INTRODUÇÃO
Com o uso das penicilinas, o número de casos de sífilis foi drasticamente reduzido no Brasil. Entretanto, tem-se observado recentemente o retorno e o aumento de casos, fato preocupante para a saúde pública e os sistemas de vigilância em saúde1,2.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, ocorrem no mundo aproximadamente 12 milhões de novos casos de sífilis por ano e, nos países em desenvolvimento, cerca de 10 a 12% das grávidas possuem a doença1. O Estado do Pará responde por 2% dos casos da chamada transmissão vertical da sífilis no Brasil3.
No Boletim Epidemiológico da Sífilis, documento oficial do Ministério da Saúde (MS) editado pelo Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, foram notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação 57.700 casos de sífilis em gestantes no Brasil entre os anos 2005 e 2012, com maioria de ocorrências nas Regiões Sudeste e Nordeste; a Região Norte respondeu por 1.458 (10,2%). No Estado do Pará, dos 145 municípios, somente 28 não tiveram registro da doença4.
Sobre o risco de contágio, pressupõe-se que, em cada relação sexual desprotegida com parceiro infectado, o risco de contágio pode chegar a 30% de mais chances, aumentando caso haja presença de feridas ou inflamações na vagina, no pênis ou no ânus1,5,6.
Durante o pré-natal, o MS adota como protocolo a realização do teste da sífilis nos primeiros estágios da gravidez1,2,3. Ações intersetoriais realizam campanhas para a erradicação da sífilis geral e congênita e melhora dos indicadores nacionais. Não obstante os esforços e o baixo custo dos testes e do tratamento do agravo, ainda há notificações e casos de sífilis congênita descobertos durante a gravidez e, em algumas circunstâncias, no momento do parto4,7.
Ações de promoção da saúde, enfrentamento e políticas nacionais têm sido criadas e incentivadas com a finalidade de aumentar o debate sobre o assunto, mobilizando governo e sociedade para o combate e a prevenção à doença. Em 2013, o MS realizou a campanha de combate à sífilis, com estratégia de ações nos municípios. Como resultado, a oferta de testes rápidos para a doença passou de 31,5 mil, em 2011, para 1,7 milhão em 2013.
Compreende-se caso de sífilis como um evento sentinela e um indicador de efetividade e assistência médica, bem como da qualidade e dos serviços de saúde, ou seja, a presença de casos positivos indica um hiato na assistência pré-natal e um alerta a gestores e profissionais da saúde e afins8,9,10.
Por se tratar de doença multifacetada, com graves implicações para os indivíduos afetados, o objetivo deste trabalho foi avaliar resultados da campanha de busca ativa de casos de sífilis no Município de Belém, Estado do Pará, Brasil, intitulada “Belém no controle da sífilis”.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de resultados de campanha de busca ativa de casos de sífilis no Município de Belém, intitulada “Belém no controle da sífilis”, abrangendo homens e mulheres (não grávidas) em idade fértil e acima de 15 anos. Foram excluídas as gestantes, uma vez que o teste é feito no pré-natal de todas as mulheres grávidas, no Sistema Único de Saúde (SUS).
Belém é a 11a cidade mais populosa do Brasil e a segunda da Região Norte, com uma população de 1.425.922 habitantes. A capital paraense possui oficialmente 71 bairros, distribuídos em oito Distritos Administrativos que funcionam como Unidades de Planejamento Territorial, dos quais dois estão localizados nas ilhas do Outeiro e do Mosqueiro, distantes cerca de 30 e 70 km da capital, respectivamente.
Considera-se o termo “campanha” como um instrumento “de políticas públicas de saúde para esclarecer, motivar ou conseguir o apoio da população e/ou dos profissionais de saúde, em ações relevantes para a saúde pública”8.
Foram selecionadas 12 Unidades Municipais de Saúde, com base no público-alvo e nos casos positivos dos Distritos de Saúde de Belém. No período de 24 de outubro de 2013 a 30 de outubro de 2013, foram coletadas sorologias e realizados 630 testes do tipo Teste Rápido Rapid Check Sífilis.
