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Boletim de Pneumologia Sanitária

versão impressa ISSN 0103-460X

Bol. Pneumol. Sanit. v.7 n.1 Rio de Janeiro jun. 1999

 

 

Mycobacterium tuberculosis resistente: de onde vem a resitência?

 

 

Hisbello S. Campos

Médico do Centro de Referência Prof. Hélio Fraga

 

 


RESUMO

O autor aborda o problema da resistência do bacilo tuberculoso aos principais quimioterápicos usados no tratamento da tuberculose. Comenta a história do desenvolvimento do Mycobacterium tuberculosis e sua inserção no meio humano. Discute os mecanismos bacterianos de desenvolvimento de resistência aos antibióticos, particularizando aqueles usados pelo bacilo tuberculoso e apresentando resultados de estudos sobre as modificações no genoma bacteriano e conseqüente resistência. Apresenta alguns instrumentos laboratoriais que podem ser usados na detecção da resistência bacteriana, comentando sua utilização prática. Termina por descrever como um doente tuberculoso pode desenvolver lesões colonizadas por bacilos resistentes aos quimioterápicos e as maneiras de evitar a multiplicação deles.

Palavras-chave: Mycobacterium tuberculosis resistente, Tuberculose multidroga resistente, Mecanismos bacterianos de resistência.


SUMMARY

The author discusses the resistant tuberculosis bacillii problem. He comments on the history of the Mycobacterium tuberculosis development and its inserction in the human ambient. He discusses the bacterial mechanisms used for developing resistance to the antibiotics, focusing on those used by the tuberculosis bacili and showing results of studies on the genetic modifications that leads to resistance. He presents some laboratorial instruments that can be used in the detection of resistance, commenting on its practical use. He ends by commenting on how a tuberculous patient can develop lesions colonized by resistant bacilii and the ways to avoid it.

Key words: Resistant Mycobacterium tuberculosis, Multidrug resistant tuberculosis, Bacterial mechanisms of resistance.


 

 

Introdução

A tuberculose é uma doença infecciosa crônica que vem afligindo a humanidade há mais de 5 milênios. Seu agente etiológico, o Mycobacterium tuberculosis, ou bacilo de Koch, é o patógeno que, provavelmente, mais mortes causou1 até o momento.

Nos países mais desenvolvidos, o impacto da doença sobre a população foi reduzido pelas melhorias radicais nas condições de vida que ocorreram em meados do século XIX, e tornou-se ainda menor pela implementação da quimioterapia efetiva nos últimos 50 anos. Nos países ainda em desenvolvimento, ao contrário, a tuberculose manteve-se como um sério problema de Saúde Pública2. Atualmente, mesmo nas regiões onde a tuberculose não mais era prioridade nas políticas de saúde, ela vem ressurgindo. As possíveis razões para o recrudescimento desse terrível flagelo incluem a epidemia da AIDS e os níveis crescentes de pauperização e de uso de drogas3.

A arma mais poderosa contra esse flagelo é a moderna quimioterapia que, em seis meses, é capaz de curar quase a totalidade dos casos. Idealmente, a frase anterior deveria ser: "... é capaz de curar todos os doentes", mas alguns fatores o impedem. Um deles é a resistência do bacilo tuberculoso a um ou mais dos quimioterápicos usados no tratamento da doença. Resistência bacteriana é tão antiga quanto a quimioterapia da tuberculose. Os principais fatos biológicos ligados à resistência do bacilo tuberculoso aos quimioterápicos, tais como a existência de mutantes resistentes em cepas selvagens, sua provável seleção pelo tratamento sob certas condições, a ligação entre resistência e tuberculose grave, e a prevenção in vitro da resistência pelo uso combinado de drogas, foram todos demonstrados nos primeiros cinco anos da história da quimioterapia efetiva da tuberculose. Com a disponibilidade de remédios efetivos para o tratamento, estudos clínicos controlados demonstraram, in vivo, o valor da associação de fármacos no aumento da eficiência da quimioterapia e na prevenção do surgimento da resistência. Embora a situação particular da tuberculose, com respeito à freqüência e à importância da emergência da resistência bacteriana durante a quimioterapia fosse reconhecida precocemente, houve desinteresse no acompanhamento da sua freqüência.

O Mycobacterium tuberculosis resistente é um sério problema por dois motivos principais: 1) como há apenas poucos fármacos efetivos disponíveis, uma infecção pelo bacilo resistente pode levar a uma doença potencialmente intratável; 2) embora apenas parte menor dos infectados venha a adoecer (5-10%), a doença é altamente contagiosa. Portanto, se houver um número elevado de doentes tuberculosos portadores de germes resistentes a duas ou mais drogas potentes do arsenal terapêutico contra a doença, a probabilidade desse número aumentar exponencialmente é grande, e estaremos de frente a um sério problema com poucas possibilidades de solução.

