INTRODUÇÃO
Em países com mais de um caso em 10 mil habitantes, a hanseníase é considerada como problema de saúde pública, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A OMS deliberou, em assembleia realizada em 1991, a eliminação da doença como problema de saúde pública até o ano 20001.
Os coeficientes de detecção da hanseníase no Brasil mostram tendência de estabilização, com exceção das Regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, que detêm 53,5% dos casos detectados em apenas 17,5% da população brasileira. A existência de diversos fatores, principalmente as grandes extensões territoriais, dificultam o controle do agravo2. Embora ocorra a redução do número de casos, esta não condiz com a diminuição de detecção proposta a partir do ano de 19913.
Estudos apontam para a necessidade de vigilância de contatos de maneira contínua, para que haja redução das taxas de incidência em regiões do Brasil onde há elevado número de casos novos da doença4.
As ações de vigilância epidemiológica de contatos visam identificar a fonte de contágio, detectar casos novos entre os contatos domiciliares do doente e implementar medidas preventivas, a fim de contribuir para o rompimento da cadeia de transmissão da doença. Quando comparado à população em geral, o maior risco de adoecimento está entre os contatos domiciliares5, o que indica que tanto o tipo de hanseníase quanto as distâncias do caso índice são fatores importantes para o risco da doença6,7,8,9. Em regiões de alta endemicidade, a vigilância de contatos domiciliares, assim como da população em geral, torna-se uma medida imprescindível, visto que toda a população passa a sofrer algum tipo de exposição10.
No Brasil, o Programa Nacional de Controle da Hanseníase estabelece as diretrizes operacionais para a execução das ações de controle na rede de serviços públicos de saúde, visando à atenção integral e à continuidade da linha de cuidados necessários ao paciente, a qual inclui a busca ativa de casos, a vigilância dos contatos domiciliares, o tratamento correto e adequado dos casos índices e a alta por cura, além do diagnóstico precoce e/ou prevenção de incapacidades2,11,12,13. Epidemiologicamente, esse conjunto de ações propicia a eliminação de fontes de infecção na população geral e, em consequência, o controle da endemia13.
O diagnóstico precoce, o controle dos contatos e a utilização da vacina BCG-ID são estratégias consideradas como pilares no controle e prevenção da hanseníase pelo Ministério da Saúde (MS), visto que, independentemente da forma operacional do caso índice, seus contatos domiciliares devem ser submetidos à avaliação da cicatriz vacinal do BCG-ID, a fim de que sejam vacinados apenas os contatos sem cicatriz e aqueles com uma cicatriz vacinal9.
O Programa Mais Saúde: Direito de Todos 20082011 estabeleceu como meta a redução de 10% do número de casos em menores de 15 anos de idade até 2011, sendo este o principal indicador do monitoramento da hanseníase13.
No Estado do Pará, de acordo com os registros de Araújo14, em maio de 1922 existiam 1.354 casos de hanseníase, a maior parte concentrada na capital. Igarapé-Açu foi o município paraense escolhido para a instalação da primeira colônia agrícola de “leprosos”, a extinta “Lazarópolis do Prata”, ou “Colônia do Prata”, que era referência para o abrigo de doentes no Estado14. É um município considerado hiperendêmico, de acordo com os parâmetros do MS15.
O objetivo deste estudo foi avaliar as ações de vigilância de contatos domiciliares de pacientes com hanseníase no Município de Igarapé-Açu, Estado do Pará, Brasil, no período de 2004 a 2008.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foi realizado um estudo transversal, descritivo, quantitativo, de cunho populacional, após a aprovação em 16 de junho de 2010 pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, sob o número de processo 128/10, utilizando-se base de dados do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan), além de um formulário próprio. Teve como cenário as seis Unidades de Saúde da Família (Prata, São Jorge, São Luis, Porto Seguro, Colina e São Cristóvão) e o Centro de Saúde do Município de Igarapé-Açu. Nessas unidades, é operacionalizado o Programa de Controle da Hanseníase no Município.
Para o presente estudo, foram utilizadas as definições de caso índice, de contato intradomiciliar e de contatos detectados, estabelecidas pelo MS5.