As Unidades Municipais de Saúde foram estrategicamente selecionadas com base no critério de acessibilidade, maior fluxo de pessoas e histórico anterior de maior número de casos positivos no último ano dos Distritos de Saúde de Belém. A amostra foi delineada com a livre demanda populacional de cada unidade no período fixado para a campanha. Os exames foram realizados por profissionais aptos e treinados, em sala específica, nas unidades destinadas para a testagem.
Duas semanas antes da campanha nas unidades de saúde, ações estratégicas de motivação e engajamento com os gerentes das unidades e campanhas em mídias televisivas e radiofônicas para a população foram realizadas pela Secretaria de Saúde Municipal, com o intuito de sensibilizar a população e os profissionais de saúde.
Foram realizados 630 exames durante a campanha por profissionais habilitados para o exame. Utilizou-se o Teste Rápido Rapid Check Sífilis, respeitando-se a Portaria n° 3.242, de 30 de dezembro de 2011 e suas retificações. Todos os resultados positivos de usuários do SUS receberam acolhimento, conforme protocolo para exame laboratorial de VDRL para confirmação. Em caso positivo, foram encaminhados para tratamento individual e do(a)(s) parcerio(a)(s) na rede pública de saúde, bem como se procedeu ao preenchimento da ficha de notificação no sistema vigente.
Durante a espera para realização do teste, realizaram-se também eventos de promoção de saúde: rodas de conversas, dinâmica com álbum seriado, distribuição de preservativos masculinos e femininos e de material informativo do município pela equipe de saúde das unidades municipais de saúde. A pesquisa seguiu os critérios de ética e pesquisa com seres humanos, tendo parecer no 405.254, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Pará em 24 de setembro de 2013.
RESULTADOS
A positividade da população amostrada foi de 6,35% (Tabela 1), tendo sido 40 casos diagnosticados positivamente, entre os 630 testes realizados. Isso representou ligeiro aumento em relação à prevalência observada no país, que varia entre 1,5 e 5,0%, com níveis mais elevados em grupos de maior risco, de baixo nível socioeconômico e acesso mais complexo à educação e aos serviços de saúde5.
Distrito | Exames realizados | Casos positivos | Positividade (%) |
---|---|---|---|
DAICO | 50 | 6 | 12 |
DAOUT | 70 | 3 | 4,3 |
DABEN | 160 | 10 | 6,25 |
DAGUA | 75 | 6 | 8 |
DASAC | 125 | 3 | 2,4 |
DAENT | 100 | 12 | 12 |
DAMOS | 50 | - | - |
Total | 630 | 40 | 6,35 |
Fonte: Dados de Campanha da Secretaria Municipal de Saúde de Belém, Estado do Pará, Brasil, 2013.
DAICO: Distrito Administrativo de Icoaraci; DAOUT: Distrito Administrativo de Outeiro; DABEN: Distrito Administrativo do Bengui; DAGUA: Distrito Administrativo do Guamá; DASAC: Distrito Administrativo da Sacramenta; DAENT: Distrito Administrativo do Entroncamento; DAMOS: Distrito Administrativo de Mosqueiro. Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento.
Em avaliação numérica, o distrito com maior ocorrência de casos foi o Distrito Administrativo do Entroncamento, com 12 casos positivos (Tabela 1). A faixa etária de maior prevalência foi a de 21 a 40 anos no sexo feminino e de 31 a 50 anos no sexo masculino, identificando fase de vida reprodutiva e consequente risco de contaminação, propagação da doença e transmissão vertical (Figura 1). Os resultados demonstraram que, para cada dois casos positivos de mulheres, tem-se um caso positivo de homens, revelando uma proporção aparente de 2:1 casos (Figura 1).
