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Boletim de Pneumologia Sanitária
versão impressa ISSN 0103-460X
Bol. Pneumol. Sanit. v.8 n.2 Rio de Janeiro dez. 2000
Tuberculose na criança
Sonia Natal
Centro de Referência Professor Hélio Fraga - FUNASA; Faculdades de Ciências Médicas / Universidade de Pouso Alegre
RESUMO
A medida mais eficaz para a prevenção da tuberculose, tanto no adulto quanto na criança, é a busca sistemática de casos. Entre as crianças, os grupos de maior risco são os contatos de casos de tuberculose pulmonar positiva e as que vivem em precárias condições sócio-econômicas. É sabida a dificuldade para diagnosticar tuberculose em crianças, devido, entre outros fatores, à pouca expressão dos sintomas iniciais e à limitação dos métodos utilizados para a confirmação bacteriológica. Na prática, o diagnóstico baseia-se na identificação da fonte contagiante, nos dados clínicos, na presença de imagem radiológica e no resultado do teste tuberculínico. O diagnóstico clínico, na criança, não é esclarecedor; a baciloscopia é difícil nas crianças menores de 10 anos e os métodos sorológicos, ELISA, e a detecção do DNA, PCR, também não corresponderam à expectativa. O tratamento da tuberculose é bem tolerado pelas crianças e, como métodos de prevenção, a vacina BCG e a quimioprofilaxia são os indicados.
Palavras chave: tuberculose na criança, contato de tuberculose, diagnóstico da tuberculose, tuberculose tratamento
SUMMARY
The most effective measure for the tuberculosis prevention in the child, it is the systematic search of cases smear-positive tuberculosis. The highers group risk of tuberculosis in children are the contacts of positive lung tuberculosis and the ones that live in precarious socioeconomic conditions. The diagnosis of childhood tuberculosis is often uncertain, there are a continuing inability to confirm the diagnosis of tuberculosis in many children. The clinical diagnosis, in the child, is not helpfull; the baciloscopia is difficult in the 10 year-old smaller children and the methods sorológicos, ELISA, and the detection of DNA, PCR, didn't also correspond the expectation. The tuberculin skin test and to find the source case remains very important for tuberculosis diagnosis in children. The treatment of the tuberculosis is well tolerated by the children and as prevention methods the vaccine BCG and the chemoprophylaxis are the suitable ones.
Key words: pediatrics tuberculosis, tuberculosis contact, tuberculosis diagnosis, tuberculosis treatment
Como reduzir a tuberculose na criança
O número de casos de tuberculose na criança, principalmente em menores de 5 anos, está diretamente relacionado com a prevalência de tuberculose do adulto. Por conseqüência, se o Programa de Controle da Tuberculose (PCT) não diagnosticar e tratar precocemente a tuberculose do adulto, não se reduzirá a tuberculose da criança.
A medida mais eficaz para a prevenção da tuberculose, tanto no adulto quanto na criança, é a busca sistemática de casos, uma ação capaz de realizar um diagnóstico oportuno e, assim, reduzir a disseminação de bacilos na comunidade. No quadro 1, estão relacionados os grupos prioritários para a busca e os exames que deverão ser realizados para descobrir os casos novos e tratá-los e para identificar as pessoas com maior risco de adoecimento, para as quais estão indicadas a quimioprofilaxia ou a vacina BCG.
De acordo com os exames utilizados para o diagnóstico, estabelecem-se combinações de resultados que geram condutas como os apresentados no quadro 2.
Entre as crianças, os grupos de maior risco são os contatos de casos de tuberculose pulmonar positiva e as que vivem em precárias condições sócio-econômicas. Há outros importantes grupos de risco que estão apresentados no Quadro 3.
Diagnóstico
É sabida a dificuldade para diagnosticar tuberculose em crianças, devido, entre outros fatores, à pouca expressão dos sintomas iniciais e à limitação dos métodos utilizados para a confirmação bacteriológica.
