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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.31 no.1 Brasília  2022  Epub 22-Abr-2022

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-49742022000100011 

Nota de pesquisa

Decréscimo nas notificações compulsórias registradas pela Rede Nacional de Vigilância Epidemiológica Hospitalar do Brasil durante a pandemia da COVID-19: um estudo descritivo, 2017-2020

Disminución de las notificaciones obligatorias registradas por la Red Nacional de Vigilancia Epidemiológica Hospitalaria de Brasil durante la pandemia de COVID-19: un estudio descriptivo, 2017-2020

Janaína Sallas (orcid: 0000-0002-4909-8518)1  , Guilherme Almeida Elidio (orcid: 0000-0002-3484-4127)1  , Giovana Ferreira Costacurta (orcid: 0000-0002-1763-7310)2  , Carlos Henrique Michiles Frank (orcid: 0000-0002-4202-2799)3  , Daniela Buosi Rohlfs (orcid: 0000-0001-6967-0852)2  , Flávia Caselli Pacheco (orcid: 0000-0001-9977-912X)2  , Dirce Bellezi Guilhem (orcid: 0000-0003-4569-9081)1 

1 Universidade de Brasília, Faculdade de Ciências da Saúde, Brasília, DF, Brasil

2 Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Brasília, DF, Brasil

3 Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado, Manaus, AM, Brasil

Resumo

Objetivo:

Descrever as notificações compulsórias de doenças, agravos e eventos de saúde pública (DAEs) registradas pela Rede Nacional de Vigilância Epidemiológica Hospitalar (Renaveh) do Brasil antes e durante a pandemia de COVID-19.

Métodos:

Estudo ecológico descritivo, com registros do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) no período correspondente às Semanas Epidemiológicas (SEs) 1 de 2017 (1º de janeiro de 2017) a 52 de 2020 (26 de dezembro de 2020).

Resultados:

No período de 2017 a 2020, a Renaveh notificou 1.258.455 fichas de DAEs, das quais apenas 225.081 (17,9%) foram notificadas em 2020, representando um decréscimo de 146.340 registros em relação às notificações de 2019. Na análise temporal por SE, houve decréscimo maior que mil registros nas notificações a partir da SE 12.

Conclusão:

Houve decréscimo nas notificações compulsórias de DAEs registradas pela Renaveh em todo o período analisado, com destaque para o ano de 2020.

Palavras-chave: COVID-19; Notificação de Doenças; Epidemiologia Descritiva; Sistema de Informação em Saúde; Pesquisa sobre Serviços de Saúde

Resumen

Objetivo:

Describir las notificaciones obligatorias de Enfermedades y Eventos de Salud Pública (DAEs), registradas por la Red Nacional de Vigilancia Epidemiológica Hospitalaria (RENAVEH), antes y durante la pandemia de COVID-19 e n Brasil.

Métodos:

Estudio ecológico descriptivo, con registros del Sistema de Información de Agravamientos de Notificación (Sinan) en el período de las Semanas Epidemiológicas (SEs) 1 de 2017 (1 de enero de 2017) a 52 de 2020 (26 de diciembre de 2020).

Resultados:

En el período 2017 a 2020, la RENAVEH notificó 1.258.455 registros de DAE, y solo se notificaron 225.081 (17,9%) registros en 2020, lo que representa una disminución de 146.340 registros con respecto a las notificaciones de 2019. En el análisis temporal por SE, hubo una disminución superior a mil registros en las notificaciones de la SE 12.

Conclusión:

Hubo una disminución en las notificaciones de DAEs registradas por la RENAVEH a lo largo del período analizado, con énfasis en el año 2020.

Palabras clave: COVID-19; Notificación de Enfermedades; Epidemiología Descriptiva; Sistemas de Información en Salud; Investigación sobre Servicios de Salud

Contribuições do estudo

Principais resultados

Em 2020, foram registradas 146.340 notificações de doenças, agravos e eventos de saúde pública a menos que em 2019, com maior redução a partir da Semana Epidemiológica 12 de 2020.

Implicações para os serviços

A potencial relação entre a pandemia da COVID-19 e o decréscimo das notificações da Rede Nacional de Vigilância Epidemiológica Hospitalar foi reforçada pelos resultados, que podem refletir as mudanças que a pandemia trouxe para os serviços de saúde.