Internacionalmente, multidroga resistência é definida como resistência à rifampicina e à isoniazida4. No Brasil, contudo, optou-se por uma definição operacional de "tuberculose multidroga resistente": "qualquer forma clínica da doença na qual o exame bacteriológico detecta resistência "in vitro" à, pelo menos, rifampicina, isoniazida e a mais uma ou mais das drogas componentes dos esquemas I (rifampicina, isoniazida e pirazinamida) ou III (estreptomicina, etambutol, pirazinamida e etionamida)5". Possivelmente a tuberculose multidroga-resistente é o resultado da acumulação de diferentes mutações independentes e não é fruto de um único evento. Sob o ponto de vista terapêutico isso é muito importante porque, se médicos e pacientes usam o esquema adequado da forma correta, não há ameaça significativa ao futuro imediato da quimioterapia de curta duração. Se as medidas apropriadas para prevenir a disseminação de bacilos multirresistentes forem tomadas, o problema da multidroga resistência deve ser auto-limitante.

É objeto do presente artigo comentar e discutir alguns mecanismos envolvidos no desenvolvimento da resistência micobacteriana aos remédios da tuberculose e na sua detecção.

A interação do bacilo tuberculoso com o homem

A família Micobacteriaceae antecede a evolução da vida animal e compreende diversas bactérias saprófitas do solo que desempenham função de decompor material vegetal morto, enriquecendo o solo, como parte do ciclo vital de plantas e árvores. Da mesma forma que outros gêneros do reino animal, na medida em que evoluíram, mutações ao acaso produziram espécies capazes de parasitar animais (répteis, anfíbios, peixes e pássaros, p. ex.). Muito mais tarde, quando os mamíferos evoluíram, um mutante chamado Mycobacterium bovis, desenvolveu a capacidade de parasitar um amplo espectro de animais de sangue quente: bovinos, roedores, marsupiais, cervos6, p.ex.. Permaneceu endêmico em muitas espécies, distribuindo-se entre presas e predadores. Sem disseminação aérea em espaços fechados, não se tornou epidêmico. Os primeiros contatos da micobactéria com a raça humana provavelmente foram esporádicos e causados pelo ato de comer carne crua ou inadequadamente cozida.

Entre 8.000 e 10.000 anos atrás, com o hábito de domesticar animais e de suplementar a dieta com carne, leite e queijo, especula-se que tenha aumentado a freqüência de infecção das crianças com o M. bovis a partir do leite. Embora a doença resultante geralmente se limitasse ao aumento e drenagem dos linfonodos cervicais (escrófula), ocasionalmente comprometia outros órgãos e podia ser fatal. A dúvida sobre se uma infecção inicial pelo M. bovis conferiria proteção contra a tuberculose foi objeto de debate a partir dos trabalhos de Marfan em 18867.

A convivência do homem com o gado foi proposta como o fator que gerou a evolução do Mycobacterium tuberculosis. Durante os invernos, as pessoas dividiam suas casas com seus animais para a conservação do calor. Uma vaca tossindo poderia expor uma família a uma infecção aerógena pelo M. bovis. Isso criou um nicho para o desenvolvimento de um mutante mais patogênico para humanos e menos agressivo para a maior parte dos animais. Da mesma forma que o M. bovis, o M. tuberculosis não podia sobreviver no meio ambiente, e sua sobrevivência dependia da transmissão de hospedeiro para hospedeiro. Entretanto, isolamentos geográficos, tanto por desertos, como por oceanos ou montanhas, mantiveram as populações razoavelmente isentas das pressões seletivas do M. tuberculosis por séculos. Estudos genéticos das micobactérias, revelam enormes semelhanças entre os DNAs do M. bovis e do M. tuberculosis, e mesmo do M. microtti e do M. africanum8, indicando que essa teoria evolutiva possa ser real.

Como diversos fatores epidemiológicos importantes para a disseminação do bacilo estavam ausentes, apesar de o do M. tuberculosis ter achado um meio ambiente adequado para sua sobrevivência e multiplicação em humanos, as formas da doença eram esporádicas. Nas pessoas muito susceptíveis, a doença lembrava a febre tifóide9,10, e matava o hospedeiro muito rapidamente, não gerando um disseminador eficiente11. Os indivíduos que o acaso favoreceu com maior resistência ao bacilo sobreviviam à infecção primária. Quanto maior o número dos sobreviventes, maior o número daqueles que desenvolviam tuberculose pulmonar e se tornavam eficientes propagadores do microrganismo. Apesar disso, a tuberculose ainda permaneceu como uma doença endêmica e esporádica por muitos séculos na Europa12.

