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Revista Paraense de Medicina
versão impressa ISSN 0101-5907
Rev. Para. Med. v.20 n.2 Belém jun. 2006
Sub-oclusão intestinal por linfangioma cístico em criança - relato de caso1
Intestinal sub-occlusion due cysticlymphangioma in children - case report
Augusto César Silva de SantanaI; André Luiz Santos RodriguesI; Fernando Antônio Alves da SilveiraII; Reuber Viana de AguiarIII; Antônio João de Oliveira Santos JúniorIII; Luana BelussoIII
IMédico do Serviço de Cirurgia
IIMédico Patologista
IIIGraduando de Medicina da Universidade Federal do Pará
RESUMO
OBJETIVO: descrever caso de sub-oclusão intestinal em criança causada por linfangioma cístico, tratado em caráter de urgência.
RELATO DE CASO: menino de 11 anos, com queixa de massa abdominal em flanco esquerdo, acompanhada de dor tipo cólica e ausência de evacuações há cerca de 9 dias; a ultrasonografia mostrou lesão cística multilobulada, ocupando todo o flanco esquerdo. Indicado cirurgia na qual identificou-se lesão cística em mesocólon esquerdo que comprimia o cólon descendente contra a parede abdominal e que englobava a artéria mesentérica inferior. Realizou-se colectomia esquerda com anastomose colo-retal primária após preparo intra-operatório do cólon, tendo o paciente boa evolução pós-operatória.
CONCLUSÃO: apesar de ser uma doença rara, o linfangioma cístico deve fazer parte do diagnóstico diferencial daquelas afecções que, por ventura, provoquem quadros de sub-oclusão intestinal, principalmente, quando os pacientes forem crianças.
Descritores: linfangioma cístico, sub-oclusão intestinal, colectomia, cirurgia.
SUMMARY
AIM: describe a case of intestinal sub-occlusion in children due cystic lymphangioma had been treated with urgent colorectal surgery.
CASE-REPORT: an 11 years old boy complainning of abdominal mass located in inferior left abdominal portion, followed by pain and lack of evacuation about 9 days, ultrasound demonstred cystic multilobulated lesion in all left abdominal portion. Surgery was indicated and it shows a cystic lesion in left mesocolon squezzing descendent colon against abdominal wall, and it involves inferior mesenteric artery. A left colectomy was performed with primary colorectal anastomosis after intra-operative prepare of the right colon with satisfatory post-operative evolution of the patient.
CONCLUSION: in despite of being a rare disease, the cystic limphangioma must be part of the differential diagnosis of the diseases that occurs with intestinal sub-occlusion especially with the ultrasound showing cystic lesions and when the patients were children.
Keywords: Cystic Limphangioma; Intestinal Sub-occlusion; Colectomy; Surgery.
INTRODUÇÃO
O linfangioma cístico (LC) é um tumor benígno do sistema linfático de ocorrência rara, sendo sua localização mais comum no pescoço, axilas e região craniofacial1,2. Seu achado na cavidade abdominal corresponde a cerca de 9% de todos os linfangiomas e, destes, 70% localizam-se no mesentério. É predominante em crianças, ocorrendo em cerca de 60% antes dos 5 anos de idade, porém, é raramente observado em adultos3,4. Os LC abdominais são, na maioria das vezes, assintomáticos ou apresentam sintomas abdominais inespecíficos, entretanto, em alguns casos podem desenvolver quadros agudos, devido ruptura traumática, sangramento intra-cavitário ou intra-abdominal, obstrução intestinal ou infarto2,4,5,6,7,8.
No presente relato, descreve-se caso de LC de mesocólon esquerdo em criança com sinais de suboclusão intestinal operado em caráter de urgência.
RELATO DE CASO
Anamnese
Criança de 11 anos, masculino, procedente de Nova Santarém (PA), com história de dor em flanco esquerdo, tipo cólica acompanhada de ausência de evacuações há 9 dias.
Exame Físico
Apresentava palidez cutâneo-mucosa, abdome estava pouco distendido, timpânico, doloroso à palpação profunda em flanco esquerdo, descompressão brusca negativa e ruídos hidro-aéreos presentes. Notava-se presença de massa palpável, endurecida, imóvel, de contornos mal definidos e dolorosa, localizada em flanco esquerdo desde o rebordo costal esquerdo até a crista ilíaca ântero-superior.
Exames Complementares
A ultra-sonografia abdominal realizado em Salinópolis (PA), evidenciava lesão cística hipoecóica, multilobulada, de contornos mal definidos ocupando todo o flanco esquerdo.
Técnica operatória e achados cirúrgicos
Realizou-se laparotomia mediana trans-umbilical de aproximadamente 10 cm de comprimento, tendo como achado intra-operatório massa cística multilobulada, de coloração amarelo-nacarado, fixa no mesocólon esquerdo (Figura 1), comprimindo o cólon esquerdo à parede abdominal. Frente a esse achado realizou-se ampla liberação do cólon descendente e do ângulo esplênico do cólon por meio de diérese do ligamento parieto-cólico esquerdo e do ligamento lienocólico. Após esta manobra, compreendeu-se a localização anatômica exata do tumor no mesocólon esquerdo e o comprometimento da artéria mesentérica inferior que penetrava na lesão. Dessa forma, optou-se pela feitura de hemicolectomia esquerda com ligadura da artéria mesentérica inferior, anastomose primária colo-retal término-terminal com pontos separados em plano único de seda 3-0 após a realização de preparo intestinal intra-operatório através da colocação de sonda nasogástrica 18 no lúmen do apêndice cecal e irrigação de 1000ml de solução fisiológica à 0,9% com 10ml de iodopovidine tópico.
Evolução pós-operatória
No pós-operatório o paciente evoluiu sem complicações, sendo reintroduzido dieta oral no 4o dia e alta hospitalar no 9o dia. O estudo histopatológico da peça operatória evidenciou tratar-se de linfangioma cístico em mesocólon.
DISCUSSÃO
No que tange à embriologia, os LC parecem ser decorrência da falha no desenvolvimento do saco linfático fetal que apresenta defeitos de conexões com o sistema venoso ocasionando sacos linfáticos isolados que são denominados de LC9.
WEGNER10, em 1887, classificou os linfangiomas em três grupos: 1) simples ou capilares, compostos por linfáticos pequenos e de paredes delgadas, 2) cavernosos, constituídos de grandes canais linfáticos de paredes grossas; 3) císticos ou higromas, compostos por grandes espaços císticos rodeados por colágeno, tecido linfóide e pouco tecido muscular liso. Atualmente, considera-se estas três variantes como um mesmo grupo de lesões2.
Clinicamente, os LC intra-abdominais costumam cursar de duas formas: 1) incidiosa, através de distensão abdominal acompanhada de sintomas dispépticos e massa abdominal palpável e, 2) aguda, composta de dor abdominal aguda acompanhada de náuseas e vômitos, sinais de irritação peritoneal e/ou obstrução intestinal8. STEYAERT et al.8, do grupo francês de Toulouse, relatam casuística de 21 LC intra-peritoneais em que 59% dos casos apresentaram-se de forma incidiosa e apenas 17% de forma aguda. No caso aqui apresentado, o paciente evoluiu de forma aguda com dor abdominal tipo cólica em flanco esquerdo, ausência de evacuações e distensão abdominal. A localização intra-peritoneal mais comum dos LC é no mesentério sendo rara no mesocólon esquerdo3,7. O grupo francês de MABRUT et al.7 relata 13% de LC localizados em mesocólon esquerdo em uma amostra de 15 pacientes com LC intra-abdominais. Apesar dos exames laboratoriais terem pouca utilidade no diagnóstico dos LC devido a inespecificidade dos mesmos6, a ultrasonografia os LC apresentam-se como lesões císticas hipoecóicas uni ou multilobuladas2,7, como no caso aqui descrito.