Perspectivas

Sugere-se que sejam promovidas discussões sobre o perfil dos registros de doenças de notificação compulsória em unidades hospitalares, durante o enfrentamento da pandemia, bem como acerca das contribuições da vigilância epidemiológica hospitalar para o Sistema Único de Saúde (SUS).

Introdução

A vigilância epidemiológica hospitalar (VEH) tem papel de extrema importância, uma vez que o produto do seu trabalho proporciona aos gestores elementos essenciais e concisos para apoiar a tomada de decisão, frente a emergências em saúde pública no país.1-4 O Subsistema Nacional de Vigilância Epidemiológica Hospitalar institui os núcleos hospitalares de epidemiologia (NHEs) para alcançar os objetivos previstos pela VEH.5,6 Esses núcleos são unidades operacionais articuladoras, que identificam e monitoram situações específicas, e assim, garantem o olhar contínuo sobre a situação epidemiológica local, incluindo sutis alterações no perfil de morbimortalidade da população.1,6

Os NHEs vinculados ao Ministério da Saúde (MS) compõem a Rede Nacional de Vigilância Epidemiológica Hospitalar (Renaveh) e têm por objetivo central detectar, monitorar e dar uma resposta imediata a potenciais emergências de saúde pública no contexto hospitalar.6-9 A representatividade das notificações de doenças, agravos e eventos de saúde pública (DAEs) registrados pela Renaveh nos últimos anos foi, em média, de 8% das notificações gerais registradas pelo país.10

A pandemia da COVID-19, assim declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em março de 2020, expôs os profissionais de saúde a situações constantes de estresse, além de ter sobrecarregado os sistemas de saúde em todos os níveis de assistência, principalmente o hospitalar, em todos os países do mundo.11-15

As equipes de saúde, tanto as que atuam na assistência como na vigilância em saúde, foram afetadas pela elevada demanda de trabalho insalubre, além do desgaste físico, mental e social desses profissionais.16-18

Considerando-se a relevância e a importância do trabalho realizado pela VEH na formulação de estratégias, no âmbito das políticas públicas de saúde, torna-se indispensável avaliar os reflexos que a pandemia trouxe ao serviço de vigilância epidemiológica hospitalar no Brasil.

O objetivo deste estudo foi descrever as notificações compulsórias de DAEs, registradas pela Renaveh antes e durante a pandemia da COVID-19 no Brasil.

Métodos

Foi realizado um estudo ecológico descritivo das DAEs registradas no Brasil pelos NHEs vinculados à Renaveh. A rede é composta por 238 NHEs, distribuídos em 145 municípios das 27 Unidades da Federação (UFs).19 Foram analisadas as notificações realizadas no período das semanas epidemiológicas (SEs) 1 de 2017 (1º de janeiro de 2017) a 52 de 2020 (26 de dezembro de 2020). O período pré-pandêmico refere-se às notificações realizadas até a SE 11 de 2020; e o pandêmico, a partir da SE 12 do mesmo ano.12

Os dados utilizados na pesquisa foram extraídos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e referem-se ao período de 2017 a 2020. Os dados secundários, anonimizados, tiveram autorização de uso concedida, por meio da assinatura do Termo de Cessão de Bases de Dados, pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS) em 27 de fevereiro de 2021, e foram extraídos e disponibilizados em 30 de fevereiro do mesmo ano.

As variáveis analisadas foram: número da notificação (NU_NOTIFIC); ano de notificação (NU_ANO); SE de notificação (SEM_NOT); e agravo notificado (ID_AGRAVO).

A tabulação e a análise dos dados foram realizadas utilizando-se o programa Microsoft Excel, em sua versão de 2010. Para o cálculo da proporção simples, foi utilizada a seguinte fórmula: Tamanho da amostra/valor total *100 (para cada variável)

Na análise da média, para cada uma entre todas as variáveis do estudo, segundo ano e SE, a fórmula utilizada foi:

Me=x1+x2+x3/n

Para calcular as variações, foi utilizada a seguinte fórmula: Variação = [(Valor Final do NU_NOTIFIC - Valor Inicial do NU NOTIFIC)/Valor inicial do NU_NOTIFIC)]

As variações foram organizadas usando-se uma cor escura quando apresentaram acréscimo e uma cor clara quando apresentaram decréscimo.