Epidemias têm um ciclo que pode ser representado por uma curva. Todas apresentam uma elevação rápida paralela à disseminação da infecção, diminuindo o crescimento na medida em que o número de pessoas susceptíveis vai sendo reduzido e passando a apresentar tendência de queda lenta, no sentido da linha de base, quando o reservatório de pessoas susceptíveis vai sendo diminuído pela morte. A epidemia de tuberculose que ocorreu na Europa no século XVIII desenvolveu-se numa população na qual alguma seleção pela resistência natural já existia. Nesse grupo, a tuberculose bovina e a humana eram endêmicas por séculos. Como resultado, indivíduos infectados habitualmente sobreviviam no estágio primário, mas desenvolviam formas crônicas pulmonares. Como as comunidades eram basicamente rurais, mesmo nas grandes cidades não havia aglomeramento. O ingrediente essencial para a disseminação epidêmica foi o início da Revolução Industrial no século XVIII, quando as cidades se tornaram populosas e as condições de pobreza reinantes facilitaram o início da epidemia13. Na época, a tuberculose foi chamada a "Grande Praga Branca", não se sabe se para diferenciá-la da praga bubônica (a "morte negra") ou se porque estava limitada aos caucasianos14. A crescente densidade populacional das cidades forneceu as condições ideais para a disseminação aerógena do bacilo, como de diversos outros microrganismos. A epidemia cresceu e espalhou-se pela Europa ocidental. Naquela época, virtualmente todos nas cidades européias estavam infectados na idade de 25 a 30 anos, e cerca de 25% de todas as mortes eram atribuídas à tuberculose14. Lentamente, a doença se propagou para a Europa oriental, "protegida" pelo atraso na industrialização e pelos obstáculos às viagens oferecidos pelas montanhas ou pelas fronteiras políticas15,16. Até as últimas décadas do século XIX, a tuberculose era raramente notificada na Rússia17 e relativamente incomum na Índia18. A epidemia foi levada para a América do Norte "colonial" pelos pecuaristas europeus19 e foi crescendo de importância na medida em que os nativos eram forçados a viver aglomerados em reservas20. Os jesuítas também foram responsáveis pela introdução da tuberculose nas Américas, principalmente na do Sul. À medida em que os europeus colonizavam outras regiões, portadores de tuberculose pulmonar crônica levavam a doença para outros portos. As formas primitivas de transporte e a hostilidade dos colonizados dificultavam a penetração da tuberculose no interior dessas regiões. Por exemplo, a tuberculose chegou à costa da África e à Nova Guiné no início do século XIX, mas só penetrou o interior da África perto de 1910 e a Nova Guiné próximo a 195021. A tuberculose era rara entre africanos que viviam em pequenas vilas remotas e ao ar livre. Foram expostos à doença pelos europeus. Quando os jovens e saudáveis senegaleses foram alistados no exército francês durante a I Guerra Mundial, tiveram seus primeiros contatos com o M. tuberculosis ao viverem em contato próximo com os soldados franceses e foram dizimados22. O mesmo ocorreu com soldados do interior do Sudão, ao serem recrutados pelo exército egípcio. Naquela época, enquanto os soldados egípcios desenvolviam lesões pulmonares crônicas, os sudaneses morriam rapidamente por formas subagudas disseminadas da tuberculose23. Certamente as populações dessas áreas eram mais susceptíveis à infecção do que europeus e egípcios, e isso sugere fortemente uma diferença racial relativa à resistência, que poderia ser produto de experiência ancestral com a doença resultando, assim, em herança genética que conferia resistência natural. Na verdade, nunca houve uma grande epidemia mundial de tuberculose e, sim, muitas epidemias concurrentes, que começavam em diferentes momentos24,25.

A seleção de indivíduos resistentes a um dado microrganismo ocorre apenas se a exposição é freqüente e a doença resultante produz altos índices de letalidade antes ou durante a idade reprodutiva. A história da humanidade foi pontuada por diversas "pressões evolucionárias" de diversos patógenos infecciosos na luta pela sobrevivência. À medida em que sucessivas gerações iam sendo sujeitadas à inexorável eliminação dos jovens mais susceptíveis à doença, a proporção de pessoas resistentes ao microrganismo ia aumentando gradualmente. Epidemias infecciosas terminam como fruto da combinação da imunidade à adaptação genética. A natureza providenciou suficiente flexibilidade no genoma humano para permitir adaptações eventuais a qualquer ameaça letal através de várias gerações. Foi dessa forma que diversas doenças infecciosas como sarampo, caxumba e varicela, por exemplo, tornaramse "doenças benignas da infância". O aumento da resistência natural a essas infecções através da seleção natural explica os baixos índices de mortalidade infantil por essas doenças26. Sabe-se que as pressões seletivas de alguns microrganismos colaboraram no sentido de, através do processo de seleção natural, eliminar ou manter gens para algumas doenças adquiridas, evitando a destruição das espécies. O melhor exemplo desse fato, em humanos, é a vantagem compensatória promovida pelo gen da anemia falciforme. Portadores homozigóticos do gen geralmente morrem cedo, antes da idade da reprodução. Os portadores heterozigóticos, que são em maior número, resistem à malária melhor do que indivíduos sem o gen. Essa resistência especial dos heterozigotos explica a persistência do gen em populações de áreas endêmicas de malária. Com relação à tuberculose, um bom exemplo de menor susceptibilidade, ou maior resistência, é dado com os descendentes de judeus. Teoricamente, a urbanização forçada daquela raça em guetos muito populosos na Europa durante os picos da epidemia tuberculosa selecionou sobreviventes "resistentes"27. Um autor28 sugeriu que a codificação genética dessa resistência estaria ligada de perto ao gen responsável pela doença de Tay-Sachs, uma doença geneticamente transmitida e fatal em crianças menores. Os judeus heterozigotos para esse gen são mais resistentes à tuberculose. Isso representa um exemplo de um gen determinante de uma rara e fatal doença persistindo numa população porque, ao mesmo tempo, representa também uma "vantagem" genética, já que protege contra outra doença (a tuberculose). Por muitas gerações, o estado heterozigótico determinou uma condição especial de resistência à tuberculose em diversas regiões da Europa2

Os mecanismos que permitem o desenvolvimento de resistência natural à tuberculose vêm sendo estudados por grande número de investigadores. Estudos em coelhos revelaram que aqueles muito resistentes ao M. bovis apresentavam lesões pulmonares localizadas após inalarem o bacilo, enquanto os coelhos susceptíveis desenvolviam doença rapidamente progressiva e disseminada após a inalação de pequenas quantidades de M. bovis29. Recentemente, um autor demonstrou que a resistência do camundongo à infecção por pequenas doses de M. bovis está sob o controle de um único gen30. Esse gen regula a capacidade do hospedeiro em restringir a proliferação do bacilo tuberculoso nas fases préimune, macrofágica, da infecção. A resistência é expressa pela macrófagos, independentemente dos linfócitos T e B, e das células T killer. A ativação dos macrófagos dos camundongos resistentes seria mais rápida e mais potente, permitindo a lise dos bacilos fagocitados31. Num outro estudo, avaliando 41.000 pessoas brancas e negras residentes em asilos no Arkansas, EUA32, verificou-se que os brancos eram mais resistentes que os negros à infecção pelo M. tuberculosis. Ao mesmo tempo, outro estudo demonstrou que os macrófagos dos negros permitem significativamente maior replicação bacilar que os macrófagos dos brancos33. Em outro34, foi demonstrado que os monócitos têm um padrão nato de resistência ao M. tuberculosis em 70% dos brancos, contra 30% dos negros. Esses achados são consistentes com as conclusões de outros estudos nos quais a resistência natural ao bacilo tuberculoso é duas vezes mais freqüente em descendentes de europeus do que em descendentes de africanos35. Recentemente, foi reportada uma descoberta potencialmente importante que explicaria, com bases genéticas, a impressão de que a raça negra é mais susceptível à tuberculose36.

Resistência e populações bacilares

As bactérias usam diferentes estratégias para desenvolver resistência aos antibióticos. De um modo geral, esses mecanismos de defesa podem ser divididos em três grupos: 1) mecanismos de "barreira" (redução da permeabilidade e bombas de efluxo); 2) degradação ou inativação de enzimas (β-lactamases, p. ex.); 3) modificação do "alvo" do fármaco (mutação de um gen chave). As informações genéticas para tais propriedades podem ser adquiridas via elementos genéticos móveis exógenos (plasmídeos, p. ex.) ou podem residir nos cromossomos da bactéria.

Basicamente, as micobactérias não são diferentes de muitas outras bactérias no que se refere ao uso das estratégias descritas acima.

• Sua parede celular tem a capacidade de variar sua permeabilidade a diferentes compostos37.

• Produzem enzimas que degradam ou modificam fármacos38.

• Modificam espontânea e previsivelmente cromossomos de gens alvos das drogas.

Na maior parte das vezes, a resistência aos fármacos usados no tratamento da tuberculose depende desse terceiro mecanismo de resistência. A tuberculose multidroga resistente reflete a acumulação de etapas de mutações individuais de diversos gens independentes39, e não a aquisição em bloco de resistência a múltiplas drogas.

