Introdução
O controle da tuberculose continua a ser um desafio para as autoridades sanitárias. Em todo o mundo, a tuberculose representa uma das principais causas de morte entre as doenças infecciosas.1 O Brasil está entre os países com as maiores cargas da doença, com taxa de incidência de 34,8 casos por 100 mil habitantes em 2018, distante da taxa preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de 10 casos/100 mil hab., o que ressalta a necessidade de avanços para o alcance da meta da OMS.2
A eliminação da tuberculose transita pela história natural da doença, cuja via de transmissão, difícil de controlar, é passível de ser potencializada por determinantes sociais de saúde. Estes determinantes podem ser categorizados em três eixos de vulnerabilidade: (i) individual; (ii) programático ou institucional; e (iii) sociodemográfico.3 Estas vulnerabilidades, associadas ao longo tempo de tratamento, favorecem cenários de dificuldades para o controle da doença e colaboram para o abandono do tratamento pelo paciente.1 3
O tratamento para a tuberculose sensível dura, ao menos, seis meses. Contudo ele pode ser estendido, por conta de doenças associadas ou de uma evolução clínica desfavorável.4 Nesse contexto, o tratamento diretamente observado consiste na observação da ingestão dos medicamentos para o tratamento, sendo uma estratégia que visa à adesão do indivíduo. Devem ser supervisionadas pelo menos 72 doses de medicação padronizada: 24 doses na primeira fase do tratamento e 48 doses na segunda fase.5 Apesar de a recomendação ser para a realização do tratamento diretamente observado em todos os casos de tuberculose, estudos descrevem que essa abordagem é realizada, prioritariamente, em indivíduos de baixo nível educacional e com fatores determinantes, relacionados às características clínicas e à exclusão social.6
A participação dos serviços de Atenção Básica em Saúde no controle da tuberculose é primordial.7 A Estratégia Saúde da Família (ESF) especialmente, destaca-se como um processo organizacional e assistencial composto por uma equipe multiprofissional, que dispõe de um território geográfico delimitado para sua ação, visando um cuidado integral e a criação de vínculos entre a instituição do ESF - na pessoa do profissional de saúde - e o indivíduo beneficiário.8-9 A ESF tem papel importante na ampliação ao acesso ao diagnóstico e no acompanhamento das pessoas com tuberculose, incluído o tratamento diretamente observado.8-9 A redução da mortalidade por tuberculose está associada ao aumento da cobertura da ESF, e que indivíduos inscritos na ESF possuem maior probabilidade de obter desfecho favorável para o tratamento.9-10
Conforme dito anteriormente, a realização do tratamento diretamente observado está associada aos determinantes sociodemográficos, contextuais e clínicos da tuberculose.6 Um estudo com dados de vigilância do Brasil mostrou que pessoas com baixa escolaridade, de raça/cor da pele parda, etilistas e/ou portadoras de doença mental, com tuberculose na forma clínica pulmonar e bacilocopia positiva, apresentaram maiores chances de realizar o tratamento diretamente observado.6 De outro modo, a ESF vem se apresentando como um iniciativa facilitadora para a realização do tratamento diretamente observado, com impactos positivos no controle da doença, proporcionando maiores chances de desfechos favoráveis.7-10 Entretanto, há escassez de estudos que discutam como os determinantes para a realização do tratamento diretamente observado se comportam em diferentes coberturas da ESF. Os autores desconhecem evidências sobre a cobertura da ESF como um fator que minimize a seleção de indivíduos para a realização do tratamento diretamente observado.
Este estudo teve o objetivo de analisar a associação entre determinantes da tuberculose e a realização do tratamento diretamente observado, sob diferentes níveis de cobertura da ESF no Brasil.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal, com dados provenientes do Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Brasil (Sinan).
O Brasil conta com uma população estimada de 210.147.125 habitantes, distribuídos em 5.570 municípios.11 O Sistema Único de Saúde (SUS) tem no Sinan um sistema de informações fundamental, cuja alimentação de dados de saúde não só é obrigatória como realizada, de forma regular, por todas as Unidades da Federação; estas recebem os registros dos municípios, com informações de indivíduos sob suspeita ou com diagnóstico de doenças e agravos selecionados, de interesse para a saúde pública, entre eles a tuberculose.4
O tratamento da tuberculose sensível, utilizando-se das drogas padrão, dura ao menos seis meses, podendo ser estendido por conta de doenças associadas ou da evolução clínica do paciente.4 Nesse contexto, realiza-se o tratamento diretamente observado, enquanto variável analisada ao final do processo de tratamento - tratamento diretamente observado realizado (não; sim; ignorado) -, com o objetivo de confirmar se foi cumprida a recomendação clínica: pelo menos 24 doses supervisionadas na primeira fase e 48 doses na segunda fase.4 Os pesquisadores tiveram acesso às informações dos indivíduos com diagnóstico de tuberculose entre os anos de 2014 e 2016.
No sentido de conferir maior objetividade ao texto, adotou-se o termo ‘tratamento observado’ em substituição a ‘tratamento diretamente observado’.
