Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Revista Paraense de Medicina
versão impressa ISSN 0101-5907
Rev. Para. Med. v.20 n.1 Belém mar. 2006
Importância do pré-natal na prevenção da Sífilis Congênita1
The importance of prenatal care in the prevention of Congenital Syphilis
Eliete da Cunha AraujoI; Kelly de Souza Gama CostaII; Rafaela de Souza e SilvaII; Valéria Nascimento da Gama AzevedoIII; Fábio André Souto LimaIII
IProfessora da Disciplina de Pediatria da Universidade Federal do Pará
IIAlunas do Curso de Medicina da Universidade Federal do Pará
IIIProfessores das Disciplinas de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal do Pará
RESUMO
OBJETIVO: analisar a relação entre a assistência pré-natal e a ocorrência de casos de sífilis congênita.
MÉTODO: através da seleção de puérperas com VDRL positivo e/ou epidemiologia sugestiva de sífilis e RN com VDRL positivo e/ou sintomatologia sugestiva de sífilis congênita, realizou-se uma análise epidemiológica por meio de um questionário detalhado com a mãe com a finalidade de se obter dados sobre o pré-natal: se fez ou não prénatal, se fez, a quantas consultas compareceu, verificou-se se foi pesquisada sífilis no pré-natal, se o VDRL foi repetido e quantas vezes.
RESULTADOS: foram estudados 46 casos de recém-nascidos (RN) com diagnóstico confirmado de sífilis congênita com VDRL positivo e confirmado com FTA-Abs. Das 46 mães com diagnóstico de sífilis, 36 (78,3%) tiveram acesso à assistência pré-natal; sendo que 27 (58,7%) com 5 consultas ou mais e 9 (19,6%) com menos de 5 consultas; 10 (21,7%) não realizaram pré-natal. Das 36 mães que realizaram pré-natal, somente 20 (55,6%) realizaram o VDRL, e destas, 15 realizaram o teste apenas uma vez. Apenas em 5 mães o VDRL foi repetido mais de uma vez durante o pré-natal. E das 13 mães com VDRL positivo que tiveram acesso completo ao pré-natal, 5 receberam tratamento inadequado e uma não recebeu tratamento.
CONCLUSÃO: concluiu-se que é necessário melhorar a qualidade da assistência médica pré-natal em nosso meio visando a prevenção da sífilis congênita.
Descritores: pré-natal, sífilis congênita
SUMMARY
OBJECTIVE: study the relationship between antenatal care and the occurrency of congenital syphilis.
METHODS: the research was done at Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará by epidemiologic analisis of mothers that had newborns with congenital syphilis in the period of january to august of 1999.
RESULTS: maternal syphilis diagnosis coming from congenital syphilis was done in 46 cases. In 58.7% of mothers who had syphilis in the pregnancy realized complete antenatal care, and in 19.6% the prenatal was done but incomplete; only 21,7% of the mothers did not realized antenatal care. And only in 5 mothers the VDRL was repeated more than one time.
CONCLUSION: it is necessary to improve antenatal care to prevent congenital syphilis.