Os dados foram coletados em três momentos: (1) os dados referentes ao caso índice e ao número de contatos foram identificados no banco de dados do Sinan, gerenciado pela Secretaria Municipal de Saúde de Igarapé-Açu, e nos livros de registro de acompanhamento de casos das unidades fontes da pesquisa; (2) nos prontuários de atendimento das unidades de saúde pesquisadas foram identificados os registros de contatos avaliados ou não, de acordo com a realização do BCG-ID e exame dermatoneurológico, e distribuídos de acordo com a classificação operacional do caso índice da doença; (3) foi realizado o trabalho de campo, em que foram visitados todos os domicílios dos contatos domiciliares dos casos índices, a fim de se completar o preenchimento do protocolo de pesquisa das variáveis para as quais não havia registros nos prontuários e/ou nos livros de registro de acompanhamento dos casos analisados.
Foram incluídos na pesquisa apenas os contatos domiciliares dos 53 casos de hanseníase registrados nos últimos cinco anos anteriores ao ano do diagnóstico que foram localizados e aceitaram participar do estudo mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
As variáveis sociodemográficas utilizadas foram: idade, sexo, escolaridade, raça/cor, ocupação, estado civil e renda; número de casos de hanseníase de contatos registrados e de contatos examinados no período; o grau de parentesco com o caso índice e o tempo de contato.
Foram avaliados os indicadores epidemiológicos a seguir.
Proporção de examinados entre os contatos intradomiciliares de casos novos diagnosticados no período de 2004-2008. O achado deste indicador foi classificado de acordo com os seguintes parâmetros: Bom ≥ 75%; Regular 50-75%; Precário < 50%10;
2 Proporção de contatos que evoluíram para caso segundo a classificação operacional do caso índice;
3 Proporção de contatos avaliados segundo a classificação operacional do caso índice.
Para confecção do banco de dados, foi usado o programa Microsoft Excel 2007. Os dados coletados foram analisados utilizando-se a estatística descritiva e o teste Qui-Quadrado de aderência, com auxílio do programa BioEstat v.5.3. Foram consideradas diferenças estatisticamente significativas aquelas em que o p-valor obtido foi < 0,05.
RESULTADOS
No período do estudo, foram notificados 154 casos índices no Município. Destes, foram excluídos 26 por erro no diagnóstico. Dos 128 restantes, apenas 53 casos índices (42,06%) participaram da pesquisa, por terem sido localizados e entrevistados. Os 75 casos considerados como perdas o foram pelos seguintes motivos: seis (4,68%) não concordaram com os termos da pesquisa, quatro (3,12%) foram a óbito, nove (7,03%) não tinham história de contato domiciliar, 35 (27,34%) mudaram de endereço e 21 (16,04%) não foram localizados.
A análise dos registros dos 53 casos índices incluídos no estudo possibilitou a identificação de 133 contatos domiciliares. A média de idade dos casos índices foi 43,5 ± 21,8 anos. Para os menores de 15 anos, essa média foi de 11,8 ± 2,9; e para aqueles com idade igual ou maior de 15 anos, foi de 47,5 ± 19,8.
O perfil demográfico dos casos índices consiste em predomínio estatisticamente significante para o gênero feminino, idade igual ou superior a 15 anos e a classificação operacional multibacilar (Tabela 1).
Variável | N | % | p-valor |
---|---|---|---|
Gênero | |||
Masculino | 17 | 32 | |
Feminino | 36 | 68 | 0,0003 |
Faixa etária | |||
?λτ; 15 anos | 11 | 21 | |
?γτ; 15 anos | 42 | 79 | ?λτ; 0,0001 |
Classificação operacional | |||
Paucibacilar | 18 | 34 | |
Multibacilar | 35 | 66 | 0,0014 |
Total | 53 | 100 |
Fonte: Módulo Municipal do Sinan.
Na tabela 2, observa-se que 35% dos contatos são de casos índices paucibacilares e 65% de casos multibacilares (p-valor = 0,0027). Entre os 133 contatos registrados, 3,76% evoluíram para casos secundários, sendo um entre os contatos de paucibacilares e quatro entre os contatos de multibacilares.
Classificação operacional | Frequência dos casos índices | Frequência dos contatos | Número de contatos com hanseníase | |||
---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | |
Paucibacilar | 18 | 34 | 46 | 35 | 1/46 | 1,72 |
Multibacilar | 35 | 66 | 87 | 65* | 4/87 | 4,49 |
Total | 53 | 100 | 133 | 100 | 5/133 | 3,76 |
*p-valor = 0,0027.