A resistência é um fenômeno fundamentalmente ligado às grandes populações bacterianas. Na tuberculose humana, as maiores populações estão nas lesões cavitárias e há mais de meio século se sabe que a resistência é mais freqüente durante o tratamento das formas cavitárias, quando comparada às formas não-cavitárias40,41. Quanto maior a população bacteriana, maior a chance de haver bacilos resistentes antes do início da quimioterapia. Dados oriundos de doentes submetidos à ressecção sem quimioterapia prévia permitiram estimativas da grandeza da população bacilar inicialmente presente nos diferentes tipos de lesões tuberculosas. As populações encontradas em cavidades eram da ordem de 107 a 108 bacilos, enquanto que, nas lesões caseosas endurecidas, não excediam 102 a 104 bacilos42. Ao mesmo tempo, as freqüências das resistências aos diferentes fármacos anti-tuberculose usualmente variam entre um em cada 106 bacilos e um em cada 108 bacilos. Essas taxas correspondem à freqüência média esperada de mutações espontâneas nos cromossomos do M. tuberculosis, e constituem uma das bases para a poliquimioterapia da tuberculose. Acredita-se que quando a resistência surge durante a quimioterapia, isso se deve à seleção e multiplicação de mutantes resistentes, pré-existentes nas populações das lesões. Com a destruição de grande parte dos bacilos sensíveis, que normalmente são a maioria, a primeira conseqüência é a rápida queda na população bacteriana total no início do tratamento. Posteriormente, o número de bacilos poderá voltar a crescer devido à multiplicação dos mutantes resistentes. A repositivação do escarro é um fenômeno conhecido há muito43,44,45 e de importância prática óbiva, porque permite a detecção da resistência por um método simples como a baciloscopia, desde que haja a certeza de que os remédios estão sendo usados conforme prescritos. Em locais onde não seja possível a realização de testes de sensibilidade, a repositivação da baciloscopia pode ser considerada como um "marcador" de resistência.

Até o momento, estudos sobre a resistência do M. tuberculosis aos fármacos antimicobacterianos (Quadro 1) identificaram alguns alvos das drogas e mecanismos de resistência (Quadro 2). Dos quatro principais mecanismos de resistência aos agentes antimicrobianos - inativação da droga46, prevenção do acesso da droga ao seu alvo47, redução da droga por superprodução do alvo4 e alteração do alvo por mutação48 - apenas os dois últimos foram demonstrados no M. tuberculosis até o momento.

 

 

 

 

Resistência à rifampicina - A rifampicina (RMP), uma ansamicina lipofílica, é muito ativa contra o M. tuberculosis, porque se difunde rapidamente através do envelope celular hidrofóbico. Atua ligando-se à enzima RNA-polimerase bloqueando a transcrição. A resistência resulta de mutações no gen rpoB, que codifica a subunidade β da RNA-polimerase49,50,51. Resistência a ela, embora rara (~10-8) resulta na seleção veloz de mutantes resistentes a outros fármacos do esquema de curta duração. Daí, a resistência à rifampicina poder ser considerada como um efetivo marcador de multidroga resistência52. Por outro lado, alguns dados preliminares indicam que determinadas mutações no rpoB, ao mesmo tempo em que determinam resistência à RMP, tornam a micobactéria mais susceptível à rifabutina53.

Resistência à isoniazida - A isoniazida, ou hidrazida do ácido isonicotínico (INH) é, provavelmente, o mais antigo fármaco sintético efetivo contra o M. tuberculosis. Foi descrita pela primeira vez em 191254, mas só foi reconhecida como potente agente contra o M. tuberculosis em 195155. Sua concentração inibitória mínima muito baixa (0,02 - 0,05 mg/ml) indubitavelmente contribui para sua eficácia. Um outro fator responsável pela sua potência pode ser o fato de que a droga age em diversos alvos na célula micobacteriana. A inibição da síntese de ácidos micólicos56, enfraquecendo a parede bacteriana, foi uma das primeiras ações descritas da INH sobre o bacilo tuberculoso. Esses ácidos gordurosos e insaturados de cadeia longa contribuem para a impermeabilidade do envelope celular e, por serem restritos às micobactérias, configuram um alvo seletivo para os fármacos. Pouco depois da introdução da INH no arsenal terapêutico contra a tuberculose, observou-se que alguns isolados altamente resistentes a ela não continham a enzima catalase-peroxidase, e que eram freqüentemente avirulentos para o cobaio57. Sabe-se hoje que a toxicidade da INH resulta de uma reação peroxidativa catalisada pela catalaseperoxidase, a qual é codificada pelo gen katG58,59. A ausência desse gen em isolados de M. tuberculosis altamente resistentes à INH pode ser uma evidência de uma ligação entre a catalase- - peroxidase e a resistência à INH60. Uma outra forma de desenvolvimento da resistência à INH pode se dar por mutações que levem à expressão reduzida do gen ou à redução da atividade peroxidativa. Essas mutações são mais freqüentes que as delações61.

Recentemente, dois outros gens foram ligados à resistência à INH, o inhA e o mabA. Mutações nesses gens resultam em menor nível de resistência tanto em micobactérias de crescimento rápido como nas de crescimento lento, e é acompanhada por resistência cruzada a um outro fármaco, a etionamida62, que aparentemente tem o mesmo alvo que a INH. Aparentemente, 10 a 20% dos isolados resistentes à INH não apresentam mutações nos gens katG e inhA. Na busca por gens adicionais, chegou-se a uma outra mutação genética relacionada à resistência à INH. Ela se daria no gen ahpC, que regula a alquil-hidroperóxido redutase C. Embora os mecanismos determinantes da resistência por esse gen ainda sejam desconhecidos63, acredita-se que aquela enzima retire o poder tóxico do intermediário ativo da INH64,65.

