teor de sódio em alimentos processados. Revista Panamericana de Salud Pública. 2012; 34(4):287-292.

27. Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Saúde. Bol. Serv. 2010; 25(36):2-36 [acessado em 18 jan. 2013]. Disponível em http://www.pns.icict.fiocruz.br/arquivos/Portaria.pdf

28. Lee IM, Shiroma EJ, Lobelo F, Puska P, Blair SN, Katzmarzyk PT, Lancet Physical Activity Series Working Group. Effect of physical inactivity on major non-communicable diseases worldwide: an analysis of burden of disease and life expectancy. Lancet. 2012; 380:219-29.

29. Malta DC, Silva Júnior JB. Policies to promote physical activity in Brazil. Lancet. 2012; 380(9838):195-196 [accessed 20 jan. 2013]. Available from http://www.lancet.com/journals/kncet/article/PIIS0140-6736(12)61041-1/fulltext

30. National Institutes of Health. NHLBI morbidity and mortality chart book, 2012 [accessed 10 jan. 2013]. Available from http://www.nhlbi.nih.gov/resources/docs/cht-book.htm

31. MacMahon S, Neal B, Rodgers A. Hypertension: time to move on. Lancet. 2005; 365:1108-1109.

32. Ministério da Saúde. Secretária de Atenção à Saúde. Consulta pública no 16, 24 de setembro de 2012. Atualiza as diretrizes para organização da prevenção e do tratamento do excesso de peso e obesidade como linha de cuidado prioritária da Rede de Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas e dá outras providencias. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.

33. Stähl T, Wismar M, Ollila E, Lahtinen E, Leppo K, editors. Health in all policies: prospects and potentials. Helsinki: Observatory on Health Systems and Policies & Ministry of Social Affairs and Health and European; 2006.

34. Puska, P, Stähl, T. Health in all policies - the finnish initiative: background, principles, and current issues. Annual Review of Public Health. 2010; 31:315-328.

35. Malta DC, Castro AM, Gosch CS, Cruz DKA, Bressan A, Nogueira JD, et al. A Política Nacional de Promoção da Saúde e a agenda da atividade física no contexto do SUS. Epidemiologia e Serviços de Saúde. 2009; 18(1):79-86.

36. Moura EC, Malta DC, Morais Neto OL, Penna GO, Temporão JG. Motor vehicle driving after binge drinking, Brazil, 2006 to 2009. Rev. Saude Publica. 2009; 43(5):891-894 [accessed 16 feb. 2013]. Available from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102009000500021&lng=en&nrm=iso

37. Malta DC, Silva MA, Lima CM, Soares Filho AM, Montenegro MM, Mascarenhas MD, et al. Impacto da legislação restritiva do álcool na morbimortalidade por acidentes de transporte terrestre - Brasil, 2008. Epidemiologia e Serviços de Saúde. 2010; 19(1):77-78.

38. Collin J. Tobacco control, global health policy and development: towards policy coherence in global governance. Tobacco Control. 2012; 21(2):274-280.

39. Mitchell A, Voon T. Implications of the World Trade Organization in combating non-communicable diseases. Public Health. 2011; 125(12):832-839.

40. Mamudu HM, Yang JS, Novotny TE. UN resolution on the prevention and control of non-communicable diseases: an opportunity for global action. Global Public Health. 2011; 6(4):347-353.

41. Malta DC, Leal MC, Costa MFL, Morais Neto OL. Inquéritos nacionais de saúde: experiência acumulada e proposta para o inquérito de saúde brasileiro. Revista Brasileira de Epidemiologia. 2008; 11 Suppl 1:S159-167.

 

 

Endereço para correspondência:
Deborah Carvalho Malta
- Ministério da Saúde,
Secretaria de Vigilância em Saúde,
SAF Sul, Trecho 2, Lotes 5 e 6, Bloco F,
Torre I, Edifício Premium, Sala 14T,
Brasília-DF, Brasil.
CEP: 70058-900
E-mail: deborah.malta@saude.gov.br

Recebido em 29/01/2013
Aprovado em 28/02/2013