A maioria dos contatos registrados (63,16%) não foi avaliada pelos serviços de saúde (p-valor = 0,0085). Entre os contatos menores de 15 anos de idade avaliados, predominaram os que eram contatos domiciliares de casos índices multibacilares (64,7%). Os totais de contatos domiciliares não avaliados de casos paucibacilares e de multibacilares foram, respectivamente, 33,3% (28/84) e 66,7% (56/84). Para os contatos domiciliares, a média de idade observada foi de 26,3 ± 16,2. Para os contatos menores de 15 anos e com idade igual ou superior a 15 anos, a média de idade foi respectivamente de 9,4 ± 2,9 e 32,0 ± 14,7 (Tabela 3).
Casos índices | Frequência dos casos índices | Total de contatos | Contatos avaliados | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Sim | Não | |||||
N | % | N | % | |||
?λτ; 15 anos | 11 | 34 | 18 | 52,94 | 16 | 47,06 |
Paucibacilar | 8 | 17 | 7 | 41,17 | 10 | 58,83 |
Multibacilar | 3 | 17 | 11 | 64,70 | 6 | 35,30 |
?γτ;15 anos | 42 | 99 | 31 | 31,31 | 68 | 68,69 |
Paucibacilar | 10 | 29 | 1 | 37,94 | 18 | 62,06 |
Multibacilar | 32 | 70 | 20 | 28,57 | 50 | 71,43 |
Total | 53 | 133 | 49 | 36,84 | 84 | 63,16* |
*p-valor = 0,0085.
Dos 133 contatos domiciliares avaliados, apenas 19,55% possuíam duas cicatrizes de vacina BCG-ID e 67,67% possuíam apenas uma originada pelo Programa Nacional de Imunização durante intensificação das ações de vacinação municipal. Foi observada maior proporção de avaliação dermatoneurológica entre os que possuíam duas cicatrizes e, entre os contatos não avaliados, predominou os que não apresentavam cicatriz (p-valor < 0,0001) (Tabela 4).
Cicatriz vacinal | Total de contatos | Contatos avaliados | p-valor | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Sim | Não | ||||||
N | % | N | % | N | % | ||
Uma | 90 | 67,67 | 29/90 | 32,22 | 61/90 | 67,78 | 0,0004 |
Duas | 26 | 19,55 | 16/26 | 61,53 | 10/16 | 38,47 | 0,0211 |
Nenhuma | 17 | 12,78 | 4/17 | 23,53 | 13/17 | 76,47 | < 0,0001 |
Total | 133 | 100,00 | 49/133 | 36,84 | 84/133 | 63,16 | 0,0085 |
Fonte: Protocolo de pesquisa.
No perfil sociodemográfico dos contatos, houve predomínio de idade igual ou superior a 15 anos, ensino fundamental completo, de solteiros, desempregados, estudantes e com renda familiar inferior a um salário mínimo. Embora observada maior proporção do sexo masculino (52,6%), esta não diferiu estatisticamente do sexo feminino (p-valor = 0,5989) (Tabela 5).
Características | N | % | p-valor |
---|---|---|---|
Gênero | |||
Masculino | 70 | 52,63 | 0,5989 |
Feminino | 63 | 47,37 | |
Faixa etária | |||
?λτ; 15 anos | 34 | 25,56 | |
?γτ; 15 anos | 99 | 74,44 | ?λτ; 0,0001 |
Escolaridade | |||
Analfabeto | 20 | 15,03 | ?λτ; 0,0001 |
Ensino fundamental incompleto | 24 | 18,04 | |
Ensino fundamental completo | 56 | 42,10 | |
Ensino médio incompleto | 9 | 6,76 | |
Ensino médio completo | 13 | 9,77 | |
Ensino superior incompleto | 10 | 7,51 | |
Ensino superior completo | 1 | 0,75 | |
Estado civil | |||
Solteiro | 57 | 42,85 | ?λτ; 0,0001 |
Casado/mora junto | 40 | 30,07 | |
Viúvo/divorciado | 6 | 4,51 | |
Não se aplica | 30 | 22,55 | |
Ocupação | |||
Estudante/não se aplica | 35 | 26,31 | ?λτ; 0,0001 |
Doméstica/do lar | 5 | 3,75 | |
Agricultor | 12 | 9,02 | |
Aposentado/pensionista | 7 | 5,26 | |
Desempregado | 74 | 55,63 | |
Renda familiar em salário mínimo | |||
?λτ; de 1 salário mínimo | 80 | 60,15 | ?λτ; 0,0001 |
De 1 a 2 salário mínimo | 16 | 12,03 | |
?γτ; de 2 salário mínimo | 7 | 5,26 | |
Não se aplica | 30 | 22,55 | |
Total | 133 | 100,00 |
Observa-se, na tabela 6, que, do total dos casos índices estudados, 27,77% dos casos paucibacilares e 37,14% dos casos multibacilares tinham história de contatos com casos de hanseníase anteriores ao período estudado.