Foram incluídos no estudo indivíduos maiores de 18 anos de idade, com diagnóstico de tuberculose sensível aos medicamentos do tratamento, de acordo com as recomendações nacionais, notificados e acompanhados longitudinalmente no Sinan Tuberculose, mediante consulta do boletim de acompanhamento.4 12
Foram excluídos os indivíduos com notificação pós-óbito e os ignorados ou sem informação da realização do tratamento observado.
O tratamento observado foi considerado variável dependente, obtida do boletim de acompanhamento da tuberculose, ao final do tratamento, com o objetivo de avaliar sua realização.4 Os indivíduos foram distribuídos em dois grupos, assim classificados: com tratamento observado (sim); sem tratamento observado (não).
As covariáveis provieram da ficha de notificação/investigação, com informações do início do tratamento, e incluem as seguintes características:
a) Sociodemográficas
idade (em anos: menos de 20; 20 a 39; 40 a 59; 60 ou mais);
sexo (feminino; masculino);
raça/cor da pele (branca; preta; parda; outras);
anos de estudos (não estudou; 1 a 4; 5 a 8; mais de 8).
b) Contextuais
região geográfica do país (Sudeste; Nordeste; Centro-Oeste; Sul; Norte);
zona de residência (urbana; rural; periurbana);
população privada de liberdade (não; sim);
profissional de saúde (não; sim);
população em situação de rua (não; sim).
c) Doenças associadas/comorbidades
infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)/síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) (não; sim);
etilismo (não; sim);
uso de drogas ilícitas (não; sim);
tabagismo (não; sim);
diabetes (não; sim);
transtorno mental (não; sim).
d) Do atual tratamento da tuberculose
tipo de notificação (casos novos; recidiva; reingresso após abandono; transferência; não sabe);
forma clínica da tuberculose (pulmonar; extrapulmonar; pulmonar + extrapulmonar);
baciloscopia (negativa; positiva; não realizada);
cultura inicial (negativa; positiva; em andamento; não realizada);
radiografia de tórax (não sugestiva para tuberculose; sugestiva para tuberculose).
A variável ‘cobertura da ESF’ do município de residência dos indivíduos foi categorizada de acordo com a distribuição dos percentis 25 e 75 da variável, sendo categorizada da seguinte forma: menor que 40%; 40 a 70%; maior que 70%.
Os dados dos indivíduos com tuberculose, constantes do Sinan, foram disponibilizados pelo Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT). Os dados de cobertura da ESF provieram do Sistema de Informação e Gestão da Atenção Básica (e-Gestor), responsável por informar a cobertura da ESF a cada ano. A cobertura da ESF, qual seja, a razão entre o número de indivíduos cadastrados pelas equipes da ESF e a base populacional do município, foi calculada para o período de 1º de janeiro de 2014 a 31 de dezembro de 2016.
Na descrição das variáveis, foram utilizadas as frequências absolutas e relativas. Na análise bivariável, adotou-se o teste de qui-quadrado de Pearson.
Para a análise múltipla, empregou-se um modelo teórico que classifica os determinantes da tuberculose em níveis hierárquicos: no primeiro nível, as variáveis sociodemográficas; no segundo, variáveis contextuais e de moradia dos indivíduos; no terceiro, doenças e comorbidades; e no quarto nível, informações clínicas do atual tratamento da tuberculose.3 Com base neste modelo,3 todas as variáveis foram incluídas na regressão logística hierárquica, para a qual ‘tratamento diretamente observado’ foi a variável dependente. As covariáveis foram agrupadas em níveis, mantidas nos próximos níveis de significância estatística (p<0,05). O teste de Wald foi utilizado para as variáveis não dicotômicas.
Na etapa analítica, segundo a cobertura da ESF, realizou-se uma análise logística hierárquica para cada estrato. Para esta análise, os indivíduos com dados faltantes foram excluídos. Os resultados das análises de regressão logística hierárquica foram expressos como razão de chances (odds ratio, OR) e intervalo de confiança de 95% (IC95%).
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo, sob o número de registro 2.088.338, de 29 de maio de 2017.
Resultados
Entre os anos de 2014 e 2016, foram notificados no Sinan 252.675 brasileiros com tuberculose. Destes, o estudo excluiu 13.744, menores de 18 anos de idade, 1.365 com notificação pós-óbito e 59.940 ignorados ou sem informação do tratamento observado. Do total da amostra final, 177.626 indivíduos, 88.586 (49,9%) realizaram o tratamento observado durante o tratamento da tuberculose e 89.040 (50,1%) não o realizaram (Figura 1).
As Tabelas 1 e 2 descrevem o perfil da população e a distribuição dos determinantes sociodemográficos, contextuais, relacionados ao tratamento atual da tuberculose e doenças associadas/comorbidades, segundo a realização do tratamento observado.