Key-words: antenatal care, congenital syphilis
INTRODUÇÃO
A sífilis congênita (SC), apesar de ser uma doença passível de prevenção, vem ocupando um lugar de destaque no mundo todo, particularmente em países em desenvolvimento.1
A falta de acesso à assistência pré-natal é considerada como um dos principais fatores responsáveis pela persistência dos elevados índices de sífilis congênita.2
Nos Estados Unidos, o número de casos de SC tem aumentado recentemente, fato atribuído as falhas nos cuidados do pré-natal, à infecção pelo vírus HIV e ao uso de drogas. Entre os países em desenvolvimento, pesquisas da Organização Mundial de Saúde, revelaram uma incidência de sífilis na gestação de 10 a 15% no ano 1991.3
No Brasil, durante o período de 1987 a 1994, foram notificados apenas 2949 casos de SC, sendo o maior número no estado de São Paulo. Todavia, sabendo-se que a sub-notificação é óbvia, a Secretaria de Saúde deste estado estimou, para o ano de 1994, aproximadamente 130 mil possíveis novos casos de SC.2
No Estado do Pará, entre 1990 a 1996, foram notificados apenas 151 casos de SC. Entretanto, em um estudo realizado no Hospital da Fundação Santa Casa do Pará, no período de maio a setembro de 1996, a incidência de sífilis congênita foi de 9,1%. Estima-se que na maternidade deste hospital, no período de 1990 a 1996, tenham nascido 39 mil crianças, o que levaria a notificação de 3630 casos.4
Após a introdução do uso da penicilina, em 1943, a SC apresentou uma diminuição progressiva, atingindo níveis pouco significativos. Entretanto, nos últimos anos tem sido observado um recrudescimento desta doença, tanto em paises sub-desenvolvidos quanto nos desenvolvidos.5
Acredita-se que os principais fatores que estariam relacionados ao aumento dos casos de SC seriam: relaxamento das medidas preventivas por parte das autoridades de saúde e agentes de saúde; a precocidade e promiscuidade sexual; aumento de número de mães solteiras e adolescentes; automedicação; desconhecimento por parte da população sobre a gravidade da doença; AIDS; uso de drogas; e a falta ou inadequação da assistência pré-natal.5,6
Ressalta-se ainda o aumento da incidência das formas latentes de sífilis e que mudanças no curso clínico da doença vem ocorrendo devido o uso de antibióticos em doses insuficientes devido a automedicação ou prescrição incorreta.7
A medida mais eficaz para prevenção da SC consiste na realização do rastreamento da sífilis durante o pré-natal, através do teste de VDRL que deve ser realizado o mais precoce possível, e depois deve ser repetido por volta da 28ª e da 38ª semanas de gestação.7
O VDRL é um teste não treponêmico que tem como base o antígeno cardiolipina, apresentando pouca especificidade, alta sensibilidade, baixo custo e rápida negativação em resposta ao tratamento sendo, portanto, o ideal para o rastreamento da sífilis e para o controle de cura.1
A transmissão vertical da sífilis pode se dar em qualquer período da gravidez. Admite-se que o risco de transmissão fetal ocorra entre 30 e 100% dos casos dependendo do estágio da doença materna. Quanto mais recente for a infecção e maior for a espiroquetemia maior será o risco de contaminação fetal.8
A sífilis materna não tratada pode determinar o abortamento espontâneo, parto prematuro, baixo peso ao nascer, óbito fetal, óbito neonatal e as lesões e complicações da sífilis congênita.8
Pelo fato da sífilis congênita ser uma doença facilmente prevenível, que apresenta um rastreamento de baixo custo, com a identificação da sífilis materna no pré-natal, objetivou-se neste estudo procurar identificar as causas ou falhas que condicionam alta incidência de sífilis congênita.
OBJETIVO
Analisar a relação entre a assistência pré-natal e a ocorrência de casos de sífilis congênita.
MÉTODO
Esta pesquisa foi realizada através da identificação de puérperas com antecedentes de sífilis e/ou com VDRL positivo atendidas na enfermaria de puerpério da Maternidade da Fundação Santa Casa do Pará e pela identificação de recém-nascidos com VDRL positivo confirmado com FTA-Abs e/ou com sintomatologia sugestiva de sífilis congênita (icterícia, hepato-esplenomegalia e/ou pênfigo palmo-plantar) examinados no alojamento conjunto ou no berçário do setor de neonatologia desta maternidade. Trabalho aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital.
Estudaram-se os casos ocorridos no período de janeiro a agosto de 1999. Após a seleção, os recém-nascidos foram incluídos na pesquisa com a autorização das mães, que foram informadas sobre os objetivos da pesquisa e assinavam termo de consentimento.
Realizou-se uma análise epidemiológica através de um questionário detalhado com a finalidade de se obter os seguintes dados: idade materna (até 19 anos x 20 anos ou mais); escolaridade (analfabetas, 1º grau, 2º grau e 3º grau); estado civil (solteiras e casadas); número de parceiros sexuais durante a gravidez (até 1 ou 2 ou mais); sorologia para HIV (positiva ou negativa); cuidados de pré-natal (se fez ou não o prénatal, se fez, quantas consultas realizou: até 4 ou 5 ou mais); se foi pedido o VDRL, se foi, quantas vezes foi repetido (nenhuma, 1 ou 2 ou mais); se o diagnóstico de sífilis foi feito na gravidez pesquisou-se se ela foi tratada ou não, se foi, se o tratamento foi ou não adequado.