DISCUSSÃO
Os principais pilares para a melhoria da qualidade do controle efetivo da endemia consistem em ações que proporcionem o envolvimento das equipes das unidades básicas de saúde, na busca de estratégias que promovam detecção e tratamento entre os contatos domiciliares menores de 15 anos de idade, o mais precocemente possível, reduzindo-se, desta forma, a manutenção da doença a partir das formas graves e a incapacidade física devida ao diagnóstico tardio12,16,17.
O predomínio do gênero feminino verificado neste estudo (Tabela 1) foi corroborado por um estudo realizado com 273 portadores da doença no Estado de Minas Gerais18, no qual 54,6% dos pacientes pertenciam ao gênero feminino. No entanto, difere de outros trabalhos19,20 que descreveram ocorrência em 57,9% e 54,2% do gênero masculino, respectivamente, ao estudarem 57 casos na Região Sul do País e 1.940 casos no Distrito Federal.
Historicamente, o gênero masculino se mostrou predominante nos estudos populacionais e determinações de perfil da hanseníase, sendo justificado por maior oportunidade de contato entre os indivíduos desse gênero. Entretanto as mulheres, atualmente, estão saindo cada vez mais do domicílio em busca de novas oportunidades, o que denota tendência atual de equilíbrio entre os gêneros nos casos novos da doença. No Município de Igarapé-Açu, a maior força de trabalho feminino se concentra em grupos de trabalhadores na agricultura, o que possibilita uma maior exposição à doença.
Foi observado o predomínio na faixa de idade igual ou superior a 15 anos (Tabela 1). No entanto, a proporção de menores de 15 anos foi superior aos resultados de outros estudos21,22, os quais encontraram, respectivamente, 12,5% ao estudarem 183 casos da doença no Estado do Maranhão e 5,4% de indivíduos nessa faixa etária dentre 222 observados em Prudentópolis, Estado do Paraná. A alta endemicidade da doença possibilita múltiplas exposições da população ao bacilo, inclusive nos primeiros anos de vida, propiciando a persistência da transmissão da doença e a manutenção de sua magnitude no município estudado.
A detecção de casos em menores de 15 anos de idade tem relação direta com o foco de transmissão ativa e seu acompanhamento é relevante para o controle23, além de minimizar consequências físicas, sociais e psicológicas decorrentes da doença24.
O predomínio da forma multibacilar (Tabela 1) nos casos índices difere de outros estudos em que foi observada maior prevalência da forma paucibacilar18,25, no entanto, se aproxima do resultado (62,6%) de outro estudo26 realizado com 222 pacientes no Paraná.
Prioritariamente, foram internados na antiga Colônia do Prata pacientes com a forma multibacilar (dimorfa e virchowiana), os quais foram aos poucos habitando o Município. Os contatos desses pacientes possuem uma chance de quatro a dez vezes maior de se infectarem do que a população em geral17,27 e a chance de encontrar hanseníase entre diferentes categorias de vizinhos e contatos sociais é entre três e cinco vezes maior7. Fatores individuais, condições socioeconômicas desfavoráveis e ambientes que concentram elevado número de pessoas favorecem a transmissão do bacilo27.
O aumento da transmissão dentro dos agregados familiares independe do mecanismo de suscetibilidade à doença28.