Determinantes | Com TDOa | Sem TDOa | p-valorb |
---|---|---|---|
N (%) | N (%) | ||
Idade, em anos (n=177.594)c | |||
<20 | 3.058 (50,48) | 3.000 (49,52) | 0,314 |
20-39 | 43.124 (50,04) | 43.049 (49,96) | |
40-59 | 29.806 (49,64) | 30.241 (50,36) | |
≥60 | 12.580 (49,69) | 12.736 (50,31) | |
Sexo (n=177.608)c | |||
Feminino | 25.882 (47,95) | 28.097 (52,05) | <0,001 |
Masculino | 62.691 (50,71) | 60.938 (49,29) | |
Raça/cor da pele (n=165.046)c | |||
Branca | 28.474 (50,12) | 28.341 (49,88) | <0,001 |
Preta | 11.770 (49,67) | 11.927 (50,33) | |
Parda | 40.899 (50,06) | 40.803 (49,94) | |
Asiáticos e indígenas | 1.833 (64,72) | 999 (35,28) | |
Anos de estudos (n=133.839)c | |||
Analfabeto | 4.827 (58,83) | 3.378 (41,17) | <0,001 |
1-4 | 17.773 (53,78) | 15.273 (46,22) | |
5-8 | 33.409 (50,36) | 32.930 (49,64) | |
>8 | 10.957 (41,74) | 15.292 (58,26) | |
Região geográfica do país (n=177.566)c | |||
Sudeste | 42.199 (52,22) | 38.607 (47,78) | <0,001 |
Nordeste | 20.984 (46,30) | 24.336 (53,70) | |
Centro-Oeste | 5.235 (60,84) | 3.369 (39,16) | |
Sul | 12.661 (49,63) | 12.852 (50,37) | |
Norte | 7.499 (43,29) | 9.824 (56,71) | |
Zona de residência (n=131.833)c | |||
Urbana | 55.692 (47,12) | 62.489 (52,88) | <0,001 |
Rural | 7.632 (62,23) | 4.633 (37,77) | |
Periurbana | 630 (45,42) | 757 (54,58) | |
Privado de liberdade (n=131.205)c | |||
Não | 56.355 (48,38) | 60.138 (51,62) | <0,001 |
Sim | 8.814 (59,91) | 5.898 (40,09) | |
Profissional de saúde (n=126.981)c | |||
Não | 62.251 (49,67) | 63.070 (50,33) | <0.001 |
Sim | 675 (40,66) | 985 (59,34) | |
Situação de rua (n=130.658)c | |||
Não | 62.418 (49,65) | 63.291 (50,35) | 0,098 |
Sim | 2.398 (48,45) | 2.551 (51,55) |
aTDO: tratamento diretamente observado.
bTeste de qui-quadrado de Pearson.
cN é diferente em cada determinante devido à incompletude das fichas de notificação.
A população estudada conta com maior proporção de indivíduos entre 20 e 39 anos de idade, 48,5% (86.173), do sexo masculino, 69,6% (123.629), de raça/cor da pele parda, 49,5% (81.702), com 5 a 8 anos de estudos, 49,5% (66.339), e que contraíram tuberculose em sua forma clínica pulmonar, 86,2% (153.119).
Determinantes | Com TDOa | Sem TDOa | p-valorb |
---|---|---|---|
N (%) | N (%) | ||
HIV/aids (n=156.548)c | |||
Não | 72.570 (51,93) | 67.173 (48,07) | <0,001 |
Sim | 6.603 (39,29) | 10.202 (60,71) | |
Etilismo (n=166.334)c | |||
Não | 66.332 (49,39) | 67.977 (50,61) | <0,001 |
Sim | 16.861 (52,65) | 15.164 (47,35) | |
Uso de drogas ilícitas (n=131.122)c | |||
Não | 56.069 (50,09) | 55.867 (49,91) | 0,005 |
Sim | 9.399(48,99) | 9.787 (51,01) | |
Tabagismo (n=131.513)c | |||
Não | 51.365 (49,63) | 52.128 (50,37) | <0,001 |
Sim | 14.329 (51,14) | 13.691 (48,86) | |
Diabetes (n=165.530)c | |||
Não | 76.303 (50,06) | 76.110 (49,94) | 0,222 |
Sim | 6.494 (49,51) | 6.623 (50,49) | |
Transtorno mental (n=165.303)c | |||
Não | 80.270 (49,84) | 80.795 (50,16) | <0,001 |
Sim | 2.405 (56,75) | 1.833 (43,25) | |
Tipo de notificação (n=177.626)c | |||
Caso novo | 73.404 (50,51) | 71.930 (49,49) | <0,001 |
Recidiva | 6.767 (50,65) | 6.592 (49,35) | |
Reingresso após abandono | 6.108 (43,55) | 7.917 (56,45) | |
Transferência | 2.149 (47,17) | 2.407 (52,83) | |
Não sabe | 158 (44,89) | 194 (55,11) | |
Forma clínica (n=177.626)c | |||
Pulmonar | 78.428 (51,22) | 74.691 (48,78) | <0,001 |
Extrapulmonar | 8.271 (41,84) | 11.496 (58,16) | |
Extrapulmonar + pulmonar | 1.893 (39,94) | 2.847 (60,06) | |
Baciloscopia (n=174.625)c | |||
Negativa | 18.064 (47,72) | 19.791 (52,28) | <0,001 |
Positiva | 52.966 (52,80) | 47.341 (47,20) | |
Não realizada | 16.446 (45,10) | 20.017 (54,90) | |
Cultura (n=175.970)c | |||
Negativa | 9.685 (53,88) | 8.289 (46,12) | <0,001 |
Positiva | 21.466 (54,66) | 17.804 (45,34) | |
Em andamento | 2.056 (44,50) | 2.564 (55,50) | |
Não realizada | 54.657 (47,90) | 59.449 (52,10) | |
Radiografia de tórax (n=140.323)c | |||
Não subjetiva para tuberculose | 4.567 (45,92) | 5.378 (54,08) | <0,001 |
Suspeita para tuberculose | 63.955 (49,05) | 66.423 (50,95) |
aTDO: tratamento diretamente observado.
bTeste de qui-quadrado de Pearson.
cN é diferente em cada determinante devido à incompletude das fichas de notificação.