Sintetizando, os mecanismos genéticos determinantes da resistência à INH se dariam em três níveis: 1) Bloqueio da ativação da droga (katG); 2) Inativação do intermediário tóxico (para a bactéria) da INH (ahpC) e 3) Bloqueio da biossíntese do ácido micólico (mabA e inhA).

Resistência à estreptomicina - A estreptomicina (SM), um antibiótico de amplo espectro, foi a primeira droga usada para tratar a tuberculose. Sua ação sobre o M. tuberculosis se dá ao nível do ribossomo, evitando a translação do RNAm. A resistência a ela resulta predominantemente de mutações no gen rpsL, que codifica a proteína ribossômica S12. Cerca de 70% dos isolados clínicos resistentes à SM têm uma transição de A para G no codon 43 que leva à substituição da lisina pela arginina66,67. Uma pequena fração dos bacilos resistentes à SM tem mutações nas alças do RNAr 16S, que é codificada pelo gen rrs68. Entretanto, em cerca de 30% dos isolados resistentes à SM não se encontram mutações nos gens rpsL ou rrs69. Estudos nesse grupo mostraram menor grau de resistência e levantaram suspeitas de que tenham alterações na permeabilidade da parede celular70. Possivelmente, mecanismos adicionais ainda desconhecidos sejam responsáveis por 24-40% das resistências clínicas28,71.

Resistência ao etambutol - A atividade antibacteriana do etambutol é restrita ao M. tuberculosis, indicando que o alvo dessa droga é uma estrutura única do bacilo tuberculoso. Há indícios de que os gens embA e embB estariam envolvidos na biosíntese da arabinogalactan e da lipoarabinomanan, componentes estruturais chaves da parede celular da micobactéria, e que mutações nos gens da região emb determinariam a resistência72.

Resistência à pirazinamida - O conhecimento disponível sobre o(s) mecanismo(s) de ação da pirazinamida é inferior ao sobre os outros agentes antimicobacterianos. Cepas sensíveis de M. tuberculosis produzem a enzima pirazinamidase, que converte a pirazinamida ao ácido pirazinóico, o fármaco ativo contra a micobactéria. A participação da enzima pirazinamidase, presente nos bacilos susceptíveis mas marcadamente reduzida na maior parte das cepas resistentes, aponta para a via metabólica do nucleotídeo nicotinamida-adenina do bacilo como o alvo dessa droga. Por outro lado, não há concordância entre a perda da atividade da pirazinamidase e a resistência à pirazinamida73. Outras micobactérias podem ser resistentes à pirazinamida apesar de possuir atividade da pirazinamidase74. Recentemente, descrições publicadas sobre as mutações dos gens responsáveis pela codificação da pirazinamidase nas micobactérias75 podem ampliar o conhecimento sobre o tema.

Resistência às fluoroquinolonas - Recentemente demonstrou-se a poderosa atividade tuberculocida desse grupo de antibióticos76. Seu emprego no tratamento da doença foi impulsionado pelos recentes surtos de tuberculose multi-droga resistente. Entretanto, o emprego freqüente das fluoroquinolonas no tratamento de diversas outras doenças infecciosas está gerando cepas de M. tuberculosis resistentes a essas drogas77,78. Altos níveis de resistência ao ciprofloxacin, e resistência cruzada a outras fluoroquinolonas (ofloxacin, p. ex.)79 estão associados com um número limitado de mutações no gen gyrA, que codifica a subunidade A do DNA girase, uma topoisomerase do tipo II80,81,82 . Acredita-se que mecanismos adicionais de resistência, ainda não identificados, possam ser responsáveis por até 25% das resistências clínicas.

Pouco se sabe sobre as bases moleculares da resistência às drogas de segunda linha no tratamento da tuberculose: amicacina, capreomicina, kanamicina, ácido para-amino-salicílico, etionamida, tiacetazona, cicloserina e viomicina. A maior parte dos compostos deste segundo grupo são fracamente ativos e provocam altos índices de efeitos secundários, a maior parte tóxicos. A kanamicina e a capreomicina, tais como a estreptomicina, são inibidoras da síntese proteica. Embora as bases moleculares da resistência a essas drogas sejam desconhecidas, possivelmente envolvem modificação das estruturas ribossomicas, já que resistência cruzada é observada freqüentemente. Há dois mecanismos de ação propostos para o ácido para-aminosalicílico: interferência com a biossíntese do ácido fólico e inibição do uptake de ferro83, mas inexistem trabalhos para melhor avaliar esse fármaco. A cicloserina inibe a síntese de peptideoglican, bloqueando a ação da alanina racemase e da d-alanina sintetase. A expressão dessa última resulta em resistência à cicloserina84. A etionamida, estruturalmente relacionada à INH, possivelmente tem como alvo a biossíntese do ácido micólico. Mutações no gen inhA podem conferir resistência cruzada com a INH, mas outros gens possivelmente estão envolvidos na resistência seletiva à etionamida.