Na prática, o diagnóstico baseia-se na identificação da fonte contagiante, nos dados clínicos, na presença de imagem radiológica e no resultado do teste tuberculínico. Apesar de o quadro clínico quase sempre não ser esclarecedor e a radiologia do tórax frequentemente não apresentar imagens características de tuberculose como ocorre no adulto - infiltrados com cavitação nos 1/3 superiores - na criança, a reunião desses elementos com a história de contato recente ou atual e o resultado do teste tuberculínico, forma um conjunto de dados que permitem chegar a um diagnóstico com aceitável grau de certeza. (Quadro 4)
Destes elementos deve-se destacar o teste tuberculínico, que é um poderoso auxiliar, não só para o diagnóstico como também para a indicação da quimioprofilaxia e da vacinação BCG. Este teste é ainda o único meio para detectar a infecção por tuberculose em assintomáticos. Entretanto, sua baixa sensibilidade e especificidade limitam seu uso para determinar os indivíduos de maior risco de adoecimento. Pode verificar-se anergia à tuberculina por causas como a desnutrição, a infecção pelo HIV e outras condições de imunodeficiência.
No Brasil, emprega-se a tuberculina PPD Rt23 e os resultados do teste são classificados em três categorias: não reatores, reatores fracos e reatores fortes, com os respectivos pontos de cortes: menor que 4 mm, menor que 9 mm e 10 mm e mais. A interpretação dos resultados varia de acordo com a presença de cicatriz vacinal pelo BCG e com o tempo decorrido da vacinação, além da presença ou ausência de infecção pelo HIV, como apresentado no quadro 5.
Como citado acima, o diagnóstico clínico não ajuda muito na criança. Esta pode apresentar febre, habitualmente moderada, persistente por mais de 15 dias e freqüentemente vespertina. São comuns: irritabilidade, tosse, perda de peso, sudorese noturna, às vezes profusa; a hemoptise é rara. Podem ocorrer sibilos quando a adenopatia mediastinal comprime um brônquio, possibilitando inclusive uma atelectasia do segmento adjacente ao brônquio. Também é importante pensar-se em tuberculose em casos de pneumonia que não apresentam melhora com o uso de antimicrobianos para germes comuns.
A baciloscopia do escarro, que é um método simples e eficaz para o diagnóstico da tuberculose do adulto, na criança tem baixo rendimento, tanto pela dificuldade que esta tem de produzir material adequado para exame, como pela reduzida população bacteriana que, em geral, apresenta. O lavado gástrico como método alternativo para coleta de material é de baixa sensibilidade e tem o inconveniente de exigir a internação da criança.
Os testes sorológicos propostos, como ELISA, foram desapontadores para o diagnóstico da tuberculose na criança3 . A detecção do DNA em escarro de adultos com tuberculose pulmonar, utilizando-se o PCR, apresentou especificidade de 100,0% e sensibilidade de 90,0%, em condições experimentais. Entretanto, outras pesquisas mostraram que ambas, a sensibilidade e a especificidade, variavam entre os laboratórios que realizavam o estudo. No trabalho de SCHLUGER 4, 1994, o PCR apresentou sensibilidade de 100,0% e especificidade de apenas 70,0%; o PCR foi positivo tanto em pessoas com tratamento anterior para tuberculose quanto naquelas infectadas assintomáticas. De acordo com esses estudos, o PCR, quando negativo, seria útil para o diagnóstico, pois afastaria a possibilidade de tuberculose, mas, se positivo, poderia indicar tuberculose passada, vacina BCG e/ou infecção.
Tratamento
O tratamento da tuberculose na criança, utilizando-se o esquema de curta duração, 2RHZ/4RH, é bem tolerado, havendo poucos registros sobre intolerância às drogas. No quadro 6, estão apresentadas as situações em que a criança deve ser tratada.
O maior problema para o controle do tratamento da tuberculose na criança está nas fontes de contágio que poderão ser adultos eliminadores de bacilos resistentes - uma condição decorrente da irregularidade do tratamento - que desenvolverão na criança tuberculose com resistência primária. Já a resistência adquirida está ligada ao uso inadequado das drogas, situação que depende diretamente do adulto responsável pelo menor. Portanto crianças com tuberculose que têm como responsáveis pessoas com problemas como desemprego, uso de álcool ou drogas ilícitas, e/ou com história de abandono de tratamento, condições sócio-econômicas precárias, devem receber tratamento supervisionado, pelo menos três vezes por semana para garantir a cura da doença e evitar seqüelas pulmonares.
Efeitos adversos das drogas:
Isoniazida: o mais grave efeito tóxico é a hepatite que é rara na criança, apesar de haver registro freqüente de elevação das enzimas hepáticas; a neurite periférica, também rara, pode incidir em crianças com grave desnutrição, o que leva a utilizar-se a piridoxina. A forma em suspensão, deste produto, pode dar diarréia. Neste caso, deve-se administrar comprimidos.
Rifampicina: o mais comum efeito adverso é sintomatologia gastrointestinal; outros efeitos como erupção cutânea, hepatite, colestase, são raros. Ë importante informar ao responsável que a urina, a saliva e as lágrimas poderão apresentar cor alaranjada, pois os metabólitos da rifampicina são excretados pelos fluidos corporais.
Pirazinamida: provoca poucos efeitos adversos na criança. Contudo, elas podem apresentar sintomas gastrointestinais, disfunção hepática e "rash" cutâneo.
Etambutol: deve-se evitar o uso desta droga em crianças menores de 6 anos devido ao risco de neurite retrobulbar, com sintomas de alteração das cores e visão borrada. No caso de ser indispensável, deve-se utilizá-la em doses menores - 15 mg/kg/dia.
Estreptomicina: o maior inconveniente é a via de administração, que é intramuscular. O efeito adverso mais grave é a otite, com presença de zumbidos e de vertigem.
O ideal seria sempre tentar esclarecer o diagnóstico, o que nem sempre é possível por falta de recursos técnicos e/ou pela necessidade de uma intervenção imediata para evitar o agravamento do quadro clínico da criança. A melhor conduta, no caso desta impossibilidade, é fazer teste terapêutico com antibiótico de largo espectro, por 14 dias; se houver melhora clínica e radiológica importante, afasta-se o diagnóstico de tuberculose; caso contrário, indicar e avaliar a prova terapêutica para tuberculose, especialmente em pacientes usuários de álcool e/ou drogas ilícitas, condições sócio-econômicas muito precárias, HIV positivo, diabético, uso de corticóide prolongado, menor de 5 anos.
Prevenção
O principal meio de prevenção é a busca de casos de tuberculose e o tratamento adequado dos casos descobertos, pois tanto a vacina quanto a quimioprofilaxia não protegem totalmente do adoecimento.
Vacina BCG: é de grande importância para reduzir as formas graves da tuberculose na criança. A análise de 26 estudos prospectivos, caso-controle de vacina com BCG intradérmica, por COLDITZ5 , 1994, mostrou que a vacinação reduziria o risco de adoecer em 50,0% para a tuberculose todas as formas. Entretanto, a proteção da vacina BCG contra as formas graves, meningo-encefalite, miliar e mortes por tuberculose, já está bem estabelecida, reduzindoas mesmo nas regiões onde a prevalência da tuberculose bacilífera se mantém alta. A vacina BCG está recomendada nos recém-nascidos, mesmo filhos de mães HIV +, desde que a criança não apresente sinais de imunodeficiência. Deve-se revacinar na idade escolar.
Quimioprofilaxia: a isoniazida deve ser considerada para as crianças menores de 5 anos, reatores fortes ao teste tuberculínico, contato de doente com tuberculose. Em maiores de 5 anos, deve-se verificar o risco e o benefício da quimioprofilaxia, considerando-se a condição de crianças pertencentes ao grupo de risco, como exposto no quadro 2.
Referência bibliográfica
1. Colditz G, Brewer T, Berkey C, Wilson M, Burdick E, et al. Efficacy of BCG vaccine in prevention of tuberculosis: meta-analysis of the published literature. JAMA 1994; 271: 698-702.
2. Daniel T, Debane S. The serodiagnoses of tuberculosis and other mycobacterial diseases by enzyme-linked immunosorbbent assay. Am Rev Respir Dis 1987; 135: 1137-51.
3. Schluger N, Kinney D, Harkin T, Rom W. Clinical utility of the polymerase chain reaction in the diagnosis of infections due to mycobacterium tuberculosis. Chest 1994; 105: 1116- 1121.
4. Stamos JK, Rowley AH. Pediatric tuberculosis: na update. Curr Probl Pediatr 1995; 25(4): 131-136.