Foram encontradas diferenças estatisticamente significativas nas distribuições, segundo realização de tratamento observado, das seguintes variáveis: sexo; raça/cor da pele; anos de estudo; região geográfica do país; zona de residência; privado de liberdade; profissional de saúde; HIV/aids; etilismo; tabagismo; transtorno mental; tipo de notificação; forma clínica; baciloscopia; cultura; e radiografia de tórax. O mesmo não foi verificado para idade (p=0,314), pessoas em situação de rua (p=0,098) e diabetes (p=0,222).
A Tabela 3 descreve os resultados da regressão logística hierárquica para associação entre os determinantes da tuberculose e a realização do tratamento observado. Nesta análise, foram incluídos apenas os indivíduos sem dados faltantes para todas as variáveis analisadas (44.493). A idade associou-se com a realização do tratamento observado: pessoas com idade maior ou igual a 60 anos (OR=0,78 - IC95% 0,69;0,87) apresentaram menor probabilidade de realização do tratamento observado. Em relação aos anos de estudos, estes foram inversamente associados com o tratamento observado: grupos com 1 a 4 (OR=0,79 - IC95% 0,73;0,86), 5 a 8 (OR=0,58 - IC95% 0,53;0,63) e mais de 8 anos de estudo (OR=0,45 - IC95% 0,41;0,49). Morar no Nordeste (OR=0,49 - IC95% 0,46;0,51) e no Norte (OR=0,49 - IC95% 0,46;0,53) do país apresentou menores chances de ter realizado o tratamento observado, na comparação dos residentes nessas regiões com os do Sudeste. Pessoas privadas de liberdade (OR=1,21 - IC95% 1,12;1,32), com etilismo (OR=1,09 - IC95% 1,03;1,16) e com transtorno mental (OR=1,17 - IC95% 1,04;1,32) apresentaram maior chance de realizar o tratamento observado, durante o tratamento da tuberculose. Já os profissionais de saúde (OR=0,77 - IC95% 0,66;0,91) e pessoas vivendo com HIV/aids (OR=0,69 - IC95% 0,65;0,73) apresentaram menores chances de realizá-lo.
Determinantes | ORb (IC95%c) | p-valor |
---|---|---|
Nível 1 | ||
Idade, em anos | <0,001e | |
<20 | Referência | |
20-39 | 0,91 (0,82;1,01) | |
40-59 | 0,85 (0,77;0,95) | |
≥60 | 0,78 (0,69;0,87) | |
Sexo | 0,064d | |
Feminino | Referência | |
Masculino | 1,03 (0,99;1,08) | |
Raça/cor da pele | <0,001e | |
Branca | Referência | |
Preta | 0,85 (0,80;0,90) | |
Parda | 0,91 (0,87;0,95) | |
Asiáticos e indígenas | 1,80 (1,54;2,10) | |
Anos de estudos | <0,001e | |
Sem estudo | Referência | |
1-4 | 0,79 (0,73;0,86) | |
5-8 | 0,58 (0,53;0,63) | |
>8 | 0,45 (0,41;0,49) | |
Nível 2 | ||
Região geográfica do país | <0,001e | |
Sudeste | Referência | |
Nordeste | 0,49 (0,46;0,51) | |
Centro-Oeste | 1,11 (1,01;1,21) | |
Sul | 0,88 (0,83;0,92) | |
Norte | 0,49 (0,46;0,53) | |
Zona de residência | <0,001e | |
Urbana | Referência | |
Rural | 1,65 (1,54;1,78) | |
Periurbana | 1.00 (0,80;1,24) | |
Privado de liberdade | <0,001d | |
Não | Referência | |
Sim | 1,21 (1,12;1,32) | |
Profissional de saúde | 0,002d | |
Não | Referência | |
Sim | 0,77 (0,66;0,91) | |
Situação de rua | 0,098d | |
Não | Referência | |
Sim | 1,10 (0,98;1,23) | |
Nível 3 | ||
HIV/aids | <0,001d | |
Não | Referência | |
Sim | 0,69 (0,65;0,73) | |
Etilismo | 0,001d | |
Não | Referência | |
Sim | 1,09 (1,03;1,16) | |
Uso de drogas ilícitas | 0,106d | |
Não | Referência | |
Sim | 0,94 (0,88;1,01) | |
Tabagismo | 0,585d | |
Não | Referência | |
Sim | 0,98 (0,93;1,03) | |
Diabetes | 0,386d | |
Não | Referência | |
Sim | 1,03 (0,96;1,10) | |
Transtorno mental | 0,007d | |
Não | Referência | |
Sim | 1,17 (1,04;1,32) | |
Nível 4 | ||
Tipo de notificação | <0,001e | |
Caso novo | Referência | |
Recidiva | 0,88 (0,81;0,95) | |
Reingresso após abandono | 0,74 (0,68;0,79) | |
Transferência | 0,92 (0,82;1,02) | |
Não sabe | 0,47 (0,24;0,91) | |
Forma clínica da tuberculose | <0,001e | |
Pulmonar | Referência | |
Extrapulmonar | 0,80 (0,74;0,86) | |
Extrapulmonar + pulmonar | 0,73 (0,65;0,82) | |
Baciloscopia | <0,001e | |
Negativa | Referência | |
Positiva | 1,15 (1,10;1,21) | |
Não realizada | 0,93 (0,88;0,99) | |
Cultura | <0,001e | |
Negativa | Referência | |
Positiva | 0,89 (0,83;0,96) | |
Em andamento | 0,68 (0,60;0,77) | |
Não realizada | 0,68 (0,64;0,73) | |
Radiografia de tórax | <0,001d | |
Não subjetiva para tuberculose | Referência | |
Suspeita para tuberculose | 0,85 (0,78;0,93) |
aN composto por 44.493 indivíduos devido à incompletude das fichas de notificação.
bOR: razão de chances (odds ratio).
cIC95%: intervalo de confiança de 95%.
dRegressão logística hierárquica.
eTeste de Wald.
Pessoas com tuberculose extrapulmonar (OR=0,80 - IC95% 0,74;0,86) e com tuberculose extrapulmonar + pulmonar (OR=0,73 - IC95% 0,65;0,82) apresentaram menor chance de realizar tratamento observado, quando comparadas àquelas exclusivamente com a forma pulmonar da doença.
A Tabela 4 apresenta os resultados da análise hierárquica estratificada, segundo as coberturas da ESF dos municípios de residência dos indivíduos, sobre a associação entre os determinantes da tuberculose e a realização do tratamento observado. Foram incluídos 9.167 indivíduos no estrato de cobertura da ESF de até 40% da população, 21.668 indivíduos no estrato de cobertura de 40 a 70% e 13.658 indivíduos no estrato de cobertura de mais de 70% da população pela ESF.
Determinantes | Cobertura <40% (N=9.167)a | Cobertura de 40 a 70% (N=21.668)a | Cobertura >70% (N=13.658)a | |||
---|---|---|---|---|---|---|
ORb (IC95%c) | p-valor | ORb (IC95%c) | p-valor | ORb (IC95%c) | p-valor | |
Nível 1 | ||||||
Idade, em anos | 0,038d | <0,001d | 0,466d | |||
<20 | Referência | Referência | Referência | |||
20-39 | 0,94 (0,72;1,22) | 0,93 (0,80;1,07) | 0,98 (0,80;1,19) | |||
40-59 | 0,81 (0,61;1,06) | 0,86 (0,75;1,00) | 0,96 (0,78;1,17) | |||
≥60 | 0,82 (0,62;1,10) | 0,75 (0,64;0,87) | 0,90 (0,73;1,11) | |||
Sexo | 0,251e | 0,468e | 0,427e | |||
Feminino | Referência | Referência | Referência | |||
Masculino | 1,06 (0,95;1,17) | 1,02 (0,96;1,08) | 1,03 (0,95;1,11) | |||
Raça/cor da pele | <0,001d | <0,001d | <0,001d | |||
Branca | Referência | Referência | Referência | |||
Preta | 0,59 (0,50;0,69) | 1,04 (0,96;1,13) | 0,96 (0,84;1,08) | |||
Parda | 0,73 (0,65;0,81) | 1,17 (1,10;1,24) | 0,84 (0,77;0,91) | |||
Asiáticos e indígenas | 1,02 (0,66;1,58) | 2,55 (1,97;3,31) | 1,29 (1,01;1,64) | |||
Anos de estudos | <0,001d | <0,001d | <0,001d | |||
Analfabeto | Referência | Referência | Referência | |||
1-4 | 0,76 (0,60;0,96) | 0,98 (0,86;1,12) | 0,89 (0,78;1,01) | |||
5-8 | 0,51 (0,41;0,65) | 0,73 (0,64;0,83) | 0,83 (0,72;0,94) | |||
>8 | 0,41 (0,32;0,53) | 0,62 (0,54;0,71) | 0,60 (0,52;0,69) | |||
Nível 2 | ||||||
Região geográfica do país | <0,001d | <0,001d | <0,001d | |||
Sudeste | Referência | Referência | Referência | |||
Nordeste | 0,42 (0,34;0,51) | 0,27 (0,24;0,29) | 0,66 (0,60;0,74) | |||
Centro-Oeste | 14,74 (12,08;17,99) | 0,55 (0,47;0,64) | 0,61 (0,52;0,72) | |||
Sul | 4,24 (3,58;5,01) | 0,52 (0,48;0,55) | 1,30 (1,15;1,47) | |||
Norte | 2,08 (1,77;2,45) | 0,28 (0,25;0,32) | 0,78 (0,68;0,91) | |||
Zona de residência | <0,001d | <0,001d | <0,001d | |||
Urbana | Referência | Referência | Referência | |||
Rural | 0,91 (0,72;1,16) | 1,67 (1,42;1,97) | 1,19 (1,08;1,32) | |||
Periurbana | 6,25 (3,18;12,26) | 0,65 (0,46;0,92) | 0,69 (0,49;0,98) | |||
Privado de liberdade | <0,001e | 0,154e | <0,001e | |||
Não | Referência | Referência | Referência | |||
Sim | 3,23 (2,58;4,04) | 1,09 (0,96;1,23) | 1,45 (1,23;1,71) | |||