De modo geral, com exceção da rifampicina, a resistência às drogas anti-tuberculose resulta de mudanças em vários "gens alvos", vários dos quais ainda não foram identificados. A alteração do alvo da droga por mutações dos gens cromossomiais ocorre com os antibióticos de amplo espectro: fluoroquinolonas, estreptomicina e, às vezes, com a isoniazida, embora a resistência específica a essa última e à etionamida possa ocorrer por superprodução do InhA. Alteração da permeabilidade às drogas como um mecanismo causal de resistência ainda não foi demonstrada, mas poderia explicar os baixos índices de resistência à estreptomicina85 e à ciprofloxacina36. Um outro mecanismo comum de resistência, decorrente dos sistemas de efluxo de antibióticos86, nunca foi demonstrado no M. tuberculosis. Possivelmente isso reflete o fato de que, na natureza, o M. tuberculosis é predominantemente um parasita intracelular, e daí menos exposto aos determinantes mais comuns de resistência, freqüentes nos microrganismos extracelulares87. Aparentemente, a resistência concomitante a diferentes drogas (multidroga resistência) resulta da acumulação de mutações individuais em gens codificadores de "alvos" para os fármacos. Certamente, esquemas terapêuticos inadequados, irregularidade na tomada dos remédios e controle insatisfatório do doente durante o tratamento são os principais fatores causais da tuberculose multidroga resistente (resistência secundária).

Há contradições na literatura sobre a associação resistência – menor virulência. Ainda não há elementos que permitam definir se essa associação existe. Num estudo em cobaio, não se pode demonstrar perda consistente de virulência em bacilos multidroga resistentes, mas sim uma ampla variação na virulência das cepas. Infelizmente, nesse estudo não houve caracterização genética dos isolados, não havendo qualquer informação sobre a identificação e localização das mutações causadoras da resistência88. Em outro, com isolados de M. bovis geneticamente bem caracterizados, perda da virulência para o cobaio foi associada à perda da atividade da catalase mas não com mutações no inhA, que também confere resistência à INH89. Enfim, por que a resistência a uma ou mais drogas determinaria perda da virulência? Talvez a resposta esteja ligada ao fato de muitos dos alvos dos antimicrobianos serem gens "cuidadosamente conservados" importantes na mecânica celular, que são restritos na tolerância a mutações. Modificações nesses gens poderia resultar em impedimento funcional. Isso já foi demonstrado em bactérias de crescimento rápido, como a E. coli, mas não em micobactérias de crescimento lento90.

A detecção da resistência

O teste da sensibilidade da micobactéria às drogas anti-tuberculose tanto pode ser feito para fornecer informações úteis para a definição do esquema terapêutico de um indivíduo como para o planejamento das estratégias de tratamento em grande escala. Além disso, o monitoramento da resistência é um importante indicador da efetividade de um programa de controle da tuberculose91. Há três métodos clássicos para testar a susceptibilidade do bacilo tuberculoso às drogas no meio de Lowenstein-Jensen: o da concentração absoluta, o do rateio da resistência e o das proporções. Esse último representa a base para a implementação de variantes mais modernas de testagem: método das proporções utilizando meio sólido semisintético e método radiométrico usando o Bactec. Embora o sistema Bactec TB-460 para detecção primária e subseqüente testagem da sensibilidade tenha trazido economia significativa de tempo (o isolamento do M. tuberculosis é possível em 1 a 2 semanas, e 7 a 10 dias adicionais são necessários para os resultados dos testes de sensibilidade), ainda há problemas técnicos na padronização dos testes de sensibilidade (dificuldades na definição do tamanho apropriado do inóculo, estabilização dos fármacos nos diferentes meios de cultura e confiabilidade dos resultados com relação a alguns dos fármacos).

Modernamente, estratégias moleculares para a detecção laboratorial da resistência vêm sendo desenvolvidas. Como, teoricamente, a necessidade de crescimento em culturas é mínima ou nenhuma para a detecção de marcadores genéticos de resistência, os testes baseados nessas técnicas trazem vantagens como a redução do tempo necessário para o resultado e a possibilidade de automação do exame. A análise das mutações que conferem resistência às drogas às micobactérias geralmente envolvem 1) ruptura da parede micobacteriana por aquecimento ou por dano mecânico, 2) amplificação da região genômica que confere resistência pela reação em cadeia da polimerase (PCR) e 3) análise pós-amplificação das mutações. Entretanto, esses métodos de análise requerem grandes quantidades de produtos da amplificação para que resultados ambíguos possam ser evitados. Embora essa limitação prática não se aplique à análise de colônias isoladas ou de culturas pelo Bactec, a detecção direta de marcadores de resistência em espécimes clínicos pode ser limitada pela presença de inibidores nas amostras processadas ou pelo pequeno número de genomas micobacterianos no material. Para superar esses obstáculos, desenvolveu-se uma técnica de reação de amplificação que aumenta a sensibilidade da detecção do M. tuberculosis no escarro92. Na prática, na ausência dessa técnica, a análise da resistência fica limitada às culturas positivas pelo Bactec (índice de crescimento ≥ 100) ou a colônias em meio sólido, ou a amostras de escarro fortemente positivas.