Quanto ao número de contatos por caso índice, houve predomínio na classificação operacional multibacilar, assim como de contatos que evoluíram para casos secundários (Tabela 2), o que confirma o diagnóstico tardio da doença, pois esses indivíduos deveriam ser identificados na forma indeterminada (paucibacilar) não polarizada, que é a forma inicial da hanseníase. Isso demonstra, então, possíveis falhas no programa de controle e eliminação da doença na localidade.
A maioria dos contatos registrados não foi avaliada pelos serviços de saúde. A proporção de contatos avaliados segundo a classificação operacional do caso índice (Tabela 3) expressa uma vigilância regular de contatos para os casos índices com idade inferior a 15 anos e precária para aqueles com idade igual ou superior a 15 anos. Estes achados apontam para a necessidade de intensificação das ações desenvolvidas pelas equipes de saúde da família existentes no Município, o que possibilitará a redução da prevalência oculta e da instalação de incapacidades físicas responsáveis pela permanência do estigma que acompanha a doença29.
A importância da avaliação dos contatos após a integração das ações de controle da hanseníase com os cuidados da atenção primária em saúde foi demonstrada em estudo realizado na Cidade de Aracaju, Estado de Sergipe, com o aumento do número de casos detectados pelos exames de contato29.
Foi demonstrado que o exame dermatoneurológico dos contatos encontra-se abaixo de 50% (Tabela 3). Dados semelhantes foram encontrados em estudo30 com 548 contatos de pacientes de hanseníase no Município de Governador Valadares, Estado de Minas Gerais. Observou-se que 59,12% deles não haviam sido avaliados (61,83% entre contatos de paucibacilares e 53,40% de contatos de multibacilares). A baixa proporção de contatos avaliados permite classificar as ações de vigilância da hanseníase no Município de Igarapé-Açu como precárias9.
A proporção de 67,67% dos contatos entrevistados com uma cicatriz da vacina BCG-ID (Tabela 4) foi semelhante ao resultado do inquérito realizado no Estado do Maranhão17 que obteve 60,6%, e superior ao realizado em Minas Gerais, cujos autores31 analisaram 2.840 contatos e observaram que 53,40% possuíam uma dose da vacina.
A vacinação de todos os contatos poderia ser um meio eficaz na redução substancial na incidência da hanseníase no Brasil, se assegurada como rotina em todos os contatos de hanseníase9,4. A eficácia da BCG-ID tem sido demonstrada como agente protetor da hanseníase entre os contatos intradomiciliares, visto que está associada à potencialização da resposta imune do indivíduo infectado, evitando a sua progressão até o estado de doença27 ou sua influência no desenvolvimento da forma paucibacilar32. O seu efeito protetor está relacionado com a idade, assim como uma proteção adicional é conferida com a segunda dose4.
O papel da vacina BCG-ID no controle da hanseníase foi objeto de estudo de uma metanálise que incluiu trabalhos publicados de janeiro de 1960 até junho de 2009 e levou em consideração variáveis que influenciam no grau de eficácia da vacina, tais como população-alvo, tipo de vacina utilizada e número de doses recebidas. Como resultado, os autores observaram que para as formas multibacilares a proteção foi de 76% (IC 95%: 69%-83%), sendo de 62% (IC 95%: 51%-73%) para as formas paucibacilares33.
O predomínio do gênero masculino entre os contatos avaliados difere do achado do gênero feminino como predominante nos pacientes índices, mas são concordantes os achados da faixa etária. O ensino fundamental completo predomina entre os contatos, no entanto, se considerada a baixa escolaridade (75,17%) como somatória dos que possuem o ensino fundamental incompleto e os analfabetos, esta tem predomínio sobre a primeira (Tabela 5). Estes achados são corroborados por estudo caso-controle34 realizado no Estado do Espírito Santo, no qual os autores identificaram 57,20% dos 270 contatos da amostra com ensino fundamental completo. De um modo geral, a baixa escolaridade dos indivíduos incluídos neste estudo pode ser justificada pela dificuldade de acesso ao ensino superior, visto tratar-se de um município que não possui universidades instaladas, além de o predomínio do modelo agrícola na região impelir os moradores, desde jovens, à busca de subsistência nos meios de cultivo, o que dificulta a permanência na escola.