Profissional de Saúde | 0,186e | 0,003e | 0,005e | |||
Não | Referência | Referência | Referência | |||
Sim | 0,70 (0,55;0,88) | 0,65 (0,48;0,89) | 0,66 (0,50;0,88) | |||
Situação de rua | 0,033e | 0,119e | 0,862e | |||
Não | Referência | Referência | Referência | |||
Sim | 1,41 (1,02;1,94) | 1,11 (0,97;1,29) | 1,02 (0,76;1,36) | |||
Nível 3 | ||||||
HIV/aids | 0,003e | <0,001e | <0,007e | |||
Não | Referência | Referência | Referência | |||
Sim | 0,74 (0,61;0,90) | 0,69 (0,63;0,75) | 0,81 (0,70;0,94) | |||
Etilismo | 0,154e | 0,018e | 0,798e | |||
Não | Referência | Referência | Referência | |||
Sim | 1,12 (0,95;1,33) | 1,10 (1,01;1,19) | 0,98 (0,89;1,09) | |||
Uso de drogas ilícitas | 0,001e | 0,800e | 0,121e | |||
Não | Referência | Referência | Referência | |||
Sim | 0,71 (0,57;0,87) | 0,98 (0,90;1,07) | 1,12 (0,97;1,29) | |||
Tabagismo | 0,095e | 0,227e | 0,987e | |||
Não | Referência | Referência | Referência | |||
Sim | 1,13 (0,97;1,31) | 0,95 (0,88;1,02) | 1,00 (0,90;1,10) | |||
Diabetes | 0,089e | 0,802e | 0,709e | |||
Não | Referência | Referência | Referência | |||
Sim | 1,17 (0,97;1,41) | 1,01 (0,91;1,12) | 1,02 (0,90;1,16) | |||
Transtorno mental | 0,903e | 0,074e | 0,106e | |||
Não | Referência | Referência | Referência | |||
Sim | 1,02 (0,70;1,47) | 1,15 (0,98;1,35) | 1,22 (0,95;1,56) | |||
Nível 4 | ||||||
Tipo de notificação | 0,035d | <0,001d | 0,018d | |||
Caso novo | Referência | Referência | Referência | |||
Recidiva | 0,91 (0,73;1,13) | 0,86 (0,77;0,96) | 0,95 (0,81;1,11) | |||
Reingresso após abandono | 0,83 (0,67;1,04) | 0,82 (0,75;0,91) | 0,76 (0,65;0,90) | |||
Transferência | 0,69 (0,50;0,95) | 0,93 (0,78;1,09) | 0,96 (0,79;1,16) | |||
Não sabe | 0,14 (0,15;1,28) | 0,28 (0,28;1,52) | 0,31 (0,50;1,91) | |||
Forma clínica da tuberculose | 0,032d | <0,001d | 0,018d | |||
Pulmonar | Referência | Referência | Referência | |||
Extrapulmonar | 0,76 (0,62;0,94) | 0,78 (0,70;0,87) | 0,86 (0,75;0,99) | |||
Extrapulmonar + pulmonar | 1,14 (0,79;1,64) | 0,68 (0,59;0,79) | 0,74 (0,58;0,95) | |||
Baciloscopia | <0,001d | <0,001d | <0,001d | |||
Negativa | Referência | Referência | Referência | |||
Positiva | 1,35 (1,16;1,58) | 1,20 (1,11;1,29) | 1,10 (1,00;1,20) | |||
Não realizada | 1,13 (0,96;1,33) | 1,09 (1,00;1,19) | 0,86 (0,77;0,96) | |||
Cultura | <0,001d | <0,001d | <0,001d | |||
Negativa | Referência | Referência | Referência | |||
Positiva | 0,93 (0,76;1,13) | 0,77 (0,69;0,86) | 1,05 (0,90;1,21) | |||
Em andamento | 0,79 (0,54;1,15) | 0,65 (0,55;0,77) | 0,71 (0,52;0,97) | |||
Não realizada | 0,62 (0,53;0,74) | 0,55 (0,50;0,61) | 0,87 (0,77;0,98) | |||
Radiografia de tórax | 0,672e | 0,314e | 0,912e | |||
Não subjetiva para tuberculose | Referência | Referência | Referência | |||
Suspeita para tuberculose | 1,05 (0,81;1,38) | 0,93 (0,82;1,06) | 0,99 (0,85;1,14) |
aN composto por 44.493 indivíduos devido à incompletude das fichas de notificação.
bOR: razão de chances (odds ratio).
cIC95%: intervalo de confiança de 95%.
dRegressão logística hierárquica.
eTeste de Wald.
Indivíduos de raça/cor da pele preta apresentaram a menor chance de realizar o tratamento observado, no estrato de <40% de cobertura da ESF (OR=0,59 - IC95% 0,50;0,69), quando comparados aos indivíduos brancos. Indivíduos com mais de 8 anos de estudos apresentaram menor chance de realizar o tratamento observado no estrato de <40% de cobertura (OR=0,41 - IC95% 0,32;0,53), no estrato de 40 a 70% de cobertura (OR=0,62 - IC95% 0,54;0,71) e no estrato de >70% de cobertura da ESF (OR=0,60 - IC95% 0,52;0,69), quando comparados aos indivíduos que não estudaram.
Entre as grandes regiões do país, indivíduos que viviam no Nordeste apresentaram menor chance de realizar o tratamento observado nos estratos de <40% (OR=0,42 - IC95% 0,34;0,51) e 40 a 70% de cobertura da ESF (OR=0,27 - IC95% 0,24;0,29), e os que viviam na região Centro-Oeste, no estrato de >70% de cobertura da ESF (OR=0,61 - IC95% 0,52;0,72). Ser profissional de saúde representou menores chances de realizar o tratamento observado nos três estratos de cobertura da ESF: <40% (OR=0,70 - IC95% 0,55;0,88), 40 a 70% (OR=0,65 - IC95% 0,48;0,89) e >70% de cobertura (OR=0,66 IC95%0,50;0,88).
Indivíduos que vivem com HIV/aids apresentaram menor probabilidade de realizar o tratamento observado, tanto no estrato de <40% (OR=0,74 - IC95% 0,61;0,90) como no de 40 a 70% (OR=0,69 - IC95% 0,63;0,75) ou no de >70% de cobertura da ESF (OR=0,81 - IC95% 0,70;0,94).
Discussão
A realização do tratamento diretamente observado no Brasil esteve associada aos determinantes sociais e clínicos da tuberculose. Ter baixa escolaridade, ser etilista, referir transtorno mental, integrar população privada de liberdade, residir na região Centro-Oeste do país, apresentar baciloscopia positiva e haver contraído tuberculose na forma pulmonar apresentaram maior chance de ter realizado o tratamento observado. Porém, essa associação perdeu significância quando foram analisados os pacientes com mais de 70% de cobertura da ESF. Este achado sugere haver uma redução na determinação de realizar o tratamento observado, segundo as características sociodemográficas, contextuais, de doenças associadas e clínicas apresentadas, entre os indivíduos residentes onde há maiores coberturas da ESF.
Particularmente, a relevância deste estudo consiste em ter avaliado um banco nacional de dados longitudinais, com informações individuais e clínicas coletadas no cotidiano dos serviços de saúde. As informações do Sinan são geradas por diversos serviços de saúde, e, apesar de as recomendações para o preenchimento serem amplamente difundidas pelo Ministério da Saúde, não se pode descartar a possibilidade da ocorrência de classificação diferente da recomendada, especialmente para a realização do tratamento observado. Há variáveis com incompletude ou com informação ignorada. Para superar as incompletudes de dados, foram incluídos nos modelos de regressão somente as fichas com informações completas, o que também pode ter inserido vieses ao estudo. Por fim, há de se destacar a possibilidade de efeito ecológico, uma vez que foi realizada apenas a estratificação da cobertura da ESF no município de residência. Entretanto, acredita-se que essas limitações não interferiram nos resultados apresentados, entendimento reforçado por avaliações anteriores que demonstraram a qualidade do Sinan, e pela consistência destes resultados com os achados da literatura acumulada.
No Brasil, não obstante a recomendação para todos os indivíduos diagnosticados com tuberculose realizarem o tratamento observado, os resultados deste estudo demonstram: pouco menos da metade dos indivíduos notificados entre 2014 e 2016 realizaram o tratamento observado, corroborando outro estudo brasileiro, igualmente apoiado em dados de base longitudinal, que descreveu a seleção de indivíduos para a realização do tratamento observado.6 12
As vulnerabilidades individuais - analfabetismo, etilismo e transtorno mental - estão associadas à maior probabilidade de realização de tratamento, de acordo com o observado no estudo; como também são associadas ao risco de adoecimento, abandono do tratamento e óbito por tuberculose.3 13-14 Há evidências de que, quanto maior o nível educacional, maior o autocuidado em saúde, o que pode contribuir no sentido da seleção dos menos escolarizados para a realização do tratamento observado.14-16 O etilismo e a presença de transtornos mentais já foram associados a questões como baixa qualidade de vida, falta de higiene, pobreza, desnutrição e baixa aceitação do tratamento, podendo também levar à seleção desses indivíduos para realização do tratamento observado.14 15-17
Residir nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul do país mostra-se uma situação associada a maiores chances de realizar o tratamento observado. O fato confirma as desigualdades de acesso a serviços de saúde, entre as grandes regiões brasileiras. Um estudo avaliativo do desenvolvimento econômico e oferta de serviço de saúde concluiu que os municípios das regiões Norte e Nordeste se aglomeram no cluster de baixo desenvolvimento econômico e baixa oferta de serviços de saúde.18 Quando avaliados o primeiro acesso ao serviço de saúde e a quantidade de profissionais disponíveis, o Norte e o Nordeste apresentaram escassez de profissionais e de serviços de Atenção Básica em Saúde, o que dificulta o acesso, seja ao diagnóstico da tuberculose, seja à realização do tratamento observado.19
Um estudo, também realizado no Brasil, descreveu a população privada de liberdade que realizou tratamento observado como tendo apresentado menor abandono do tratamento da tuberculose, corroborando o resultado do presente estudo que descreve uma associação dessa população com a realização do tratamento observado.20 O resultado apresentado neste estudo pode estar relacionado com o acesso à assistência à saúde. A Política Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário garante o acesso à assistência para pessoas encarceradas, incluindo ações da Atenção Básica e o controle de doenças dentro das unidades penitenciárias.21-22
Independentemente do estrato da cobertura da ESF, os pacientes de tuberculose com a forma clínica extrapulmonar apresentaram as menores chances para a realização do tratamento observado, comparados aos que contraíram a forma pulmonar; entretanto, aqueles com baciloscopia positiva apresentaram a maior chance. Isto pode estar relacionado ao maior potencial da transmissão da doença pelos indivíduos com a forma pulmonar e baciloscopia positiva.23
Na análise estratificada pela cobertura da ESF, observa-se que, quando essa cobertura é superior a 70%, não apresenta diferenças estatisticamente significativas entre os determinantes e a realização de tratamento observado. Sendo assim, a realização do tratamento observado nas maiores coberturas da ESF independe de influência dos determinantes da tuberculose. Políticas públicas têm fortalecido a descentralização das ações de controle da tuberculose para a Atenção Básica em Saúde, no intuito de melhorar o acesso ao diagnóstico, o acompanhamento dos casos e a realização do tratamento observado.24-25 A ESF, evidencia-se, tem apresentado ótimos resultados no tratamento da tuberculose, apresentando melhores proporções de desfechos favoráveis, comparados aos de outros serviços de saúde.10
As atividades da ESF proporcionam a criação de vínculo da Saúde com a comunidade. Isto se dá pelo princípio de territorialização, tornando a comunidade mais próxima dos serviços de saúde.9 A equipe multiprofissional da ESF, familiarizada com os cenários sociais e o cotidiano dos cidadãos, consegue elencar estratégias de acolhimento, gerar confiança em seus profissionais.9-10 O agente comunitário de saúde (ACS) tem papel fundamental na realização do tratamento observado no âmbito da ESF. A ele cabe, na visita domiciliar, estabelecer e manter vivo o elo entre o indivíduo e a ESF, e por conseguinte, supervisionar a ingestão dos medicamentos-padrão ao longo do período de tratamento da tuberculose - mais ou menos extenso, a depender da adesão e evolução do paciente.5 8 24
Este trabalho evidencia que, independentemente da cobertura da ESF, os profissionais de saúde e pessoas vivendo com HIV/aids apresentaram menor probabilidade de ter realizado o tratamento observado. No entanto, se os profissionais de saúde apresentam risco elevado para infecção da tuberculose, em função de suas práticas profissionais, sua menor probabilidade de realizar o tratamento observado pode-se explicar pelo próprio conhecimento do processo saúde-doença.
Indivíduos em uso de antirretroviral também sofrem influência dos determinantes sociais e clínicos, na adesão ao tratamento de HIV/aids: uma revisão sistemática demonstrou que os determinantes sociais e clínicos estavam associados à redução da adesão ao uso desses medicamentos.26 Portanto, o distanciamento dessa população da ESF, aqui identificado, pode estar relacionado com as conclusões do referido estudo. Historicamente, o modelo clínico e de tratamento adotado para pessoas que vivem com HIV/aids no Brasil foi concentrado nos centros de especialidades, o que também poderia justificar a fragilidade de seu vínculo com os serviços da ESF.27-28
Há uma grande discussão na literatura quanto aos reais efeitos do tratamento observado no controle da tuberculose. Estudos de revisão sistemática não demonstram diferença nas taxas de cura da doença com base na realização ou não do tratamento observado.29 Em todo o mundo, porém, muitos programas de controle da tuberculose realizam o tratamento observado, em planos de contingência. Frente a essa questão, a OMS prevê, em sua estratégia END TB, a incorporação de ações centralizadas no individuo, visando avaliar suas necessidades sociais, econômicas e clínicas antes de elencar o tratamento observado como ação para prevenção do abandono, conquanto sua imposição venha a sobrecarregar os custos financeiros e potencializar o estigma da doença na sociedade.29
Conclui-se que a realização do tratamento observado da tuberculose no Brasil está associada, além das características clínicas, aos determinantes sociodemográficos, contextuais e de doenças associadas. Quando os indivíduos acometidos de tuberculose são categorizados, ou estratificados segundo o nível de cobertura da ESF em seu município, a realização do tratamento observado se comporta de maneira diferente, em cada estrato de cobertura; ou seja, no contexto das maiores coberturas da ESF, não se verifica associação estatística entre os determinantes considerados e a realização do tratamento observado. Estudos que contemplem as características das unidades de assistência relacionadas à realização do tratamento observado, e avaliem o impacto da cobertura da ESF na realização do tratamento diretamente observado, poderão trazer melhores evidências dessa estratégia no Brasil.