O doente e a resistência

Conceitualmente, um paciente diagnosticado como portador de tuberculose que inicia o tratamento quimioterápico tanto pode ter suas lesões colonizadas por bacilos que adquiriram resistência durante o tratamento como pode ser portador de M. tuberculosis que, desde o processo de infecção, já eram resistentes a uma ou mais drogas. A primeira situação é denominada resistência adquirida e a segunda resistência primária. A resistência adquirida é um indicador sensível para avaliar se tanto o médico como o paciente seguem as recomendações padronizadas para o tratamento da tuberculose. Como essa forma de resistência depende do uso prévio de drogas anti-tuberculose, pacientes tratados anteriormente podem ser conjugados como um grupo onde a chance de haver resistência é maior. Esse grupo inclui quatro tipos de doentes:

• Pacientes nos quais houve falência do tratamento, isto é, eram bacilíferos no início da quimioterapia e assim permaneceram, ou repositivaram a partir do quinto mês de tratamento.

• Pacientes que voltaram a ser bacilíferos após terminar o tratamento e terem tido alta por cura (recidiva).

• Pacientes que interromperam o tratamento por mais de dois meses após terem recebido os remédios por pelo menos um mês e que retornam com exame positivo.

• Pacientes que continuam positivos após completarem esquema de retratamento (crônicos).

A resistência primária é um conceito teórico que se refere a doentes que nunca tomaram remédios para tuberculose ou que só o fizeram por menos de um mês, e que têm bacilos resistentes a uma ou mais drogas anti-tuberculose.

Como o tratamento irregular pode levar à resistência?93. Durante a quimioterapia, ciclos de destruição bacteriana (durante a tomada das drogas) se alternam com ciclos de crescimento bacilar (quando a droga é suspensa). Em cada um desses ciclos ocorre seleção, favorecendo os mutantes resistentes em detrimento dos sensíveis. O recrudescimento da população bacteriana ao tamanho da população inicial, pré-início da quimioterapia, pode ocorrer com a presença de proporções crescentes de bacilos resistentes ao início de cada ciclo. Diferentes mecanismos, incluindo o efeito bactericida precoce das drogas usadas, a "monoterapia" durante a esterilização de populações bacterianas especiais (bacilos semidormentes) e inatividade metabólica da micobactéria pós-exposição ao fármaco favoreceriam a seleção de mutantes resistentes. O efeito bactericida precoce, ou seja, a velocidade com a qual a droga começa a destruir o bacilo é importante na redução da população bacteriana. Esquemas medicamentosos que contenham a isoniazida começam a matar mais rapidamente que esquemas com a rifampicina (mas sem a INH)94,95. Assim, nos primeiros dois dias de tratamento96 com um esquema contendo apenas INH e RMP, os mutantes INH-resistentes seriam selecionados. Como a população inicial em lesões cavitárias é grande, haverá também bacilos resistentes à RMP e, em pouco tempo a lesão estará colonizada por uma população crescente e resistente às duas drogas. Por isso, um esquema terapêutico deve conter, pelo menos, três drogas na sua fase inicial e. idealmente, todas com alto efeito bactericida precoce, o que reduziria a probabilidade de seleção de mutantes resistentes a uma ou mais drogas. O papel particular da rifampicina e da pirazinamida sobre a população semi-dormente de bacilos, faz com que sejam consideradas drogas altamente esterilizantes. A rifampicina destrói o bacilo sensível que desenvolva atividade metabólica mínima e a pirazinamida destrói o bacilo localizado em ambientes ácidos (intramacrofágico). Em esquemas que contenham essas duas drogas acompanhadas pelo etambutol (EMB) e/ou isoniazida, certamente haverá monoterapia nessas duas populações bacterianas, já que nem a INH nem o EMB têm ação naquelas situações. Dependendo do seu número nas lesões pré-início da quimioterapia, mutantes resistentes teriam, então, maior chance de sobreviverem. O bacilo tuberculoso sofre um hiato metabólico de duração variável para cada fármaco após a exposição à droga. Se o intervalo entre as tomadas de remédio é superior a esse hiato, haverá recrudescimento da população bacteriana. Os dois primeiros mecanismos ocorreriam nas fases de destruição ou de inibição bacilar, e o último durante o crescimento bacteriano subseqüente. Na maior parte das vezes, a resistência emerge primeiro de uma das drogas do esquema terapêutico, seguindo-se o desenvolvimento de resistência a outra(s), produzindo a tuberculose multidroga resistente.

 

Agradecimento

Agradeço à Maria Beatriz Campos pela revisão gramatical deste texto.

 

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