DISCUSSÃO
A campanha foi bem recebida pela equipe de saúde e pela população nas unidades, fato que sinaliza a necessidade de incluir ações de diagnóstico e tratamento prioritariamente na atenção básica, como forma de enfrentamento da doença, para redução da prevalência da sífilis e de sua transmissão vertical.
A realização destas ações integradas e de apoio da rede municipal favorece a visibilidade social da doença para a população e os profissionais, podendo, com isso, reduzir a morbidade e a mortalidade perinatal11.
As campanhas de rastreamento de doenças transmissíveis são importantes para a proteção à vida, além de se constituírem em instrumentos eficazes na produção de mudanças das condições de saúde individual e coletiva. O planejamento estratégico, com participação de representantes de todos os setores de profissionais envolvidos na campanha, foi decisivo para a adesão populacional e o comprometimento dos profissionais.
Destaca-se que ações com ênfase em educação para a saúde durante o pré-natal possibilitam o diagnóstico de casos novos de sífilis. Assim, fortalecer a assistência ao pré-natal e a capacitação profissional podem contribuir para diminuir a prevalência desta doença1,8.
A positividade de 6,35% representa ligeiro aumento em relação à prevalência observada no país, que varia entre 1,5 e 5,0%, com níveis mais elevados em grupos de maior risco, de baixo nível socioeconômico e acesso mais complexo à educação e aos serviços de saúde5.
No distrito administrativo com maior ocorrência de casos, destaca-se um perfil de vulnerabilidade e bolsões de vazios assistenciais na atenção básica, fato que pode estar relacionado ao maior número de casos, mas que precisa ser avaliado por outros estudos causais. Considera-se que o número de casos positivos poderia ser ainda maior, se houvesse mais profissionais aptos para a realização dos testes nas unidades de saúde e a oferta regular do teste na rede de saúde municipal.
Sobre a idade, a faixa etária reprodutiva apresentou-se em maior representatividade, com destaque para o sexo feminino, identificando a fase de vida reprodutiva e consequente risco de contaminação, propagação da doença e transmissão vertical, além de sinalizar o aumento do risco para a mortalidade materna. Desse modo, ações para este grupo populacional são importantes no diagnóstico e prevenção da doença9.
Os resultados demonstraram que, para cada dois casos positivos de mulheres, tem-se um caso positivo de homem, revelando uma proporção aparente de 2:1 casos. Contudo, a maior prevalência de casos positivos pode ser explicada pelo padrão de usuários de serviços de saúde. Mulheres se cuidam mais e procuram mais as unidades de saúde. Observou-se nos resultados essa característica do Município; portanto, somente com os dados coletados não se pode afirmar que a prevalência é maior em mulheres. Estudos mais aprofundados precisam ser realizados para análise desta proporcionalidade.
CONCLUSÃO
A adesão profissional e populacional desencadeada pelo planejamento e divulgação midiática resultou no sucesso da campanha dentro da rede de saúde, pois movimentou e motivou o enfrentamento de agravo relevante para a saúde pública.
Os resultados da campanha de busca ativa de casos de sífilis demonstraram eficácia no diagnóstico, fortalecendo os preceitos da promoção de saúde e da prevenção de agravos que incidem na mortalidade materna e fetal. Assim, recomenda-se que as Unidades de Saúde participem ativamente das campanhas de diagnóstico ofertadas pelas redes de saúde, e que disponibilizem continuamente aos usuários a testagem rápida e o tratamento para os casos positivos. Apontaram, também, a necessidade de se ampliar o quantitativo de profissionais de saúde capacitados para realização do teste rápido de sífilis no Município.
Justifica-se o incremento de estratégias e ações de busca ativa de casos e o cumprimento dos protocolos de pré-natal. Ademais, os profissionais e gestores de saúde pública devem estar cientes de que a sífilis apresenta tratamento eficaz e barato em relação aos danos à mulher e ao bebê. Ou seja, seu enfrentamento reduz significativamente os casos de sífilis congênita, diminuindo, consequentemente, a mortalidade infantil.