Este achado torna-se relevante, posto que a variável escolaridade ou anos de estudo tem sido apontada como um dos fatores de risco para a hanseníase e para a não aderência ao tratamento e/ou o desenvolvimento das formas mais graves da doença34. Assim, as atividades educativas desenvolvidas pelos profissionais de saúde com objetivo de controlar a doença deverão estar voltadas para a cultura e o nível de escolaridade, trabalhando com metodologias ativas, de forma a valorizar os conhecimentos e crenças da população-alvo35.
O predomínio do estado civil solteiro (Tabela 5) é um achado concordante com os de Leite et al17, que obtiveram 68,7% de indivíduos solteiros em sua casuística. Esse dado pode ser explicado pelo fato de que nos domicílios os comunicantes geralmente são filhos ou irmãos do doente que ainda não constituíram família e, na maioria das vezes, são estudantes ou se encontram desempregados. Dessunti et al12, ao estudarem a doença em 1.055 casos e 3.394 contatos de hanseníase em Londrina, Estado do Paraná, detectaram 40,6% de filhos e 27,8% de cônjuges como contatos.
A parcela de contatos desempregados nesta casuística (Tabela 5) pode ser reflexo da baixa escolaridade apresentada anteriormente, ou até mesmo das poucas perspectivas profissionais do local, pois se trata de um município cujas principais atividades são voltadas à subsistência, tais como a agricultura, fato que acaba contribuindo para a baixa renda familiar, em geral, inferior a um salário mínimo (60,15%). Este achado é corroborado por estudo realizado no Estado do Maranhão17, no qual os autores encontraram 50,7% de contatos com renda mensal menor que um salário mínimo. No entanto, estudo realizado no Estado do Espírito Santo34 identificou apenas 18,9% dos indivíduos com a mesma renda, demonstrando a diferença socioeconômica entre as áreas de instalação da endemia. Estes achados reforçam a afirmativa de que a hanseníase é uma moléstia amplamente concentrada nos locais de maior pobreza, pouco acesso à informação e com os piores indicadores socioeconômicos25, características encontradas na população estudada.
Dos casos índices paucibacilares, foi identificado um contato intradomiciliar que evoluiu como doente e quatro entre os contatos de multibacilares (Tabela 6). Santos et al34 obtiveram de 28,3% dos casos a afirmação de terem sido comunicantes domiciliares de casos índices.
No estudo de coorte realizado por Matos et al10, foi identificado que 11,19% dos contatos já estavam doentes no primeiro exame dermatoneurológico, sendo que 14,29% dos contatos ficaram doentes durante o acompanhamento.
Estudo realizado na Cidade de Jaguaré, Estado do Espírito Santo, demonstra que há um risco elevado da transmissão intradomiciliar quando existe um caso na família, sendo esta probabilidade maior na presença de casos antigos34.
Para os contatos domiciliares, o risco de desenvolver a hanseníase é maior para aqueles que convivem com o doente antes de ele iniciar o tratamento, em decorrência da intensidade e da proximidade do contato. Entretanto, esse risco estende-se também aos vizinhos e contatos sociais25.
CONCLUSÃO
O Município de Igarapé-Açu apresentou avaliação precária dos contatos intradomiciliares de acordo com os parâmetros do MS, o que reforça a necessidade da intensificação das ações da vigilância de contatos. O controle dos contatos na área estudada não está sendo realizado de maneira eficaz nem eficiente pelas equipes de saúde, haja vista que, por ser área considerada hiperendêmica, esperava-se maior proporção de comunicantes domiciliares avaliados.
As autoridades em saúde pública defendem a eliminação da doença por meio da implementação do Programa de Controle e Eliminação da Hanseníase; no entanto, para atingir essa meta, é necessário que elementos do programa sejam prioritários em municípios endêmicos/hiperendêmicos. Entre as estratégias, impreterivelmente deve estar o controle dos comunicantes, que não deve se restringir apenas ao seu registro e a uma única avaliação médica, mas a um contínuo acompanhamento durante todo o tratamento do caso índice.
Tendo em vista os grandes danos à saúde física, mental e social provocados pela hanseníase, faz-se interessante priorizar ações de vigilância da hanseníase nas equipes de saúde da família, além de se realizarem campanhas de esclarecimentos sobre a doença em linguagem acessível e compatível com o nível de escolaridade da população-alvo.