Para análise dos resultados utilizou-se o teste exato de Fisher e o teste do Qui-quadrado (x2). Em ambos os testes o nível de significância escolhido foi p<0.05, sendo assinalado com um asterisco(*) as diferenças estatisticamente significantes.
RESULTADOS
DISCUSSÃO
Como a sífilis é facilmente diagnosticada pelo VDRL e, com eficácia tratada pela penicilina, a não realização do pré-natal é considerada como um dos principais fatores responsáveis pelos casos de sífilis congênita.4
A realização do pré-natal de forma incompleta ou inadequada, seja pelo início tardio ou por falta de comparecimento às consultas também representa importante fator para explicar diversos casos de sífilis congênita.9
Embora a adolescência seja considerada importante fator de risco para aquisição das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) incluindo a sífilis, apenas 26% das mães deste estudo eram adolescentes. Esse dado foi semelhante ao encontrado no Estado do Rio de Janeiro no período de 1995 a 1997, quando foi verificado que 30% das mães dos RNs com sífilis eram adolescentes.10
No mesmo hospital onde foi realizada esta pesquisa, Araujo (1999)4 verificou que 15,2% das mães de RNs com sífilis tinham menos de 20 anos, observando-se um aumento da prevalência de sífilis em adolescentes em nosso meio.
O baixo nível sócio-econômico está associado à baixa escolaridade, esta, por sua vez, está relacionada à falta de conhecimento sobre DST e a importância dos cuidados do pré-natal.1
Neste estudo foi observado que a maioria das mães (67,4%) possuíam o 1o grau incompleto o que ajudaria a explicar parte dos casos de sífilis congênita em mães que por conta do baixo nível sócio-econômico e por desinformação, não realizaram o pré-natal.
No presente trabalho, verificou-se que 78,3% das mães eram casadas e 87% tiveram relação sexual apenas com 1 parceiro na gravidez, o que sugere provável contaminação da mulher por seu parceiro promíscuo. De maneira oposta, em um estudo americano, Mascola et al (1984)13 verificaram que 66% de mães com sífilis eram solteiras, o que sugere um comportamento sexual e/ou epidemiológico de contaminação bem diferentes entre esses dois estudos.
Observaram-se que 78,3% das mães deste estudo realizaram o pré-natal, sendo 58,7% de maneira completa e 19,6% de forma incompleta. Estes dados foram semelhantes aos apresentados por Araujo em 1999, quando foi verificado que 63,5% de mães cujos RNs tiveram sífilis congênita, haviam realizado pré-natal.
Esses dados apontam para falhas na assistência pré-natal. O pré-natal inadequado impede a realização da rotina para o diagnóstico da sífilis e sua intervenção precoce.11
A falta de realização de exames para o diagnóstico da sífilis; dificuldade em reconhecer os sinais da doença na mãe; falhas na interpretação dos resultados de testes sorológicos e falhas ou ausência de tratamento da mãe e/ou do parceiro são fatores relacionados ao pré-natal inadequado.12
O Ministério da Saúde preconiza que para o rastreamento da sífilis durante o pré-natal deve ser realizado pelo menos dois exames de VDRL na gravidez, sendo o primeiro na primeira consulta que deveria ser realizada no 1º trimestre e outro VDRL no início do 3o trimestre.8
Neste estudo se verificou que das gestantes que realizaram pré-natal, apenas 55,6% fizeram o VDRL e somente 13,9% repetiram o teste no 3o trimestre. O que demonstrou pouca importância dada à prevenção da sífilis congênita, por desconhecimento, ou principalmente por esquecimento da necessidade de rastrear a sífilis durante o pré-natal.
Este trabalho mostrou ainda que apenas 53,8% das mães que tiveram o diagnóstico da sífilis durante o pré-natal receberam tratamento adequado, dado este que também mostrou a baixa qualidade da assistência pré-natal em nosso meio.