O tratamento de escolha dos LC é a exérese com ou sem a ressecção intestinal4,5,7,8 sendo que, segundo STEYAERT et al.8 a enucleação dos LC do mesocólon pode ser realizada na maioria dos casos. Esta conduta não foi possível no presente caso, pois, a artéria mesentérica inferior penetrava no interior do tumor, achado cirúrgico que impossibilitou a preservação do cólon descendente, optando-se pela hemicolectomia esquerda com anastomose primária colo-retal após preparo colônico intra-operatório. A literatura médica mostra que a ressecção do cólon esquerdo associada à anastomose primária após preparo intra-operatório do cólon (PIOC) é possível, eficaz e com índices aceitáveis de morbimortalidade11. Em nosso meio, AGUILAR-NASCIMENTO et al.11, da Universidade Federal de Mato Grosso, relatam estudo no qual realizou-se em 10 pacientes ressecção de cólon esquerdo, seguida de anastomose primária após PIOC devido obstrução neoplásica e em apenas 1 caso observou fístula da anastomose. O trabalho australiano de DANNE12 mostra 50 pacientes submetidos ao procedimento acima em que a taxa de fístula anastomótica foi de 2% e a de infecção em ferida operatória de 6%. No que tange a mortalidade deste procedimento, estudo do grupo nipônico de MOCHIZUKI et al.13 relata que, de 44 pacientes submetidos ao procedimento primário, a mortalidade foi de 2% em comparação com 18% nos 11 pacientes submetidos a cirurgia em estágios (colostomia descompresiva seguida de nova cirurgia para ressecção do cólon e restabelecimento do trânsito intestinal).
Neste caso, julgou-se pertinente este tipo de estratégia cirúrgica, uma vez que o paciente era jovem, hígido, não apresentava co-morbidades, encontrava-se em estabilidade hemodinâmica e a existência da possibilidade de resolução do problema do paciente de modo definitivo. LOSANOFF et al.2 em revisão do tema, relatam que quando o LC compromete estruturas abdominais vitais como aorta ou veia cava, outros métodos cirúrgicos podem ser empregados, como a ressecção parcial e a marsupialização, porém, esses métodos não são isentos de complicações como hemorragias, infecções e fístulas quilosas. Este mesmo autor, levando em consideração as variações anatômicas e o tipo de tratamento empregado, se curativo ou paliativo, propõem uma classificação simples para os LC abdominais exposta na quadro 1.
CONCLUSÃO
Os LC devem fazer parte do diagnóstico diferencial das afecções abdominais que cursam com obstrução ou sub-oclusão intestinais, principalmente, se o paciente for criança ou adolescente com presença de massa abdominal palpável e, se, ao ultrasom a mesma tiver aspecto cístico. O tratamento e estratégia cirúrgicas devem ser empregados de acordo com o julgamento clínico e bom senso da equipe cirúrgica, sendo que, nos casos como o aqui relatado, a colectomia seguida de anastomose primária após PIOC deve ser considerada, pois, apresenta-se como método simples, de fácil execução, seguro e que pode proporcionar o tratamento definitivo da doença em apenas um tempo operatório.
REFERÊNCIAS
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12. DANNE PD. Intra-operative colonic lavage: safe single-stage, left colorectal resections. Aust N Z J Surg 1991;61:59-65.
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Endereço para correspondência
André Luiz Santos Rodrigues
Av. Roberto Camelier 362, 1602
66033-640 Belém/Pará
Fone: (91)9965-1556
e-mail: an-luiz@ig.com.br
Recebido em 24/11/2005
Aprovado em 17/05/2006
1Trabalho realizado no Hospital de Pronto-Socorro Municipal - Dr. Humberto Maradei Pereira-, Belém, Pará.