Por utilizar informações públicas, sem qualquer possibilidade de identificação dos casos, o projeto da pesquisa não necessitou ser submetido a análise e aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados

No período entre a SE 1 de 2017 e a SE 52 de 2020, os NHEs vinculados à Renaveh registraram 1.258.455 fichas de DAEs no Brasil: 327.793 (26,0%) em 2017; 334.160 (26,6%) em 2018; 371.421 (29,5%) em 2019; e 225.081 (17,9%) em 2020. Foram notificados mais de 60 agravos em cada ano, sendo que violência doméstica, sexual e/ou outras violências, acidente por animais peçonhentos e dengue foram os mais registrados no período analisado (Tabela 1).

Tabela 1 Frequência de códigos da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), número absoluto e relativo de registros, média de notificações, diferença e variação percentual no número de registros de doenças, agravos e eventos de saúde pública segundo ano, Rede Nacional de Vigilância Epidemiológica Hospitalar, 2017 a 2020 

Ano CIDa - DAEsb Notificações registradas
% Média por anoc Diferença Variação (%)
2017 61 327.793 26,0 344.458 - -
2018 63 334.160 26,6 6.367 2,0
2019 65 371.421 29,5 37.261 11,0
2020 66 225.081 17,9 225.081 -146.340 -39,0
Total - 1.258.455 100,00 314.614 - -

a) CID: Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde; b) DAEs: Doenças, agravos e eventos de saúde pública; c) A média refere-se ao número de registros no período.

A média de notificações do período pré-pandêmico foi de 344.458 notificações por ano, 119.377 registros a mais que o número total de notificações registradas no ano pandêmico de 2020 (Tabela 1). A diferença do total de notificações de DAEs realizadas entre 2017 e 2018 foi de 6.367 registros, representado variação de 2,0% de acréscimo. Entre 2018 e 2019, a diferença foi de 37.261 registros, representando variação de 11,0% de acréscimo. Entre 2019 e 2020, a diferença foi de -146.340 registros, representando variação de 39,0% de decréscimo (Tabela 1).

De acordo com o comportamento da série temporal por SE das notificações de DAEs registradas entre 2017 e 2020, observou-se que os registros semanais de notificações realizadas pela Renaveh foram predominantemente superiores a 5 mil notificações. Em 2020, o mesmo comportamento foi observado entre as SEs 2 e 11. No entanto, a partir da SE 12, houve decréscimo na curva epidemiológica, apresentando padrão linear de aproximadamente 4 mil notificações de DAEs até a SE 52 (Figura 1).

Figura 1 Número de notificações de doenças, agravos e eventos de saúde pública registradas pelos núcleos hospitalares de epidemiologia, Rede Nacional de Vigilância Epidemiológica Hospitalar, 2017 a 2020 

Com relação à variação das notificações registradas no período de 2017 a 2020, não foi possível identificar um padrão de comportamento das notificações entre os meses do mesmo ano, tampouco entre os meses dos anos analisados (Quadro 1).

Quadro 1 Variação mensal dos registros de doenças, agravos e eventos de saúde pública notificados pelos núcleos hospitalares de epidemiologia vinculados à Rede Nacional de Vigilância Epidemiológica Hospitalar, 2017 a 2020a 

Meses Ano
2017 2018 2019 2020
Janeiro e fevereiro -0,089 -0,107 -0,043 -0,096
Fevereiro e março 0,245 0,089 0,095 -0,062
Março e abril -0,122 -0,005 -0,152 -0,353
Abril e maio -0,136 0,019 0,091 -0,077
Maio e junho -0,132 -0,063 -0,225 0,067
Junho e julho -0,042 0,060 0,002 0,024
Julho e agosto 0,156 0,013 -0,016 0,023
Agosto e setembro -0,138 -0,106 -0,017 0,019
Setembro e outubro 0,074 0,104 0,050 -0,095
Outubro e novembro -0,084 -0,104 -0,137 -0,183
Novembro e dezembro -0,017 -0,011 -0,034 -0,122
Média anual -0,001 -0,010 -0,007 -0,078

a) As variações estão identificadas em cor escura, quando apresentam acréscimo, e na cor clara quando apresentam decréscimo.

Na análise de variação dos registros de DAEs, observou-se decréscimo na média mensal em todos os anos estudados: -0,001 em 2017; -0,010 em 2018; -0,007 em 2019; e -0,078 em 2020. Destaca-se que a maior média de decréscimo mensal foi registrada em 2020 (Quadro 1).

Discussão

Os resultados deste estudo mostraram mudança no perfil das notificações realizadas pela Renaveh, caracterizada por uma acentuada diferença no número de notificações entre o período pré-pandêmico, 2017 a 2019, e no decorrer da pandemia, 2020.

A hipótese da associação entre a pandemia e decréscimo das notificações da Rede foi reforçada pela redução em mais de mil registros por SE a partir do momento em que a OMS declarou a pandemia pelo SARS-CoV2, ou seja, na SE 12 de 2020.12 Essa redução pode ser decorrente das repercussões negativas da pandemia nos serviços de saúde, principalmente naqueles de alta complexidade,20,21 que passaram a dar prioridade ao atendimento de pessoas com COVID-19, em unidades muitas vezes superlotadas, com escassez de recursos, e no limite do esgotamento físico e psicológico dos profissionais de saúde.13,16,22 Ao mesmo tempo, pode ter contribuído para a redução das notificações o receio da população de contrair a infecção pelo SARS-CoV2 ao procurar o serviço de saúde e, como consequência, dificuldades na manutenção do sistema de vigilância epidemiológica ativo.

As medidas de distanciamento social adotadas no território nacional para a COVID-19 podem ter influenciado o cenário epidemiológico de outras doenças transmissíveis.23-27 Estudos realizados no Brasil analisaram o potencial impacto da pandemia de COVID-19 sobre as ações de controle da dengue e verificaram que, provavelmente, houve subnotificação de casos dessa doença, influenciada pelo comprometimento das atividades do programa de controle da dengue e inacessibilidade a serviços de assistência, em razão da pandemia.28,29 Outro estudo mostrou que no Brasil, de janeiro a agosto de 2020, houve aumento de 23% e 14% nas taxas de internação e de mortalidade por dengue, respectivamente, confirmando a hipótese de subnotificação.30

Com relação à interpretação dos dados deste estudo, é preciso pautar as discussões considerando-se o contexto geográfico em que a Renaveh está estabelecida. Os NHEs vinculados à rede estão distribuídos em apenas 2,6% (145) dos municípios do país, sendo possível que os resultados do presente estudo não reflitam a realidade de todos os municípios brasileiros. Outro ponto a considerar é o de que os achados deste estudo se limitam, tão somente, aos três anos anteriores à pandemia, não sendo possível realizar comparações tendo em conta períodos anteriores. Também é importante destacar que a queda abrupta das notificações na SE 52 de 2018, provavelmente, não esteja relacionada às falhas de notificação e sim a problemas de registro na base de dados consultada.

Conclui-se que houve decréscimo de aproximadamente 150 mil notificações compulsórias de DAEs registradas pela Renaveh do Brasil, em 2020. Esta redução no número de notificações pode estar relacionada às repercussões da pandemia da COVID-19 no sistema de saúde no país. Assim, é importante que, além das ações voltadas ao controle da pandemia, ocorra o fortalecimento da vigilância epidemiológica das demais doenças nos serviços de saúde, sendo necessário assegurar que as medidas de promoção, prevenção e recuperação da saúde sejam desenvolvidas juntamente com as medidas de resposta à pandemia da COVID-19.

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Recebido: 20 de Maio de 2021; Aceito: 25 de Outubro de 2021

Correspondência: Guilherme Almeida Elidio. enfermeiro.elidio@gmail.com

Editora associada

Tatiana Mingote Ferreira de Ázara

Contribuição dos autores

Sallas J, Elidio GA, Costacurta GF e Frank CHM contribuíram igualmente na concepção do estudo, análise e interpretação dos dados e redação do manuscrito. Rohlfs DB, Pacheco FC e Guilhem DB contribuíram com a orientação de todas as etapas do estudo e a revisão do manuscrito. Todos os autores revisaram e aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os seus aspectos.

Conflitos de interesse

Os autores declararam não haver conflitos de interesse.

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