Em países em desenvolvimento, a sífilis é uma doença comum, representando um sério problema de saúde pública.14
Apesar da sífilis congênita ser uma doença de notificação compulsória, não se conhece a sua exata magnitude devido a subnotificação evidente.8
A assistência pré-natal estendida a todas as grávidas seria a maneira mais lógica de se eliminar a sífilis materna e suas conseqüências.
Entretanto isto não foi encontrado neste trabalho onde observou-se que 78,3% das mães que tiveram sífilis na gravidez tinham tido acesso ao serviço de saúde em algum momento da gravidez, quando poderia ter sido feito o diagnóstico ou o tratamento adequado ou ainda, ter sensibilizado essa mãe para comparecer a todas as consultas do pré-natal.
CONCLUSÃO
Por fim, verificou-se a necessidade de maiores esclarecimentos às grávidas sobre a gravidade e o modo de transmissão da sífilis e de suas conseqüências para o concepto.
E, principalmente, a necessidade de divulgação dos dados deste trabalho para a classe médica que realiza à assistência pré-natal para se tentar reverter os erros observados nesta assistência que foram responsáveis pela maioria dos casos de sífilis congênita estudados.
REFERÊNCIAS
1. VALDERRAMA J; ZACARIAS F; MAZIN R. – Sífilis materna y sífilis congênita em América Latina um problema grave de solución sencilla. Rev Panam Salud Publica. 2004; 16 (3): 211-217.
2. MULLICK S; BRONTET N; HTUN Y; TEMMERMANN M; NDOWA F. – Controlling congenital syphilis in the era of HIV/AIDS. Bull World Health Organ. 2004; 82 (6): 431-432.
3. PEELING RW; MABEY D; FITZGERALD DW; WATSON-JONES D. - Avoiding HIV and dying of syphilis. Lancet. 2004; 364 (9445): 1561-1563.
4. ARAUJO EC - Sífilis congênita: Incidência em recém-nascidos. Jornal de Pediatria. 1999; 75 (2): 119-25.
5. PEELING RW; YE H.- Diagnostic tools for preventing and managing maternal and congenital syphilis: na overview. Bull Word Health Organ. 2004; 82 (6(: 439-46.
6. VALDERRAMA J; URGUIA BA; ORLICH G; HERNANDEZ Y. - Maternal and congenital syphilis case definitions. Epidemiol Bull. 2005; 26 (1):12-15.
7. JONES H; TAYLOR D; MONTGOMERY CA; REKART ML. - Prenatal and congenital syphilis in British Columbia. J Obstet Gynaecol. 2005; 27 (5): 467-72.
8. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Centro Nacional de Epidemiologia. Guia de Vigilância Epidemiológica. 3ª Ed. Brasília, Ministério da Saúde 1994. p. 309-14.
9. SALVO AF - Controle serologico (VDRL) del embarazo em prevencion de la sífilis congénita. Evalucíon de 3 años. Dermatologia. 1994; 10 (3): 174-78.
10. BRASIL. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS. DST-Boletim Epidemiológico. 1997; III: 3-18.
11. STARLING SP - Syphilis in infants and Young children. Pediatr Ann. 1994; 23 (7): 334-340.
12. ASKIN DF. - Intrauterine infections. Neonatal Netw. 2004; 23 (5): 23-30.
13. MASCOLA L, PELOSE R, BLOUNT JH, CATES Jr W - Congenital Syphilis: Why it still occurring? JAMA. 1984; 252 (13): 1719-22.
14. SCHIMID G; BROUTET N; BERNIS L; HAWKES S. - The Lancet’s neonatal survival series. Elimination of congenital syphilis. Lancet. 2005; 365 (9474): 1845-7.
Endereço para correspondência:
Fábio André Souto Lima
Av. Braz de Aguiar, 365
Nazaré - Belém - Pará
CEP: 66035-000
e-mail: limasouto@ig.com.br
Fone: 3224 9998 - Cel: 8809 0607
Recebido em 27.01.2006
Aprovado em 29.03.2006
1Trabalho realizado na Universidade Federal do Pará e Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará